Julgamento antecipado pela mídia no processo penal brasileiro

22/09/2019 às 21:08
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O presente estudo tem como objetivo analisar o julgamento realizado pela mídia no âmbito do processo penal brasileiro. A abordagem tem justificativa por conta da grande massa dos veículos de imprensa usarem do amplo poder de transmissão de informação.

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar o julgamento realizado pela mídia no âmbito do processo penal brasileiro. A abordagem tem justificativa por conta da grande massa dos veículos de imprensa usarem do amplo poder de transmissão de informação, para formar opinião pública por meio de noticiário sensacionalista, sem observância de direitos e garantias constitucionais. Outro ponto importante, é a divulgação seletiva de informações por meio de membros da relação jurídica processual, com desígnio único de provocar o senso de justiça e o apoio da comunidade brasileira. Assim, com base primeiramente, em estudo das funções dos sujeitos da relação jurídica, será demonstrado o excesso praticado pelos mesmos. Em seguida, será abordado a atuação da imprensa sob a ótica constitucional, permeando pelos princípios que garantem a atividade midiática. Por derradeiro, uma análise de manchetes de jornais que expõem de forma ampla os envolvidos na relação jurídica penal, ferindo fielmente as garantias constitucionais. Diante de todo o exposto até então, a analise leva concluir que a liberdade de imprensa não deve prevalecer sobre as garantias fundamentais deste Estado Democrático de Direito.

PALAVRAS-CHAVE: 1. Poder Judiciário 2. Ministério Público 3. Mídia 4. Processo Penal


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................8

2 DOS SUJEITOS NO PROCESSO PENAL..............................................................10

2.1 Do juiz..................................................................................................................10

2.2 Do Ministério Público.........................................................................................13

2.3 Do defensor.........................................................................................................15

2.4 Do acusado..........................................................................................................16

3 DO EXERCÍCIO DA IMPRENSA SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL....................18

3.1 Da liberdade de imprensa...................................................................................18

3.2 Do sigilo das fontes............................................................................................19

3.3 Da privacidade....................................................................................................21

4 DECISÕES JUDICIAIS E INFLUÊNCIA DA MÍDIA.................................................24

4.1 Da Isabella Nardoni.............................................................................................25

4.2 Da Operação Lava Jato.......................................................................................29

4.3 Do Weikmam Agnaldo de Mattos Andrade da Silva..........................................33

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................37

6 REFERÊNCIAS.......................................................................................................39

7. ANEXOS.................................................................................................................45


1 INTRODUÇÃO

No Brasil os veículos de comunicação possuem grande relevância na conjuntura política, social, econômica e judicial. Posto isso, ressaltamos que a diretriz central do presente estudo, é ponderar o julgamento antecipado pelos órgãos midiáticos sobre litígios penais que serão apreciados pelo Poder Judiciário deste Estado Democrático de Direito.

A escolha do tema desta abordagem foi por conta de acompanhar rotineiramente indivíduos serem apresentados para a comunidade civil como responsáveis por delitos penais, sendo vedado a possibilidade de ampla defesa, passando a serem condenados sem o devido processo legal e considerados culpados antes de sentença condenatória transitada em julgado. Em verdade, é admissível e questionável que o Poder Judiciário necessite de uma reforma para extinguir-se privilégios e vedar que a atividade judiciária atue como protagonista no contexto democrático deste País, não estando submetidos ao sufrágio universal.

Através de estudo multidisciplinar, entre o ramo do Direito e Comunicação Social, será proporcionado uma reflexão importante sobre o papel fundamental dos veículos de imprensa no Brasil, os quais na grande maioria atuam de forma sensacionalista e com pré-julgamento, por meio de pautas estritamente seletivas, tendo amparo de membros-partes da relação jurídica processual, o que possibilita o ativismo judicial e a partidarização do judiciário como instrumento político-ideológico.

A pesquisa está estruturada em três capítulos, tendo os dois primeiros capítulos uma abordagem do ordenamento jurídico legal, principiológica, para que no último capítulo esteja demonstrado o julgamento antecipado e o comportamento errôneo das partes da relação jurídica processual penal.

O primeiro capítulo tem como objeto central os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. No que refere-se a competência de cada parte da relação jurídica, expondo entendimento doutrinários do contexto, analisando a pessoalidade, imparcialidade e a efetivação da atividade jurisdicional para dar respostas ‘justas’ aos anseios deste Estado de Direito, revestidos pelas garantias constitucionais.

Na sequência, no segundo capítulo, os olhos voltam-se para a principiológica da atividade midiática no Brasil, expondo as diretrizes para que a prática jornalística não infrinja contra a honra e dignidade da pessoa humana.

O Índice de Confiança na Justiça no Brasil, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), apontou que a imprensa escrita possui maior grau de confiabilidade com relação ao Poder Judiciário. Deste modo apresentam a sociedade um padrão de atividade comprometido com a efetivação da justiça, mas que em verdade destorce o real objetivo de captura de rendimento financeiro, fechando-se os olhos para a vida humana que está sendo denegrida de forma irreparável. Mas de antemão, pontuamos que a imprensa possui suma importância para o Estado Democrático Brasileiro, desde que atue comprometido com os preceitos constitucionais, para que não cause conflito de garantias, da forma que será demonstrado no decorrer deste estudo.

Dando sequência, o terceiro e último capítulo, terá como objeto uma pesquisa de campo, expondo noticiários com teor de julgamento, antes mesmo de ser dado início a segunda fase da persecução criminal, ou em verdade, logo no início da investigação criminal. Pontuando os excessos praticados por membros do Poder Judiciário e de representantes do Ministério Público, com divulgação seletiva de informações para convocar o clamor social e conquistar o apoio da sociedade brasileira com o intuito de obter êxito na empreitada judicial. Para exemplificar a proposta do presente estudo, será levantado três casos atuais: Isabella Nardoni, Operação Lava Jato e Weikmam Agnaldo de Mattos Andrade da Silva, este último, sequer possui sentença judicial, mas já fora condenado pela imprensa no Estado de Mato Grosso do Sul.

Neste sentido, o estudo possui o objetivo único de analisar a influência da mídia no processo penal brasileiro, por meio de uma abordagem condenatória antecipada dos envolvidos, refletindo diretamente nas decisões judiciais e claro, principalmente, no âmbito do Tribunal do Júri, vez que o direito penal está mais suscetível à interferência dos veículos de comunicação em massa.

2 DOS SUJEITOS NO PROCESSO PENAL

Neste primeiro momento será abordado a função dos sujeitos processuais do âmbito do processo penal brasileiro. Destacando desde logo, a importância do desempenho efetivo de cada membro processual, para que os conflitos penais sejam resolvidos na maior plenitude de justiça. Por meio de abordagem do texto legal, principiológica e de entendimentos doutrinários, no que refere-se a parcialidade, a independência funcional, a devida relação das partes e/ou sujeitos processuais.

Ao falar de princípios, pontuamos o importante e atual ensinamento do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (2008), in verbis:

[...] Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda estrutura nelas esforçada.

Com este brilhante ensinamento, é razoável que os sujeitos da relação jurídica, atuem como guardiões dos princípios, tendo a clareza que são a base, a fonte, fundamento e que garante a proteção da dignidade da pessoa humana.

A partir deste momento passaremos à analisar os sujeitos, justificando que o estudo irá ater-se no que tange ao juiz, o Ministério Público, o defensor e o acusado, tendo em vista o principal objetivo do presente estudo, que será de analisar três casos concretos que alcançaram repercussão nacional e internacional. Ressalta-se que a específica abordagem será por conta da atividade jurisdicional com sinais que extrapolam prerrogativas e preceitos constitucionais.

2.1 Do juiz

O Código de Processo Penal consagra dupla função ao magistrado, sendo de prover à regularidade do processo e de manter a ordem no curso dos respectivos atos, exercendo a prerrogativa jurisdicional e autonomia de resolver a relação jurídica processual, aplicando o direito material penal objetivo as relações jurídicas.

