4. A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA
A decisão de absolvição sumária ocorre, quando o magistrado julga o mérito dando fim a pretensão punitiva do estado, consequentemente, favorecendo o réu, conforme explica o autor Alexis Couto de Brito:
A ideia central da absolvição sumária é permitir que o juiz antecipe o julgamento do processo com base somente nos elementos de convicção de que dispõe naquele momento. Por entender que já possui o que precisa para seu convencimento, o juiz dispensa a fase de instrução e imediatamente julga o fato. Caso entenda que não possui os elementos suficientes, deverá sanear o processo e designar a audiência de instrução e julgamento. (Brito, Alexis Couto, 2015, p. 307)
O artigo. 415 do CPP dispõe sobre as circunstancias em que poderá incidir a absolvição sumária do indivíduo, quais sejam:
Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:
I – provada a inexistência do fato;
II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;
III – o fato não constituir infração penal;
IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.
Estas hipóteses são meramente taxativas, não podendo assim, ser aplicadas para outras conjecturas.
Se entende por excludentes de ilicitude, quando em legítima defesa disposta no artigo. 23, II, artigo. 25, Código Penal, quando o indivíduo estiver em seu exercício regular do direito conforme o artigo. 23, III do Código Penal, em caso de estado de necessidade como dispõe o artigo. 23, I, art. 24, Código Penal, e quando estiver em estrito cumprimento do dever legal como trata o artigo. 23, III, Código Penal.
As excludentes de culpabilidade ocorrem quando houver incidência do erro de proibição artigo. 21, de obediência hierárquica artigo. 22, havendo coação moral irresistível artigo. 22, ou em caso de embriaguez acidental artigo. 28, §1º, todos do Código Penal.
Outrossim, quando for questão que verse sobre inimputabilidade prevista no artigo 26, caput, do Código Penal, se a defesa pedir de forma expressa poderá o magistrado absolver sumariamente o réu, não podendo, faze-lo de oficio.
Resumidamente, quando ocorre a impronuncia, não existe sequer, indícios suficientes de autoria e não há vestígios de que houve participação no cometimento do fato delituoso, no outro lado, quando ocorre a absolvição sumária do acusado, deve haver provas concretas de que o indivíduo é inocente.
A ocorrência da absolvição sumária, só é admitida se as provas não causarem dúvidas. Devendo ser transparente, total, incontestável, clara, viva, de modo indiscutível. Se houver questões passiveis de questionamento, tendo em vista o princípio do in dúbio pro societate, caberá ao juiz singular pronunciar o acusado, que predomina fundamentalmente no processo do Tribunal do Júri. Nesse sentido, ensina Renato Brasileiro:
Para que o acusado seja absolvido sumariamente, é necessário um juízo de certeza. De fato, como se pode perceber pela própria redação dos incisos do art. 415 [...] a absolvição sumária, por subtrair dos jurados a competência para apreciação do crime doloso contra a vida, deve ser reservada apenas para as situações em que não houver qualquer dúvida por parte do magistrado (Brasileiro, 2013, p. 1345).
Não pode haver dúvida em favor do acusado, e sim, afirmar que é inocente, de forma a não levar a conhecimento do Tribunal do Júri para ser julgado do ato ilícito que já existe convicção de que não fora cometido por ele.
Há entendimentos de que por ser proferida por juiz singular, a decisão que concede a absolvição sumária, vai ao desencontro com o princípio da competência constitucional do Tribunal do Júri como disposto no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘d’, da Constituição de 1988.
Com efeito, o juiz sumario, ao conceder a absolvição do acusado se baseando nas hipóteses descritas no artigo 415, incisos I e II do Código de Processo Penal, se faz necessário a analisar o mérito e apreciar as provas já produzidas, não convocando o Júri.
É plausível, o surgimento de dúvidas sobre a inconstitucionalidade do dispositivo, pois acaba por retirar o julgamento do juiz natural do Júri, atribuído pela CF/[88].
Com as mudanças provenientes da lei 11.689 de 2008 no Código de Processo Penal, que aumentou as possibilidades de aplicar o benefício da absolvição sumária, implicando em tese, a afronta ao princípio do juiz natural e da competência dada ao Conselho de Sentença no julgamento do Tribunal do Júri.
Quanto à supremacia da Constituição Federal, explica os autores Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino:
Um ordenamento que adote Constituição do tipo rígida, como o nosso, as normas constitucionais situam-se num patamar de superioridade em relação a todas as demais espécies do ordenamento jurídico, funcionando como :fundamento de validade para estas, significa dizer, a rigidez dá origem ao denominado princípio da supremacia da Constituição.. (Paulo, Alexandrino, 2017, p. 608).
