3. REPRESENTAÇÃO NOS CASOS DE LESÕES CORPORAIS DOLOSAS LEVES E CULPOSAS
O instituto da necessidade de representação nos casos de lesões corporais dolosas leves e culposas está previsto no artigo 88 da lei nº 9.099/95, no qual demonstra que “Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas” (BRASIL, 1995).
De acordo com artigo 75 da mencionada lei, caso o acordo da conciliação na composição por danos civis não for aceito, a vítima poderá, na própria audiência preliminar, fazer representação oral contra o autor ou após a audiência, tendo assim o prazo de 6 (seis) meses para fazê-lo, contados a partir do conhecimento da autoria.
Observa-se, que a representação é condição de procedibilidade, pois se não ocorrer a representação, o Ministério Público não poderá denunciar o acusado. Por isso que entende-se que é um instituto despenalizador, pois o Estado não poderá punir, enquanto a vítima não formalizar sua representação.
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
A suspensão condicional do processo, ou “sursis processual”, consiste na medida despenalizadora que evita que o réu seja submetido ao processo pelo prazo de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que preenchidos os requisitos previstos em lei e cumpra determinadas condições.
Esta medida benéfica tem previsão no artigo 89 da lei 9.099/95, in verbis:
“Artigo 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena, conforme o artigo 77 do Código Penal brasileiro.” (BRASIL, 1995).
Ainda sobre esse instituto, Nucci (2019) esclarece que:
[...] trata-se de um instituto de política criminal, benéfico ao acusado, proporcionando a suspensão do curso do processo, após o recebimento da denúncia, desde que o crime imputado ao réu não tenha pena mínima superior a um ano, mediante o cumprimento de determinadas condições legais, com o fito atingir a extinção da punibilidade, sem a necessidade do julgamento do mérito propriamente dito (NUCCI, 2019, p.490).
A suspensão condicional do processo só será proposta no caso da pena mínima for igual ou inferior a 01 (um) ano, e desde que não esteja submetido a processo-crime, não tenha sido condenado anteriormente por outro crime e que preencha os requisitos constantes no artigo 77 do Código Penal Comum: “I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício” (BRASIL, 1940)
Conforme entendimento da Súmula nº 696 do STF quando “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o artigo 28 do Código de Processo Penal”. Percebe-se que se preenchidos os pressupostos, o Ministério Público (MP) deverá propor o instituto, o qual não é faculdade do MP, mas obrigação, com fulcro no principio da obrigatoriedade, que rege as ações do Parquet. Ademais as condições para a suspensão condicional do processo estão previstas nos parágrafos 1º e 2º do artigo 89, da lei 9.099 de 1995.
Dessa forma, caso o acusado aceite o acordo, desde que preenchidos os pressupostos, ao receber a denúncia o juiz proferirá a sentença decidindo pela aplicação da suspensão condicional do processo. Depreende-se que durante o período de suspensão condicional do processo, o acusado deve cumprir os requisitos para que ao final seja extinta a punibilidade. Caso haja descumprimento dos requisitos, será revogada a suspensão e o processo será retomado. Na hipótese do acusado ser processado por outro crime ou se não reparar o dano, a medida será revogada obrigatoriamente.
Ao término do prazo da suspensão, o juiz pronunciará a extinção da punibilidade e o beneficiado não será considerado culpado, pois o mérito da questão não foi analisado. Por outro lado, caso o autor recuse a proposta de suspensão condicional do processo, este será iniciado por denúncia do Ministério Público.
DISCUSSÃO
Concomitante a introdução da Lei dos Juizados Especiais Criminais no ordenamento jurídico pátrio, inserindo nesta alguns instrumentos descriminalizantes, como, a transação penal e a suspensão condicional do processo, trazendo a voga uma discussão controvertida acerca da possibilidade de aplicação dos termos do diploma legal em análise aos delitos previstos no Código Penal Militar, próprios ou impróprios.
