Os problemas enfrentados na execução dos seguros em tragédias ambientais

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Resumo:


  • Os contratos de seguros em tragédias ambientais, como o rompimento da barragem de Brumadinho, possuem complexidades na execução e levantam questões sobre a responsabilidade das seguradoras e a exigibilidade das apólices por parte das vítimas.

  • Princípios como a boa-fé objetiva e a função social do contrato são fundamentais para a interpretação e resolução dos conflitos surgidos em decorrência das tragédias, visando a reparação justa dos danos sofridos pelas vítimas.

  • A necessidade de uma legislação específica que regule os seguros de barragens e torne sua contratação obrigatória é evidente para evitar litígios prolongados e garantir a proteção das vítimas em casos de desastres ambientais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Após os dois grandes eventos catastróficos de Mariana e Brumadinho, discute-se os porquês da dificuldade em se fazer cumprir os contratos de seguros correspondentes. E, enquanto isso, as vítimas sofrem mais...

Resumo: O presente artigo propõe discorrer sobre os contratos de seguros em tragédias ambientais, tal como suas implicações no momento da execução, abordando, como exemplo primordial, a tragédia ocorrida em Brumadinho/MG em janeiro de 2019. Mostraremos também a quem caberá as apólices, quem as poderá exigir e de que forma deverá ser feita a exigência.

Palavras-chave: Direito Civil. Contrato de Seguros. Estipulação em Favor de Terceiros. Responsabilidade Objetva.

Sumário: Introdução. 1. Contrato de Seguro. 2. Os Seguros de Barragens no Brasil e a Necessidade de uma Legislação Específica. 3. Seguros da Barragem de Brumadinho. 4. Quem Pode Exigir. 5. Boa-fé Objetiva. 6. Função Social. Conclusão. Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO

O mercado segurador no Brasil é um dos que mais têm crescido nos últimos anos. Essa relação gera uma enorme discussão entre os civilistas do país, vez que, em parte, o terceiro no qual é estipulado o seguro se vê na necessidade de ingressar com uma ação de obrigação de fazer pelo Poder Judiciário Brasileiro, a fim de que seu direito seja executado.

Será abordada a reincidência de tragédias ambientais no Brasil, especificamente acerca do rompimento de barragens, e sua aplicação na prática, enfatizando a tragédia ocorrida na cidade de Brumadinho/MG, no dia 25 de fevereiro de 2019. Analisados os seus variados pontos de acordo com as regras do nosso ordenamento jurídico e, principalmente, do Código Civil brasileiro[1] (Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002).

Entretanto, antes de adentrar no mérito das referidas discussões, é mister compreender a relação entre estipulante[2], promitente[3] e terceiro, regidas pelo IusCivile[4].

Diante das implicações às quais foram abordadas, indagamos se ocorrerá o pagamento destas apólices no caso da tragédia supracitada. Bem como, o modo no qual será feito este pagamento e as reações das seguradoras diante das reincidências das empresas negligentes.

Indagamos também quais providências pode tomar o beneficiário, fundamentando no nosso ordenamento jurídico e na prática de decisões colegiadas dos tribunais superiores.

Apesar de a empresa ter vários seguros, que,  em tese, cobririam grande parte dos prejuízos causados pela tragédia, esta conjuntura esta longe de ter um fim. Após a apuração dos seguros, valores e coberturas do mesmo, foi constatado que para o recebimento destas apólices a VALE S.A e as vitimas terão um caminho longo a ser percorrido, pois as seguradoras estão colocando barreiras para não realizar os pagamentos, usando o argumento de que a reincidência por parte da empresa, devido a VALE S.A ter parte da Samarco, empresa responsável pelo acidente na barragem de Mariana/MG em 2015[5].

Ademais disso, estão ocorrendo investigações que podem chegar à conclusão de que a empresa sabia dos riscos de rompimento da barragem e agiu com negligência, se tornando responsável direta pelo acidente. As investigações apuram laudos e atestado de seguranças que a empresa tinha acesso, demonstrando que a barragem estava em risco médio de se romper.