Ao Poder Judiciário cabe vislumbrar-se das garantias fundamentais, agindo-se de forma imparcial, para que a atividade jurisdicional seja realizada com a efetiva aplicação do direito, medindo a legitimidade da atuação de cada parte da relação processual. O professor Horta (1987, p. 179-188), pontuava que o Poder Judiciário “é o poder que enfrenta e deslinda dramas humanos, ouvindo queixas, reivindicações e protestos. É o poder que explode o ódio das vítimas e dos condenados, a revolta dos oprimidos, e a arrogância dos opressores”.

Para Guilherme de Souza Nucci (2016, pág. 497), o juiz é sujeito da relação processual e desempenha “a função de aplicar o direito ao caso concreto, provido que é do poder jurisdicional, razão pela qual, na relação processual, é sujeito, mas não parte”. Nesse sentido Renato Brasileiro de Lima (2017, pág. 1208), pontua que incumbe ao magistrado a função de julgar a imputação constante da peça acusatória, aplicando o direito objetivo ao caso concreto e conduzindo o processo até a sentença final, sendo deste modo o dominus processus. Diferentemente de Fernando Capez, que a rigor, leciona que o sujeito processual não é o juiz, mas o Estado-Juiz.

A rigor, sujeito processual não é o juiz, mas o Estado-Juiz, em nome do qual aquele atua. Como sujeito imparcial, cuja razão de estar no processo reside na realização pacífica do direito material penal, que, como se sabe, não pode ser voluntariamente aplicado pelas partes, o juiz coloca-se super et inter partes, isto é, substituindo a vontade destas e dizendo, no caso concreto, qual o direito substancial aplicável. Assim, sua maior virtude é a imparcialidade. “A qualidade de terceiro estranho ao conflito em causa é essencial à condição de juiz” (Cintra, Grinover e Dinamarco, Teoria geral do processo, cit., p. 249).  (CAPEZ, 2017, pág. 225)

Também é necessário ressaltar a independência do magistrado, por ser uma legitimidade democrática. Para Lopes Jr. (2014, pág. 110) “a independência não significa uma liberdade plena (arbitrária), pois sua decisão está limitada pela prova produzida no processo, com plena observância das garantias fundamentais [...] e devidamente fundamentada”.

Ainda de acordo com Lopes Jr. (2014, pág. 378), a imparcialidade do órgão jurisdicional é um “princípio supremo do processo”[1], sendo imprescindível para o desenvolvimento dos atos processuais. Neste contexto, Lopes Jr., faz ressalva quanto ao sistema investigatório-instrutório.

A imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório, de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir, além da separação inicial das funções de acusar e julgar, um afastamento do juiz da atividade investigatória/instrutória. (Lopes Jr, 2014, pág. 116)

O sistema inquisitório, representa uma quebra da igualdade, do contraditório e da própria estrutura dialética do processo. Como decorrência, fulminam a principal garantia da jurisdição, que é a imparcialidade do julgador. (Lopes Jr., 2014, pág. 75)

É de extrema importância pontuar que Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica, no art. 8º, n. 1, destaca a garantia de julgamento com imparcialidade, em que “toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial”. Segue a mesma linha, Renato de Lima Brasileiro, destacando o princípio do Juiz Natural, reforçando o Pacto São José da Costa Rica.

Visa assegurar que as partes sejam julgadas por um juiz imparcial e independente. Afinal, a necessidade de um terceiro imparcial é a razão de ser da própria existência do processo, enquanto forma de de conflitos, sendo inviável conceber a existência de um processo em que a decisão do feito fique a cargo de um terceiro interessado em beneficiar ou prejudicar uma das partes. Aliás, segundo o art. 8.1 do Pacto de São José da Costa Rica, todo acusado tem direito a ser julgado por um juiz independente e imparcial. (BRASILEIRO, 2017, pág. 330)

Para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2010. p. 66), o princípio do Juiz Natural “assegura ao indivíduo a atuação imparcial do Poder Judiciário na apreciação das questões postas em juízo”.

Nesse sentido, segue a jurisprudência:

“[...] Tão antigo como antiga é a própria legislação – não há falar em jurisdição sem falar em juiz natural -, o princípio do juiz natural tem, ao fim e ao cabo, a finalidade de resguardar a legitimidade, a imparcialidade e a legalidade da jurisdição”.

(STJ. AgReg no HC 106590/SP. Rel. Min. Nilson Naves. Sexta Turma. J. 05.05.2009. Dje 01.06.2009)

Para Marcelo Novelino (2008, pág. 332), a imparcialidade do magistrado é uma garantia constitucional processual, “como o acesso a justiça, o juiz natural a ampla defesa o contraditório, a igualdade entre as partes e a exigência de imparcialidade do magistrado”.

Tão logo, se pode concluir que o princípio do juiz natural provém de uma garantia constitucional do devido processo legal. Portanto, as partes da relação jurídica possuem o direito de exigir que a causa seja julgada por juízo imparcial e, o Estado possui o dever de garantir que o julgamento tenha ocorrido com independência e imparcialidade. É importante pontuar que a imparcialidade não é sinônimo de neutralidade, vez que na primeira, é exigido que não vislumbre de relação com as partes, e por derradeiro, que é inviável exigir do magistrado que julgue na contramão de seus princípios subjetivos, da moralidade, do que compreende como certo e errado, para que julgue com indiferença e desprezo. Mas neste interim, é exigível que o juiz tome todas as medidas legais, para que o processo desenvolva-se com estrita legalidade e que o vencedor esteja amparado pelo direito material.

Por fim, os conceitos de neutralidade e imparcialidade podem até confundir-se, mas é evidente que o magistrado deve aplicar as normas jurídicas aos casos concretos, com olhos voltados para questões sociais, políticas e econômicos, frisando que sua neutralidade é inviável, porém não podendo inferir na sua imparcialidade.

2.2 Do Ministério Público

No sistema acusatório, o Ministério Público é quem possui legitimidade para promover ação penal pública e o querelante na ação penal privada, porém, o presente estudo, irá discorrer sobre o MP como sujeito e parte na relação processual. Neste sentido, a divergência é por conta do Ministério Público estar como parte na relação jurídica e ao mesmo tempo, atuar como polo ativo da relação, devendo resguardar a aplicação do ordenamento jurídico.

A Constituição Federal consagrou o Ministério Público como uma instituição independente e autônomo, dissociado dos demais poderes do Estado, devendo atuar “sempre em defesa dos direitos, garantias e prerrogativas da sociedade”. (MORAES, 2009, p. 600)

O parquet possui a incumbência de atuar na defesa da ordem jurídica, do Estado democrático, do interesse social e individual, sendo vedado que atue amparado com seus interesses próprios, devendo estar sempre em busca da aplicação das normas jurídicas com eficácia e justiça, logo deve conter-se do “entusiasmo” no exercício jurisdicional. Para Nucci, o MP ocupa, no processo penal, a posição de sujeito da relação processual e também é parte, pois defende o interesse do Estado. Motivo pelo qual, atualmente há de se questionar a imparcialidade dos membros do parquet.

Admitindo-se a viabilidade de o Ministério Público, instituição una e indivisível, promover, sozinho, a investigação criminal, não se pode crer na sua imparcialidade [...] Quem investiga o crime não tem condições de ingressar com a ação penal, chamando a si a condição de imparcial. Pessoas humanas compõem as instituições e não são semideus. (Nucci, 2016, pág. 507)

O Gustavo Badaró esclareceu à Nucci, que não há sentido de o Ministério Público exercer função imparcial, tendo em vista que “não teria sentido afirmar que ele tem o ônus da prova, pois este é decorrência do próprio interesse. Parte desinteressada não deveria ter ônus algum. Assim, ontologicamente, é o Ministério Público parte parcial”. (Nucci, 2016, pág. 507)

Ainda de acordo com Badaró, a imparcialidade do Ministério Público enfraquece a presunção de inocência.