Em relação ao dispositivo da transação penal, por expressa vedação legal, com fulcro no artigo 61, da Lei nº 9.099/95, impraticável se tornou sua concessão aos delitos previstos no Decreto-Lei 1.001 de 1969, haja vista o fato de estes serem processados nos termos de legislação especial. Considerando o previsto no artigo 89, caput, da Lei nº 9.099/95, que expressamente admitiu a aplicação da suspensão condicional do processo aos acusados incursos nos termos da legislação castrense, oscilante se tornou a doutrina e a jurisprudência no que diz respeito à possibilidade de concessão do sursis processual aos réus denunciados de acordo com o Código Penal Militar, ora admitindo, ora rechaçando a viabilidade da propositura da benesse.
Dessa forma, a referida discussão, pelos menos em parte, perdeu seu objeto com a edição da Lei nº 9.819/99, que inseriu o artigo 90-A à Lei dos Juizados Especiais Criminais, afastando expressamente a aplicação dos dispositivos desta lei aos delitos previstos na legislação castrense, não fazendo distinção entre os delitos próprios ou impróprios, nem aos seus autores. A partir de então, passou a ser vedada a concessão da suspensão condicional do processo aos denunciados por infrações previstas no diploma castrense.
Tendo em vista o afastamento da aplicabilidade aos autores militares criou-se uma afronta cristalina ao princípio Constitucional expresso, qual seja o da igualdade, onde explicita que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Dessa forma, a contrario senso à Magna Carta da Nação, demonstra, em tese, a inconstitucionalidade em relação à redação do Artigo 90-A da lei 9.099/95, que vedou expressamente a aplicação da lei dos Juizados Especiais no âmbito da Justiça Militar.
Damásio de Jesus (2002) expôs seu entendimento sobre os institutos despenalizadores previstos em lei especial, demonstrando que estes devem ser aplicados nos casos de crimes impropriamente militares e afirma que:
“A inovação contrasta com a tranqüila jurisprudência do STF e do STJ, que sempre entenderam perfeitamente aplicáveis as disposições da Lei 9.099 aos crimes militares. No que tange aos delitos militares próprios, ainda poderia ser defensável a lei nova, uma vez que são regidos pelas regras da hierarquia e da disciplina. [...] No que diz respeito aos delitos militares impróprios, contudo, é de flagrante inconstitucionalidade, ferindo os princípios da isonomia e da proporcionalidade.” (JESUS, 2002, p. 119)
De semelhante modo, o mestre Paulo Tadeu Rosa (2002), Juiz Militar, no Estado de Minas Gerais, defende ainda a aplicabilidade da lei na Justiça Militar com base no princípio da isonomia. Neste seguimento, o magistrado destaca que:
“Deve-se observar que o militar encontra-se amparado pela Constituição Federal, estando diferenciado apenas pela atividade desenvolvida, mas a sua liberdade é a mesma que assegurada pelo Estado ao funcionário civil ou aos demais cidadãos” (ROSA, 2002).
Em ato contínuo, o mesmo magistrado Rosa (2019), traz a tona que o artigo 90-A da lei nº 9.099/95 não impossibilita a aplicação dos seus institutos despenalizantes no âmbito da Justiça Militar Estadual e afirma que:
“Uma leitura atenta do novo dispositivo da lei evidencia que esta não fez qualquer menção a Justiça Militar Estadual, utilizando-se de uma expressão genérica, que deve ser interpretada pelo julgador quando da efetiva aplicação da lei ao caso concreto. O artigo 90-A que foi editado com o intuito de evitar a aplicação da Lei Federal 9099/95 no âmbito da Justiça Militar na realidade conforme interpretação que tem como base as disposições legais foi tacitamente revogado em razão de modificações que ocorreram por atos do legislador infraconstitucional. O artigo 61, da Lei, que antes estabelecia que a infração de menor potencial ofensivo seriam aquelas que tivessem previsão de pena privativa de liberdade igual ou inferior a um ano, passou a estabelecer como sendo infração penal de menor potencial ofensivo aquelas infrações que tenham como pena privativa de liberdade quantum igual ou inferior a dois anos e não mais fez referência aos caos em que a lei preveja procedimento especial. Desta forma, não há nem mesmo que se falar em inconstitucionalidade do artigo 90-A da Lei Federal 9099/95, uma vez que este artigo foi tacitamente revogado pela própria Lei Federal 9099/95 e se tornou letra morta no âmbito do contexto da própria lei.” (ROSA, 2019)
Nesse entendimento, aquele a quem está à incumbência de legislar não pode simplesmente afastar o militar de ser beneficiado com os institutos despenalizadores previstos em lei, meramente pelo fato de exercer atividades diferenciadas. Portanto, conforme o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, “caput”, os militares não podem sofrer tratamento distinto em relação ao civil, na prática de idêntico delito. Por conseguinte, a aplicação dos institutos da lei dos juizados especiais não violam os princípios basilares das Instituições Militares, federais ou estaduais, quais sejam, a hierarquia e a disciplina.
