Inquérito policial.

Perspectiva atual e importância do Laudo Pericial

01/09/2019 às 12:35
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Abandonou-se aquela visão reducionista acerca da do inquérito policial, consagrando como verdadeiro processo administrativo apto a embasar futura ação penal. Mas para a isonomia da investigação, deve-se utilizar o laudo pericial como alicerce.

1. INTRODUÇÃO

Vigora no Brasil, um sistema de investigação preliminar conduzido pela Polícia Judiciária, sendo o inquérito policial o principal procedimento investigativo em busca da verdade na fase pré-processual. O inquérito policial possui atribuição residual, pois tudo que não for apurado através do termo circunstanciado de ocorrência, sê-lo-á pelo inquérito, o qual não possui caráter automático.

A leitura moderna indica existência de outros procedimentos policiais, a saber, a Verificação da Procedência das Informações, a VPI, a qual constitui-se em importante instrumento para evitar a instauração automática e mecânica do inquérito policial, de modo a evitar a colocação da pessoa imediatamente na condição de “réu”, "investigado" ou "suspeito".

Através da notícia-crime verifica-se a existência de indícios suficientes a ensejar um futuro inquérito policial, que não poderá ser utilizado para denegrir ou prejudicar as pessoas, pois há que investigar quais elementos de cognição possam ser colhidos. Inicialmente há que se fazer um juízo de possibilidade (se há a existência de indícios mínimos) também denominado de juízo de prognose, feito no início e durante as investigações, e posteriormente, ao final, se há indícios suficientes para a formação da justa causa a embasar a ação penal, denominado de juízo de diagnóse.

2. A MODERNA VISÃO DO INQUÉRITO POLICIAL

A visão constitucional do inquérito policial o confunde com o próprio gênero, gênero de investigação criminal, mas também vale para os demais procedimentos, tais como o termo circunstanciado de ocorrência, a verificação da procedência das investigações e o boletim de ocorrência circunstanciado (atos infracionais).

A doutrina tradicional trata o inquérito policial como o procedimento administrativo inquisitivo, meramente informativo, dispensável e com função preparatória. Por sua vez, a doutrina moderna considera o inquérito policial um processo administrativo, apuratório (e não inquisitivo), informativo e também probatório, com função preparatória, mas também conservadora.

Na visão reducionista, o investigado era tratado como objeto e o Estado teria vantagem em relação a ele. Mas para restabelecer essa igualdade, tendo em vista o desnível provocado pelo próprio criminoso, é preciso que o Estado tenha alguma vantagem na etapa investigativa, para a eficiente colheita de vestígios. Essa vantagem consiste no elemento surpresa, materializada no sigilo inicial das investigações pela polícia judiciária, pois são realizadas sem prévia notificação do suspeito para que tenham um mínimo de eficácia na colheita de elementos informativos e probatórios.

Contudo, esse sigilo não é absoluto. O inquérito policial não é sigiloso ao investigado ou ao seu advogado, caso o tenha. Esses possuem livre acesso aos autos do IP, detendo o direito de saber a respeito dos atos de investigação no que se refere aos elementos já documentados e concluídos que tenham sido juntados aos autos (e não as diligências ainda em curso) para que possam desenvolver sua defesa.

O inquérito policial é um processo apuratório, pois se trata de apuração criminal que compatibiliza com o sigilo inicial, a imparcialidade e a dignidade da pessoa humana. O termo inquisitivo nos remete à Santa Inquisição, que tratava o imputado como mero objeto e não como sujeito de direitos.

Nessa seara, há que se ressaltar que o contraditório e a ampla defesa não são mais afastados completamente no inquérito policial. Embora o inquérito seja sigiloso para garantir o mínimo de eficiência às investigações policiais (CPP e Lei de Acesso a Informação), existe sim no inquérito policial a aplicação relativizada do contraditório e da ampla defesa. A posição antiga é reducionista. O investigado tem o direito de saber sobre o que está sendo investigado.

A ampla defesa engloba a autodefesa e a defesa técnica. O investigado tem o direito de se defender, pela análise da nossa legislação e pelo STF, na Súmula 14. Apesar do inquérito policial ser sigiloso, esse sigilo é externo, que difere do sigilo interno do investigado. Esse acesso não é amplo e irrestrito. A Polícia Civil realiza a diligência de forma sigilosa, após ser documentada no inquérito policial, essa diligência poderá ser aberta ao advogado, quando finalizada, conforme prevê o Estatuto da OAB, no artigo 7º, parágrafo XI. Possibilitou-se o acesso ao advogado após a conclusão da diligência, o que demonstra a incidência mitigada da defesa no inquérito policial. Além disso, a nova lei reconheceu como necessária a participação do advogado no interrogatório ou depoimento do investigado, sob pena de nulidade absoluta, conforme prevê o art. 7º parágrafo XXI do Estatuto da OAB.