Logos após o acidente, a VALE S.A, juntamente com as empresa de seguros, pediu sigilo dos contratos, para resguardar todas as informações necessárias para o decorrer dos processos. As empresas de seguros contrataram um grupo de advogados Clyde&Co para acompanhar o caso de danos patrimoniais e o brasileiro F. Torres para atuar em D&O, conta a Agência Estado.

Após esta breve apresentação do que são os seguros, especificamente o que são os seguros de barragens e os que foram contratados pela empresa vale S.A., adentraremos nos possíveis embates que ocorreram após o acionamento da justiça.

Será apresentada também a resolução cabível dos possíveis problemas que ocorre na prática geral da resolução de estipulação em favor de terceiros, fazendo uma análise de acordo com o Código Civil Brasileiro (Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002).


1. CONTRATO DE SEGURO

O seguro se trata de um contrato bilateral, sendo espécie contratual que gera obrigações recíprocas, ou seja, para ambas as partes.

A palavra seguro vem do termo em latim securus[6], que significa isenção do perigo, dando cuidado e garantia a coisa que esta segurada, o Código Civil Brasileiro[7] expõe.

“Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

Na concepção de Maria Helena Diniz (2003, p.441):

“O contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado),mediante pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros previstos no contrato”

A classificação do contrato de seguro segundo a doutrina brasileira é de que se trata de um contrato bilateral, como expõe Celso Marcelo de Oliveira[8]:

 “é o contrato de seguro bilateral, posto que implica interdependência de prestações, ou seja, a obrigação de o segurado de pagar o prêmio corresponde à obrigação do segurador de tutelar o interesse daquele em se prevenir de determinado risco e, caso o mesmo se efetive de pagar-lhe a indenização devida”

            É do tipo aleatório defendido por Washington de Barros[9], que afirma que o contrato de seguro “é também aleatório, porque o ganho ou a perda das partes está na dependência de circunstâncias futuras e incertas, previstas no contrato e que constituem o risco”. Sendo acompanhado neste entendimento por autores, como Pontes de Miranda[10], Caio Mário da Silva Pereira[11], Pedro Alvim[12], entre outros.

Os contratos aleatórios, ao contrário dos comutativos, são contratos nos quais o risco é futuro e incerto. No caso dos seguros o segurado não sabe quando ou se vai usar da obrigação do segurador.

Além disso, nesse caso especifico se trata de um contrato de estipulação em favor de terceiros, no qual a beneficiária dos seguros não é tão somente a empresa, sendo aqueles que sofreram com a tragédia também os beneficiários.

Através das doações[13] realizadas pela empresa após o fato, podemos ter uma pequena noção de quem são esses terceiros que poderão se beneficiar dos seguros, sendo eles: as famílias que perderam seus bens matérias, além daquelas que tiveram falecimentos ou desaparecimento registrados no núcleo familiar, trabalhadores da mineradora e terceirizados, e também, aquelas vitimas que sofreram com as consequências causadas pela tragédia como falta de abastecimento de água em comunidades próximas.


2. OS SEGUROS DE BARRAGENS NO BRASIL E A NECESSIDADE DE UMA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA

Os seguros de barragens de água no Brasil passaram a ser obrigatório através da lei 12.334/2007[14], que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens. Em seu projeto 436/2007, já estipulava a obrigatoriedade da contratação dos seguros em barragens que contivessem a acumulação de água, sendo uma altura maior ou igual a 15 metros e possuindo uma capacidade total de 3.000.000 m³.[15]

Entretanto há um projeto de lei número 6259/13[16], proposto pela deputada Sandra Rosado - PSB/RN, em 2013, que atualmente se encontra arquivado, no qual obriga a contratação de seguros em barragens de rejeitos, justamente as que têm causado tragédias nos últimos anos. A obrigatoriedade dos seguros épara que se cubram danos materiais e físicos às pessoas físicas e jurídicas que se domiciliampróximoàs barragens.

