Admissibilidade do habeas corpus na transgressão disciplinar militar

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13/09/2019 às 13:09
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4. AS LIMITAÇÕES AO PODER DE REFORMA DA CONSTITUIÇÃO

O poder de reforma se sujeita as restrições de formais e de conteúdo, sendo um poder composto, limitado e regrado por normas da própria Constituição, sofrendo restrições na ordem procedimental, uma vez que, lhe são estabelecidos os métodos e as maneiras de atuar, dos quais o órgão reformador não pode afastar, podendo ser penalizado e o seu trabalho sair viciado, com vício de inconstitucionalidade formal ou material.

Ensinando-nos o professor Sérgio Roberto Leal dos Santos (2008, p. 139. - 140) do seguinte modo:

O poder de reforma da Constituição justifica sua existência diante da necessidade de adequação do texto constitucional às demandas da sociedade em permanente mutação. Assim, é possível inferir que as transformações da Constituição têm o objetivo de evitar ou, ao menos, minimizar a perda da eficácia jurídica ou social da Lei Maior.

[...] O poder reformador consiste na manifestação juridicamente autorizada a promover modificações no texto da Carta Constitucional. Tendo em vista sua natureza jurídica, a atuação do poder de reforma somente poderá ser considerada válida caso esteja em conformidade com as normas constitucionais que disponham sobre os limites ao seu exercício. (Grifo nosso)

Sendo o poder de reforma da Constituição de grande importância, eis que, o poder reformador se sujeita ao controle de constitucionalidade para que as transformações no texto Constitucional impeçam ou tornem mínima a perda da eficácia jurídica.

Como a inconstitucionalidade de normas constitucionais, pode ocorrer por causa de ofensa ao procedimento de reforma da Constituição ou por ofensas as cláusulas pétreas, o poder reformador deve observar exigência do quórum de maneira especial preparado para a aprovação de emenda constitucional. Sendo necessário que a proposta de emenda reúna o voto favorável de 3/5 dos membros de cada Casa do Congresso Nacional e em dois turnos de votação em cada uma.

As limitações impostas ao poder de reforma podem ser limitações procedimentais ou formais, estando consagradas no artigo 60 da Constituição da República de 1988, vejamos:

A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

(...)

2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

(...)

5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa

As limitações procedimentais ou formais se referem aos órgãos competentes e aos procedimentos que devem ser observados na alteração do texto constitucional.

Entendendo Gilmar Ferreira Mendes (2009, p. 249) da seguinte maneira:

Ambas as Casas devem anuir ao texto da emenda, para que ela prospere; não basta, por isso, para que a proposta de emenda seja aprovada, que a Casa em que se iniciou o processo rejeite as alterações à sua proposta produzidas na outra Casa.

A Constituição também aponta quem pode apresentar proposta de Emenda à Constituição (1/3, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; o Presidente da República; mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros). Não se prevê a iniciativa popular de proposta de Emenda.

Proíbe-se, por igual, a reapresentação, na mesma sessão legislativa, de proposta de emenda nela rejeitada ou tida por prejudicada (CF, art. 60, § 5º). (Grifo nosso)

O poder de emenda também se submete as limitações circunstanciais,que são restrições consubstanciadas em normas aplicáveis a situações excepcionais, de extrema gravidade, veda a modificação em determinados contextos históricos avessos à livre deliberação dos órgãos constituintes, nas quais a livre manifestação do poder derivado reformador possa estar ameaçada, como por exemplo, a previsão do § 1º do artigo 60 da Constituição da República de 1988, em que: “A  Constituição  não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”.

Por fim, existem as limitações materiais do poder reformador, que estão previstas no § 4º do artigo 60 da Constituição da República de 1988, em que:

Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

As limitações materiais do poder reformador são as cláusulas pétreas, que garantem a imutabilidade de determinados conteúdos, de certos valores dispostos no  texto constitucional, não podendo ser abolidas.

Nesse sentido aduz Gilmar Ferreira Mendes (2009, pag. 257), vejamos:

Não raras vezes, impõe o constituinte limites materiais expressos à eventual reforma da Lei Maior. Cuida-se das chamadas cláusulas pétreas ou da garantia de eternidade (Ewigkeitsgarantie) , que limitam o poder de reforma sobre determinados objetos. [...]

