O presidente Jair Bolsonaro afirmou, no dia 30 de agosto de 2019, que o indulto que está planejando para policiais vai incluir "nomes surpreendentes", sem explicar a quem estava se referindo. De acordo com Bolsonaro, a medida vai incluir tanto militares quanto civis que, segundo ele, foram condenados por "pressão da mídia".
— Olha, tem muito policial no Brasil, civil e militar, que foi condenado por pressão da mídia. E esse pessoal no final do ano, se Deus me permitir e eu estando vivo, vai ser indultado. Nomes surpreendentes, inclusive. Pessoas que honraram a farda, defenderam a vida de terceiros, e foram condenados por pressão da mídia. Então, esse pessoal... A caneta Compactor, não é mais BIC, vai funcionar.
Ainda segundo o jornal O Globo, o presidente Jair Bolsonaro declarou, no dia 31 de agosto do corrente ano, que pretende conceder indulto aos policiais envolvidos no massacre de Eldorado dos Carajás, no massacre do Carandiru e no episódio do ônibus 174, no Rio de Janeiro.
Em sua coluna na Folha de S. Paulo, publicada no dia 1º de setembro de 2019, Jânio de Freitas afirmou:
“Prepara-se no Planalto um indulto de policiais presos por crimes de morte e por envolvimento em atividades ilegais. Com participação explícita ou velada, muitos desses policiais são integrantes de milícias.”
Em referência ao indulto desses "presos injustamente", Bolsonaro referiu-se a eles como "colegas". Seja qual for a via do coleguismo, o indulto extemporâneo vincula-se às relações pessoais, familiares e financeiras dos Bolsonaros com aquela próspera atividade e suas cercanias. No mínimo, tal indulto consolidará disposições milicianas para o que der e vier.
Caso concretizada, a medida afronta o bom senso, a razoabilidade prática e ainda contraria o próprio instituto do indulto.
O indulto pode ser individual ou coletivo. O primeiro é, na prática, uma forma de graça sob outro nome e pode ser solicitado por meio de petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa. Essa solicitação será encaminhada, com parecer do Conselho Penitenciário, ao Ministério da Justiça, onde será processada e submetida ao despacho do Presidente da República. Já o indulto coletivo é concedido diretamente pelo Presidente da República, sem necessidade de provocação ou audiência dos órgãos técnicos, em ocasiões especiais. Tradicionalmente, o indulto coletivo é concedido anualmente, na véspera do Natal.
Trata-se, em ambos os casos, de uma forma de extinção de punibilidade.
No caso em questão, a proposta parece colocar os policiais acima da lei.
A ministra Cármen Lúcia, ao manifestar-se sobre o tema, afirmou:
"Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão àquele que, tendo-o praticado e cumprido parte da pena, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta."
O indulto é formalizado por meio de um ato administrativo emanado do Presidente da República.
Discute-se se o Poder Judiciário, diante de um ato administrativo discricionário editado pelo chefe do Executivo, pode analisá-lo e, eventualmente, reformá-lo.
O indulto existe desde antes do Estado Democrático de Direito, sendo concedido por reis em um contexto de amplos poderes e imposição de penas mais severas que as atuais. Apesar disso, foi mantido ao longo da história e transformado em um instituto de política criminal, voltado a evitar a superlotação carcerária. Trata-se de uma "competência política" atribuída ao chefe do Executivo, legitimado pelo voto.
O indulto é concedido em hipóteses abstratas, não podendo ser concreto e individual. A graça, por outro lado, aplica-se a situações específicas, mas está em desuso. Extinguir a punibilidade de pessoas determinadas cria tensões com o Estado Democrático de Direito. A República exige que quem comete crimes seja punido. Quando se isentam indivíduos específicos, ocorre um choque com o dever de punição. Nesses casos, pode haver desvio de finalidade, em que a medida deixa de atender ao interesse público para beneficiar determinada categoria, tornando o ato administrativo inválido.
O poder de concessão do indulto não é absoluto. Apesar de sua ampla margem de ação, ele deve respeitar os limites constitucionais. Um indulto que beneficie apenas policiais, nesse contexto já defendido reiteradamente pelo presidente Bolsonaro — ligado à ideia de excludente de ilicitude —, configuraria um uso indevido do instituto. Um indulto genérico a policiais que matem em serviço também parece inconstitucional. Se a execução de tais atos for comprovada, os responsáveis devem ser punidos.
Além disso, o indulto só pode ser concedido a quem já esteja cumprindo pena. Assim, é necessário que o beneficiado tenha sido condenado com sentença penal transitada em julgado.
Ademais, é essencial lembrar que a Constituição Federal de 1988, acompanhada pela Lei de Crimes Hediondos, proíbe a concessão de indulto para crimes hediondos.
O artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal dispõe que não serão suscetíveis de graça ou anistia os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e aqueles definidos como hediondos pela legislação ordinária.
Esse dispositivo, ausente nas Constituições anteriores, reflete os princípios fundamentais do artigo 1º da Constituição, delineando imperativos constitucionais.
Estamos diante de um artigo que busca proteger os direitos fundamentais da pessoa humana, evitando ações agressivas como tortura, tráfico de drogas, terrorismo e outros crimes classificados como hediondos.
Portanto, a intenção do atual presidente da República de indultar criminosos envolvidos em crimes hediondos configura mais uma infeliz iniciativa do governo, que demonstra seu distanciamento das premissas estabelecidas pela Constituição de 1988.