Como defendido pela deputada na justificação[17] do projeto de lei, há uma necessidade gigantesca de que se torne obrigatório à contratação de seguros para tais barragens.

Apesar de haver muitas dificuldades no pagamento destes seguros, o simples fato de se ter a obrigatoriedade na contratação fará com que as empresas se empenhem mais na metodologia de segurança adotada, vez que, se não há demonstração de serviços prestados com segurança, não será qualquer seguradora que aceitará acobertar os possíveis sinistros, fazendo com que as mesmas exerçam o papel de fiscalização.

Além disso, as coberturas que tratam destes seguros não estão somente direcionadas a terceiros, mas também à cobertura das próprias barragens, sendo beneficio também da mineradora. 

O que reafirma mais ainda a necessidade de se tornar obrigatória a contratação dos seguros é que, em publicação[18] realizada no site "LexUniversal" em 31 de junho de 2016, o site afirma que empresas como AIG e Allianz, estão reavaliando formas de venda destes seguros, como aumento nos preços, os riscos que serão cobertos, entre outros métodos. Devido aos rompimentos e ameaças que tem ocorrido nos últimos anos.

Contudo, mesmo com o projeto de lei estando no momento arquivado na Câmara dos Deputados, a mineradora Vale S.A já possuía contrato de seguro da barragem da mina do córrego do Feijão em Brumadinho/MG. 


3. SEGUROS DA BARRAGEM DE BRUMADINHO

Logo após o acidente, foi noticiado que a VALE possuía alguns seguros em casos de acidentes. A companhia conta com algumas seguradoras para garantir a segurança da empresa, funcionários e terceiros, Possuindo cobertura de danos físicos, incluindo morte, prejuízos materiais às pessoas físicas e jurídicas domiciliadas nas áreas afetadas por inundações.

O seguro de dano material da VALE S.A. é liderado pela Chubb Seguros em parceira com a Mapfre e a Swissre Corporate Solutions, da qual o Bradesco Seguros é sócio. O resseguro está com IRB Brasil Re, junto com mais 15 resseguradores e a corretora é a AON.[19]

Apesar de ser segurada, estudos apontam que os valores das apólices não cobrem os danos causados pela empresa. Dão-se os exemplos os valores apurados e antecipados pelo jornal estadão, pois após o acidente a Vale juntamente com as empresas de seguros pediu para que os contratos não fossem divulgados na mídia.

Os prejuízos, conforme antecipou o Estadão/Broadcast[20], “podem chegar a US$500 milhões, dos quais apenas US$100 milhões devem ser arcados pelo mercado de seguros”.[21]

A apólice de responsabilidade civil disposta no contrato de seguro da mineradora, que indeniza terceiros prejudicados, tem o limite de até US$2 bilhões, sendo US$400 milhões em danos ambientais, traz a Agência Estado, acrescentando, ainda, que o valor do seguro de D&O, que protege o patrimônio dos executivos da Vale e arca com as custas com advogados de defesa, caiu para US$ 150 milhões depois do evento de Mariana (MG).

No caso da apólice de seguro de vida, como o valor é baixo, cerca de R$ 200 mil por pessoa, as indenizações devem ser reforçadas pela apólice de responsabilidade civil. Cerca de 300 empregados da Vale estavam no prédio administrativo e no restaurante da Mina do Córrego do Feijão quando a barragem de resíduos do empreendimento se rompeu.

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Em responsabilidade civil, a Vale tem apólice com cobertura de US$ 400 milhões para danos causados por barragens e mais US$ 100 milhões de excesso com a seguradora alemã Allianz. O resseguro (seguro das seguradoras) é com a resseguradora da própria companhia, no formato 'intergrupo'. A corretora é a Willis.