Paulo Tadeu Rosa discorre ainda mais sobre a seara castrense e sua especialidade para com a possibilidade de adequação aos institutos benéficos da lei 9.099/95:
“Em razão da especialidade do Código Penal Militar, Decreto-lei 1001, de 1969, esse era o fundamento utilizado para a que a Lei Federal 9099/95 não fosse aplicada no âmbito da Justiça Militar, sendo que no Estado de Minas Gerais a Lei Federal 9099/95 sempre foi aplicada uma vez que os Juízes de Primeiro Grau de Jurisdição entendiam de forma fundamentada em atendimento ao art. 93, inciso IX, da CF, que o art. 90-A seria inconstitucional.” (ROSA, 2019)
Rocha (2010), outro doutrinador de importante destaque entende que os referidos institutos benéficos previsto em lei especial devem ser aplicados somente em caso de cometimento de crimes impropriamente militares, conforme ilustrado a seguir:
“Diante da constatação de que a pena privativa de liberdade, em especial a pena de curta duração, não atende aos objetivos socialmente esperados, por que razão a Justiça Militar não poderia conciliar sua operação com a política criminal adotada pelo Estado brasileiro, em especial em relação aos condenados pela prática de crimes impropriamente militares (ROCHA, 2010)”.
Ainda nesse sentido, Ada Pellegrini Grinover, exara o seguinte posicionamento:
“O tema, entretanto, não é e nunca será tranquilo, porque, no que diz respeito aos crimes militares impróprios, não há razão para se impedir a incidência da Lei 9.099/95. O que justifica tratamento jurídico distinto só é o crime militar próprio”. (GRINOVER, 2002, p. 217)
Ressalta-se que as polícias e bombeiros militares são órgãos responsáveis pela segurança pública nos Estados e Distrito Federal, conforme previsão constitucional no artigo 144, V, além dos parágrafos quinto e sexto, do mesmo tipo legal. Portanto, fazem parte do sistema de segurança pública, que é composto por diversos órgãos, que apresenta na formação do quadro de profissionais, civis como integrantes. Assim, existem casos em que policiais militares trabalham em conjunto com funcionários desses órgãos, de forma integrada. Logo, não há em que se dar um tratamento diferenciado para os militares em casos semelhantes. Ademais, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, os militares integrantes das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares são processados e julgados pelos Juízes de Direito do Juízo Militar (sendo este um civil que ingressa na seara militar por concurso público de provas e títulos) e pelos Conselhos de Justiça, Permanente e Especial. O Segundo Grau a princípio é constituído pelo Tribunal de Justiça, exceto nos Estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo, onde existe o Tribunal de Justiça Militar, TJM.
