I - O ECOCÍDIO
Diante do avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia, um grupo de juristas brasileiros prepara desde 23 de agosto do corrente ano uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro por crime ambiental contra a humanidade, a ser apresentada ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda.
Os juristas argumentam que Bolsonaro pode ser responsabilizado pelo aumento dos danos na Amazônia em 2019 devido à demora da resposta contra as queimadas na região e à atual política ambiental do governo. A ação está sendo articulada por especialistas em direitos humanos, direito ambiental e internacional.
Ecocídio é uma expressão que pode ser usada para fazer referência a qualquer destruição em larga escala do meio ambiente ou à sobre-exploração de recursos não-renováveis. O termo foi também usado em relação aos danos ambientais devidos à guerra, como por exemplo o uso de desfolhantes na Guerra do Vietname.. Ecocida é também um termo utilizado para uma substância que dizima espécies num ecossistema o suficiente para desestabilizar a sua estrutura e função.
O Tribunal Penal Internacional decidiu, no final de 2016, reconhecer o ecocídio como crime contra a humanidade. O termo designa a destruição em larga escala do meio ambiente. O novo delito, de âmbito mundial, vem ganhando adeptos na seara do Direito Penal Internacional e entre advogados e especialistas interessados em criminalizar as agressões contra o meio ambiente.
Com o novo dispositivo, em caso de ecocídio comprovado, as vítimas terão a possibilidade de entrar com um recurso internacional para obrigar os autores do crime, sejam empresas ou chefes de Estado e autoridades, a pagar por danos morais ou econômicos. A responsabilidade direta e penas de prisão podem ser emitidas, no caso de países signatários do TPI, mas a sentença que caracteriza o ecocídio deve ser votada por, no mínimo, um terço dos seus membros. O Brasil é signatário do Tratado de Roma, que aceita a jurisdição do TPI.
Desde a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), realizada em Paris, em 2015, os tribunais internacionais de Direitos da Natureza tentam qualificar o ecocídio, dentro do pressuposto jurídico, como o quinto crime internacional. Os outros quatro crimes internacionais, reconhecidos e punidos pelo TPI, são o genocídio, os crimes de guerra, de agressão e contra a humanidade.
O entendimento do Direito Penal Internacional se dá em 1998, com a criação de uma Corte Internacional de caráter permanente para o julgamento de crimes contra a paz e a segurança da Humanidade. Pelo Estatuto de Roma, foi normativamente constituído o Tribunal Penal Internacional (TPI). Com a 60ª ratificação (o Brasil ratificou o Estatuto de Roma em 2002, com sua promulgação via Decreto n° 4.388, de 25 de setembro de 2002), o tratado entra em vigor, sendo então definitivamente instituído o TPI em 1º de julho de 2002.
Os massacres e as guerras de destruição total negam a proteção jurídico-internacional dos direitos humanos, expondo os seres humanos à violência irrefreável das relações de poder. O Direito Penal Internacional, ao definir as condutas que se configuram como crimes internacionais e ao prever a jurisdição internacional, representa a ruptura com a tradição jurídica, colocando o ser humano no centro da ordem jurídica mundial, alçando-o à condição de sujeito de direitos e impondo sobre ele deveres jurídicos de proteção à dignidade humana.
O Estatuto de Roma foi o tratado que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional - TPI,. Adotado em 17 de julho de 1998, o documento foi resultado de um longo período de discussão da Comissão de Direito Internacional da ONU acerca da criação de um Tribunal internacional permanente.
O estatuto passou a vigorar em 1º de julho de 2002, quando conseguiu o quórum de 60 países ratificando a convenção. E, assim, instaurou-se o TPI – também conhecido como Corte Penal Internacional - CPI, cujas atividades iniciaram em 11 de março de 2003.
O Brasil aprovou o Estatuto de Roma no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, por meio do decreto 4.388, de 25 de setembro de 2002.
O TPI não possui jurisdição retroativa e somente atua em fatos ocorridos após a entrada em vigor, em julho de 2002. Também não substitui nem interfere na soberania dos Tribunais nacionais, uma vez que se tem com eles uma relação de complementaridade. É um Tribunal de última instância que intervém apenas se há a recusa por parte de autoridades nacionais em iniciar determinado processo judicial.
II - OS FATOS
O fato envolve a conduta do presidente da República diante da questão ambiental.