Os terceiros que compõe o pólo segurado da mineradora, como já citado, serão as famílias de funcionários da empresa ou terceirizados, núcleos familiares que moravam na área atingida pela onda de rejeitos.


4. QUEM PODE EXIGIR

Como destacado anteriormente, os contratos de seguros são, em sua maioria, uma estipulação em favor de terceiro. Sobre isso, o Código Civil[22] é expresso em seu artigo 436:

Art.436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.

Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438.

É nítido no código o direito de terceiro fazer a cobrança da obrigação, porém diante da situação onde algumas seguradoras, dizem que devem arcar com o contrato e pagar o que os couber, e outras discordam. Mas como o processo corre em sigilo, não há mais pronunciamentos sobre tal assunto.

Só haverá a indenização por meio das seguradoras, após definido a cobertura da apólice e ainda a anuência da VALE. Isso para uma resolução mais eficaz de pagamento das indenizações impostas, o que seria serem arcadas inicialmente pela companhia e depois serem reembolsadas pelas seguradoras.

Lembrando que terceiros podem ajuizar ação contra as seguradoras, conforme entendimento do STJ, na súmula 537[23], que diz:

“Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice. DJe 15/06/2015 Decisão: 10/06/2015”.

No entanto, até que se façam apurações sobre a responsabilidade da empresa, as questões referentes aos pagamentos de seguros, principalmente no que tange ao seguro de responsabilidade civil, estão sendo deixados de lado, causando ainda mais danos às famílias que sofreram com a tragédia, sendo que os seguros de responsabilidade civil não estão sob a discussão se devem ou não ser pagos, em decorrência de haver dolo ou culpa por parte da empresa. 

Ocorre que, nos seguros que abrangem a responsabilidade civil, nestes casos, a responsabilidade dos danos em decorrência do rompimento da barragem é do tipo objetiva, ou seja, não necessita de apuração de culpa. O fato de a empresa exercer esse tipo de atividade já caracteriza sua responsabilidade, sobre danos emergentes e lucros cessantes. O código civil é expresso ao colocar em seu art. 927 parágrafo único:

“haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, (…) quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Basta a qualidade do homem médio para que saiba que a atividade de mineração no que tange as barragens é uma atividade de risco, e que a responsabilidade objetiva não necessita ser objeto de discussão judicial, tendo apenas a empresa aproveitando do fato para que postergar direitos.

Outro ponto que dever abordado é a expressividade do código ao dizer que esses seguros pertencem exclusivamente as vitimas, não sendo de responsabilidade dos contratantes, devendo prevalecer o interesse daqueles que sofreram danos diretamente, veja a resolução do artigo 787 do Código Civil[24].

“No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.”

Baseado nesses conflitos, o próprio STJ já possui entendimento firmado através da sumula 529, no qual destaca que em ação de responsabilidade civil os terceiros tem a legitimidade para postular a mesma, desde que também acione o juntamente o segurado.

“No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano”.

Baseado nesse entendimento de lei e da jurisprudência, no qual o terceiro possui o direito de cobrar, chama a atenção a situação na qual, após o pagamento a terceiros, prova-se que houve o dolo por parte da empresa. Neste sentido, entende-se que caberá às seguradoras cobrar o diretamente do contratante os valores que foram pagos, reforçando que não hánecessidade de se postergar o pagamentos dessas indenizações.

Sobre os autores
ANA LAURA DE SOUZA MOURA

Acadêmica de Direito pelo Centro Universitário Una.

ROGER LIBÉRIO DE SOUZA

Acadêmico de Direito pelo Centro Universitário Una.

JÚLIA CRISTINA DE MESQUITA

Acadêmica de Direito pelo Centro Universitário Una.

SORAIA PEREIRA LEMES

Acadêmica de Direito pelo Centro Universitário Una.

Ana Luiza Gontijo Evangelista

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Una.

Jessica Larissa Alves da Silva

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Una.

Marcos Otávio de Lélis Silva

Graduando em Direito pelo Centro Universitário Una.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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