A conotação de imparcialidade do Ministério Público é uma forma de mascarar a verdadeira conflituosidade não só jurídica, mas também política e social, entre o acusador e o acusado, que é imanente ao processo penal. A alegada 'imparcialidade' do Ministério Público traz como consequência que a posição deste sujeito processual -que não é o julgador-sempre representará a solução justa e correta. Como o acusador nunca buscaria algo ilegal, por ser essencialmente desinteressado, quando ele propugnasse pela condenação é porque o acusado realmente seria culpado. Em última análise, o discurso da imparcialidade do Ministério Público tem por finalidade agregar uma maior credibilidade â tese acusatória porque a acusação, de forma imparcial e desinteressada, concluiu pela culpa do acusado-, em relação â posição defensiva -que postula a absolvição, porque sempre deverá defender o acusado, bradando por sua inocência, ainda que ele seja culpado. A imparcialidade do Ministério Público, em última análise, acabaria por enfraquecer a presunção de inocência". (BADARÓ, 2003, pág. 221)

No mesmo entendimento que Nucci, Fernando Capez pontua que impossível é negar ao Ministério Público a natureza de parte no processo penal, eis que exerce atividade postulatória, probatória e qualquer outra destinada a fazer valer a pretensão estatal em juízo.

Há que se reconhecer que o mesmo não é uma parte qualquer, porquanto age animado não por interesses privados, mas por interesses públicos, coincidentes com os escopos da atividade jurisdicional (atuação do direito material, pacificação social e asseguramento da autoridade do ordenamento jurídico). Por isso se diz, com propriedade, que o Ministério Público exerce acusação pública, não mera acusação de parte. (Capez, 2017, pág. 228)

Para Renato de Lima Brasileiro (2017, pág. 1224), “difícil é acreditar que, uma vez deduzida a pretensão punitiva em juízo, terá o Ministério Público isenção suficiente para agir de maneira imparcial”.

Em outra vertente, Francesco Carnelutti (1950, pág. 213), afirma que o Ministério Público é uma parte artificial, “é um juiz que se torna uma festa. Por essa razão, em vez de ser uma parte que surge, é um juiz que diminui”.

Dentro dessa divergência doutrinária, data venia, é razoável que o Ministério Público, titular da ação penal pública, por meio de seu representante, não atue com pessoalidade, por conta de interesse de cunho pessoal, vez que o interesse protegido é o da sociedade. Neste sentido, é importante que o parquet atue com imparcialidade, mesmo quando estiver como parte da relação jurídica, por ser ao mesmo tempo, o defensor da aplicação efetiva do ordenamento jurídico brasileiro.

2.3 Do defensor

A Constituição Federal perpétua que a figura do advogado é “indispensável à administração da justiça”, e, se faz necessário analisar a parcialidade do defensor dentro da relação processual. Destacando que o defensor é parte especial e obrigatória da relação processual penal, por conta da capacidade postulatória. O Código de Processo Penal, no artigo 261, pontua essa exigência, determinando que: “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”.

Para NUCCI, o defensor não deve agir com a mesma imparcialidade exigida do representante do Ministério Público, vez que está vinculado ao interesse do acusado e tem legítimo interesse de manter o direito indisponível à liberdade.

“Deve pleitear, invariavelmente, em seu benefício, embora possa até pedir a condenação, quando alternativa viável e técnica não lhe restar, [...] mas visando à atenuação de sua pena ou algum benefício legal para o cumprimento da sanção penal [...]” Nucci (2016, pág. 513)

Segue a mesma posição, o CARNELUTTI (1995, pág. 27), afirmando que o defensor não é um raciocinador imparcial. “A parcialidade deles é o preço que se deve pagar para obter a imparcialidade do juiz, que é, pois, o milagre do homem, enquanto, conseguindo não ser parte, supera a si mesmo”. De acordo com Renato de Lima Brasileiro, o defensor não atua como parte da relação jurídica.

Quanto à natureza jurídica da função do Defensor no processo penal, não há dúvidas de que não este não é parte, visto que parte é apenas a pessoa que deduz em juízo uma pretensão, assim como aquela contra quem a pretensão é deduzida. De mais a mais, o defensor não tem interesses próprios para fazer valer no processo. (BRASILEIRO, 2017, pág. 1224)

Ainda com BRASILEIRO (2017, pág. 1225), odefensor também não pode ser considerado um substituto processual, porquanto não defende em juízo, em nome próprio, interesse alheio. Na verdade, o defensor atua em nome do acusado, assistindo-o tecnicamente”. É verossímil que ao defensor não é possível imputar a condição de imparcial, por conta de estar atuando na figura do acusado, do réu ou do encarcerado, devendo aplicar todas as medidas jurídicas plausíveis para alcançar o objetivo do cliente.

2.4 Do acusado

É o indivíduo maior de 18 anos, a que se imputa a prática de infração penal, figurando como parte passiva da demanda, o qual possui garantias constitucionais. O artigo 5º da Constituição Federal consagra direitos inerentes ao acusado, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

São diversas as prerrogativas ao acusado no processo penal brasileiro, mas em verdade, observamos que as garantias constitucionais são mitigadas pelo Poder Judiciário e pelos órgãos midiáticos brasileiros. A busca insana por audiência, faz que de forma sistémica, a figura de investigado, se torne acusado, réu e condenado, que na maioria das vezes, a condenação não é dentro do processo, mas de forma imediata pelos veículos de imprensa. Atitude que possui influência no Poder Judiciário, não somente no juízo togado, mas principalmente do âmbito de julgamento do Tribunal do Júri.

É tão verdade, que atualmente o Brasil conta com dois maiores erros, da mídia e do judiciário. O famoso erro midiático foi no ano de 1994, no município de São Paulo, a notório conhecimento do caso da Escola Base (Carta Capital, 2014), em que os proprietários foram acusados de forma insana pela imprensa, de abuso sexual cometido contra alunos do colégio, entretanto, o caso foi arquivado pelo Ministério Público por falta de provas, desta forma, a imprensa causou ferimento insanável da imagem, honra e das garantias constitucionais. Na mesma linha, o famoso caso dos irmãos Naves, de 1937, um dos maiores erros do Poder Judiciário brasileiro (Migalhas, 2012). O fato é anterior a vigente Constituição Federal, mas demonstra o excesso, por serem acusados, absolvidos pelo tribunal do júri, mas tendo decisão revertida, sendo condenados pela morte de um indivíduo, o qual após 12 anos, apareceu vivo e assim, reconhecida a inocência dos irmãos Naves.

Após essa breve analise antecipada, reforçarmos a importância de respeitar as garantias constitucionais, proporcionar um processo justo, democrático, paridade de armas e com julgamento realizado por juízo imparcial.

3 DO EXERCÍCIO DA IMPRENSA SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL

Os veículos de imprensa possuem grande valor no exercício da democracia brasileira. A análise do exercício da imprensa sob a ótica constitucional se faz necessária por conta do excesso de noticiário que viola garantias da personalidade humana.

É importante destacar que o objetivo do presente estudo não é limitar o exercício da liberdade de imprensa, mas de analisar os abusos e ponderar os limites constitucionais. Há uma série de fatores que explicam o excesso do noticiário, fazendo real contrassenso do desígnio dos veículos de comunicação.

3.1 Da liberdade de imprensa

Como já dito anteriormente, a imprensa é fundamental para o Estado Democrático de Direito. A liberdade de imprensa é uma ferramenta capaz de enaltecer casos para convocar clamor social e gerar insegurança jurídica por conta do sensacionalismo e das pautas sem limites.

É notório que a liberdade de imprensa se tornou uma garantia fundamental com a proclamação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O artigo 220, § 1º do texto constitucional garantiu ampla liberdade de informação jornalística: nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV.

De acordo com o dispositivos constitucionais a imprensa possui a legitimidade de expor o maior número de notícias, sobre diversos assuntos e, no momento que delimita, ou seja, divulga uma única versão, possibilita a produção de convicção absoluta por quem acompanha o noticiário, influenciando automaticamente nas decisões judicias.

O filósofo e, inclusive jornalista, Karl Marx, defende o exercício da liberdade de imprensa em analogia com o pensamento de Johann Wolfgang von Goethe.

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Goethe disse que o pintor só pinta com êxito aquelas belezas femininas cujo tipo ele tenha amado como indivíduos vivos, alguma vez. A liberdade da imprensa também é uma beleza – embora não seja precisamente feminina – que o indivíduo deve ter amado para assim poder defendê-la. Amado verdadeiramente – isto é, um ser cuja existência sinta como uma necessidade, como um ser sem o qual seu próprio ser não pode ter uma existência completa, satisfatória e realizada. (MARX, 2006, p. 18/19)

Mesmo considerando as belas palavras de Marx, é necessário à análise do poder de expressão e a ampla exposição das partes no decorrer da fase da persecução criminal e da fase do processo judicial, violando o princípio constitucional da presunção de inocência.