Sobre isso argumentou o Estadão, em seu editorial, no dia 25 de agosto do corrente ano, quando se disse:
“Para começar, Bolsonaro implodiu o Fundo Amazônia, bancado por Alemanha e Noruega, sob o argumento de que financiava ONGs – organizações que, segundo o bolsonarismo, estão a serviço de uma grande conspiração da esquerda internacional contra o Brasil. Em seguida, chamou de “mentirosos” os números do Inpe que mostraram, em julho, um avanço significativo do desmatamento na Amazônia, e ainda acusou a direção do respeitado órgão de estar “a serviço de alguma ONG”. Mais recentemente, ante a proliferação de queimadas na região amazônica, Bolsonaro acusou as ONGs de causarem os incêndios “para chamar a atenção para a minha pessoa”.
O presidente Jair Bolsonaro defendeu que os dados de desmatamento coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) não podem ser divulgados sem terem antes passado pelos ministros da área e até por ele mesmo, porque podem prejudicar o país em negociações internacionais.
Ao ser mais uma vez questionado sobre sua fala na sexta-feira, quando afirmou que os dados mais recentes –que apontaram um crescimento recorde do desmatamento da Amazônia nas primeiras semanas de julho — eram mentirosos, Bolsonaro disse que está acostumado com “hierarquia e disciplina” e que não pode “alguém lá na ponta” decidir pela divulgação. O presidente alegou que pode haver equívocos na coleta dos dados e isso prejudica o país.
Segundo o jornal O Globo, em 2 de setembro de 2019, a Amazônia teve 30.901 focos de incêndio em agosto, quase o triplo desse mês no ano passado e o maior patamar desde 2010, segundo dados do Inpe. A situação pode piorar, já que, nos últimos 15 anos, o número de incêndios sempre foi mais alto em setembro do que no mês anterior, com exceção de 2010. Nos últimos dias, depois de duras críticas, o governo lançou ações para combater o problema. Pesquisa Datafolha mostrou que 75% dos entrevistados dizem que a Amazônia deve ser totalmente administrada pelo Brasil, com ou sem conselhos de estrangeiros.
Agosto deste ano foi o pior mês para a Amazônia desde 2010. O número de queimadas na região triplicou em relação a agosto do ano passado, passando de 10.421 em 2018 para 30.901 em 2019. O recorde anterior, há nove anos, foi de 45.018 focos de incêndio na parte brasileira do bioma. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Nesse caso, como divulgou, há um enorme estrago para o Brasil. A questão ambiental o mundo todo leva em conta. Outros países que estamos negociando a questão do Mercosul, ou até acordos bilaterais, nos dificulta a divulgação desses dados. Então temos que ter responsabilidade”, alegou.
Uma das cláusulas do acordo Mercosul-União Europeia incluiu a necessidade dos países cumprirem as normas do acordo de Paris contra o aquecimento global e tem regras sobre o combate ao desmatamento. Há, entre os europeus, uma clara desconfiança em relação às políticas ambientais do governo Bolsonaro.
Devastar a Amazônia para explorar madeira ou para pastagens é mau negócio no longo prazo.
Considera-se nessa linha de pensar que o Relatório de Viabilidade Ambiental não é idôneo e suficiente para subsidiar o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório.
É de importância ter-se que o princípio da informação ampla e da participação ininterrupta das pessoas e organizações sociais no processo das decisões dos aparelhos burocráticos é que alicerça e torna possível viabilizar a implementação da prevenção e da precaução para a defesa do ser humano e do meio ambiente.
Há um desmonte administrativo claro com relação ao meio ambiente. A isso se observe-se o retrocesso em matéria ambiental.
A censura do governo da hora com relação às sanções ambientais, como multas, falando-se em “indústria de multas”, é a demonstração clara de um descaso ambiental.
Destaco do Congresso in Foco:
“A estrutura de Estado montada por décadas para preservar o meio ambiente está sob ameaça, na avaliação de ambientalistas ouvidos pelo Congresso em Foco. Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha recuado da intenção de extinguir o Ministério do Meio Ambiente – ideia que ganhou força em novembro durante o governo de transição –, especialistas entendem que os 100 primeiros dias da atual gestão, completados no dia 10 de agosto do corrente ano, apontam para retrocessos na área e uma política de desmonte interno da pasta.
Um exemplo do desmonte é a extinção do departamento de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, que foi incorporado pela Secretaria de Ecoturismo no início de janeiro.
A educação ambiental é considerada pré-requisito para que áreas de preservação sejam exploradas pelo setor de turismo de forma equilibrada. Assim, interesses econômicos de curto prazo estariam regulados por interesses ambientais de longo prazo.“Estão desbalanceando o sistema”, avalia Elisabeth Uema, secretária-executiva da Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema Nacional), que representa os servidores de carreiras ambientais federais."
O governo, por meio do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cortou 30% da verba orçamentária para prevenção e combate a queimadas em florestas. O resultado dessas políticas antiambientais, antiamazônicas e anti-indígenas está visível não só nas chamas e na fumaça.