Desde a ampliação do artigo 7º do Estatuto da Advocacia, princípios e valores constitucionais podem incidir na fase de investigação policial. Nesta linha, destaca-se a decisão de 28/08/2018 onde foi permitido assistente técnico da defesa em perícia durante o inquérito policial, onde, com esse entendimento, a juíza Ana Helena Mota Lima Valle, da 21ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, autorizou que uma perícia feita durante inquérito seja acompanhada por perícia técnica indicada pela defesa do investigado (OLIVEIRA, 2018).

Portanto, o inquérito policial não é meramente informativo, desprovido do contraditório e da ampla defesa, entendimento já superado mediante as alterações trazidas pela Lei 13.245/2016, que modificou o Estatuto da OAB. O inquérito policial é informativo e probatório; produz, de fato, elementos informativos em relação aos quais o contraditório é regrado quanto ao direito de informação, ou seja, condicionado à conclusão das diligências policiais, basicamente às oitivas que serão repetidas em juízo. Há que se mencionar que o inquérito policial também produz elementos probatórios com a incidência plena do princípio do contraditório, ainda que postergado para a fase processual, como é o caso das provas cautelares e irrepetíveis. Ademais, demais atos obtidos no inquérito policial também podem servir como elementos complementares de convicção dos juízes.

Posto isto, destacam-se as provas periciais, que mesmo sendo realizadas durante o inquérito são aceitas na fase processual, uma vez que são referentes aos exames relacionados ao delito e que dificilmente poderiam ter seus resultados modificados ou alterados.

O Código de Processo Penal, por sua vez, em seu artigo 6°, dispõe sobre o procedimento do inquérito policial na investigação criminal. Vejamos: 

Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;

II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;

III-colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

VII-determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;

Depreende-se dos artigos do Código de Processo Penal colacionados acima, a importância da perícia técnica para o Inquérito Policial. Segundo Oliveira (2013), as estatísticas no Brasil demonstram que quando a perícia técnica atua de uma maneira mais integrada à investigação criminal, ou pelo menos, o conhecimento criminalístico é adequadamente aplicado no processo investigatório, obtêm-se melhores resultados. Outrossim, havendo integração e complementaridade entre o trabalho de investigação e a perícia, as investigações teriam seu valor probatório bastante robustecido na justiça, o que, melhoraria a efetividade da investigação criminal, reduziria a impunidade e possibilitaria a redução do tempo dos procedimentos com um melhor aproveitamento de recursos.

Com relação à indispensabilidade do inquérito policial, há que se ressaltar que, embora a ação penal não dependa necessariamente de um inquérito policial, ele não é absolutamente irrelevante. O inquérito policial serve como um filtro para possíveis acusações infundadas. A persecução penal, em regra, não se inicia na segunda fase, mas sim na primeira fase. A obtenção de justa causa pelo Ministério Público é uma exceção e não uma regra. Ainda que se possa iniciar o processo penal, ação penal sem inquérito policial, ele não é dispensável, pois é o instrumento por excelência e não mera peça informativa.

Dentre as finalidades do inquérito policial podemos destacar que ele não é unidirecional, ou seja, ele não serve única e exclusivamente para fornecer subsídios mínimos de prova a embasar a justa causa a ensejar uma futura ação penal pelo Ministério Público (função preparatória). Embora não sejam todos os inquéritos policiais que originarão uma ação penal. A Polícia Civil, órgão imparcial, não é acusadora como é o Ministério Público. Deste modo, tem função preservadora dos direitos fundamentais do cidadão. Não obstante, alguns autores questionam a possível falta de imparcialidade do próprio sistema, que concentra a competência para a condução do processo investigatório, estando o inquérito policial a cargo da polícia judiciária, e competência para proporciona a prova técnica, a cargo da perícia criminal.

A autoridade policial pode fornecer provas tanto para a acusação quanto para a defesa, pois o delegado não tem como objetivo punir nem isentar de pena o cidadão investigado. A autoridade policial busca a função de justiça e, por isso, função preservadora dos direitos dos investigados. Essa interpretação se extrai da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal. O legislador tratou o inquérito policial como uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados ainda quando não se tem o conjunto dos fatos.