De fato na atividade midiática valer-se com maior interesse o rendimento econômico, na busca de maior audiência e rentabilidade. Assim utilizam da prerrogativa de formadores de opinião, para atuarem de forma manipuladora, por meio de noticiário, como já dito, sensacionalista, sobre tipicidades que despertam o clamor público e ‘justiça’ pelas próprias mãos, além de lacerar a honra de quem é noticiado e de todos os familiares. Neste sentido pontua o professor Fernando Capez (2009): “Se de um lado existe o direito de fornecer e receber a informação, de outro há o direito à inviolabilidade da honra e da vida privada de quem for objeto da notícia veiculada nos meios de comunicação”.

Destaca-se que liberdade de imprensa desempenha um papel de extrema importância no Estado Democrático de Direito, tendo em vista que ela aumenta o acesso à informação, propicia o debate e a troca de conhecimento entre as pessoas, porém, sempre deve ter como pauta principal a submissão das cláusulas pétreas da Constituição Federal.

3.2 Do sigilo das fontes

O sigilo das fontes é doutra garantia recepcionada pela Constituição Federal, advinda da extinta Lei de Imprensa, que norteia pela transparência na divulgação de informações que seja acessível a toda comunidade. Mas como toda regra possui exceção, o inciso XIV do Artigo 5º da Carta Magna, resguarda o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

É importante ressaltar que a proteção é para o exercício da atividade jornalística e não a pessoa do jornalista, com a finalidade de contemplar o direito de acesso a informação.  Nesse sentido pontuou o jurista e magistrado brasileiro, Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Agravo Regimental na reclamação nº 21.504:

[...] Na realidade, essa prerrogativa profissional qualifica-se como expressiva garantia de ordem jurídica que, outorgada a qualquer jornalista em decorrência de sua atividade profissional, destina-se, em última análise, a viabilizar, em favor da própria coletividade, a ampla pesquisa de fatos ou eventos cuja revelação impõe-se como consequência ditada por razões de estrito interesse público.

(STF. AGRAVO REGIMENTAL: RCL 21504 MC-AGR/SP/2009)

Para o advogado e jornalista, José de Freitas Nobre, o sigilo é uma exigência social, “porque ele possibilita a informação mesmo contra o interesse dos poderosos do dia, pois que o informante não pode ficar à mercê da pressão ou da coação dos que se julgam atingidos pela notícia”. (NOBRE, 1968, pág. 251 e 252)

O sigilo das fontes é extremamente relevante para atividade jornalística, porém não é possível afirmar que é prerrogativa unilateral, vez que ao preservar a fonte, o profissional adquire responsabilidade, tão logo deve estar vinculado também as garantias individuais da personalidade humana.

Mesmo com o maior apreço a garantia constitucional, surge os mais diversos tipos de questionamentos, entre eles: dados constantes de segredo de justiça, nas pautas jornalísticas com ampla riqueza de informações, ou seja, risco a segurança jurídica. Como ocorre? Até onde vai a subjetividade do sigilo das fontes? Nesse sentido Celso Ribeiro Bastos e Samantha Meyer-Pflug (2011) entendem que a garantia não pode ser uniforme para todos.

[...] Há que se levar em conta que a extensão do direito de livremente expressar o pensamento, apesar de garantido constitucionalmente, não é uniforme para todas as pessoas, ainda mais quando se está diante de indivíduos ligados aos órgãos públicos. Em diversos casos, embora o Estado seja neutro ou até mesmo indiferente às opiniões dos seus servidores, ele pode, sem dúvida, impor restrições quanto ao momento de eles as externarem. Assim pode limitar o direito de expor opiniões políticas, dentro das próprias repartições públicas. Os magistrados também são cercados de medidas limitadoras da expressão do seu pensamento e, de forma mais acentuada, os militares. É óbvio também que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, como de resto nenhum outro o é, portanto, pode sofrer limitações decorrentes de uma questão de oportunidade uma vez que não são todos os lugares nem todos os momentos que se prestam a ela. (MEYER-PFLUG. BASTOS, 2011, pág. 1)

E continuam, Celso e Samantha, com críticas a juízes que exprimem suas opiniões sobre múltiplos temas na imprensa, ocultando os nomes, com fundamento ao sigilo da fonte.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC.35/79) é enfática ao estabelecer que "é vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais ressalvada a crítica nos autos em obras técnicas ou no exercício do magistério" (art.36). Assim sendo, não é permitido ao magistrado, ainda que não divulgado o seu nome, emitir opinião acerca de uma determinada questão seja ela política ou jurídica que poderá ser objeto de sua posterior análise jurisdicional, sob pena de comprometer, definitivamente, o princípio da imparcialidade. (MEYER-PFLUG. BASTOS, 2011, pág. 1)

Essa argumentação – sigilo das fontes - não é razoável, vez que o benefício é exclusivo da atividade jornalista, e ao ocultar a identidade do magistrado no presente contexto, gera anonimato, o que é vedado pela Constituição Federal.

3.3 Da privacidade

A Constituição Federal consagrou um conjunto de garantias fundamentais com o objetivo de possibilitar o respeito à dignidade da pessoa humana, assegurando que o direito à privacidade é inviolável, no que tange intimidade, vida privada, honra e imagem, de acordo com o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, in verbis:

Dos Direitos e Garantias Fundamentais

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

É importante destacar que os direitos fundamentais não possuem proteção somente no território brasileiro, mas também em âmbito internacional. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (1948), pontua no artigo V que “toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos à sua honra, à sua reputação e à sua vida particular e familiar”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, também em 1948, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, possui o mesmo entendimento. Segue exposto o artigo XII da DUDH, in verbis:

Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito à protecção da lei.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos fora proclamado pelo Brasil por meio do decreto nº 592, de 06 de julho de 1992, dispondo que “será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém”. Nesse sentido é de relevância apontar que o ordenamento jurídico brasileiro, perpetua na defesa do direito à privacidade, podendo, quando necessário, não permitir a participação de veículos de comunicação e de público em julgamento que possibilidade a invasão a vida das pessoas e que coloque em risco a segurança jurídica, conforme o dispõe artigo 14º do decreto:

[...] A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores.

Seguindo a mesma esteira da Constituição Federal, o Código Civil possui capítulo exclusivo de direitos da personalidade: intransmissíveis e irrenunciáveis. Conforme os artigos expostos, in verbis:

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815)

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (Vide ADIN 4815)

A previsão constitucional e das leis ordinárias, com amparo da comunidade internacional, é necessária por conta das inúmeras exposições da vida privada por meio dos veículos de comunicação, sem observância de preceitos fundamentais, sendo capazes de provocar transtornos irremediáveis.

A utilização da prerrogativa de liberdade de imprensa deve estar pautada na efetiva proteção da garantia constitucional e, claro, o Poder Público deve estar atendo aos abusos no exercício do direito mencionado, não podendo deixar que divulgação seja uma ameaça ao direito constitucional e uma violação a dignidade da pessoa humana, o que deixa claro um conflito de garantias fundamentais.

Novamente pontuamos que a liberdade de imprensa é essencial para a democracia, entretanto, deve ter observância a preceitos constitucionais e civis. Neste sentido pontua Edilsom Pereira (1996):

Na solução da colisão entre direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, de um lado, e a liberdade de expressão informação, de outro, os tribunais constitucionais têm partido da preferred position em abstrato dessa liberdade em razão de sua valoração com condição indispensável para o funcionamento de uma sociedade aberta [estabelecendo-se certos requisitos em sua aplicação]: [...] (a) o público (assuntos ou sujeitos públicos) deve ser separado do privado (assuntos ou sujeitos privados), pois não se justifica a valoração preferente da liberdade de expressão e informação quando essa liberdade se referir ao âmbito inter privado dos assuntos ou sujeitos; (b) o cumprimento do limite interno da veracidade (atitude diligente do comunicador no sentido de produzir uma notícia correta e honesta), pois a informação que revele manifesto desprezo pela verdade, ou seja, falsa perde a presunção de preferência que tem a seu favor.