Fernando Capez (2016) afirma que a decisão que concede a absolvição sumária na verdade, é uma decisão de mérito, que faz uma análise da prova e demonstra que o acusado é inocente, e que deverá ser proferida apenas se houver provas concretas, e indiscutíveis de forma excepcional. Dizendo sobre a constitucionalidade da absolvição sumária no sumário de culpa, elucida Nucci:
A possibilidade de o magistrado togado evitar que o processo seja julgado pelo Tribunal popular está de acordo com o espírito da Constituição, visto ser a função dos jurados a análise de crimes contra a vida. Significa que a inexistência de delito faz cessar, incontinenti, a competência do júri. (NUCCI, 2011, p. 804).
Dessa forma, entende que a decisão que concede o benefício da absolvição sumária poderá ser utilizada na primeira fase do Tribunal do Júri, outrossim, o juiz sumariante deve estar seguramente convencido, para que a competência atribuída ao Conselho de Sentença não seja afrontada.
O autor, Eugenio Pacelli destaca de forma clara e suscita, como a absolvição sumária é excepcional, para ele, só pode haver o proferimento dessa decisão se não existir dúvidas sobre as provas, caso contrário, deverá ser aplicado o princípio do in dubio pro societateno sumário de culpa. Destaca o autor:
Naturalmente, e como ali ocorre (nas situações de absolvição sumária), tal somente será possível quando a prova da existência das excludentes se apresentar de modo indiscutível e incontestável, a senso comum, isto é, estreme de qualquer dúvida razoável. (Oliveira; Eugênio Pacelli, 2017, p. 78).
Quanto a absolvição sumária e os crimes conexos, explica Norberto Avena:
Deverá absolver sumariamente apenas o crime doloso contra a vida, não se pronunciando em relação ao conexo. Uma vez transitada em julgado a absolvição sumária quanto ao homicídio, cumprirá, então, ao magistrado julgar o conexo, se for o competente, ou determinar a remessa do processo ao juiz que o seja para a decisão a ele relativa. (Avena, Norberto, 2017, p.50).
Por fim, vale ressaltar, que contra a decisão que concede ao acusado o benefício da absolvição sumária caberá o recurso da apelação, conforme o disposto no artigo 416 do CPP. Outrossim, a decisão de absolvição sumária é recorrível de ofício, conforme o art. 574, II, do CPP. Assim, mesmo não havendo o recurso voluntário (apelação), o juiz deverá, como condição para o trânsito em julgado, submeter a sua decisão ao crivo do 2.º Grau, para confirmação ou reforma.
5. POSIONAMENTOS ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE DA DECISÃO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA PROFERIDA pelo JUIZ TOGADO
Eugênio Pacelli de Oliveira leciona:
(...) o nosso Direito reserva ao Judiciário, e mais especificamente ao juiz encarregado da instrução preliminar, a apreciação prévia de algumas questões ligadas à efetiva existência de crime doloso contra a vida. É claro que semelhante providência não deixa de ser, em certa medida, uma subtração da competência do Tribunal do Júri, tendo em vista que a última palavra acerca da matéria (sobre ser ou não crime doloso contra a vida) deveria ser sempre daquele tribunal. (OLIVEIRA, 2017, p. 330).
O referido autor entende que no que se refere às excludentes de ilicitude e culpabilidade, hipótese de absolvição sumária antes da alteração legislativa de 2008, abrange apenas as questões de direito, o que justificava a retirada de seu conhecimento, desde logo, pelo Tribunal do Júri.
Outrossim, afirma que as hipóteses concernentes a inexistência do fato e a prova de não autoria ultrapassam as questões de direito, resultando em julgamento da matéria de fato, usurpando, assim, a competência constitucional delegada ao Tribunal do Júri. Continua o autor:
(...) Como já nos manifestamos, não nos agrada a instituição de qualquer julgamento sem a respectiva motivação, como ocorre com o Tribunal do Júri. No entanto, essa foi uma opção constitucional. Assim, quando se permite que o juiz togado absolva o réu ao entendimento de não ser ele o autor do fato, ou, mais que isso, de estar provado não ser ele o autor do fato, e também, por estar provada a inexistência do fato, está sendo subtraída a competência do Tribunal do Júri em relação à matéria que melhor lhe assenta: a matéria de fato.
Se a definição da matéria reservada à absolvição sumária se resumisse apenas à questão da suficiência da prova, e assim da certeza do julgamento, restaria concluir que ao Tribunal do Júri se deixariam apenas as hipóteses de absolvição, precisamente por insuficiência da prova. A decisão fundada na prova da inexistência do fato (art. 415, I) ou da negativa de autoria (art. 415, II, estar provado não ser ele o autor/ou partícipe do fato) abrange grande parte do núcleo central do mérito da matéria criminal, ou seja, a materialidade e a autoria. (OLIVEIRA, 2017, p. 330).
