Capa da publicação Ressocialização de psicopatas é possível?

Uma observação sobre a (im)possibilidade de ressocialização dos delinquentes com transtorno de psicopatia no Direito Penal Brasileiro contemporâneo

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3. A RESSOCIALIZAÇÃO ADOTADA ATUALMENTE PELO ESTADO: CRIMINOSOS NÃO PSICOPATAS X CRIMINOSOS PSICOPATAS

Conforme destaca Rogério Greco (2011, p. 443) “Parece-nos que a sociedade não concorda, infelizmente, pelo menos à primeira vista, com a ressocialização do condenado. O estigma da condenação, carregado pelo egresso, o impede de retornar ao normal convívio em sociedade”. Atualmente no Brasil a teoria da pena adotada é a “Mista”, assim buscando a prevenção, a educação e a correção do criminoso.

Para Rosa e Carvalho (2014, p.163), a prevenção do crime é tida com mais eficácia do que a punição, no sentido de que um delinquente não é punido na tentativa de apagar os atos ilícitos, mas com o intuito de transformá-lo e reeducá-lo com o papel da ressocialização, voltando ao convívio da sociedade de modo melhorado.

Hungria (1977, p.283) refere-se à ressocialização de um reeducando como a reconquista de um delinquente, readaptando-o ao meio social com pelo menos uma ética que possa conviver fora da prisão sem retorná-la, e atribuindo à toda população um pouco de sacrifício para o bem de todos.

Nos termos de Fernando Capez (2016, p. 541) a reabilitação do condenado é um direito próprio estabelecido pelo judiciário no momento de retornar à sociedade, restituindo-o presumidamente para uma situação melhor a qual estava no momento da condenação.

Uníssono ao intelecto de Hare (2013, p.88):

Nesse processo, pela criação, escolarização, experiências sociais, treinamento religioso, etc.,a socialização nos ensina a criar um sistema de crenças, atitudes e padrões pessoais que determinam como interagimos com o mundo ao nosso redor. A socialização também contribui para a formação do que a maioria das pessoas chama de consciência, uma voz interior incômoda, que nos ajuda a resistir à tentação e nos faz sentir culpados quando não agimos assim.

Morana (SUPERINTERESSANTE,2011), declara que os psicopatas possuem um temperamento forte e irritável, necessitando de redobrada atenção por parte dos profissionais, não sendo tratáveis por qualquer forma de tratamento atualmente disponível.

Na atualidade a legislação brasileira dirigida à criminalidade está muito ultrapassada, por conta do art. 5º da Constituição Federal dizer que a lei tem que ser igual para todos, não diferenciando os tipos de criminosos. Logo, o tratamento de ressocialização dado aos criminosos comuns é o mesmo dado ao psicopata, sendo por esse motivo que a ressocialização ao psicopata não tem eficácia nenhuma (ANA BEATRIZ, CORREIO BRAZILIENSE, 2012).

Mas o que é muito discutido na justiça brasileira, principalmente pela parte da promotoria, é na aplicação da semi-imputabilidade e dos hospitais de custódia, não sendo de interesse a redução de pena, retornando à vida externa sem tratamento ou medidas seguras para a real inserção à comunidade, assim também como quem vai para esse tipo de estabelecimento são os delinquentes mentais tratáveis, algo que não acontece atualmente com os psicopatas (MORANA, SUPERINTERESSANTE, 2016).

3.2. IMPOSSIBILIDADE DE RESSOCIALIZAÇÃO DO DELINQUENTE PSICOPATA: NECESSIDADE DE POLÍTICA CRIMINAL ESPECIAL

Para Foucault (2009, p.118), “a duração da pena só tem sentido em relação a uma possível correção, e a uma utilização econômica dos criminosos corrigidos”, neste sentido, a pena somente terá validade e utilidade se for aplicada adequadamente, nem curta demais, muito menos longa a ponto de ser perpétua.

Porém, a especialista Ana Beatriz da área da psicopatia defende um tratamento distinto para criminosos psicopatas para não prejudicar a reeducação dos delinquentes normais, e até mesmo prisão perpétua para psicopatas pelo fato de momentaneamente não existir cura (CORREIO BRAZILIENSE,2012).

Michel Foucault (2009, p.100) afirma que “encontrar para um crime o castigo que convém é encontrar a desvantagem cuja ideia seja tal que torne definitivamente sem atração a ideia de um delito”, assim sendo, o autor enfatiza que para cada tipo penal, por suas características próprias, necessita de regramento e tratamento peculiar.

Na mesma base de Ana Beatriz, Morana (SUPERINTERESSANTE, 2011), acata como solução momentânea que seria de julgar e aplicar a semi-imputabilidade aos delinquentes psicopatas e encaminhá-los a recintos especializados para acompanhamento, determinando assim o momento ideal de retornar ou não à sociedade.

A psiquiatra forense Hilda Morana foi responsável pela utilização da atual técnica do PCL, sendo um questionário denominado escala Hare, constituindo o método mais confiável hoje para identificar psicopatas nos presídios brasileiros, além de lutar por um projeto de lei a fim de criar prisões especializadas em psicopatia, que não restou exitoso (ANA BEATRIZ, 2008, p.129).