Neste contexto acredita-se que não é razoável admitir-se que a liberdade de informação prevaleça sobre direitos fundamentais, que tenham relevância social, moral e digna.

4 DECISÕES JUDICIAIS E INFLUÊNCIA DA MÍDIA

Os veículos de comunicação possuem função de extrema relevância para a comunidade brasileira de informar. Mas é notório que grande parte destes veículos utilizam de prerrogativas para formar juízos de valor, desta forma atuando como operadores do direito, condenando de forma antecipada, mediante a sociedade, as pessoas envolvidas em persecução criminal.

O sistema penal brasileiro possui vasta relação com o sistema seletivo midiático, transformando caso específico em conhecimento público, que na maioria das vezes de forma sensacionalista, para atrair e envolver os que recebem o noticiário. Neste sentido pondera a Danilo Andrimani Sobrinho:

O meio de comunicação sensacionalista se assemelha a um neurótico obsessivo, um ego que deseja dar vazão a múltiplas ações transgressoras – que busca satisfação no fetichismo, voyeurismo, sadomasoquismo, coprofilia, incesto, pedofilia, necrofilia – ao mesmo tempo em que é reprimido por um superego cruel e implacável. É nesse pêndulo (transgressão-punição) que o sensacionalismo se apoia. A mensagem sensacionalista é, ao mesmo tempo, imoral-moralista e não limita com rigor o domínio da realidade e da representação (ANGRIMANI, 1995, p. 17)

O senso comum é facilmente dominado pela imprensa, os quais são capazes de criarem sentimento de repúdio e ódio, despertando o anseio por ‘justiça’, desta forma influenciando a capacidade punitiva do Estado, possibilitando a prisão preventiva para garantir a ordem pública. Nas palavras de Edson Passeti e Roberto Baptista da Silva (1997, pág. 141), "o imaginário popular, com efeito, impulsionado por notícias e interpretações tendenciosas dos meios de comunicação escrita e falada, vê na prisão o instrumento de vingança legítima do Estado e da recuperação do apenado”.

Ao levar em consideração a capacidade de influência dos veículos de imprensa, é pontual que estes, também podem deturpar a intimidade, honra e a imagem do sujeito delitivo.

Mesmo com amparo constitucional de liberdade de imprensa, não é razoável que violem os princípios da personalidade humana, através de julgamentos antecipados, com manchetes levianas, que acusa e condena sem o devido processo legal e que, lamentavelmente, ocorre com anuência da autoridade policial.

Segundo Ana Lúcia Menezes Vieira (2003, pág. 156) “nem sempre há a preocupação do jornalista em preservar a intimidade do suspeito. Nem tampouco esse cuidado existe por parte da autoridade policial ou investigadores de polícia, que insistem em apresentar o preso à mídia”.

A imprensa é capaz de mitigar o princípio da igualdade, vez que a paridade de armas é prejudicada e, é de extrema importância para a lide processual entre os sujeitos, com base nos princípios da ampla defesa, presunção de inocência e contraditório.

Na fase do processo judicial os veículos de comunicação podem divulgar atos processuais, mas de forma de forma responsável e ética, para que não comprometa a segurança jurídica, que não viole o direito direitos da personalidade e que não seja capaz de pressionar o Poder Judiciário. Para Judson Pereira de Almeida (2008):

A atuação da mídia em paralelo ao processo penal deve ser encarada com muita reserva, principalmente por quem tem o dever se zelar pelo devido processo legal. Entrevistas de membros do Ministério Público e, muitas vezes, de juízes comentando fatos do processo, além da liberação para os meios de comunicação, por exemplo, de gravações, resultado de interceptação telefônica autorizada pela justiça, na investigação de crimes, podem trazer prejuízos para o processo, uma vez que fomentam o surgimento de juízos de valor diferentes daqueles próprios do magistrado que prolatará a sentença. (ALMEIDA, 2008, p. 25)

É necessário ressaltar que a imprensa possui considerável vantagem ao judiciário, vez que é capaz de promover uma verdade em segundos, mesmo que não seja, fundamentalmente, a veracidade do processo, como passaremos à analisar na sequência.

A partir deste momento passaremos a uma análise de casos que alcançaram grande repercussão nacional e internacional, destacando que o objetivo do presente estudo não é discutir o mérito dos casos, mas de verificar a influência e o julgamento antecipado dos órgãos midiáticos no processo penal brasileiro. 

4.1 Da Isabella Nardoni

A menina brasileira, Isabella de Oliveira Nardoni, nascida em 18 de abril de 2002, filha de Ana Carolina Cunha de Oliveira e de Alexandre Alves Nardoni, teve sua vida ceifada pelo seu genitor e madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, no dia 29 de março de 2008, conforme julgado em primeira instância pela 2ª Vara do Tribunal do Júri do Fórum de Santana em São Paulo – SP.

A partir do dia dos fatos, as manchetes de jornais brasileiros foram tomados por notícias do ocorrido, ainda que com poucas informações do caso, mas de forma singela despertaram o interesse público pelo o ocorrido.

Mas a cautela não perpetuou por muitos dias, em verdade não completou um mês ao sermos exatos. No dia 23 de abril de 2008, a Revista Veja julgou e condenou de forma antecipada Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá. A capa do jornal expunha uma foto do casal Nardoni, com as seguintes escritas, em letras pequenas: PARA A POLÍCIA, NÃO HÁ MAIS DÚVIAS SOBRE A MORTE DE ISABELA. De forma desproporcional, a frase continua com seguintes palavras em destaque: FORAM ELES. (Figura em anexo – nº 01)

Percebe-se que em menos de um mês o veículo de imprensa fora capaz de condenar antecipadamente a imagem dos envolvidos e provocar intenso clamor social. Interessante pontuar que, primeiramente e na ordem das palavras, a revista tentou tomar o cuidado de publicar o posicionamento da autoridade policial, contudo, fica evidente o objetivo principal: chamar atenção dos leitores e fixar o julgamento do casal como autores do crime.

Seguindo a mesma linha o Jornal Diário de São Paulo apresentava a manchete: "Para, pai! Para, pai!”, revelando que supostos vizinhos teriam ouvido gritos que supostamente seriam da menina antes de morrer. (Figura em anexo – nº 02)

Uma análise questionável é o acesso privilegiado dos veículos de imprensa a informações confidenciais do contexto jurídico. O Jornal da Globo noticiou e ainda expôs com clareza o privilégio, ponderando que o laudo do veículo do casal Nardoni, não foi divulgado por meio oficial. (Figura em anexo – nº 03)

Após as divulgações de vários veículos de imprensa, e já no campo da relação jurídica, o Promotor de Justiça, Francisco Cembranelli, responsável pelo caso, detalhou os fatos durante coletiva de imprensa, que ocasionou a seguinte manchete no Jornal da Globo: 'Ambos mataram Isabella', diz promotor. (Figura em anexo – nº 04)

Cumpre ressaltar que a crítica não se faz pela manifestação do Ministério Público, mas para ponderar que determinadas informações, podem gerar clamor social, o que poderá causar reflexo no julgamento dos envolvidos. O Jornal Estadão seguiu a mesma linha de manchete do veículo exposto anteriormente, noticiando que “Promotor diz que pai e madrasta ‘mataram a menina’. (Figura em anexo – nº 05)

Ainda o promotor noticiou a imprensa que havia “elementos suficientes” para oferecer a denúncia ao juízo da 2ª Vara do Tribunal do Júri, o que mais uma vez foi destaque nos jornais. O jornal Folha de São Paulo noticiou que o “Promotor denuncia hoje o casal por crime”. É importante destaque o segundo parágrafo da notícia, o que ficou exposto com clareza que a denúncia se quer tinha sido oferecida e o casal já estavam sendo considerados culpado, in verbis: “A denúncia vai ser oferecida amanhã [hoje] com certeza”, declarou Cembranelli. “Tenho elementos que autorizam isso”, afirmou o promotor”. (Figura em anexo – nº 06)

O Jornal Francês 'Le Monde' realizou uma crônica sobre o caso e titulou como “Le sourire d'Isabella hante le Brésil - O sorriso de Isabella assombra o Brasil”, e ressaltou a excessiva especulação dos órgãos midiáticos brasileiros e, a preocupação do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva com a cobertura da mídia.

