5. BOA-FÉ OBJETIVA
Antes de destacarmos o principio da boa-fé objetiva[25] nos contratos de seguros é importante fazer uma breve definição do que se trata este principio e sua aplicação.
O principio da boa-fé objetiva é uma conduta imposta baseado na ética e na fidelidade dos contratantes, sendo primordial que estejam exercendo sua vontade pautada na confiança.
A expressão latim bonafide, o termo fide significa fidelidade, ou seja, aquele que é fiel perante o outro, se tratando de relação contratual Paulo Brasil Dill Soares[26] possui uma importante definição a respeito.
“Boa-fé objetiva é um ‘standard’ um parâmetro genérico de conduta. Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação ‘refletida’, pensando no outro, no parceiro atual, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, gerando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização de interesses das partes.”
Contrato de seguro é, primordialmente, um contrato de boa-fé objetiva, exigido ao segurado, das companhias de seguros e dos terceiros beneficiados, Carvalho Santos[27] traz uma concepção muito importante sobre o principio da boa-fé nos contratos de seguros principal em relação aos terceiros.
“Não seria, portanto, demasiado enfatizar uma vez mais que a boa-fé desempenha função das mais importantes no contrato de seguro, sendo, talvez, o seu fundamento mais eloqüente, sua principal peculiaridade, tanto que “contrato de extrema boa-fé”, “da mais estrita boa-fé”, “de máxima boa-fé”. O contrato de seguro está de tal forma fundado na boa-fé que sua ausência é suficiente para retirar-lhe a eficácia como decorre, em nosso direito, do art. 766 do NCC. Tanto assim que mereceu também a atenção do nosso Código Penal, no inciso V do art. 171, que trata da fraude para recebimento de indenização ou valor do seguro, refletindo a situação que se produz quando o segurado procura intencionalmente a ocorrência do sinistro ou exagera suas conseqüências, com ânimo de obter enriquecimento sem causa, o que é em síntese um atentado ao princípio da boa-fé subjetiva.” (SANTOS, 2006, p.505)
Carvalho Santos, ao citar que o terceiro também merece, diz que o mesmo deve prevalecer de boa-fé. Logo após a tragédia de Brumadinho, foram noticiados vários casos em que pessoas se passavam por vitimas para receber as doações e posteriormente indenizações, como no caso noticiado no site Metrópoles[28] no qual uma mulher se passou por mãe de uma criança para receber uma indenização. Diante disto, não cabe somente a aplicação do principio da boa-fé às partes que contrataram, mas também aqueles que estão fora desta relação.
Em relação à Vale S.A e as companhias de seguros, se presume que esta boa-fé tenha contorno maior devido ao grau de responsabilidade que envolvem ambas. É justamente considerando o princípio da boa-fé que as companhias de seguros, tomando por base as informações e declarações do segurado no questionário de avaliação de riscos, avaliam o risco proposto e definem a taxa do seguro a ser aplicada para cada segurado e operação.
As companhias de seguros também precisam agir com boa-fé, e estão obrigadas a entregar a todos os segurados a apólice ou certificado de seguro constando todas as condições do seguro e cláusulas da apólice contratada, especialmente as cláusulas limitativas, que de maneira alguma podem estar mal redigidas e escondidas nas condições da apólice, pois, neste caso, o Segurador não estaria firmando um contrato de boa-fé.
Por parte da mineradora, o que se espera em termos de boa-fé é a honestidade ao apresentar as condições em que se encontravam as barragens nos momento da contratação dos seguros e após sua contratação, ficando provado que a vale agiu com de forma negligente concorrendo para o rompimento das barragens, poderá as segurados utilizar em sua defesa o principio da boa-fé.
A lei obriga os contratantes a serem sinceros e verdadeiros em suas declarações, sob pena de nulidade do contrato. Quando se chama ao seguro contrato de boa-fé, expressão que perdeu, no direito moderno, sua significação romana, pretende-se indicar que o segurado está particularmente obrigado a bem informar o segurador sobre todas as circunstâncias que lhe permitam apreciar a natureza e a extensão do risco que toma a seu cargo.
Deve abster-se de falsas declarações, como não deve guardar silêncio sobre seguro, presume-se de má-fé, ainda que seja apenas expressão de mera leviandade, ou falta de zelo. As declarações do segurado concernentes, portanto, aos antecedentes e aos elementos do risco, como base que são do contrato, devem ser completas e verdadeiras. Qualquer inexatidão, ainda que involuntária, constitui causa de nulidade do contrato.