De todas as restrições impostas ao poder de reforma a que mais provoca polêmica é a que consttange a atividade de reforma no seu conteúdo. Se a reforma da Constituição tem por objetivo revitalizar a própria Constituição como um todo, é de entender que a identidade básica do texto deve ser preservada, o que, por si, já significa um limite à atividade da reforma. O próprio constituinte originário pode indicar os princípios que não admite sejam modificados, como forma de manter a unidade no tempo do seu trabalho. Esses limites, é claro, não têm força para impedir alterações do texto por meios revolucionários, mas, se, com desrespeito a essas cláusulas pétreas, impõe-se a mudança da Constituição, ao menos se retira do procedimento "a máscara da legalidade". [...] As cláusulas pétreas, portanto, além de assegurarem a imutabilidade de certos valores, além de preservarem a identidade do projeto do constituinte originário, participam, elas próprias, como tais, também da essência inalterável desse projeto. Eliminar a cláusula pétrea já é enfraquecer os princípios básicos do projeto do constituinte originário garantidos por ela. (Grifo nosso)

Dessa forma, as cláusulas pétreas expressam um empenho do constituinte para guardar a integridade da Constituição, não podendo ocorrer alterações em uma cláusula pétrea para suprimir um direito fundamental. Podendo acarretar na inconstitucionalidade de normas constitucionais, seja por causa de ofensa ao processo de reforma da Constituição, seja em razão de afronta às cláusulas pétreas.

Apesar da grande importância dos direitos fundamentais, a possibilidade da admissibilidade do habeas corpus para as transgressões disciplinares militares passou a ser vedada para os militares estaduais, devido a uma modificação feita pela Emenda Constitucional nº 18/98, vejamos:

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 18, DE 5 DE FEVEREIRO DE 1998

Dispõe sobre o regime constitucional dos militares.

[...]

Art. 2º. A seção II do Capítulo VII do Título III da Constituição passa a denominar-se "DOS SERVIDORES PÚBLICOS" e a Seção III do Capítulo VII do Título III da Constituição Federal passa a denominar-se "DOS MILITARES DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS", dando-se ao art. 42. a seguinte redação:

"Art. 42. Os membros das Policias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 1º. Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, §. 8º; do art. 40, §. 3º; e do art. 142, §§ 2º. e 3º., cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos Governadores. (Grifo nosso)

Nesse sentido, a emenda constitucional nº 18/98, alterou o § 1º do artigo 42 da Constituição da República de 1988, incluiu os membros das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, estendendo-lhes a partir dessa alteração, a vedação do habeas corpus na transgressão disciplinar militar (prevista no parágrafo 2º do artigo 142 da Constituição da República de 1988), que originalmente nasceu para os militares das Forças Armadas.

Assim, tal restrição ultrapassa as limitações materiais do poder reformador (§ 4º do artigo 60 da CRFB de 1988) que vimos anteriormente, suprimindo um direito fundamental dos militares estaduais (o cabimento do habeas corpus na transgressão disciplinar militar), violando com isso, uma cláusula pétrea de nossa Constituição da República de 1988.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, a regra da vedação do habeas corpus na transgressão disciplinar militar está prevista no parágrafo 2º do artigo 142 da Constituição da República de 1988, que por se tratar de texto constitucional somente é admitida a reforma, alteração ou supressão mediante emenda constitucional, entretanto, o próprio constituinte originário prevê os limites de atuação do poder reformador, limites materiais implícitos e explícitos em todo o texto constitucional, que não podem ferir as cláusulas pétreas.

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Os direitos e garantias individuais encontram amparo no artigo 5º da Constituição da República de 1988 e em outros dispositivos da Carta Magna (BRASIL, 1988), não podendo haver emenda que suprima um direito fundamental, eis que, não são aceitáveis alterações que diminuam o amparo dos direitos e garantias individuais, como ocorreu no caso da vedação do cabimento do habeas corpus na transgressão disciplinar militar (art. 142, § 2º da CRFB/88), que constitucionalmente nasceu para os militares federais, estendendo-se aos militares estaduais após a alteração feita pela emenda constitucional de nº 18 (5-2-1988) no § 1º do artigo 42 da Constituição da República de 1988.

Portanto, com essa alteração, podemos afirmar que ocorreu uma violação a cláusula pétrea prevista no inciso IV do artigo 60 da Constituição da República de 1988, eis que, apesar de não serem aceitáveis supressões, alterações ou reformas que diminuam o amparo dos direitos e garantias individuais, foi o que aconteceu através da elaboração da emenda constitucional de nº 18/98, já que restringe o direito à liberdade de locomoção dos militares estaduais (no caso da vedação do habeas corpus na transgressão disciplinar militar), devendo desse ponto de vista, ser considerada inconstitucional, no entanto, ainda continua vigente em nosso ordenamento jurídico.


REFERÊNCIAS

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Sobre a autora
Aline dos Santos Pires Silva

Possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Especialização em Direito Marítimo e Portuário pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Cursa especialização em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito de Vitória - FDV.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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