Robert Hare (Veja, 2009) falou a respeito de um modelo diferenciado para tratamento de psicopatia, mais relacionado à cognição, levando os pacientes a “compreender que até podem fazer algo que desejem, sem que isso seja ruim para os outros. Não vai mudá-los, mas talvez possa atenuar as consequências de suas ações”, logo é considerado o tratamento mais atual na área, sem possibilidade de cura, objetivando reduzir danos.

Ademais, Hare relata sobre a ineficácia dos programas atuais para a ressocialização dos psicopatas, justamente pelo fato dos mesmos não se sentirem problemáticos, agindo conforme a natureza e não concordando com padrões sociais aplicados à cultura da sociedade no geral (2013, p.200).

O pesquisador Eduardo Cabette (2013, p. 17) sobre o estudo da criminologia genética conclui que diante do trabalho da ciência, outras formas de tratamentos ainda não utilizados podem surgir, trazendo novas esperanças à coletividade para reduzir a criminalidade, declarando que “as recentes descobertas relativas à genética e sua aplicação aos seres humanos, especialmente no que se refere à conduta, podem ensejar profundas discussões acerca das inúmeras possibilidades de sua aplicação nos mais diversos ramos do saber e da atividade humana”.

Destarte, Vasconcellos (2014, p.129) afirma que o estudo da psicopatia está em avanço, demonstrando que o cérebro dos psicopatas possui níveis de explicações promissores, diante dos achados recentes dos cientistas e pesquisadores sobre tal órgão, a fim de compreender melhor a complexidade do quadro, porém a ciência ainda tem pouco ou quase nada a informar sobre tal assunto enigmático. Também destaca que não se pode descartar um efetivo tratamento futuro para a síndrome, porque através das atuais descobertas sobre os cérebros dos psicopatas, poderão surgir novos tratamentos, os então tratamentos fornecidos pelos profissionais das áreas relacionadas ao tema, não eram baseados nos achados recentes, podendo surgir novos efeitos.

Conclui-se que diante das últimas descobertas cientificas, futuramente novos e distintos conceitos sobre o transtorno da psicopatia, assim como também novos tratamentos para o mesmo poderão surgir, trazendo novas perspectivas para tratar os psicopatas, porque atualmente ficou comprovado que ainda não existe tratamento específico e eficaz.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através desse trabalho de pesquisa, foi possível comprovar que apesar da existência de pesquisas que buscam respostas para o fenômeno da psicopatia, ainda há muita controversa no que diz respeito inicialmente pelo seu conceito, seu diagnóstico e se há possibilidades de tratamento. Também, na legislação penal, não há qualquer menção específica aos portadores do transtorno da psicopatia.

Os psicopatas pela forma como vêm sendo considerados, não há consenso na atribuição ao serem sentenciados, podendo ser considerados indivíduos imputáveis ou inimputáveis, não havendo tratamento especifico para o mesmo, que na maioria das vezes ficam juntos dos demais apenados nos mesmos estabelecimentos prisionais, elevando os índices de reincidência e trazendo dificuldade nos projetos de ressocialização dos apenados não psicopatas.

Ademais, restou comprovado que na atualidade ainda não há tratamento efetivo aos criminosos psicopatas, pois não respondem à punições, mas diante das pesquisas propagadas recentemente sobre possíveis alterações no cérebro dos portadores desse transtorno de personalidade, poderão surgir novas ideias tratáveis para o caso, assim como pela dúvida da culpabilidade lançada perante às pessoas enquadradas com a psicopatia.

Por fim, restou claro que há enorme necessidade da criação de legislação especifica para os psicopatas, assim como novas possibilidades mais eficientes de tratamento.

Portanto, o Estado precisa saber regular as relações sociais com métodos eficazes, consoante a Sun Tzu “a guerra é de vital importância para o estado; é o domínio da vida ou da morte, o caminho para a sobrevivência ou a perda do império” (2012, p.07), mas essa guerra supracitada é relacionada diretamente à luta em favor da sociedade generalizada, que o Sistema Criminal Brasileiro tem na busca pelo melhor trato mediante aos desafios lançados pelos criminosos psicopatas, desde a antiguidade até a contemporaneidade.

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REFERÊNCIAS

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Abstract: The present study has as main objective to verify the effective treatment of resocialization offered to the delinquents with the psychopathy disorder in the Brazilian criminal scope, as well as to draw a transdisciplinary analysis on the delinquent psychopath and the current diagnostic methods used by the Brazilian justice system. The choice of theme is justified by the complexity it conveys both to experts in the fields of law, medicine and psychology, and to the whole society involved, because in the face of so many uncertainties due to the lack of treatment and legislation, psychopaths bring great insecurity to the population for the way the crimes are committed by them. In a specific way, we sought to verify if there is a possibility of resocializing the criminal individual who was diagnosed with psychopathy in the current Brazilian criminal policy, and if the methodology applied by the professionals involved is efficient in the current context directed to psychopaths. The work is based on bibliographical research, with analysis of experts, doctrines and legislation related to the subject. The method of approach is deductive. This article highlights the need to create treatment and specific legislation for psychopathic criminals in order to bring more security to all the entities involved, be it to society as well as to the delinquent himself.

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