Sendo assim, a aplicação da boa-fé nesta relação contratual da empresa com as seguradoras poderá definir como ficaram as indenizações. De qualquer modo nesta disputa judicial quem acaba perdendo são as vitimas, pois as empresas utilizam destes argumentos para atrasar ou evitar o máximo que conseguirem o pagamentos de suas obrigações.
6. FUNÇÃO SOCIAL
O contrato é norteado pelo o principio da função social, estando presente no código civil no artigo 421, que assim dispõe:
“A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Além disso, a I Jornada de Direito Civil complementa:
“21 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito”
Este princípio vai além do que simplesmente gerar obrigações às partes envolvidas, o contrato passar a ter uma função na sociedade, aos contratantes e a todos que estão ao seu redor, sendo beneficiário ou não desta relação contratual. A função social demonstra que ao estabelecer um contrato devem ser observados bens que a sociedade protege, como a vida, meio ambiente, a segurança, o trabalho e os direitos e garantias individuas previsto na Constituição Federal.
Carlos Roberto Gonçalves[29] cita estes dois aspectos da função social docontrato, e diz que a função social só será cumprida se observados os dois aspectos:
É possível afirmar que o atendimento à função social pode ser enfocado sob dois aspectos: um individual, relativo aos contratantes, que se valem do contrato para satisfazer seus interesses próprios, e outro, público, que é o interesse da coletividade sobre o contrato. Nesta medida, a função social do contrato somente estará cumprida quando a sua finalidade – distribuição de riquezas – for atingida de forma justa, ou seja, quando o contrato representar uma fonte de equilíbrio social. (GONÇALVES, 2012, p. 26).
Podemos perceber que o contrato de seguros, assim como os demais, é incluído no principio da função social, e tem ele uma melhor aplicação, pois a função social, como destacado anteriormente, é o contrato gerando efeitos e eficácia do lado externos. Nesse caso dos seguros, vemos que possui responsabilidade sobre terceiros, mesmo não tendo nenhum contrato firmado.
“A função social do contrato constitui um regramento que tem tanto uma eficácia interna (entre as partes contratantes) quanto uma eficácia externa (para além das partes contratantes)”[30]
O que ocorreu em Brumadinho vai além da enxurrada de lama, as disputas judiciais não podem desenvolver apenas em cláusulas, deixando de lado princípios tão importantes como o da função social[31], pois iremos ver que se trata de uma briga onde ambos não querem cumprir com a obrigação de reparações de danos às vítimas, como os familiares das pessoas que morreram e das que não foram encontradas nos destroços, inclusive os gastos das vítimas que ficaram hospitalizadas, as despesas dos funerais e a reparação de alimentos.
Também dentre as vítimas existam pessoas que não sofreram danos físicos, mas que tiveram prejuízo de ordem patrimonial e que evidentemente também poderão pedir indenização, isto é, pela perda de bens essenciais que integram importante parcela da dignidade humana.
É necessário analisar os contratos de seguros segundo o principio da sua função social, tendo o dever social em relação às vitimas, ao patrimônio do município e os danos causados no meio ambiente. O que se busca com a função social do contrato é trazer um equilíbrio para as partes, fazendo com que sejam resguardadas garantias e direito fundamental para aquele menos favorável da relação.
CONCLUSÃO
Após a apresentação de toda a problemática sobre a qual circulam os contratos envolvendo as barragens brasileiras, o primeiro ponto a ser tratado é a necessidade de se ter uma lei que regula estes seguros e que os torna obrigatório, além de tratar de forma detalhada sobre sua execução. Evitando, assim, litígios demorados que, na maioria das vezes, prejudicam as vítimas.
Entretanto a legislação brasileira possui um respaldo gigantesco em se tratando da análise e do julgamento dos casos como o de Brumadinho, que envolve controvérsia grande.
A aplicação dos princípios da função social do contrato e boa-fé contratual devera ser um grande aliado do ordenamento jurídico para a interpretação e resolução dos conflitos.
Como já destacado anteriormente não pode ficar restritivo apenas às partes, ainda mais em se tratando de uma tragédia com danos tão grandes. Espera-se que sejam tomadas decisões justas, e que os danos causados sejam reparados.
Por parte da empresa que seja investigada e punida de acordo com sua culpa, e que tome medidas para que tragédia como esta não se tornem cada vez mais presentes no nosso dia a dia, cabe ao governo fazer fiscalizações e desenvolver meios que façam com que haja a prevenção de tais eventos; mas que, caso aconteçam, que sejam punidas de modo mais severo.
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