Les médias ont entretenu un climat de frénésie autour de l'événement. Pour le couvrir, la chaîne Globo, la plus puissante du pays, a mobilisé en permanence quinze équipes de reporters et de cameramen, trois véhicules de retransmission en direct et un hélicoptère. Le président brésilien, Luiz Inacio Lula da Silva, s'est lui-même inquiété de cette médiatisation, à ses yeux excessive. Appelant à la prudence, Lula a déploré que le couple "ait été déclaré coupable" avant d'être jugé.[2] (Fr, 2008)

Sem mais delongas, o casal Nardoni fora a júri popular no dia 22 de março de 2010. Com duração de 5 dias, os que, antecipadamente foram condenados pela imprensa, então foram condenados pela justiça brasileira. O anúncio da condenação foi feito pelo juiz Maurício Fossen, transmitido ao vivo para diversas emissoras de televisão.

Após cinco anos do julgamento, o jornalista e então repórter da Folha, Rogério Pagnan, publicou o livro “O pior dos crimes - A história do assassinato de Isabella Nardoni”, o qual aponta diversas falhas e fraudes na apuração oficial do caso Nardoni, desafiando o judiciário brasileiro, nas pessoas do promotor de justiça Franscisco Cembranelli, da delegada Renata Pontes e da principal perita do caso, Rosangela Monteiro.

É evidente o conflito de cláusulas pétreas. Através de uma interpretação literária do ordenamento jurídico constitucional, in verbis:

Dos Direitos e Garantias Fundamentais

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

Nesta perspectiva, não é o que acompanhamos na grande massa de noticiário, que sentencia sem competência e considera culpado antes do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória.

Possuímos a ciência, através dos doutrinadores já citados neste estudo, que é inegável dizer o Ministério Público atue com imparcialidade, mas até que ponto poderá praticar atos sem causar lesão a intimidade e influência ao devido processo legal. O próprio ordenamento constitucional possibilita o sigilo dos atos processuais, quando estiver diante de interesse social.

De acordo com o veículo “Em.com.br”, o juiz do caso Isabella Nardoni falou sobre o júri de grande repercussão:

A exposição do caso na mídia não gera, por si só, um prejulgamento. Vai depender da forma como a imprensa divulga as notícias sobre o caso: se de forma isenta, ou se tende a interpretar informações para incutir na população um sentimento favorável ou desfavorável ao acusado. [...] Qualquer restrição imotivada, simplesmente porque o juiz "acha" que essa divulgação pode influenciar no resultado do julgamento, constitui cerceamento da atividade jornalística, o que, num regime democrático de direito como o nosso, não tem como ser admitido. Por óbvio, o juiz pode, e deve, fazer respeitar o direito à inviolabilidade da intimidade do acusado e dos demais envolvidos no julgamento (jurados, testemunhas etc.), em relação aos aspectos voltados a suas vidas privadas, sob pena de, aí sim, vir a expô-los de forma indevida. (Em.com.br, 2012)

O magistrado fora pontual em destacar que o Tribunal do Júri está exposto a divulgação de forma sensacionalista dos veículos de imprensa e, que cabe a cada veículo ponderar a forma que será divulgado a notícia para que não forme opinião pública capaz de inferir no julgamento deste órgão colegiado. Ainda, citou superficialmente a garantia constitucional da inviolabilidade da intimidade, este que, aos nossos olhos, o Poder Judiciário deve estar mais atento para não expor de forma indevida a relação privada, vez que posteriori aos noticiários, estarão condenados de forma antecipada.

Por fim e não menos importante, o caso que descoremos neste momento, fora julgado pelo Tribunal do Júri, composto por cidadãos leigos, com a devida data maxima venia, é inconcebível crer que o caso fora analisado com a devida impessoalidade, o que na verdade, já possuíam o senso de justiça formado através do clamor social emplacado pelos veículos de comunicação, com participação especial de membros da relação jurídica processual.

4.2 Da Operação Lava Jato

Em uma tentativa de combater a corrupção que se alastra no Brasil, a Operação Lava Jato ganhou amplo destaque nos veículos de comunicações nacionais e internacionais. De forma sucinta, a primeira fase da investigação começou no ano de 2014, através de investigações da Polícia Federal, estendendo-se até o presente ano, tendo êxito na prisão do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que para a manchete do veículo de imprensa “Em.com.br” (2018): ‘Lula na cadeia é maior vitória da Lava-Jato’.

Após a breve síntese, devemos pontuar os excessos midiáticos, o vazamento e exposição seletiva de informações sigilosas, a imparcialidade e a influência no Poder Judiciário, reafirmando que não será analisado o mérito, mas o julgamento antecipado da mídia no âmbito do processo penal.

A força-tarefa do Ministério Público Federal convocou uma coletiva de imprensa no dia quatorze de setembro de dois mil e dezesseis para detalhar a denúncia apresentada contra o ex-presidente Lula, a ex-primeira dama Marisa Letícia e outros envolvidos.

Tendo em vista o caráter de ex-presidente da República, o interesse nacional e internacional é amplo sobre o acusado, motivo pelo qual a força-tarefa apresentou com detalhes o teor da denúncia por meio de gráficos no Power Point, expondo ao centro do gráfico o nome do ex-presidente, ao redor diversas escritas que se direcionavam ao centro, responsabilizando Lula por diversos delitos. (Figura em anexo – nº 07).

O gráfico tomou conta de diversas manchetes, expondo o ex-presidente Lula e o condenando de forma antecipada, vez que a ação penal estava por se iniciar, mas o Ministério Público Federal fora capaz de culpabilizar publicamente, suprindo a presunção de inocência, o contraditório e ampla defesa, provocando clamor social e de certa forma, pressionando o Poder Judiciário brasileiro. Os principais veículos de imprensa do País, entre eles, o Jornal O Globo, o site Uol, destacaram em suas manchetes, nesta ordem respectivamente, que ‘Lula era o comandante máximo do esquema de corrupção’, diz MPF (Figura em anexo – nº 08) e “Lula é comandante máximo do esquema investigado na Lava Jato”, diz procurador. (Figura em anexo – nº 09)

Diferentemente das manchetes brasileiras, o jornal espanhol “El País”, pontuou certa ousadia, data venia, do Ministério Público Federal. (Figura em anexo – nº 10)

Nesse seguimento, dando início a ação penal, a população brasileira manifestou-se inquieta com a corrupção e houve grande manifestação de apoio ao juízo da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba, vindo o magistrado Sérgio Fernando Moro, a divulgar nota pública, exposto por diversos veículos de imprensa, como no Jornal O Globo (2016), em que manifestou-se “tocado” com as manifestações públicas em seu nome, in verbis:

Neste dia 13, o Povo brasileiro foi às ruas. Entre os diversos motivos, para protestar contra a corrupção que se entranhou em parte de nossas instituições e do mercado. Fiquei tocado pelo apoio às investigações da assim denominada Operação Lava-Jato.

Apesar das referências ao meu nome, tributo a bondade do Povo brasileiro ao êxito até o momento de um trabalho institucional robusto que envolve a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e todas as instâncias do Poder Judiciário.

Importante que as autoridades eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas e igualmente se comprometam com o combate à corrupção, reforçando nossas instituições e cortando, sem exceção, na própria carne, pois atualmente trata-se de iniciativa quase que exclusiva das instâncias de controle.

Não há futuro com a corrupção sistêmica que destrói nossa democracia, nosso bem estar econômico e nossa dignidade como País.

