INTRODUÇÃO
Em virtude da não obrigatoriedade dos planos de saúde de custear a inseminação artificial, a possibilidade da realização através do procedimento caseiro tornou-se o caminho mais acessível para a reprodução humana. Essa possibilidade abriu um precedente a inúmeras situações não abraçadas pela legislação brasileira. É válido a ressalva que em nenhum método, sejam dentro das clínicas de banco de semên e/ou fora delas – quando realizados de forma caseira –, há tutela jurisdicional que salvaguarde os interesses do receptor e do doador. A Resolução 2.168/2017 do Conselho Regional de Medicina tem sido o único meio regulamentador de apoio vigente. De tal modo, o presente trabalho propõe exprimir uma problemática atual, que versa sobre as relações de reprodução humana, destacando a ausência de tutela jurisdicional e as infinitas possibilidades no mundo jurídico.
Na realização desse trabalho, destacaremos os entendimentos jurisdicionais acerca da matéria. Dando maior enfoque, como fundamento principal desse trabalho de pesquisa, as lacunas legislativas existentes na temática. Assim, esmiuçaremos todo contexto de inseminação artificial e as consequências no mundo jurídico pela ausência de tutela jurisdicional.
Nesse aspecto, a inseminação artificial atrai, direitos e deveres aos interessados dentro dessa relação. E o único meio regulamentador dessas reproduções humanas é a Resolução 2.168/2017 do Conselho Regional de Medicina que elenca e estabelece os procedimentos e meios de realização da inseminação artificial. Significa dizer que essa Resolução tem servido para preencher uma lacuna legislativa, que, por sua vez, não atende e engloba todas as possibilidades jurídicas. Assim, os doadores e receptores, em muitos casos, tem a violação do seu interesse devido a ausência de tutela.
O que busca apresentar nesse projeto através de uma pesquisa bibliográfica e documental é a violação de muitos direitos devido a inércia legislativa e, ainda, expor as muitas possibilidades existentes dentro dessas relações, sendo este o ponto central do trabalho. Assim, trazer à tona a necessidade de uma legislação específica que rege acerca das inseminações artificiais, impondo métodos e procedimentos acessíveis a todo e qualquer cidadão
A estrutura teórica do presente trabalho, trará em seu primeiro capítulo as considerações acerca da inseminação artificial, expondo um pequeno introito acerca do conteúdo abordado, explanando sobre os procedimentos para realização da inseminação, suas possibilidades e finalidades, sendo parte desse trecho os métodos utilizados na realização da reprodução humana e, também, pontos relevantes sobre o Biodireito, apresentando-o, sempre, como estrutura base para estreitar as relações jurídicas e os avanços da ciência e biotecnologia.
Seguindo no terceiro capítulo, traremos considerações acerca das legislações que regem a matéria, bem como exibindo o entendimento e posicionamento do Supremo Tribunal Federal e o recente julgado do Tribunal de Justiça, apresentando também as consequências dessas decisões, e, sobrepesando-as às necessidades reais. E por fim, nesse capítulo, expor o ponto inicial da problemática dessa monografia, enfatizando nesse trecho a busca de métodos acessíveis à inseminação.
O quarto capítulo trará, por sua vez, o confronto entre a inseminação artificial caseira e a laboratorial, também, uma análise desse procedimento, os impedimentos expressos no ordenamento jurídico quando feitos de forma caseira e as grandes consequências no mundo jurídico, enlaçando a problemática e exibindo as teses dessas consequências, ainda, exprimindo o respeito pelos direitos das partes interessadas, e, elevando a importância da existência de um regramento expresso.
Assim, por fim, após apontarmos a divergência de entendimentos entre o Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal acerca do tema proposto, e as infinitas situações causada pela reprodução humana através do método caseiro, será fácil observar a necessidade de tutela jurisdicional específica que amparem essas relações advindas da inseminação artificial.
1. A INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL SOB A ÉGIDE DO BIODIREITO
1.1 DAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
O conceito de inseminação artificial percorre várias definições. Para facilitar a compreensão, podemos caracterizar como mecanismo criado a fim de efetivar a reprodução humana, fazendo-a através de técnicas de fecundação. Lopes[1] retrata a inseminação de modo mais rasteiro, e ensina que a inseminação é a introdução de espermatozoide, no organismo da mulher, através de técnicas não naturais.
Segundo Gasparotto[2] também é possível observar em seu contexto a menção a técnica da inseminação. De modo fácil, ele trata a inseminação como o ato de recolhimento do material genético do doador e a inoculação na mulher. Expõe o seguinte:
A inseminação artificial consiste na técnica de fecundação intracorpórea, na qual o espermatozoide é retirado de seu doador (o próprio marido ou de um terceiro) e posteriormente introduzido na cavidade uterina da mulher, de maneira artificial.
O avanço da medicina possibilitou a reprodução por vias paralelas ao convencional. As relações sexuais deram espaço ao conjunto de técnicas que viabilizou a reprodução humana, o que beneficiou casais inférteis, casais homoafetivos, famílias monoparentais - ou também conhecido como uniparental - e os casos comuns de barriga de aluguel. Maria Helena Diniz[3] segue esse entendimento, e ainda acresce que a inseminação artificial tem sua função baseada e fundamentada no direito a descendência. Entende-se, portanto, que as grandes impossibilidades de reprodução humana por via natural, não poderia privar o desejo de descendência e procriação da espécie humana.
A origem da concepção sem o ato sexual foi realizada pela primeira vez pelo médico ginecologista Pancoast, na Filadélfia, fazendo uso de técnicas de azoosopermia. Gasparotto[4] leciona acerca dos primórdios da inseminação artificial, e aduz que já haviam experiências de procriação desde o século XVI, realizadas em animais, com a finalidade de melhorar a produção de determinados animais e, bem como, a purificação de raças. E dá continuidade dizendo:
As técnicas de reprodução assistida tiveram seu ápice de destaque na Inglaterra, em 25 de julho de 1978, quando nasceu Louise Brown, o primeiro “bebê de proveta”, cuja mãe submeteu-se à fecundação in vitro (FIVET) com extração e seleção de seus óvulos, e posterior contato com espermatozoides em estufas para formar embriões que, depois de analisados, foram transferidos para o útero da mãe de Louise.
Elida Sá[5] também faz menção às primeiras tentativas da reprodução humana. Menciona o nascimento de Louise Brouwn como percursor da técnica e, em seguida, cita o nascimento de outro bebê na Austrália, em 1984. No Brasil, a primeira reprodução assistida ocorreu no ano de 1984. Mendes[6] detalha e expõe o que se segue:
No Brasil, a primeira reprodução assistida que se tem notícia ocorreu no dia 7 de outubro de 1984, na cidade de São José dos Pinhais. Nesta cidade, nasceu Ana Paula Caldeira. Foi um marco para a medicina genético-reprodutiva brasileira, pois foi o primeiro bebê nascido de uma fertilização in vitro. A partir desta data, os avanços nas pesquisas sobre este tema começaram a avançar em diversos países. E assim, em 2003, entra em vigor o Novo Código Civil Brasileiro; e nele foi ampliado as presunções de filiação (artigo 1.597, Código Civil Brasileiro), para reconhecer, como “filhos por presunção, aqueles nascidos de fecundação artificial homóloga, inseminação artificial heteróloga e os filhos havidos, a qualquer tempo, quando se tratasse de embriões excedentários decorrentes de concepção artificial homóloga.
As técnicas e procedimentos usados nos métodos de inseminação são semelhantes, devendo, em cada uma delas, o máximo de cuidado, como ensina Luiz Fernando Pina[7]: ‘‘O médico deve tomar cuidado para garantir que o procedimento seja o mais delicado e atraumático possível’’. Tais técnicas diferenciam-se na origem do material genético, e também na forma de fecundação do gene recolhido. Sendo essas técnicas: a inseminação artificial homologa e a inseminação artificial heteróloga. O que veremos no capítulo a seguir.
Ainda, é mister acrescer que, não há legislação que, em atento aos princípios éticos, garanta a semelhança fenotípica do material colhido e a possível receptora[8] – Nos casos de material genético de terceiros, modalidade heteróloga – significa que, a busca pela reprodução humana que tem a principal finalidade de atender o desejo da maternidade e paternidade, não tem como certificar à receptora e seu companheiro a semelhança simétrica com os possíveis pais.
Carolos Alexandre de Morais[9] estipula que atualmente, 20% da população mundial é infértil, e estima-se que as próximas gerações ainda carregarão essa mácula. Por isso há um significativo crescimento da utilização das técnicas de reprodução humana. Entre 1990 e 2000, houve aumento de quase 550% (Quinhentos e cinquenta por cento) no número de centros e clinicas responsáveis pela realização dos procedimentos de inseminação artificial na América Latina. Onde haviam 21 centros de reprodução humana, no ano de 2000 esse número cresceu para 139 clínicas distribuídas em 11 países[10]. E, neste mesmo ano, no Estado dos Unidos, aproximadamente 5,0 a 6,3 mulheres apresentaram dificuldade na reprodução.[11]
Conforme Mara Sarquiz[12], a Organização Mundial da Saúde (OMS) pressupõe que entre 60 e 80 milhões de pessoas no mundo tem declínio a infertilidade, e calcula um percentual de 5,4 a 7,7 milhões de inférteis em 2025. Meriane Almeida[13] expõe o seguinte:
O fator primordial para que se desenvolvessem as técnicas de reprodução assistida, indubitavelmente, foi a infertilidade, tendo em vista que a sociedade desde os primórdios considera a capacidade de procriação como uma benção e em contrapartida a infertilidade como um defeito, e por vezes até castigo divino. Todavia, atualmente de modo geral, estas técnicas são utilizadas para que o indivíduo independentemente das dificuldades enfrentadas por ele, tenha a possibilidade realizar seu projeto familiar.
A reprodução assistida duela fielmente com à infertilidade, e vem ajudando quem tem problemas de infertilidade na busca da realização do projeto parental. Para alcançar a finalidade da gestação, essas pessoas, impossibilitadas na procriação natural, tem à disposição diversos procedimentos para a reprodução. Morais[14] afirma que: ‘‘As diferenças dos procedimentos estão relacionadas à complexidade, ao custo financeiro e à indicação terapêutica.’’. Para atingir com êxito a finalidade da reprodução assistida, a infertilidade sempre será observada, para que dentro das pluralidades dos métodos de inseminação artificial seja aplicado o mais adequado ao caso.
1.2 DOS MÉTODOS DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
A doutrina, genericamente, divide as modalidades de reprodução humana em dois grandes grupos: in vivo ou in vitro[15]. Andressa Corrêa[16] usa a nomenclatura intracorpórea para fazer menção ao método in vivo; e, extracorpórea correlacionando ao método in vitro. Andressa[17] dá continuidade explicando o seguinte:
No primeiro grupo, encontram-se a inseminação artificial e a transferência intratubária de gametas (GIFT). No segundo, destacam-se a fertilização in vitro com transferência de embriões (FIVETE), a transferência intratubária de embriões (TET), a injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI) e a transferência intratubária de zigotos (ZIFT).
Jaylla[18], esmiúça um pouco mais dizendo:
A fertilização in vitro – FIV é a fecundação de um óvulo em laboratório. A união dos elementos masculino e feminino de reprodução, que dão origem ao ovo, é extracorpóreo. O óvulo é retirado da mulher, bem como coletado o sêmen do homem, reunindo-os num tubo de ensaio, em condições adequadas. Dentro de certo tempo, o embrião assim originado é transferido para o útero de uma mulher para seguimento da gestação.6A inseminação artificial é a técnica científica mais antiga e consiste, basicamente, na introdução do esperma na cavidade uterina ou no canal cervical, por meio de uma cânula, no período em que o óvulo se encontra suficientemente maduro para ser fecundado.
Em uma linguagem leiga (não médica), o grupo cujo a reprodução é feita intracorpórea ou in vivo, é o que realiza a fecundação dentro da própria receptora. E, extracorpórea ou in vitro, contém a manipulação do material genético antes da introdução na mulher receptora. Importa dizer que ambos procedimentos são feitos sem a relação sexual.
Esse material usado, no método in vivo ou in vitro, poderão ser homólogos ou heterólogos. Isto é: (a) Homóloga quando o doador do gene é o próprio cônjuge ou companheiro; e (b) Heteróloga quando o doador é um terceiro. Carlos Alexandre de Moraes[19] conceitua essas técnicas:
A técnica da inseminação artificial homóloga, também conhecida como autoinseminação, ocorre quando a mulher é inseminada com o esperma do próprio marido ou companheiro. Esse procedimento é realizado pelo médico no momento em que o óvulo está no período de ser fertilizado: o líquido seminal do marido é injetado na cavidade uterina ou no canal cervical da mulher. Nesse caso, o filho carrega o material genético dos pais, não existe a figura de terceiro, como ocorre na inseminação artificial heteróloga. [...] O procedimento médico para a realização da inseminação artificial heteróloga é o mesmo da técnica anterior, todavia, o líquido seminal a ser utilizado não é o do marido ou companheiro, mas de uma terceira pessoa, sendo aproveitado o esperma que se encontra armazenado em um banco de sêmen.
A inseminação artificial e a transferência intratubária de gametas (GIFT), fazem parte dos procedimentos intracorpórea, podendo ter a utilização do material genético homológico ou heterólogo. Já a transferência de embriões (FIVETE), a transferência intratubária de embriões (TET), a injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI) e a transferência intratubária de zigotos (ZIFT), são os meios de reprodução cuja ovulação acontece extracorpórea, podendo, também, ser heteróloga ou homológa.[20]
É oportuno observar que esses os métodos acima expostos são regulamentados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e, também, tendo seus procedimentos normatizado pela Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº 2.168/2017.
Entretanto, a Resolução publicada a respeito das técnicas de reprodução, apenas adota as diretrizes para a realização da inseminação de forma que haja maior segurança e eficácia ao tratamento. Porém, ainda há uma grande lacuna legislativa que discipline rigorosamente os maus procedimentos de reprodução humana e, também, todas as questões que envolvem o Biodireito.
1.3 DO BIODIREITO
Biodireito é, de modo claro, a normatização de todos os atos que se vinculam ao prefixo ‘Bio’, que significa vida, ou que tenha relação com o ser vivo. Neste contexto, Elida Sá[21] introduz o estudo sobre Biodireito dizendo: ‘‘[...] Diversos aspectos jurídicos surgem dentro, fora e por causa da relação médico-paciente.’’. Elida Sá[22], com muita propriedade dá continuidade dizendo: ‘‘Ante à defasagem temporal entre a formulação legal e o desenvolvimento científico, o ordenamento jurídico se torna indefinido, por vezes conflitante ou omisso.’’. Isto acontece, por não existir a evolução das normas jurídicas em consonância à evolução da ciência médica.
Ensina Orides Mezzaroba[23]:
De forma especial, dentro dessa evolução da ciência e da tecnologia em favor da vida, se podem inserir os estudos da engenharia genética, especialmente quanto aos novos métodos de reprodução humana, com o escopo primordial de ajudar casais estéreis ou inférteis a alcançar o desejo da maternidade/paternidade.
Delton Croce[24] ensina que esse revolucionário método suscita implicações sociais, éticas e legais. Isso porquê, o Biodireito se estreita com as normas éticas e morais voltadas para ciências da vida. Tem o condão de delimitar as relações surgidas da ciência médica. Nesse sentindo, ensina Débora Gozzo[25]: ‘‘A exigência social de uma resposta por parte do Direito a estes novos problemas, para alguns, significa a exigência de um Biodireito, um possível novo ramo, que envolve a análise jurídicas de diversos dilemas Bioético.’’
O Biodireito atua em temas como uso de células tronco, pesquisas com seres humanos, transplante de órgão, inseminação artificial, genoma humano, qualidade de vida, fecundação humana, manipulação genética, terapia gênica e até transfusão de sangue. Nesse sentindo, sucinta Jociane Geraldo[26]: ‘‘Devido à facilidade que a ciência possui em manipular a vida, se faz necessária a intervenção da Bioética e do Biodireito, para que esta manipulação não extrapole limites que ferem o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana’’.
Desta maneira, a finalidade do Biodireito nesses temas tão sensíveis não é impedir o avanço da ciência tecnológica, mas sim, de regulamentar as relações, dentro da moral e da ética, que se surgem através do vínculo entre a tecnologia e a vida. Débora Gozzo[27] continuamente expõe:
Por Biodireito humano entende-se a emergência de um subsistema normativo que visa a regulamentação de situações de ordem Bioética referentes ao ser humano, especialmente no que tange à manipulação de seu corpo, de partes destes ou de manipulação biológica da pessoa, em sentido amplo.
A título de conhecimento a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos é o baluarte para o Biodireito, esta, por sua vez, foi adotada por aclamação no dia 19 de outubro de 2005. Essa declaração é conhecida como norma supralegal, estando abaixo da Constituição Federal e acima de todas as demais leis. Ainda, cumpre ressaltar que essas normas são determinações abertas, que permitem a adequação às normas já existentes e, também, às normas internacionais. Alguns doutrinadores vislumbram como um novo ramo do Direito, entretanto, há quem discorde. Para Débora Gozzo[28]:
O Biodireito não pode ser visto simplesmente como mais um ramo a ser inserido no ordenamento jurídico, mas deve ser entendido como outro estágio na evolução dos direitos, caracterizado por estar em um nível mais alto de valorização da pessoa, traduzindo como dignidade humana e como uma tentativa de reconhecimento do valor da qualidade de vida.
Na esfera da reprodução humana, a Maria Helena Diniz[29] diz ser um assunto delicadíssimo e ensina que:
Pelas implicações valorativas e éticas que engendra, pois as novas técnicas conceptivas, de um lado, solucionam a esterilidade do casal, que terá seu filho, com interferência de ambos, de um só deles ou de nenhum deles, mas, por outro lado, acarretam graves problemas jurídicos, éticos, sociais, religiosos, psicológicos, médicos e bioéticos.
Continuamente, Maria Helena Diniz[30] leciona que: ‘‘Urge regulamentar a fecundação humana assistida, minunciosamente, restringindo-a na medida do possível, porque gerar um filho não é uma questão de laboratório, mas obra de amor humano.’’ Sugerindo, desta forma, que a reprodução de humana é encharcada por questões de cunho afetivo, devendo ser observada de maneira afável.
Por isso, para solucionar a gama de indagações jurídicas, é necessário, sempre, por parte do legislador, a observância dos princípios Bioéticos e de Direitos Humanos. Assim como leciona Ana Carolina[31]: ‘‘As técnicas de reprodução geram uma séria de questões não cogitadas pela lei civil, são dúvidas apontadas que ficam sem respostas e que exigem regulamentação pelas graves implicações que acarreta nos campos ético e jurídico.’’.
2. NECESSIDADE DE TUTELA JURISDICIONAL À INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
Pela existente lacuna legislativa que regulam as relações advindas da reprodução humana artificial, o Poder Judiciário vem apreciando esses processos com base no Regulamento nº 2168/2017 do Conselho Federal de Medicina. Todavia, a Resolução publicada em 2017 apenas dá diretrizes e coordenações acerca da inseminação artificial.
Esse dispositivo tem observância aos princípios éticos e bioéticos, e tem a finalidade de conduzir a inseminação por vias mais seguras, determinando desde o manejo no procedimento, aos requisitos para torna-se doador e, também, as instruções quanto a responsabilidade das clinicas e centros que prestam os serviços de reprodução humana.
A OMS – Organização Mundial da Saúde – também tem servido de parâmetro para o Poder Judiciário nos julgamentos cuja lide é decorrente da inseminação humana. O posicionamento da OMS acerca da inseminação artificial, é de que a infertilidade é sim um problema de saúde e, dever-se-ia ser tratada e custeada pelos planos de saúde. Marina Ribeiro[32], em sua obra, ensina que a infertilidade pode ser responsável, também, por problemas psíquicos, dizendo: ‘‘O casal infértil pode, momentaneamente, ‘adoecer’ em termos psíquicos’’. Onde, consequentemente, estados traumáticos e de depressão podem ser desenvolvidos.
Todavia, em discordância, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS através da Lei de nº 9.656/98, também faz menção à reprodução humana, entretanto, a competência desta lei está delimitada na regulamentação dos procedimentos médicos e, operando nos procedimentos assistenciais de plano de saúde.
Importa dizer que, nenhum desses regimentos, por sua vez, não possuem força para tutelar e sancionar as diversas situações jurídicas surgidas através da relação de reprodução assistida, são apenas um rol de regras específicas que normatizam e atuam unicamente nos mecanismos de reprodução, produzindo apenas sanções administrativas. Ensina Mezzaroba[33]:
Não há amparo por força normativa nem por sanções quanto ao seu descumprimento, no máximo a nível administrativo, evidenciando a necessidade da aprovação de leis que padronizem os procedimentos da biotecnologia e, de igual modo, os benefícios e riscos decorrentes a quem utilizá-los.
Isto posto, as inúmeras situações jurídicas que podem vir a existir através da reprodução humana, ainda não detém de um regimento próprio. Mendes[34] em seu artigo diz:
Existem diversas questões envolvendo a reprodução humana assistida que geram conflitos. Há uma série de efeitos jurídicos envolvendo o tema, desde a decisão do casal, o nascimento, questões envolvendo a identidade, a sucessão além de pontos no plano social e econômico.
Ainda, Davi Mendes[35] dá continuidade dizendo:
No direito civil brasileiro, especificamente nas áreas de Direito de Família e Sucessões, a reprodução humana gera consequências. A legislação atual ainda deixa a desejar. Ainda assim, há questões religiosas muito arraigadas na sociedade brasileira que influenciam na tomada de decisões sobre a melhor técnica de reprodução a ser escolhida e qual será o fim do que não foi utilizado. Em relação à transmissão da herança, por exemplo, há muito o que se discutir quando o assunto é reprodução humana, ainda mais quando não existe uma regulamentação específica.
Maria Helena Diniz[36], ensina que cabe aos Juiz julgar conforma sua percepção do que é correto, princípios e seu vasto conhecimento jurídico.
2.1 JULGADOS E ENTENDIMENTOS ACERCA DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
Uma vez que o Poder Judiciário não possui definição, nem tão pouco, entendimento sólido acerca das inúmeras possibilidades jurídicas que cercam a inseminação artificial, discorrem no Judiciário diversos entendimentos acerca do assunto. Uma das grandes pautas que percorrem em conflito nos Tribunais são o custeio pelas operadoras de planos de saúde à reprodução humana. Ela, por sua vez, tem comandado as lides que tratam da temática da reprodução humana no Judiciário.
Há quem entenda que, com base na própria OMS, ao falar de planejamento familiar a Organização introduz, implicitamente, que a reprodução advinda da infertilidade é sim problema de saúde, devendo então ser custeada pelos planos de saúde. Em contrapartida, outra parcela descorda veemente, e justifica que o alto custo – torno de R$ 20 mil[37] – fez a ANS excluir do plano de referência a inseminação artificial. Fátima Burégio[38], especialista em Direito Civil, ensina em seu artigo que as operadoras de planos de saúde têm festejados os julgamentos do Superior Tribunal de Justiça que vem se posicionando contrário aos usuários dos planos.
O Superior Tribunal de Justiça[39], em 2017, julgou procedente o Recurso Especial nº 1.692.179 que pleiteava o reconhecimento da fertilização e da reprodução humana como procedimentos de cobertura não obrigatória pelas seguradoras de plano de saúde. In verbis:
SUPLEMENTAÇÃO PRIVADA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. [...] 3. A interpretação sistemática e teleológica do art. 35-C, inciso III, da Lei n. 9.656/1998, somado à necessidade de se buscar sempre a exegese que garanta o equilíbrio econômico-financeiro do sistema de suplementação privada de assistência à saúde, impõe a conclusão no sentido de que os casos de atendimento de planejamento familiar que possuem cobertura obrigatória, nos termos do referido dispositivo legal, são aqueles disciplinados nas respectivas resoluções da ANS, não podendo as operadoras de plano de saúde serem obrigadas ao custeio de todo e qualquer procedimento correlato, salvo se estiver previsto contratualmente. 6. Recurso especial provido.
(STJ - REsp: 1692179 SP 2017/0203592-6, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 05/12/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/12/2017).
Em 2018, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[40], negou provimento ao agravo de instrumento, entendendo não prevalecer a alegação de não previsão contratual no custeio da reprodução humana assistida. Lê-se:
PLANO DE SAÚDE – Se o planejamento familiar envolve o conjunto de ações, pela Rede Pública ou Privada, tanto para a contracepção consentida como também para constituição ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal (art. 2º, Lei 9.263/1996), cuja cobertura é compulsória, como são as hipóteses previstas o art. 35-C da Lei no 9.656/1998, não poderia contraria-lo a Resolução Normativa ANS n. 192, de 27/05/2009. [...] Excluiu da cobertura obrigatória a ‘‘inseminação artificial’’ e o fornecimento de medicamentos de uso domiciliar. Recurso desprovido.
(TJ-SP - AI: 20588424620178260000 SP 2058842-46.2017.8.26.0000, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento: 08/06/2017, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/06/2017).
Ocorre que, a divergência de entendimentos e a ausência de normas que regulem e tutelem essas relações, fez surgir outros meios de reprodução humana paralela à inseminação artificial. O alto custo desses procedimentos somado as ausências de custeio pelas operadoras de planos de saúde, a incerteza na tutela judicial, a demora significativa quando feito através do Sistema Único de Saúde – SUS, abriu espaço para a facilidade da reprodução através de mecanismos caseiros.
3. DA NÃO OBRIGATORIEDADE DE CUSTEIO À INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA
A Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS) é o órgão responsável e competente para delimitar o setor de planos de saúde. A agência é vinculada ao Ministério da Saúde, e têm o entendimento de que a Inseminação Artificial não deve ser custeada pelos planos de saúde. Por seguirem as determinações da ANS, as empresas prestadoras do serviço entendem que não há obrigatoriedade no custeio os procedimentos de reprodução humana e, por consequência, fez com que interessados na procriação, buscasse outros métodos mais acessíveis paralelos a RA.
A inseminação artificial caseira deu fácil acesso a reprodução humana por vias paralelas ao que ofertado nas clínicas especializadas. Embora seja um assunto ainda pouco discutido por profissionais da área da medicina, a reprodução humana caseira nas ferramentas digitais e, principalmente, nas redes socias, ganhou espaço considerável nos últimos anos, e pôde unir pessoas que tinham desejos comuns: A reprodução humana caseira. A produção de conteúdo relativa a inseminação artificial caseira em algumas plataformas chegam até ensinar o passo a passo para a realização da inseminação através dessa inusitada técnica. A mídia televisionada também já exibiu relatos acerca da inseminação artificial caseira, Kesia Soier[41] em seu artigo tratou o seguinte:
Pela primeira vez na mídia em julho de 2017 no programa de televisão Fantástico que contou a história de uma moradora de Feira de Santana, Bahia, que conheceu o parceiro amigo através de site de encontro para pessoas que desejam serem pais, e após vários encontros resolveram por método de concepção, a inseminação caseira, na quarta tentativa os futuros pais amigos alcançaram a fecundação com êxito.
Essa modalidade se tornou popular devido ao difícil acesso e o alto custo da inseminação nas clinicas especializadas em reprodução humana. De acordo com Scheffer[42], diretor clínico do Instituto Brasileiro de Reprodução Assistida, seu custo gira em torno de R$ 15 mil reais, um valor elevado para a maioria da população Brasileira que deseja fazer tal tratamento.
Eudes Quintino[43] leciona o seguinte:
Ocorre que, em razão do custo elevado do procedimento médico na reprodução assistida, vem ganhando espaço na mídia o aconselhamento e até mesmo o passo a passo para a realização da inseminação artificial caseira. O procedimento é simples: busca-se um doador de esperma, que não é anônimo e, em alguns casos, cobra determinada importância pela venda do sêmen, faz-se a retirada do material que será coletado num recipiente esterilizado ou até mesmo no preservativo e, em seguida, com o auxílio de uma seringa ou aplicador, faz-se a inseminação na cavidade vaginal da mulher, que deverá estar nos dias do seu período fértil. Na realidade, a intenção é fazer com que o esperma seja introduzido o mais próximo do colo do útero.
É evidente que, assim como Eudes Quintino leciona, a inseminação artificial caseira ocorre de modo muito fácil. Por mais incomum que possa parecer, a inseminação artificial realizada através do método caseiro é realizada da maneira mais simples possível. Consiste apenas na introdução intracorpórea do espermatozoide na cavidade uterina da mulher receptora.
Na inseminação artificial caseira, o ato sexual é totalmente descartado, e o material genético deve ser recolhido e injetado através de meios alternativos à relação sexual. Normalmente, a ejaculação é feita por meio de masturbação e imediatamente introduzida na vagina da mulher inseminada. Usa-se para todo o procedimento, apenas um copo esterilizado (Usados nos exames de urina) e uma seringa vendida em farmácia.
Aline Dini[44] que pôde ter contato com pessoas que são adeptas a prática. Aline relata um trecho disponibilizado por um dos integrantes de um grupo de uma plataforma digital que reúnem pessoas interessadas no método reprodutivo caseiro, que diz o seguinte: “Estamos à procura de alguém que queira realmente fazer uma doação com data marcada. E se não puder comparecer nos avise com antecedência, pois estamos em busca de um sonho que, para nós, é sério.”. Aline Dini[45] ainda expõe em seu artigo que um dos maiores grupos digitais que tratam do assunto possui cerca de 9 mil membros, e foi criado no Estado de São Paulo com o seguinte nome: ‘Inseminação Caseira Gratuita’.
A prática que vem sendo disseminada nos últimos anos é um mecanismo mais fácil, rápido e acessível para a realização do desejo de procriação. Entretanto, esse método possui inúmeros malefícios. Eudes Quintino[46], com muita propriedade leciona o seguinte: ‘‘A situação se torna preocupante na medida em que várias mulheres vêm utilizando a prática da inseminação caseira, fugindo totalmente da área de proteção delimitada pela reprodução assistida [...].’’.
Acontece que o silêncio legislativo, somado com a facilidade na obtenção do resultado fim, preocupa juristas que desde já conseguem prevê infinitas consequências jurídicas que, se inseminação fosse realizada dentro de clínicas ou laboratórios aptos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, talvez, não houvessem tamanho dano ao Direito.
3.1 DOS BANCOS DE SEMÊN X MÉTODO CASEIRO
É possível abrir uma grande discursão acerca do método de procriação caseira em contraposição os métodos de reprodução nas clínicas e laboratório. O principal, e maior deles, é o custo financeiro da inseminação quando realizada nas casas de saúde especializadas. Muito embora a questão financeira tenha sido a maior motivação para a criação de meios alternativos, é importante mencionar que a maior diferença não está constituída na gritante diferença pecuniária de cada um dos procedimentos, mas sim, na ausência de um documento formal que regulam essas relações de reprodução caseira. Mezzabora[47] acerca da ausência de um contrato formal entre as partes, e pela existente lacuna legislativa, leciona:
Nota-se que cabe aos contraentes estabelecer tais particularidades, e, no caso de uma situação ser levada à apreciação do Poder Judiciário, cabe ao próprio magistrado, utilizando-se de seu notável conhecimento jurídico, princípios e valores, decidir o caso concreto.
No artigo 4º da Resolução de nº 2168/2017 do Conselho Federal de Medicina, determina que a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido será obrigatório em todos os casos de reprodução humana. A Resolução também delibera que nesse documento deverá constar dados de natureza ética, biológica e jurídica. Assim, subentende que essa declaração serve como documento subsidiário para solucionar possíveis complicações decorrente dessa relação, uma vez que há omissão legislativa. Ocorre que, nos métodos caseiros não há essa obrigatoriedade. E como já dito, a ausência de um documento formal que ordene essa relação permite um espaço para grandes discussões e muitos contratempos.
Kesia Soier[48] ensina: ‘‘Todas as técnicas utilizadas para procedimento de reprodução humana são fiscalizadas pelo Conselho Federal de Medicina, no intuito de resguardar a dignidade da pessoa humana, e os preceitos éticos dos profissionais da saúde.’’ Entretanto, o malefício que surge no método clandestino, ou seja, no modo caseiro, é que não há o que se falar em garantia de preceitos mínimos, uma vez que, o Conselho Federal de Medicina não terá autonomia na fiscalização dessa prática.
Outra situação que surge nesse modo de reprodução é a transmissão de doenças sexuais. Eliane Barros[49] leciona que é dever das clínicas especializadas realizar exames que atestem a qualidade do material genético que será usado, ensinando o que se segue:
Incumbe-lhe, ainda, realizar exames no material biológico humano que será transferido aos usuários para certificar-se de que citado material não é transmissor de doenças; manter um registro permanente das provas diagnósticas a que foram submetidos; manter um registro dos dados clínicos de caráter geral, das características fenotipicas e guardaruma amostra do material celular dos doadores.
O Conselho Federal de Medicina estabelece, no artigo 3º, que um dos requisitos mínimos precedentes à doação é o registro de exames laboratoriais dos pacientes que realização a RA, a fim de evitar a proliferação de doenças. O que não é pauta de discussão nos métodos caseiros.
Ocorre ainda, que o fomento da reprodução assistida, no método caseiro, pela mídia e plataformas digitais, ocasionou uma grande vulgarização nos meios de procriação. A busca pelo doador e pelo receptor, em grande maioria é feita via internet. Devido a isso, o doador, que nas clínicas são obrigatoriamente anônimos, nesse caso não terá o anonimato, o que também poderá tornar um grande embaraço as partes envolvidas. O mestre Eudes[50] foi muito feliz na sua colocação dizendo:
O doador, que na Resolução do Conselho Federal de Medicina, obrigatoriamente é anônimo, no procedimento caseiro é conhecido e a mulher interessada mantém com ele contato direto, firmando acordo com relação à prática da inseminação, assim como para celebrar um pacto de isenção de qualquer responsabilidade futura com relação ao filho, que não surtirá o efeito jurídico desejado, pois, a qualquer tempo, poderá ser intentada ação de investigação de paternidade em desfavor do doador, que não terá condições de provar, por total ausência probatória, que o filho nasceu de uma inseminação artificial caseira.
Ainda, é oportuno frisar que a atual legislação não proíbe a prática da inseminação caseira. A lei 9.434/97 no art. 9, que trata acerca dos transplantes de órgão, permite a doação de órgãos, tecidos ou partes do corpo que não impeça o bom funcionamento dos demais órgãos e sua total integridade. Portanto, subentende-se que a doação desse material genético, não implicaria em uma disposição ilícita. Todavia os possíveis riscos dessa prática vão além de problemas jurídicos, esses questionamentos e incertezas advindas do emprego dessa técnica de reprodução assistida são inúmeros e, de diversas ordens, desde a médica, a psicológica e também jurídica.
4.2 DAS CONSEQUÊNCIAS NO MUNDO JURÍDICO FACE À INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL CASEIRA
As consequências jurídicas que decorrem do método clandestino de reprodução humana são inúmeras. Diversos doutrinadores exploram as grandes possibilidades jurídicas surgidas dessa relação e leciona que é fundamental a estipulação normativa aos sujeitos praticantes da RA. Gabriela Rick[51] sucinta alguns conflitos e desafios que podem surgir no ramo da ciência jurídica nas relações advindas da reprodução assistida dizendo: ‘‘Há uma série de efeitos jurídicos envolvendo o tema, desde a decisão do casal, o nascimento, questões envolvendo a identidade, a sucessão além de pontos no plano social e econômico’’. Em concordância, a doutrina de Maria Helena Diniz[52]:
É um grande desafio para o direito e para ciência jurídica pelos graves problemas éticos-jurídicos que gera, trazendo em seu bojo a coisificação do ser humano, sendo imprescindível não só impor limitações legais às clínicas médicas que se ocupam da reprodução humana assistida, mas também estabelecer normas sobre responsabilidade civil por dano moral e/ou patrimonial que venha causar.
Importaria mencionar que estabelecer responsabilidade civil por um possível dano, nas práticas de reprodução clandestinas, poderia salvaguardar as partes de grandes problemas jurídicos. Tais como: (a) Se o casal, em comum acordo, utiliza material genético de terceiros (Modalidade heteróloga) e, posterior a reprodução caseira, haja, por parte do esposo/companheiro, arrependimento, como evidenciar que a fecundação se deu através de inseminação caseira, e em consentimento do cônjuge?[53]; (b) Nesta situação, como eximir o doador de boa-fé da responsabilidade civil com o menor?; (c) Dever-se-ia presumir a paternidade do consorte?[54].
Maria Helena Diniz[55], fazendo menção ao artigo 1.597, V, do Código Civil, ensina que a presunção de paternidade tem a finalidade de impedir o marido de desconhecer a paternidade, e que está fundamentadamente na moral. Ainda, Maria Helena Diniz narra que nada obsta da possibilidade do marido de alegar que o filho não é seu, provando-o através do seu próprio DNA. O companheiro que autoriza a inseminação por vias clandestinas, deveria, para efeitos legais, ter total responsabilidade com a criança.
Outras questões que podem ser desencadeadas pelo método de inseminação caseira seria: No sucesso da inseminação caseira em casais homossexuais mulheres, o registro civil poderia ser de dupla genitora?[56]; Poderia o homem casado, sem o consentimento de sua esposa, dispor livremente de material genético?[57]; Poderia requerer judicialmente sua paternidade?[58]; Se na doação caseira, o doador tiver parentesco proximo, caracteriza-se incesto?[59]; A criança gerada através da reprodução humana, terá direitos sucessórios?[60]. É possível, ainda, facilmente observar outras situações não vista por Diniz, tais quais: Como impedir o comercio do material genético nas reproduções clandestinas? e; Poderia a mulher inseminada artificialmente requerer alimentos gravídicos em face do doador?.
A ciência jurídica ainda não possui respostas para esses questionamentos. Não deveria, frente a essas possibilidades, o legislador torna-se inerte. Eliane Barros[61] apresenta que o superior interesse do filho dever-se-ia ser diretriz decisória dos conflitos da filiação biológica e não biológica. Todavia, a chave para a resolução dos conflitos existentes está na necessidade de formalização de normas rígidas.
A doutrina de Mezzaroba[62] finaliza sua obra sugestionando que o Estado deve eleger uma regulamentação jurídica aberta, traçando valores e princípios contidos em cláusulas gerais. Paradoxalmente, este seria o meio legislativo mais adequado para limitar e promover a liberdade dos sujeitos dentro da relação de reprodução, e assim, em consequência, somente tutelaria essas relações. Além de, também, poder incluir o total acesso as ferramentas e meios de procriação.
CONCLUSÃO
Em vista dos argumentos aqui apresentados, somos levados a acreditar que a falta de uma legislação específica acerca da inseminação artificial tem gerado gravíssimos danos no Direito e, também, grandes consequências em outros ramos da ciência. Uma vez que, há uma grande vulnerabilidade jurídica daqueles se utilizam dos meios de reprodução artificial clandestinas, ou caseira.
Nesse contexto, a grande demanda que percorre atualmente no judiciário possui vários vieses e diferentes percepções acerca da reprodução assistida. O entendimento não solidificado abriu parâmetro para julgamentos que não consideram e não observaram as grandes consequências da inseminação artificial. Ao invés, fez com que a inseminação artificial se torna-se inacessível. Com o alto custo da reprodução e com a não obrigatoriedade ser custeada pelos planos de saúde, verificou-se uma abertura a um mecanismo clandestino e caseiro.
Além disso, é possível observar que a legislação de apoio, hoje vigente, é escassa, e apenas faz referência ao procedimento de reprodução em seu sentido material, isto é, instruções que se dá em relação ao passo a passo da inseminação, não mencionando as possíveis situações que possam vir a existir através do sucesso da inseminação artificial. Isto posto, há uma grande necessidade de tutela jurisdicional atrelado a ideia de que a reprodução humana dever-se-ia ter um fácil acesso. Assim, vislumbra-se que a inseminação artificial caseira é uma consequência dos odiosos julgados e entendimentos do Judiciário. Ressaltando-se que, a necessidade não é unicamente de regulamentação pura, mas, de uma regulamentação que facilite o acesso da inseminação artificial, bem como, salvaguarde as pretensões e desejos das partes e, em principal, o maior interesse do menor.
Conclui-se, portanto, que a inseminação artificial caseira ao passo que facilitou a reprodução humana, permitiu inúmeras consequências em vários ramos do Direito. Em razão disso, urge a tutela jurisdicional, uma vez que, a lacuna legislativa nos casos da inseminação caseira pode vir causar danos irreparáveis, maiores que nos casos de inseminação realizadas em clínicas próprias. Assim, a busca incansável é pelo amparo à vida, integridade e demais direitos que possam surgir na relação advinda da inseminação artificial caseira.