Para um exemplo: na fogueira que hoje é o estado de Rondônia, em 2018 as grandes queimadas decresceram 39%, somando 2.456. Da posse de Bolsonaro até a semana passada, aumentaram 164%, chegando a 6.484, conforme acompanhamento do respeitável Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Aí está clara a culpa do presidente da República, por indução verbal e facilitação administrativa, pela ação incendiária que atinge, inclusive, reservas naturais e reservas indígenas.
A Amazônia teve 30.901 focos de incêndio em agosto, quase o triplo desse mês no ano passado e o maior patamar desde 2010, segundo dados do Inpe. A situação pode piorar, já que, nos últimos 15 anos, o número de incêndios sempre foi mais alto em setembro do que no mês anterior, com exceção de 2010. Nos últimos dias, depois de duras críticas, o governo lançou ações para combater o problema. Pesquisa Datafolha mostrou que 75% dos entrevistados dizem que a Amazônia deve ser totalmente administrada pelo Brasil, com ou sem conselhos de estrangeiros.
III - A QUESTÃO AMBIENTAL
A questão ambiental envolve o respeito a princípios e regras internas e externas de forma que sua omissão por parte da autoridade responsável poderá demandar conduta de improbidade administrativa prevista na Lei nº 8.429/92.
Afronta-se, assim, o princípio da precaução.
O princípio da precaução busca se antecipar e prevenir a ocorrência de prejuízos ao meio ambiente. Destina-se a toda a sociedade, inclusive Governo e legisladores, para que sejam instituídas medidas e políticas destinadas a prevenir a poluição.
Por fim, ressalte-se que um dos principais instrumentos do princípio da precaução é o estudo prévio de impacto ambiental, expressamente referido no inciso IV do artigo 225 da Constituição Federal, por meio do qual devem ser estimados os riscos que tragam as instalações de obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente. O fato desse importante instrumento ser obrigatoriamente público demonstra que o princípio da precaução é afeto não só a determinadas camadas sociais, mas a toda sociedade, conforme dito anteriormente.
A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, diz, no artigo 54: "Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora". Pena: reclusão, de um a quatro anos e multa.
Da mesma forma o parágrafo terceiro do artigo 54, onde se diz:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
Em alguns casos, mesmo sendo aplicada as medidas de prevenção, o dano ambiental pode ocorrer, quando ultrapassar a margem de segurança dos padrões ambientais previamente estabelecidos. Deste fato, decorrem duas constatações:
1) Os poluidores desrespeitaram os níveis máximos de poluição permitida pela norma ambiental. Aplicam-se, neste caso, as normas ambientais referentes à ação praticada pelo poluidor, como, por exemplo, multas ou punição por crimes ambientais.
2) No que tange à utilização dos instrumentos econômicos, infere-se que o Princípio do Poluidor-Pagador não foi corretamente empregado e, portanto, o interesse social visado pela norma ambiental não foi alcançado. Tal fato reforça a necessidade de proceder-se uma avaliação periódica e sistemática da legislação ambiental, para a otimização de seus resultados.
O Brasil, em sua Constituição de 1988, no artigo 225, parágrafo primeiro, já adotou esse instrumento jurídico na prevenção do risco ambiental.
Da mesma forma tem-se o Princípio 15, de grande importância, na Declaração do Rio de Janeiro de 1992:
Princípio 15
"Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental."
Neste estudo avaliam-se todas as obras e todas as atividades que possam causar degradação significativa ao meio ambiente. A palavra "potencialmente" abrange não só o dano de que não se duvida, como o dano incerto e o dano provável".
Nessa linha de pensar observem-se os ditames da Resolução CONAMA nº 1/69 em que se diz que o Estudo de Impacto Ambiental desenvolverá "a análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminados; ... os impactos positivos e negativos (benefícios e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazo; temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinergéticas; a distribuição de ônus e benefícios sociais" (artigo 6º, II).
Considera-se nessa linha de pensar que o Relatório de Viabilidade Ambiental não é idôneo e suficiente para subsidiar o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório.
É de importância ter-se que o princípio da informação ampla e da participação ininterrupta das pessoas e organizações sociais no processo das decisões dos aparelhos burocráticos é que alicerça e torna possível viabilizar a implementação da prevenção e da precaução para a defesa do ser humano e do meio ambiente.
Essa conduta além de caracterizar tipo previsto na legislação internacional dos direitos humanos pode ainda ser analisado sob o enfoque do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, uma vez que envolve desrespeito a leis e princípios que devem ser adotados pelo agente público.