Aspecto importante que o magistrado Paulo Tadeu traz a tona, é que o princípio da igualdade legitima a aplicação dos institutos despenalizantes da lei 9.099/95 aos militares, afirmando que:
“O militar que integra os quadros das forças armadas ou forças auxiliares em respeito ao princípio da igualdade previsto no art. 5.º, caput, da CF, também faz jus aos institutos criados pela Lei 9099/95. O Código Penal Militar prevê infrações que são apenadas com pena máxima igual ou inferior a um ano, o que em tese autorizaria a aplicação da Lei 9099/95 aos militares estaduais ou federais acusados em tese da prática desses ilícitos considerados de menor potencial ofensivo”. (ROSA, 2002)
Destaca-se que o CPM é uma norma de 1969, outorgado em pleno período de governo militar (Artur da Costa e Silva, segundo presidente no regime castrense). Hodiernamente, como muitos dos seus comandos não foram recepcionados pela CF/88, existe a necessidade de serem alterados a fim de que possa ser feita uma adequação que atenda os anseios da sociedade contemporânea. Consequentemente, em 13 de outubro de 2017, o presidente da República sancionou a novel Lei Federal 13.491 que alterou o Decreto-Lei 1.001, de 21 de outubro de 1969 — Código Penal Militar, no artigo 9º(dos crimes militares em tempo de paz), inciso II, sendo acrescidos os parágrafos §§ 1° e 2°, este último contando com três incisos e alíneas. Esta referida alteração normativa trouxe uma ampliação de competência da Justiça Militar, passando a processar e julgar, além dos crimes militares estabelecidos no CPM, os previstos na legislação penal comum e extravagante, os quais passaram a ser considerados “crimes militares”, praticados de acordo com o previsto no tipo normativo retro citado. Ademais, tais mudanças vieram para dizer que a Justiça Militar (federal ou estadual) agora poderá julgar os crimes previstos no CPM e na legislação penal (comum e especial/extravagante), dentre elas podemos destacar os crimes intrínsecos a lei dos juizados especiais em análise e a possível aplicação de seus institutos despenalizadores. Em entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça, no Informativo nº 642, este exarou que “A Lei n. 13.491/2017 possui conteúdo híbrido (lei processual material) eis que não apenas ampliou a competência da Justiça Militar (norma processual) como também alargou o conceito de crime militar (norma material).”
Noutro giro, como todo ponto controverso, existem lados opostos, com entendimentos e pontos de vistas peculiares. Nesta feita, a magistrada Viviane de Freitas Pereira, exara seu posicionamento quanto a não aplicabilidade de tais institutos despenalizadores da lei nº 9.099/95 aos delitos do CPM, devido aos princípios basilares da hierarquia e disciplina, pilares das instituições militares. Nesse contexto, a autora enfatiza que:
“a situação do policial militar que pratica um crime militar é distinta da situação de um civil, e da sua própria, quando comete um crime comum. É bom frisar que a hierarquia e a disciplina são princípios basilares de todos os crimes militares, porquanto basilares das instituições militares. Não deixam de estar presentes quando se trata de um crime impropriamente militar. O policial militar ainda está sujeito a eles e está no desempenho de uma função estatal.” (PEREIRA, 2001).
No mesmo sentido de não ser possível a aplicação da lei nº 9.099/95 na Justiça Militar, tem-se o entendimento de Jorge César de Assis. De acordo com o posicionamento dos autores desta corrente, a aplicação dos institutos despenalizantes abalariam os sustentáculos das instituições militares, ensejando diversos confrontos de ideais históricos. Percebe-se que esse é a tese fundamental, ou seja, o principal argumento utilizado pela doutrina que se posiciona contra a aplicabilidade da Lei em análise e seus institutos benéficos.
Os estudiosos do direito que se posicionam de maneira contrária a aplicação dos institutos benéficos aos autores de delitos militares, próprios ou impróprios, argumentam que tal inaplicabilidade não infringe o princípio da isonomia, visto que o militar exerce uma profissão em que tanto a atividade exercida quanto sua situação jurídica são diferenciadas. Por conseguinte, Viviane de Freitas Pereira (2001), explicita que a expressa vedação legal da utilização da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais justifica-se em razão das especificidades da atividade militar, dos valores tutelados pela norma penal militar e de seus princípios basilares. Portanto, tal proibição abrange a jurisdição castrense, e não a condição dos sujeitos ativos que, perante ela, respondam por ilícitos praticados.