13/03/2016,

Sérgio Fernando Moro

No mesmo sentimento de gratidão, a esposa do magistrado criou uma página na rede social ‘Facebook’ para agradecer o apoio ao juiz Sérgio Moro. (Figura em anexo – nº 11)

A pessoalidade do juiz Sérgio Moro passou a ser levantada pela defesa do ex-presidente, tendo parecer favorável da Subprocuradoria-Geral da República (Fórum, 2017) para conhecimento e provimento do agravo em recurso especial nº 1142926/PR (2017/0197052-2), para reconhecimento de suspeição do magistrado da 13ª Vara Criminal da SJ/PR, anulando-se todos os atos praticados nos autos nº 5046512-94.2016.404.7000, pontuando em inclusive, que o magistrado pediu apoio da sociedade brasileira, sobre os processos que estão sob sua jurisdição. (Figura em anexo – nº 12)

O juiz Sergio Fernando Moro, ao tecer considerações sobre a Operação Mani Pulite (Operação Mãos Limpas), ocorrido na Itália, pontuou que o vazamento seletivo de informações sigilosas, fora usada como utilidade pelo Judiciário Italiano, tão logo seguiu a mesma premissa no Brasil, não havendo segredo em relação a estratégia de vazamento seletivo de informações sigilosas para imprensa, executada pela Operação Lava Jato, conforme o site Carta Maior (2016). Trecho do artigo:

Os responsáveis pela operação mani pulite (12) ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: Para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da “mani pulite” vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no “L’Expresso”, no “La Republica” e outros jornais e revistas simpatizantes. Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva. [...]

A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato tentado. (Moro, 2004)

Conclui-se que o magistrado, data venia, utilizou da estratégia italiana na Operação Lava Jato no Brasil, vez que os veículos de comunicação possuem grande peso para o desenrolar do processo, através de noticiário seletivo, capaz de condenar os réus antes da sentença judicial transitada em julgado ou ainda, que não possibilita decisão diferente da posta pela mídia.

E de acordo com a professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense, Sylvia Moretzsohn, “é natural que os interesses das empresas de comunicação interfiram nas coberturas, mas os jornais deveriam preservar o senso crítico e a checagem rigorosa das informações”, declarou para o site Brasil de Fato (2017). A professora continua:

O jornalismo não se justifica se não defender causas. O problema é como as defende, se é panfletário ou não. É preciso conciliar isso com uma postura rigorosa na apuração, na divulgação, e não é isso que a gente está vendo. A mídia passou a reproduzir a ideia de que ‘nunca se roubou tanto’ quanto nos governos PT. E a intenção foi clara: derrubar o governo [Dilma] e fazer um acordo em favor de interesses [econômicos] que estavam sendo suavemente contrariados. (Brasil de Fato, 2017)

É razoável ressaltar que o contexto da grande massa dos jornais nacionais, são divergentes do noticiário do exterior. O Observatório da Imprensa, relacionou a atividade jornalista francesa e brasileira, in verbis:

Se não é possível falar de imprensa imparcial, a forma como Lula e a política brasileira são tratados nos jornais franceses é bem distinta dos veículos nacionais. Mesmo com a condenação, os textos tratam-no ainda como “acusado” e há dezenas de menções sobre as controvérsias no julgamento. Talvez, se fossem veículos brasileiros, os jornais franceses receberiam acusações de “petistas”, “petralas” ou “mortadelas”. Mas o que está em jogo não é um jornalismo que se posiciona – pelo menos explicitamente – de um lado ou de outro na insana polarização nacional. Os jornalistas e os jornais franceses parecem estar mais preocupados com uma abordagem que tenta prever cenários a partir de argumentações coerentes e fatos, apresentando contradições, (in)certezas e (in)justiças. Aliás, não seria esse o papel do jornalismo em tempos de tantos concorrentes (pseudo) informativos? (Imprensa, 2018)

Deste modo, ponderamos que a mídia não deve ser utilizada como massa de manobra para criar convencimentos públicos que cause influência nas decisões judiciais, expondo com fragilidade o Poder Judiciário brasileiro, como a batalha de decisões judiciais do dia 08 de julho de 2018, possibilitando uma insegurança jurídica, capaz de instituir os salvadores da pátria e os inimigos da nação.

4.3 Do Weikmam Agnaldo de Mattos Andrade da Silva

Talvez o caso não seja de conhecimento em todo território nacional, mas tomou grandes proporções no Estado de Mato Grosso do Sul, especificadamente no município de Campo Grande. O jovem de 21 anos, Weikmam Agnaldo de Mattos Andrade da Silva, fora denunciado no dia trinta de maio de dois mil e dezesseis, pelo Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul, pela prática de latrocínio contra sua avó materna, a senhora Madalena Mariano de Mattos Silva. Consta nos autos nº 0020528-86.2016.8.12.0001, que:

No dia 13 de maio de 2016, por volta das 03h30min, na residência localizada na Rua Naor Lemes Barbosa, n.º 1.505, Bairro Jardim Itamaracá, nesta capital, o denunciado subtraiu para si, mediante violência e grave ameaça exercidas contra a vítima Madalena Mariano de Mattos Silva, que veio a óbito em decorrência da violência empregada e pela gravidade das lesões sofridas, o veículo CHEVROLET/CELTA 1.0L LT, placas OOS-2615, RENAVAM 1049576036, (01) uma carteira contendo seus cartões de crédito e débito, R$ 80,25 (oitenta reais e vinte e cinco centavos) e 01 (um) aparelho celular da marca "Samsung", modelo "Duos". Consta, ainda, que no mesmo dia dos fatos supra narrados, em uma estrada vicinal não pavimentada, próxima ao Anel Viário e ao Bairro Itamaracá, nesta capital, o denunciado ocultou o cadáver da vítima Madalena Mariano de Mattos Silva. Consta, por fim, que nas mesmas circunstâncias de data e local do fato anterior, o denunciado inovou artificiosamente na pendência de processo penal, ainda que não iniciado, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz e o perito.  (TJ/MS, 2016)

Após o breve resumo do caso, trazendo a posição do parquet, passaremos a analisar as notícias produzidas pelos veículos de imprensa de Mato Grosso do Sul.

Como dito anteriormente, o fato aconteceu no dia 13 de maio de 2016 e conforme o veículo de imprensa Campo Grande News, o caso fora descoberto pela autoridade policial no dia 14 de maio de 2016 e, já no dia seguinte, este mesmo veículo de imprensa divulgou as seguintes manchetes: “Neto assassina a própria avó em busca de dinheiro para pagar dívida” (Figura em anexo – nº 13) e “Facebook entrega: jovem matou a avó e saiu para comer sushi horas depois” (Figura em anexo – nº 14).

Seguindo a mesma esteira, outros principais veículos de imprensa de Mato Grosso do Sul, condenaram antecipadamente o adolescente. O site MidiaMax noticiou que “Neto mata avó que o criou deste os 10 anos para roubas carro e quitar dívida de festa”. (Figura em anexo – nº 15) O jornal Correio do Estado seguiu noticiando na mesma linha: “Neto mata a avó com golpes na cabeça e simula roubo para tentar escapar”. (Figura em anexo – nº 16)

O G1, portal de notícias brasileiro, tomou a sensibilidade de apresentar a figura de acusado, porém expondo declarações concisas do delegado responsável pelo caso, Gustavo Ferraris.

Ele tentou despistar a investigação policial, criando um álibi. No entanto, começou a ser confrontado com as provas encontradas pela polícia e nada sustentava a sua versão. A perícia encontrou sangue em diversos locais da casa e ele acabou confessando o crime”, afirmou ao G1 o delegado Gustavo Ferraris, responsável pelas investigações. (G1/MS, 2016)

Entretanto em outro noticiário, expôs até a quantidade de anos que o acusado poderá receber de reclusão, caso seja condenado judicialmente. (Figura em anexo – nº 17)

Nesse momento torna-se claro a violação do princípio constitucional da presunção de inocência, da ampla defesa e da dignidade da pessoa humana, sendo necessário reforçar que pelo inciso LVII, do artigo 5º da Constituição Federal brasileira, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Consta nos autos que a denúncia teve fundamento no delito previsto no artigo 157, §3º, parte final, cominado com os artigos 211 e 347, todos do Código Penal, em concurso material, perante a 5ª Vara Criminal Residual do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso do Sul, na comarca de Campo Grande. Pois bem, após cerca de seis meses do ocorrido, o douto juízo reconheceu a prática de homicídio e não de latrocínio, ou seja, passando a alegar incompetência jurisdicional e encaminhando os autos para a competência constitucional do Tribunal do Júri.

Atualmente o jovem ainda não fora submetido ao julgamento pelos respeitados membros do Tribunal do Júri, mas é notório que estes poderão estar com convicções formadas na data do julgamento, por conta da comoção social que tomou conta da sociedade campo-grandense, conforme expôs veículo de imprensa Diário Digital. (Figura em anexo – nº 18)

Fica evidente a probabilidade de parcialidade dos jurados que irão compor este conselho de sentença, cuja sua incumbência é apreciar a matéria de fato. Entretanto para garantir que o julgamento seja justo e com plenitude de defesa, a Constituição Federal consagrou o instituto do desaforamento, in verbis:

Art. 427.  Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.                    (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

 1º O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente.                       (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

§ 2º Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá determinar, fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo júri. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

§ 3º Será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada.

A Carta Magna possibilitou que o pedido de desaforamento seja realizado ex officio pelo magistrado que possui a jurisdição, vez que possibilita a imparcialidade dos jurados e maior segurança do réu, possibilitando uma decisão justa. Neste sentido salientamos a importância dos membros da relação jurídica estarem sensíveis com a instrução processual, com o objetivo uno de senso de justiça, em busca de efetivar as garantias e princípios constitucionais já expostos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Ao final do presente estudo, observamos que o objetivo central fora demonstrado, no que condiz ao julgamento realizado pelos veículos de imprensa em casos no âmbito penal que serão apreciados pelo Poder Judiciário. Surgindo um conflito de garantias constitucionais, no que tange a liberdade de informação, dignidade da pessoa humana e o devido processo legal.

Neste Estado Democrático de Direito, não é razoável que o Poder Judiciário e o Ministério Público, sejam protagonistas dos espetáculos midiáticos, que expõe o sistema jurídico processual, provocando insegurança jurídica e julgamento antecipado dos envolvidos.

Tão verdade, que recentemente, por exemplo, o ex-senador da República pelo Estado de Mato Grosso do Sul, Delcídio do Amaral, fora absolvido pela Justiça Federal de Brasília, após ser acusado de “ter participado de esquema para comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, que virou delator na Lava Jato” (Folha de São Paulo, 2018).

É notório que o acusado teve seu nome exposto em diversos veículos de imprensa, garantindo a liberdade de informação, mas colocando em escanteio a presunção de inocência, a ampla defesa e, claro, o devido processo legal.

Destacamos que o Poder Judiciário deve estar revestido de impessoalidade, para ser realmente, protagonista ao aplicar as normas jurídicas, para realizar com excelência a clamada justiça que toda sociedade brasileira almeja. Ficou evidente a baixa confiabilidade da instituição, sendo este o momento exato para reconquistar a confiança dos brasileiros.

O Ministério Público com sua independência e autonomia, deve estar pautado em defender a aplicação efetiva do ordenamento jurídico pátrio, não podendo atuar por interesses próprios de seus membros. Por ser a instituição salvaguarda do direito, não é razoável que provoque o clamor social da sociedade com suas divulgações seletivas por meio dos veículos de imprensa, para receberem apoio dos brasileiros, os quais estão fragilizados com o auto índice de violência e corrupção desfreada por este País.

Não é razoável que atue em conluio com os meios de comunicação para vender a imagem de condenado, antes mesmo de dar início ao devido processo legal, para possibilitar que seja efetivada a ampla defesa, o que não é aplicado no âmbito das investigações policiais.

O direito processual penal é regido por princípios, os quais não devem ser quebrados por conta do clamor social provocado pela mídia, por exemplo, o magistrado não deve atender os anseios de uma justiça que não atenda os ritos e atos processuais.

A correlação entre a opinião pública e o julgamento não é de dias recentes, afinal, é de conhecimento de todos a condenação mais célebre do mundo: a de Jesus Cristo. A ausência de justiça foi a grande marca, por ter sido dado tom mais alto as vozes que acompanhavam o julgamento. Pontuando que o senso comum pode ser facilmente influenciado, surgindo o sentimento de repúdio e o desejo incessável por justiça, podendo deste modo influenciar a capacidade punitiva do Estado.

Outro ponto importante do estudo foi o destaque da atuação dos veículos de imprensa sob a ótica constitucional, restando claro um conflito de garantias constitucionais. A liberdade de imprensa é de extrema importância para a democracia brasileira, mas o que causa desconforto é modus operandi que a mídia realiza suas atividades, com sensacionalismo e pautas sem limites, no que refere-se ao cumprimento das garantias principiológicas.

Recentemente tem aumentado o debate sobre a possibilidade de regulamentação dos meios de comunicação de massa, longe do que parte da sociedade diz que estão tentando censurar a mídia brasileira. Entretanto, por mais que este assunto tenha grande relevância, ponderamos neste momento, para provocar o interesse e debates democráticos acerca do tema.

É necessário reconhecer que a mídia exerce papel fundamental, inclusive, para a segurança jurídica e para dar publicidade aos atos processuais. Utiliza-se dos veículos de imprensa para cumprir o preceito constitucional de acesso a informação, entretanto, lamentavelmente as informações chegam aos receptor com novos significados e outros entendimentos, aliás de forma incompleta e errônea.

As notícias que possuem teor excessivo podem provocar uma justiça que não esteja pautada nos direitos e garantias, causando prejuízo irreparável aos envolvidos.

A análise dos casos demonstrou com evidência o julgamento antecipado da mídia no âmbito do processo penal brasileiro e ainda, demonstrou a participação exclusiva de membros da relação jurídica.

Diante de todo o exposto, o estudo comprovou o verdadeiro conflito de garantias, devendo questionar o que deve prevalecer neste Estado Democrático de Direito, e o modo de assegurar que as mesmas sejam efetivadas, mas que tenha equilíbrio entre a liberdade de imprensa, o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana.

6 REFERÊNCIAS

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7 ANEXOS

Figura nº 01 - Capa Revista Veja

Fonte: (Veja, 2008)

Figura nº 02 - Capa do jornal Diário de São Paulo

Fonte: (Campos, 2008)

Figura nº 03 e 04 -  Matéria do jornal G1

Fonte: (Globo.com, 2008)

Figura nº 5 - Matéria do jornal Estadão

Figura nº 6 – Matéria do jornal Folha de São Paulo

Fonte: (Estadão, 2008)

Fonte: (Folha de São Paulo, 2008)

Figura nº 07 – Apresentação de denúncia do ex-presidente Lula

Figura nº 08 – Matéria do jornal O Globo

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Fonte: (Estadão, 2016)

Fonte: (O Globo, 2016)

Figura nº 9 - Matéria do jornal Uol

Figura nº 10 - Matéria do jornal El País

UOL

Fonte: (Uol, 2016)

Fonte: (El País, 2016)

Figura nº 11 - Matéria do jornal Folha de São Paulo

Figura nº 12 - Trechos de parecer da Subprocuradoria-Geral da República

trechos-do-parecer

Fonte: (Folha de São Paulo, 2016)

Fonte: (Revista Forúm, 2017)

Figura nº 13 - Matéria do jornal Campo Grande News

Figura nº 14 - Matéria do jornal Campo Grande News

Sem título

Fonte: (Campo Grande News, 2016)

Fonte: (Campo Grande News, 2016)

Figura nº 15 - Matéria do jornal MidiaMax

Figura nº 16 - Matéria do Correio do Estado

midiamax

Fonte: (MidiaMax, 2016)

Fonte: (Correio do Estado, 2016)

Figura nº 17 - Matéria do jornal G1/MS

Figura nº 18 - Matéria do jornal Diário Digital

Fonte: (G1/MS, 2016)

Fonte: (Diário Digital, 2016)


[1] A expressão é de ARAGONESES ALONSO, na obra Proceso y Derecho Procesal, cit., p. 127

[2] Tradução: A mídia manteve um frenesi em torno do evento. Para cobri-lo, a rede Globo, a mais poderosa do país, mobilizou permanentemente quinze equipes de repórteres e cinegrafistas, três transmissões ao vivo e um helicóptero. O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva se preocupou com essa cobertura da mídia, que ele acredita ser excessiva. Pedindo cautela, Lula lamentou que o casal "tenha sido condenado" antes de ser julgado.

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Sobre o autor
Kayron Rodrigues

Especialista em Direito Público

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada à Universidade Católica Dom Bosco. Curso de Graduação em Direito, sob a orientação temática do Prof. Me. Ricardo Souza Pereira e sob a orientação metodológica do Prof. José Manfroi, para efeito de obtenção do título de bacharel.

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