Nesse sentido, o magistrado, ao proferir a decisão de absolvição sumaria ao acusado com fundamento nos incisos I e II do artigo 415 do Código de Processo Penal, de fato analisa o mérito mediante análise da prova produzida, subtraindo, dessa forma, a competência do Júri. Outrossim assevera o autor:
A jurisprudência admite a absolvição sumária somente se estiver induvidosamente provada a excludente, sob o argumento de que, sendo o júri o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, não deve o juiz subtrair de seu julgamento o processo se houver qualquer dúvida sobre a excludente. Essa orientação, data venia, não pode ser endossada, porque perde a perspectiva da função da fase de pronúncia no procedimento do júri. Essa fase existe não para remeter preferencialmente o réu a júri, mas, ao contrário, para impedir que um inocente seja submetido ao risco de uma condenação do júri popular, que decide sem fundamentar. (Filho, Vicente Greco, p. 221)
Assim, o autor aponta o questionamento no que se refere a função da absolvição sumária, defendendo a tese de que se há dúvida sobre a excludente de ilicitude, deve o juiz absolver o acusado sumariamente, para que não corra o risco de um inocente seja submetido a uma eventual condenação do júri popular.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a presente pesquisa, conclui-se que o Instituto do Tribunal do Júri surgiu em tempos bem remotos, tendo seu início na época de Jesus, em que Pôncio Pilatos deixava a decisão de se crucificar Jesus na mão dos “jurados”, que estavam ali presentes.
A sua visão moderna, encontrou origem na Magna Carta, da Inglaterra de 1215. Na França, após a Revolução Francesa de 1789, surgindo como a modalidade ideal de liberdade e democracia para os demais países da Europa.
Já no Brasil, o Júri foi instituído pela Lei de 18.06.1822, sendo reafirmado nas Constituições de 1824, de 1890, no Decreto-Lei nº 24.776, de 14 de julho de 1934, na Constituição Federal de 1946, na Constituição de 1967 o Júri foi mantido como garantia e direito individual, no entanto, a Constituição de 1969, declarou sua competência somente para os crimes dolosos contra a vida.
A nossa atual Constituição Federal, é que vem descrevendo na parte dos direitos e garantias individuais atribuindo, o instituto do Tribunal do Júri ao status de cláusula pétrea, em seu art. 5º, XXXVIII, alínea “d”, o legislador trouxe a competência do Tribunal do Júri, que é julgar os crimes dolosos contra a vida, cometidos na sua forma tentada ou consumada, do mesmo modo caberá aos julgamentos dos crimes conexos a estes, conforme a redação do artigo. 78, I, do CPP.
Pretende-se demonstrar a aceitação da decisão proferida pelo juiz togado, que absolve o acusado sumariamente no procedimento do Tribunal do Júri, haja vista a divisão do procedimento em duas fases e é o juiz sumariante quem analisa de forma mais aprofundada o caso, assim poderá fundamentar tal decisão sem incorrer em inconstitucionalidade.
No que concerne as fases do procedimento do júri, o sumário de culpa é o primeiro momento do processo, podendo durar do oferecimento da denúncia até que seja proferida a decisão, podendo esta ser de pronúncia, impronuncia, desclassificação e por fim, a absolvição sumaria.
A fase intermediaria conhecida como a de juízo de preparação de plenário, está localizada entre a desenvolvimento do sumário de culpa. Por fim, a última fase do procedimento do júri, será apreciado o mérito da causa, se prolongando até o oferecimento do veredicto pelos jurados.
Nesse diapasão, a análise do mérito será feita pelos jurados (conselho de sentença). O juiz presidente apenas ratifica a decisão apresentada por esses por meio da sentença, quando analisa a dosimetria da pena, caso seja condenado. Deve ser esclarecido, ainda, que cabe aos jurados as decisões fáticas, cabendo ao juiz togado as questões de direito.
Registra-se, todavia, que decisão de absolvição sumária é aplicada de forma excepcional e, por tanto, deve vir da certeza do julgador, tanto no que se refere às questões de direito, quanto às questões de fato (inexistência do fato, negativa de autoria e atipicidade).
Por fim, em que pese o entendimento doutrinário de Eugenio Pacelli, de que existe no instituto da absolvição sumária uma subtração da competência do Tribunal do Júri, se entende que este benefício somente poderá ser concedido em casos extraordinários, tendo em vista que, a Constituição Federal atribuiu originariamente ao Tribunal do Júri a competência para a realização do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, e não ao juiz singular, frisasse que a decisão, portanto, deve ser sedimentada em sólida fundamentação, só sendo cabível quando a prova for indiscutível, ou seja, acima de qualquer dúvida, assim, não há de forma alguma uma a retirada da competência atribuída pela Carta Magna.