Institutos da Lei 9.099/95 à luz do direito castrense

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18/09/2019 às 15:27
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CONCLUSÃO

 

Hodiernamente, o Estado Democrático de Direito garante através do texto inserido na Magna Carta a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país os direitos e garantias fundamentais previstos expressamente no artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, destacando-se entre tantos, os direitos a liberdade, igualdade, segurança, propriedade e a vida.

 

Com o advento da Lei dos Juizados, através de previsão Constitucional em seu artigo 98, inciso I, objetivou-se proporcionar maior celeridade à justiça e evitar o cerciamento de liberdade do individuo, passando os tribunais competentes aplicar os institutos despenalizadores, quais sejam, composição civil extintiva da punibilidade, transação penal, representação nos casos de lesões corporais leves e culposas, além da suspensão condicional do processo. No ano de 1999, por meio da Lei nº 9.839, foi acrescentado o artigo 90-A à lei 9.099/95, que proibiu expressamente a aplicabilidade desta lei e de seus institutos no âmbito da Justiça Militar.

Com o decurso do tempo criou-se uma discussão doutrinária a respeito da possibilidade ou não da aplicação da referida lei na Justiça Militar, torna-se necessário uma visão constitucionalista de garantismo geral para maior abrangência da Lei dos Juizados Especiais a todos os cidadãos, sem fazer qualquer acepção dos indivíduos inseridos neste contexto. Desse modo, segundo parte da doutrina, é imperioso a declaração de inconstitucionalidade da lei nº 9.839/99 que acrescentou o artigo 90-A à lei nº 9.099/95, passando a proibir expressamente a aplicabilidade da Lei dos Juizados Especiais e de seus institutos no âmbito da Justiça Militar, retirando assim a igualdade que havia entre civis e militares no acesso aos benefícios da lei. Por outro lado, outra corrente doutrinária entende que não existe a necessidade de tornar inconstitucional tal artigo, pois a própria lei dos juizados realizou uma revogação tácita ao trazer a mudança do artigo 61 no que tange ao quantum da pena, que anteriormente seria inferior ou igual a 01(um) ano e a partir de 2006 passou a ser inferior ou igual a 02 (dois) anos, cumulada ou não com a multa.

Por conseguinte, a lei de procedimento sumaríssimo estabelece outras formas de impor sanções com fulcro no princípio da proporcionalidade ao acusado, sem desrespeitar a sua dignidade. Logo, destaca-se que as medidas despenalizadoras não têm caráter punitivo, ao contrário tem-se o aspecto pedagógico. Existem diversos questionamentos quanto à aplicabilidade dos referidos institutos previstos na Lei nº 9.099/95 a luz do direito penal militar. Nesse universo de entendimentos, alguns doutrinadores são favoráveis à aplicação da lei dos juizados na seara castrense, por entenderem que, com fundamento no princípio da igualdade consagrado no caput do artigo 5º da Constituição Federal, deve ser aplicado a todos sem distinção quando preenchidos os requisitos previstos em lei. Por outro lado, alguns estudiosos do tema são contra a aplicação destes benefícios, argumentando que devido à especialidade do Direito Penal Militar, existindo nas instituições militares princípios basilares (hierarquia e da disciplina), que seriam abalados caso ocorresse à aplicação dos referidos institutos.  Ademais, existem aqueles que argumentam que somente seria cabível nos casos de crimes militares impróprios, ou seja, aqueles previstos no CPM e em legislação penal, nos moldes do artigo 9º, II do Decreto lei 1.001 de 1969 – alterado pela lei 13.491 de 2017.

Entretanto, com a mudança de competência da Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal, estabelecida por lei em 2017, passando a processar e julgar os crimes previstos em leis especiais, visto que ampliou o rol de legislações abarcadas por tal Justiça, englobando tais condutas ilícitas ao crime militar impróprio, não é coerente vedar ao policial e ao bombeiro militar a possibilidade de aplicação do benefício da transação penal ou mesmo da suspensão condicional do processo, pois se assim for, estará advindo uma violação aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, previstos em tratados internacionais que foram subscritos pelo o Estado brasileiro.

 

Relevante se faz destacar que o fato dos militares da União, dos Estados e do Distrito Federal estarem sujeitos no exercício de suas funções constitucionais aos princípios de hierarquia e disciplina, previstos nos regulamentos disciplinares internos, não há impeditivo para que possam ser beneficiados pela aplicação dos institutos retro citados, desde que preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos previstos na Lei Federal 9099/95.

 

Assim sendo, a concessão dos institutos da lei em análise não impede que o militar seja punido disciplinarmente, por meio de procedimento administrativo disciplinar, que tem o objetivo de evitar novas transgressões. Além disso, apesar dessa lei não apresentar penas privativas de liberdade, seu caráter pedagógico, coaduna com o princípio da continuidade da prestação do serviço público, trazendo enormes benefícios à sociedade uma vez que o policial ou bombeiro militar realizará suas atividades no horário de folga atendendo os interesses sociais. Os integrantes das Instituições militares estaduais que receberem esse benefício prestam serviços de natureza administrativa ou operacional na própria administração militar, proporcionando ganho para a sociedade em ações de segurança pública. Portanto, entende-se que assim como os civis, os militares são cidadãos nacionais, diferenciando somente daqueles no tocante à atividade exercida. Por estarem inseridos em um estado democrático de direito, em que são assegurados aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país o tratamento igualitário, não existe motivo para haver tratamento diferenciado.

 

Noutro giro, a especialidade da Justiça Castrense não impede a aplicação da Lei dos Juizados Especiais, uma vez que esta em nenhum momento maculou a Constituição Federal ou lei infraconstitucional, não existindo restrições aos delitos capitulados no COM que ensejariam qualquer ação de inconstitucionalidade. Assim, não cabe ao intérprete infraconstitucional realizar restrições que não foram feitas pelo legislador competente para tal análise.                                              

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Em suma, mesmo existindo tal vedação legal expressa na lei 9.099/95 no seu artigo 90-A o qual foi inserido pela lei 9.839/99, não prospera compreender que a Justiça Castrense convalide tal entendimento, alegando afronta à hierarquia e a disciplina, pois a contrario senso, atualmente, as auditorias militares estaduais vêm aplicando os institutos benéficos da lei nº 9.099/95 aos crimes militares impróprios, com anuência do Ministério Público, com fulcro no descumprimento do princípio constitucional da Igualdade a sua não aplicação. Isto posto, deve-se colocar em prioridade a finalidade das medidas, sempre a luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, trazendo maior celeridade à justiça e igualdade nas penas aplicadas para fatos semelhantes, sejam comuns ou militares ou em situações que não justificam qualquer distinção. Ações como esta demonstram um retorno mais vertiginoso e efetivo ao ato cometido pelo infrator, evitando assim a prescrição da pretensão punitiva estatal e alcançando o fim pretendido, com supedâneo nos preceitos de justiça do Estado Constitucional de Direito.


REFERENCIAS

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Sobre o autor
Luiz Alberto A. G. Santos

2016 - Graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira 2017 - Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá; 2018 - Pós graduado em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade Estácio de Sá; 2019 - Pós graduado em Direito Penal Militar pela Facibra;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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