O STF já reconheceu as funções: função preparatória do inquérito policial e função preservadora de direitos e garantias constitucionais do investigado, inquérito com função garantista da Constituição Federal, inquérito policial como devida investigação criminal, que não trata a pessoa investigada como objeto, mas como sujeito de direitos.

2.1 auxilio da perícia criminal 

A prova técnica garante a robustez ao inquérito, pois é imparcial e fundamentada na ciência.  Sabe-se que a prova pericial, materializada através do laudo, sana dúvidas e ilumina as decisões dos atores da persecução penal. A Autoridade Policial, deve não só proceder a solicitação de exame pericial, mas também companhar os exames, e posteriormente formulando quesitos pertinentes em prol da investigação.

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A distância dos profissionais responsáveis pela análise técnico-científica das evidências inerentes a um fato, a cargo dos profissionais da perícia criminal, e dos responsáveis pela condução do processo investigatório, a cargo da polícia judiciária, pode aparentar uma maior isonomia a prova técnica. Contudo, a desvinculação das instituições também traz um afastamento entre os agentes atuantes nas atividades fins e muitas vezes uma excessiva burocratização na lida dos procedimentos decorrentes do dia a dia, causando implicações diretas na produtividade dos agentes de segurança pública e no tempo de troca de informações.

Na configuração atual, é comum que o auxílio da perícia criminal num processo investigatório se dê apenas na fase processual, não participando, portanto, da fase pré-processual constituída do inquérito policial, o que pode ser prejudicial ao levantamento das informações de interesse.

Ademais, com o distanciamento institucional entre os condutores do processo de investigação e os profissionais responsáveis pela análise científica dos vestígios, torna-se mais difícil a compreensão do trabalho alheio à sua própria função / instituição, por muitas vezes limitando o trabalho investigativo, em âmbito geral, por determinada alienação do processo.

3. CONCLUSÃO

O inquérito policial atua como filtro contra acusações infundadas e temerárias em desfavor do investigado, que passa a ser tratado não mais como objeto, mas como sujeito de direitos. Com as recentes alterações legislativas no Estatuto da OAB o advogado passou a ter direito de acompanhar o investigado no inquérito policial no momento do seu interrogatório, em depoimentos e quaisquer outros que decorram direta ou indiretamente destes. A ausência de assistência acarretará nulidade absoluta.

Portanto, essas mudanças são importantes e reforçam a flexibilização do contraditório e da ampla defesa em sede de inquérito policial. Abandonou-se aquela visão reducionista acerca da fase pré-processual, consagrando o inquérito policial como verdadeiro processo administrativo apto a embasar futura ação penal e a preservar os direitos do investigado. Tanto se confirma essa visão que, na maioria das vezes, quando não há a instauração prévia de inquérito policial, o próprio Ministério Público requisita à autoridade policial que instaure o inquérito policial para a devida apuração dos fatos.

Lembrando que, a perícia funciona como uma consultoria técnica da investigação criminal, ao mesmo tempo em que representa ou materializa em forma de laudo pericial a prova que será adotada no tribunal, portanto, a independência é necessária para assegurar sua metodologia científica e imparcialidade. O fato da autoridade policial ter a prerrogativa de solicitar e acompanhar exames periciais, formulando quesitos pertinentes a investigação, que serão materializados em laudo pericial, documento técnico aceito como prova durante a fase processual, corroboram o fato de que o inquérito policial não assume o papel meramente informativo. 

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Salvador: Juspodivm, 2015;

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LOPES JÚNIOR, Aury; GLOECKNER, Ricardo jacobsen. Investigação Preliminar no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2013.

OLIVEIRA, João Luiz Moreira de. PERÍCIA E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL UMA PROPOSTA DE MELHORIA DO MODELO ORGANIZACIONAL VISANDO A OTIMIZAÇÃO DE RESULTADOS. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11868/PER%C3%8DCIA%20E%20INVESTIGA%C3%87%C3%83O%20CRIMINAL.pdf?sequence=1. Acesso em: 20 out. 2019.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código do Processo Penal interpretado. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2000.

NUCCI, G.S. Código de processo penal comentado. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

OLIVEIRA, Mariana.Juíza permite assistente técnico da defesa em perícia de inquérito policial. [S. l.], 30 out. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-30/juiza-permite-assistente-tecnico-defesa-pericia-inquerito. Acesso em: 19 ago. 2019.

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Sobre o autor
Lucas Ferreira Lima

Perito Criminal Oficial e Engenheiro. Em constante qualificação com o objetivo de ser um especialista na gestão da investigação criminal.

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