Continuando no exame da Lei nº 13.846/2019, este artigo examina a alteração realizada sobre o novo período de carência exigido para quem perder a qualidade de segurado e, posteriormente, retornar ao RGPS.
Recorda-se que a carência é o número mínimo de contribuições que o segurado deve pagar para ter direito ao benefício da Previdência Social.
Seu conceito é dado pelo art. 24 da Lei nº 8.213/91: “Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”. Trata-se do recolhimento de um número mínimo de contribuições durante um determinado período, necessário para a obtenção do benefício.
Quando um segurado cessa o pagamento das contribuições à Previdência Social (pelo desemprego ou por outra razão que o afaste do desempenho de alguma atividade de filiação obrigatória), ainda conta com um período adicional concedido por lei, que é o denominado período de graça (art. 15 da Lei nº 8.213/91).
Com o decurso de eventual período de graça ocorre a perda da qualidade de segurado, logo, durante este período a pessoa deixa de ter direito aos benefícios e serviços do RGPS.
Assim, quando um segurado perde a sua qualidade a retorna ao RGPS, deve pagar um número mínimo de novas contribuições, para aproveitar as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado e para ter direito aos benefícios e serviços da Previdência Social.
Essa quantidade mínima de novas contribuições foi objeto de diversas mudanças legislativas recentes.
No dia 07 de julho de 2016 foi publicada a Medida Provisória nº 739/2016, que entrou em vigor na mesma data e modificou dispositivos da Lei nº 8.213/91 sobre a aposentadoria por invalidez e o auxílio-doença.
Entretanto, a MP 739/2016 não foi convertida em lei no prazo previsto no art. 62, § 3º, da Constituição, e perdeu sua eficácia no dia 04 de novembro de 2016.
Por essa razão, no dia 06 de janeiro de 2017, foi publicada a Medida Provisória nº 767, de conteúdo similar ao da MP 739/2016.
Por sua vez, a MP 767/2017 foi convertida na Lei nº 13.457/2017, que entrou em vigor no dia 27 de junho de 2017.
Uma das mudanças significativas promovidas pelas Medidas Provisórias nº 739/2016 e 767/2017, e reproduzida na Lei nº 13.457/2017, está na revogação do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.213/91, que permitia a utilização das contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado para o cômputo da carência do benefício, após o recolhimento de 1/3 das contribuições exigidas para esse fim:
“Art. 24. (...) Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido”.
Em consequência, o segurado que perdia a sua qualidade após a cessação das contribuições e o decurso de eventual período de graça, quando retornasse ao RGPS deveria cumprir integralmente o período de carência a partir das novas contribuições, para a obtenção dos benefícios previdenciários que exigirem o cumprimento da carência. Por exemplo, ao perder a qualidade de segurado, sua reaquisição só permitiria o direito aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez após o recolhimento de 12 contribuições, em regra (art. 25, I, da Lei nº 8.213/91).
Essa regra constou expressamente do parágrafo único do art. 27 da Lei nº 8.213/91, incluído pela MP 739/2016:
“Art. 27. (...) Parágrafo único. No caso de perda da qualidade de segurado, para efeito de carência para a concessão dos benefícios de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez e de salário-maternidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com os períodos previstos nos incisos I e III do caput do art. 25”.
Contudo, essa regra teve vigência apenas no intervalo de 07 de julho de 2016 (data da publicação da MP 739/2016) a 04 de novembro de 2016.
A partir de 05 de novembro de 2016, com a ausência da conversão da medida provisória em lei, voltaram a viger as regras anteriores.
Todavia, dois meses depois, em 06 de janeiro de 2017, entrou em vigor a Medida Provisória nº 767, que novamente revogou o parágrafo único, do art. 24, da Lei nº 8.213/91. Além disso, o texto que a MP 739/2016 havia criado para o parágrafo único, do art. 27, da Lei nº 8.213/91 passa, com a MP 767/2017, a constar do novo art. 27-A da Lei nº 8.213/91:
“Art. 27-A. No caso de perda da qualidade de segurado, para efeito de carência para a concessão dos benefícios de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez e de salário-maternidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com os períodos previstos nos incisos I e III do caput do art. 25”.
O dispositivo reiterava a principal consequência advinda com a revogação do art. 24, consistente na exigência de cumprimento integral da carência para os referidos benefícios, após a eventual perda da qualidade de segurado.
Durante a tramitação legislativa de conversão da MP 767/2017 na Lei nº 13.457/2017 (em vigor desde 27 de junho de 2017), manteve-se a revogação do parágrafo único, do art. 24, da Lei nº 8.213/91, mas o conteúdo do art. 27-A foi modificado, para se exigir o recolhimento de metade das contribuições exigidas para a carência dos benefícios por incapacidade (para todos os segurados) e do salário-maternidade (para as seguradas contribuinte individual e facultativa):
“Art. 27-A. No caso de perda da qualidade de segurado, para efeito de carência para a concessão dos benefícios de que trata esta Lei, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com metade dos períodos previstos nos incisos I e III do caput do art. 25 desta Lei”.
Em consequência, durante um intervalo inferior a 12 meses (entre 06 de julho de 2016 e 27 de junho de 2017), o Regime Geral de Previdência Social brasileiro conteve cinco regras distintas acerca do número de contribuições necessárias para readquirir as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado.
Porém, essa ainda não foi a norma definitiva sobre a matéria.
Transcorrido um pouco mais de um ano e seis meses desde a última mudança, a Medida Provisória nº 871/2019 novamente alterou esse dispositivo legal, restituindo as regras previstas na MP 767/2017, por meio de nova modificação no art. 27-A da Lei nº 8.213/91:
“Art. 27-A. Na hipótese de perda da qualidade de segurado, para fins da concessão dos benefícios de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez, de salário-maternidade e de auxílio-reclusão, o segurado deverá contar, a partir da data da nova filiação à Previdência Social, com os períodos integrais de carência previstos nos incisos I, III e IV do caput do art. 25”.
Entretanto, cinco meses depois, o art. 27-A da Lei nº 8.213/91 foi mais uma vez modificado, pela Lei nº 13.846/2019, que entrou em vigor no dia 18 de junho de 2019 e restabeleceu a regra da metade do prazo de carência para o reaproveitamento das contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado:
“Art. 27-A Na hipótese de perda da qualidade de segurado, para fins da concessão dos benefícios de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez, de salário-maternidade e de auxílio-reclusão, o segurado deverá contar, a partir da data da nova filiação à Previdência Social, com metade dos períodos previstos nos incisos I, III e IV do caput do art. 25 desta Lei”.
Assim, mais uma vez e em um curto período de tempo, voltou-se a prever o pagamento de metade das contribuições exigidas para a carência dos benefícios por incapacidade (para todos os segurados) e do salário-maternidade (para as seguradas contribuinte individual e facultativa).
Outra novidade está na inclusão do auxílio-reclusão, que não possuía período de carência e passou a ter, de 24 contribuições mensais (art. 25, IV, da Lei nº 8.213/91, acrescido pela MP 871/2019 e mantido pela Lei nº 13.846/2019).
Assim, em um período de quase três anos (de 06 de julho de 2016 a 18 de junho de 2019), o Regime Geral de Previdência Social brasileiro teve sete regras distintas sobre o número de contribuições necessárias para readquirir as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado.