O impeachment no Brasil: uma sentença redigida por políticos

17/10/2019 às 14:48
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O presente estudo visa analisar o instituto do impeachment como configurado no ordenamento jurídico brasileiro, em meio a suas faces jurídicas e políticas que englobam o procedimento.

1 Introdução

O presente trabalho tem como marco principal levantar a discussão por uma análise crítica sobre a natureza do impeachment, permeando as diversas faces do instituto através do viés político e jurídico. Portanto, a finalidade é abordar o procedimento sob a ótica da sua natureza política, a fim de compreender o exercício de jurisdição excepcional do Senado Federal no que tange ao julgamento do processo de impeachment, e também a eventual interferência do poder judiciário neste cenário.

Assim sendo, serão analisados quais são os motivos motores para a eventual instauração do processo de impeachment em face de um agente público, bem como os ritos e os achaques que viabilizam a abertura do mesmo. Ademais, após a instauração, o processamento e o julgamento pelo Senado Federal, contata-se que a máxima punição ao acusado não ultrapassa da esfera política do indivíduo, fato que nos possibilita a questionar a natureza jurídica criminal do processo de impeachment, passando este então a desempenhar uma função política no ordenamento jurídico brasileiro.

Em suma, o trabalho buscou realizar uma análise política em face de um instituto. Para tanto, municiado dos métodos hipotético/dedutivo, pesquisas bibliográficas e estudos jurisprudenciais dos recentes casos que nortearam a sociedade brasileira, fora possível elencar o quanto os critérios políticos nas hipóteses determinantes do processo de impeachment podem se sobrepor aos jurídicos.

Assim sendo, devem-se apontar os fatores que o impeachment poderá sofrer e ser configurado por aspectos de natureza política, analisando sua controversa natureza jurídica, isto é, admitindo-se a possibilidade da destituição do Presidente da República do exercício da sua função, por julgadores que compõe o cenário político brasileiro – Senadores Federais-, os quais formarão sua opinio delict sobre o caso através de outros fatores (pressão social, alianças partidárias, emendas parlamentares, relacionamento pessoal com o acusado), não necessariamente utilizando de fundamentos técnico-jurídicos para decidir sobre o mérito objeto da denúncia que deu origem ao processo de impeachment.

 Neste cômoro, o primeiro capítulo, serão analisadas correntes que ensejam a controvérsia da natureza do procedimento do impeachment, sendo elas: a natureza jurídica - criminal e a natureza política. Nesse toar, o objeto de estudo afasta-se da superficial aplicação da norma para então expor o fato em sua realidade jurídica, alcançando fatores que nos viabilizam a fomentar tais discussões acerca da real natureza do intuito, tais como: as sanções aplicadas aos agentes, o poder legislativo enquanto corte jurídica, a intervenção do poder judiciário na decisão e proferida pelo Senado e sua eventual revisão.

Não obstante, frisa-se que o presente trabalho não tem o objetivo de propor discussões políticas acerca do tema, nem fazer qualquer menção ideológica ou partidária sobre os procedimentos de Impeachment já consumados no Brasil. Assim, destaca-se que o cerne deste estudo é a estritamente a análise crítica da técnica do procedimento, não adentrando no mérito da destituição do cargo de Presidente da República de: Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff.

Por tais motivos, atesta-se o quão palpitante e intrigante se mostra o estudo acerca das correntes controversas que sustentam a natureza jurídica ou política do processo de impeachment.

2 Desenvolvimento
2.1 O impeachment como configurado no ordenamento jurídico brasileiro: entre seus aspectos jurídicos e políticos

Ab initio, destaca-se que neste capítulo serão abordados temas que ensejem as principais discussões acerca do processo de impeachment no cenário da República Federativa do Brasil. Assim sendo, será desenvolvida uma análise acerca da natureza jurídica do impeachment, abordado as duas correntes doutrinárias majoritárias: do impeachment que pende para a natureza política, e a tese que defende o instituto como matéria de natureza penal no ramo da esfera jurídica.

 A posteriori, buscou-se, por meio de uma análise crítica, indagar de que forma o Congresso Nacional, qual seja o Senado Federal, poder responsável para elaborar as leis vigente do país, seria um tribunal parcial e legítimo/apto para julgar um crime de responsabilidade cometido pelo maior cargo de chefia no país, o Presidente da República.

Ainda, salientam-se quais são as reais possibilidades que poderá haver a intervenção do poder judiciário no procedimento de impeachment, sua necessidade de fiscalizar o estrito cumprimento da lei e suas limitações de interferências.  Por último, procura-se materializar o procedimento analisando os casos já julgados de impeachment na realidade no país, destacando o caso Collor que inaugurou a instauração do processo de impeachment em face de um Presidente da República.

2.2 A controversa sobre a natureza jurídica do impeachment

Em primeira análise, frisa-se que o instituto do Impeachment esteve presente na história brasileira consubstanciado de muitas formas, mas apenas no ano de 1950 com o advento da legislação especial Lei nº 1.079/50 que regulamenta o processo em estudo, é que tal figura tomou corpo e forma, sendo materializada na esfera legislativa do Brasil, tornando um instrumento de regulamentador dentro do ordenamento jurídico que conduz nosso país.

É importantíssimo mencionar que o processo de impeachment deve ser visto pela sociedade como algo extraordinário e de Carter excepcional, de forma que não torne algo corriqueiro e habitual, vez que a democracia e o respeito a decisão da maioria dentro do nosso sistema eleitoral deve ser respeito e tratado como regra geral de um Estado democrático de direito.

Neste ponto, essa forma de controle jurídico-social serve como uma válvula de escapa e um incentivo ao exercício da moralidade pública dentro de um governo, haja vista que, caso o agente político viole alguns de seus deveres e obrigações como governantes, deverá sofrer penalidades que resultem como consequência a aquele ato que não deveria ser praticado no âmbito da administração pública.

Todavia, para ser julgado na forma e nos ditames da Lei do impeachment, o crime cometido pela autoridade pública deverá nitidamente afrontar a Constituição da República Federativa do Brasil, ou seja, um crime político. Assim, este instituto resguarda para si, a legitimidade de condenar e afastar a autoridade que pratique atos ou se omita a praticá-los, no cerne dos interesses do Estado, do governo ou de seu sistema político como um todo, ou seja, que ameaça à ordem institucional vigente.

Nomeados de crimes de responsabilidade, o cometimento destes inaugura o processo de impeachment em face da autoridade pública que fora o infrator e realizou a tipificação legal, dentro dos limites do conceito tripartite de crime. Contudo, tal procedimento essencialmente jurídico, por regulamento em Lei vigente no país, se mostra muitas vezes influenciado e impregnado de caráter político, por ter como julgadores políticos.

Ainda, a natureza jurídica do referido instituto, começa a ser questionada em razão de interferências políticas de suma importância para a efetivação do mesmo.

Neste diapasão, Riccitelli sustenta que, cabe tal argumentação acerca da natureza do procedimento, uma vez que o processo segue desta forma:

A câmara dos deputados aprecia, politicamente, a procedência da acusação e o Senado julga o processo de impeachment. Tal interpretação é discutível, pois há larga margem para apreciação de caráter político, ao se encarar o que seja uma conduta contrária a Constituição. Todavia, se a essa conduta vem definido em lei como configurando crime de responsabilidade, é difícil compreender de que maneira pode a Câmara, sem violar a lei, deixar de reconhecer como tal uma figura na lei descrita. (RICCITELLI, 2006, p.19)

Outrossim, emergem correntes doutrinárias que encontramos posicionamentos os quais defendem a natureza jurídica do processo de impeachment, e outros que sustentam a natureza política do mesmo, sendo necessário uma análise mais aprofundada sobre os fundamentos de tais correntes.

Para alguns autores, que sustentam o processo do impeachment com uma visão politizada, as argumentações não se dão nem quanto ao processo propriamente dito, mas sim, dos crimes que a ele ateiam. Neste sentido e dentro dessa linha de raciocino, argumenta José Frederico Marques:

Não nos parece que o crime de responsabilidade de que promana o impeachment possa ser conceituado como ilícito penal. Se a sanção que se contém na regra secundária pertence ao crime de responsabilidade não tem natureza penal, mas tão-somente o caráter de sanctio júris política, tal crime se apresenta como ilícito político e nada mais. (MARQUES, 2000, p. 445).

Ademais, por não se tratar de sanções nitidamente de caráter penal - restritivas de liberdade, restritivas de direitos ou de multa – aos sujeitos que cometeram o ilícito, emerge outra crítica ao constituinte quanto ao órgão julgador do impeachment. Logo, ao delegar a competência de julgamento do impeachment ao Senado Federal, se fez por afastar o crime da esfera jurídica, surgindo premissas no sentido:

O Senado é um tribunal político e não um tribunal de justiça criminal. A sua missão não é conhecer dos crimes de responsabilidade do Presidente da República para puni-lo criminalmente, mas para decretar uma medida de governo, a qual é a destituição do presidente delinquente. (BROSSARD, 1992, p. 78).

Desta feita, o Senado Federal como órgão competente para julgar e processar o processo de impeachment, não possui um viés jurídico – penal nas suas decisões acerca do tema, devido a sua composição ser estritamente formada por políticos, de cargo eletivo e, que por muitas vezes, desconhecem os aspectos formas e materiais do Direito.

2.3 O impeachment no Brasil e a natureza política

O jurista, Paulo Brossard, nos esclarece com tamanha propriedade, sobre as fortes interferências políticas no processo de impeachment, demonstrando exímia condução do tema já no delineamento preliminar da definição:

A definição do impeachment vem dando margem a divergências de monta:foi tido como instituição penal, encarado como medida política, indicado como providência administrativa, apontado como ato disciplinar, concebido como processo misto, quando não heteróclito, e é claro, como instituição suigeneris. As divergências resultam, talvez, da defectiva terminologia do Direito Constitucional, mas existem. (BROSSARD,1992, p.76)

O autor supramencionado utiliza como base para a defesa de seu posicionamento acerca da natureza do processo de impeachment, através do direito comparado, confrontando o instituto brasileiro com o norte-americano e argentino, onde a natureza é essencialmente política, pois "não se origina senão de causas políticas, objetiva resultados políticos, é instaurado sob condições de ordem política e julgado segundo critérios de ordem política" (BROSSARD, 1992, p.76).

Ou seja, o julgamento questionado por Brossard não afasta a utilização de critérios jurídicos, uma vez que "isso ocorre mesmo quando o fato que o motive possua caráter penal e possa sujeitar a autoridade por ele responsável a sanções criminais, aplicáveis exclusivamente pelo Poder Judiciário" (RICCITELLI, 2006, p.20).

 Tal acepção política defendida por Paulo Brossard baseia-se fundamentalmente no modelo americano e argentino, que remove qualquer conotação criminal neste tipo de processo. Nesta linha, acentua que o processo de impeachment é puramente político e não assume identidades de natureza penal ou de procedimento jurídico criminal.

 No mesmo sentindo, Riccitelli nos ensina:

O então ministro justifica ainda a dificuldade de fixação da natureza do impeachment na apuração de responsabilidade do Presidente da República, apresentando vários motivos entre eles: a deficiência terminológica do Direito Constitucional; o emprego de vocábulos iguais para designar realidades diversas; [...] as reminiscências do instrumento que foi criminal e que persistem em alguns pontos, apesar da mudança substancial nele operada; pela manutenção das formas e exterioridades do processo judicial; pela presença de fatos que apresentam simultaneamente traços políticos e criminais. (RICCITELLI, 2006, p.20)

Nesta esteira, Themistocles Brandão Cavalcanti (1948) em sua obra "A Constituição Federal Comentada", assevera que ainda que existam tantas discrepâncias, o instituto do impeachment é um processo claramente político que possuí como consequência máxima a extinção da capacidade para o exercício de função política, durante certo lapso temporal, não se comunicando em momento algum com as penas criminais dispostas no Código Penal Brasileiro.

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 A fim de corroborar com a corrente que sustenta a natureza política do instituto do impeachment, Temístocles contribui com o tema esclarecendo o conceito de crime político e a distinção do crime penal, vejamos:

  1. São delitos políticos os dirigidos contra a organização e o funcionamento do Estado e os direitos dos cidadãos; 2) são políticos também os delitos comuns que constituem a execução de direitos políticos e os atos destinados a favorecer a sua execução; 3) não podem ser considerados políticos aqueles determinados por motivos vis e egoístas; 4) não se consideram políticos os atos de terrorismo. (CAVALCANTI, 1948, p. 338)

Para tanto, ao se manifestar acerca da natureza jurídica do processo de impeachment, José Cretella Júnior, assim se expressa:

tem o impeachment, atualmente, características predominantemente políticas, pois objetiva resultados políticos, é instaurado sob considerações de ordem política e é também, julgado segundo critérios políticos, embora adstrito a procedimento jurídico, no qual o acusado tem a mais ampla defesa, com base no contraditório. (CRETELLA JR, 1992, p.106)

Portanto, a luz dos ensinamentos supracitados, percebe-se uma forte tendência política na condução de um processo de impeachment, pois os sujeitos, julgados e julgadores, são políticos, assim como o efeito da condenação, que, apesar de ser jurídico, também produz uma gravíssima consequência política e administrativa, a destituição do cargo, conforme art. 78 da Lei 1.079/1950.

2.4 O impechment no Brasil e a natureza jurídica criminal

           

Doutra montra, controverso ao que é defendido pelos doutrinadores citados no tópico acima, o autor Pontes de Miranda sustenta a natureza do instituto de impeachment como jurídica criminal. Para tanto, compete esclarecer que o autor defende a tese criminal em sua obra escrita para comentar a Constituição de 1967, ou seja, não se trata da natureza jurídica do instituto a luz da Constituição Federal vigente no Brasil, contudo, a fim de nos dar uma visão comparativa e diversa das posições acima elencadas, é se uma importância compreender a posição de Pontes Miranda.

Segundo o autor, o principal objetivo do processo de impeachment é remover a pessoa pública do exercício de suas funções e, consequência disso, sua natureza não se configura como política. Assim, sustenta o autor que caso o Presidente da república se renuncie do cargo o qual está em pleno exercício, há perda do objeto do processo de impeachment, não sendo possível o seu prosseguimento. Assim, não cabe instaurar processo político, nem prosseguir no existente, caso o acusado tenha deixado definitivamente as funções que exercia, por que gozava de foro especial. (MIRANDA, 1967, p. 347)

Em sua elucidação, a tese jurídica- criminal se motiva no fato de que a destituição do agente público não se dá de forma unilateral, ou, "não se trata de declaração de vontade unilateral, não-receptícia." (MIRANDA, 1973, p. 356).

Neste sentido, a luz dos argumentos do autor os atos do impeachment no Brasil são atos próprios de processo, como a presença dos princípios constitucionais de ampla defesa e do contraditório.  Ademais, acrescenta-se que a utilização do termo “impeachment” - que significa impedimento ou impugnação- restaria inadequada, sendo os crimes de responsabilidade previstos em lei federal, figuras criminosas penais.

2.5 O impeachment entre seus contornos jurídicos e políticos

Neste toar, há de se estabelecer uma estrita relação entre as normas jurídicas e a política, isso porque, são os próprios políticos que emanam de poderes para a elaboração de leis que surtiram efeitos a sociedade como um todo, através das suas deliberações e decisões parlamentares.

Assim sendo, segundo Eduardo Mendonça argumenta sobre a aproximação entre política e a força normativa da Constituição em seu artigo “Impeachment: o Direito Constitucional fora dos tribunais“, senão vejamos abaixo:

Em termos simples, deixando de lado discussões filosóficas quanto a conteúdos mínimos extraíveis da ideia de Justiça, uma lei nada mais é do que uma decisão política que transforma determinadas opções em comandos obrigatórios. Tanto assim que o legislador conserva a faculdade de mudar de ideia, revogar a legislação e, assim, trocar as opções vigentes. Enquanto isso não ocorrer, contudo, a garantia do Estado de Direito exige que as normas sejam respeitadas. Vale dizer: a política molda o Direito e tem o poder de alterá-lo, mas não o de atropelar as suas disposições casuisticamente.

No limite extremo representado pelas cláusulas pétreas, determinadas mudanças são vedadas até mesmo pela via das emendas constitucionais e exige nova manifestação do poder constituinte originário, o que pressupõe níveis elevados de mobilização das forças políticas e/ou sociais. (MENDONÇA, 2015).

               

Nesse sentido, frisa-se que a própria Carta Magna impõe certas restrições a determinadas cláusulas pétreas, o que nem mesmo a vontade política dos legisladores poderá alterá-las, sendo necessária uma nova manifestação do poder constituinte, sendo necessário o enorme apelo social.

Ademais, no que tange a relação entre a o contorno político nas decisões judiciais, é imprescindível que cabe aos juízes e tribunais que chamados a analisar certa questão judicial, deverão decidir com bases no contexto sociocultural que vive, pois, caso não exista um diálogo respeitoso entre suas decisões “com a sociedade, bem como uma distância segura em relação às suas convicções, tende a minar as bases de sustentação de qualquer órgão estatal.” (MENDONÇA, 2015).

2.6 O Senado enquanto corte política

Imperativo se faz mencionar neste trabalho, é que, em caráter extremamente excepcional, no caso do processo de impeachment o Senado Federal afasta-se da sua competência para exercer a tutela jurisdicional. Como assim destaca Cretella, o Senado passa a

Exercer a função material de proferir julgamento, prolatando sentença de força jurisdicional, processando e julgando os réus, o Presidente e o Vice-presidente da República, o Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, sempre que se trate de crime de responsabilidade, não de crime comum. (CRETELLA, 1992, p.2)

Ocorre que, a Constituição Federal sustenta a teoria da Separação dos Poderes de autoria de Montesquieu no célebre “o espírito das leis”, a qual nos traz a idéia de que os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) são harmônicos e independentes entre si, a legislação ao permitir ao Congresso nacional o poder de fiscalizar e julgar o Presidente da República do País, salientando não haver possibilidade de recursos da decisão em qualquer outra instância, tal ato pode vir a se configurar como a hegemonia de um poder sobre outro.

Paulo Brossard nos esclarece que pode sim vir a ocorrer o fato de o Senado Federal julgar o crime de responsabilidade cometido pelo Chefe do Executivo, entendendo que “no exercício de suas atribuições especificas, cada Poder é, de certo modo, soberano, incontestável e, portanto, superior aos demais. Mas somente naquilo que lhe é especifico, exclusivo, peculiar. ” (BROSSARD, 1992, p. 131).

            Importante esclarecer, que o legislador ao conferir o Senado Federal tal poder de exercer a tutela jurisdicional neste caso específico, não fora por mera discricionariedade, pois, mister lembrar que a origem de tal costume provém, no entanto, das práticas consuetudinárias britânicas, raízes surgimento do instituto do impeachment.

 Lado outro, convém ressaltar que pairam críticas sobre a escolha do Senado Federal como órgão competente para julga o processo de impeachment. Nesta linha, João Barbalho Uchoa Cavalcanti, acrescenta até uma eventual invenção de um Tribunal misto para o julgamento do impeachment, compondo neste colegiado  de Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Senado em igual número, “equilibrando-se destarte 60 os elementos componentes dessa comissão político-judiciária.” (CAVALCANTI, 2002, p. 97).

Ao analisar a ideia desenvolvida por João Barbalho, torna-se perceptível que o eventual “tribunal misto” não seria de algo predominantemente fora da lógica, porque, caso o julgamento fosse realizados apenas por Ministros da Suprema Corte, estaríamos sob os olhos de uma incerteza, a exemplo da nomeação de seus Ministros serem feita pelo próprio Presidente da República, bem como os “juízes togados são alheios ao maneio de negócios políticos e governativos”. Noutro norte, persistem as controversas na legislação que torna o julgamento do processo de impeachment competência exclusivas do Senado Federal, posto que, neste órgão, “(pode-se afirmar sem injúria), nem todos são habilitados para juízes.” (CAVALCANTI, 2002, p. 97).

Em igual sentido confirma Giovanni Batista Hugo, argumenta que, em se tratando de julgamento de impeachments, “não basta o conhecimento das leis comuns; é indispensável também o da vida política.” (HUGO, 1949, p. 135).

            O jurista e atual Presidente do Brasil invoca a imprescindibilidade de um viés político do órgão que irá julgar o processo de impeachment, para quem, por conta de oportunidade e conveniência, teria o Senado Federal o poder de apreciar o resultado do julgamento, não obstante ter ocorrido a conduta tipificada. De tal modo,

Não nos parece que, tipificada a hipótese de responsabilização, o Senado haja de, necessariamente, impor penas. Pode ocorrer que o Senado Federal considere mais conveniente a manutenção do Presidente no seu cargo. Para evitar, por exemplo, a deflagração de um conflito civil; para impedir agitação interna. Para impedir desentendimentos internos, o Senado, diante da circunstância, por exemplo, de o Presidente achar-se em final de mandato, pode entender que não deva responsabilizá-lo. Foi para permitir esse juízo de valor que o constituinte conferiu essa missão à Câmara dos Deputados (que autoriza o processo) e ao Senado Federal. Não ao Judiciário, que aplica a norma ao caso concreto, segundo a tipificação legal. (TEMER, 2008, p. 169-170)

  Porém, com a máxima vênia, o presente trabalho se vê no direito de discordar do exposto acima.  Deste modo, atendendo ao parecer da Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, deve atentar que o Senado Federal “não julga ou deixar de julgar segundo a sua vontade ou o seu arbítrio, nem determina o processamento segundo os seus interesses ou as suas conveniências” (1993, p. 156-157), ou ao menos assim deveria o ser.

 Ainda, chega a ser curioso que o posicionamento de o Jurista Michael Temer, é contrário (caso o Senado não realizasse o Impeachment de Dilma Roussef) ao fato que lhe conferiu assumir a presidência do país. Portanto, entendo que, o Senado Federal tem o dever de julgar eventuais casos de impeachment, pois o ato prima de sua competência, e não de mera faculdade. Também, o que se deve notar no prosseguimento do julgamento,

É necessário dizer atentar-se a que o exercício deste dever conferido constitucionalmente ao Senado Federal não passa ao largo das normas jurídicas. Tal desempenho põe-se nos termos da legislação vigente sobre a matéria, a começar pelos princípios processuais constitucionalmente fixados e de que se não pode afastar o órgão julgador, em respeito ao mesmo princípio democrático que obriga a atuação, quando for o caso. (ROCHA, 1993, p. 157).

 Nesta ótica, o julgamento do processo de impeachment deve ser proceder conforme o supracitado, sendo presidido e julgado pelo Senado Federal.

2.7 A intervenção judicial nos procedimentos de impeachment

 Como já discorrido acima, caberá ao poder legislativo – Senado Federal- a tarefa de julgar o processo de impeachment do Presidente da República. Contudo, o que será analisado nesse tópico, é a possibilidade de o Poder Judiciário intervir no instituto objeto deste estudo, uma vez que nesta linha argumentativa, o preceito máximo da Carta Magna de 1988 vigora que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º, XXXV) (BRASIL, 1988).

 Diante da supracitada disposição constitucional, inserida no rol de garantias fundamentais que não podem ser supridas da Carta Magna, é possível concluir que poderá haver a necessidade do poder judiciário intervir no processo de impeachment a fim de que sejam garantidas todas as formalidades legais.

 A fim de corroborar com tal argumento, Carlos Eduardo Thompson Lenz ratifica que “considerando-se o disposto no art. 5º, XXXV, da CF, é impossível excluir-se do exame do Poder Judiciário qualquer lesão a um direito individual, inclusive aquelas que têm origem no processo de impeachment. ” (LENZ, 1993, p. 262).

 Dentro deste contexto fático, urge mencionar o Mandado de Segurança nº 1.959, o qual o Supremo Tribunal Federal que “[...] a discrição legislativa ou administrativa não pode exercitar-se fora dos limites constitucionais ou legais, ultrapassar as raias que condicionam o exercício legítimo do poder. Ultrapassados estes limites, começa a esfera jurisdicional.” Nesta senda, conforme já mencionado anteriormente, ao ponto em que o processo de impeachment ocorra dentro dos limites de legalidade formal e material, afasta-se a responsabilidade de haver uma intervenção por parte do Judiciário.

 Todavia, caso rompa-se com a legalidade do procedimento, far-se-á a necessidade da atuação do poder judiciário, a gim de garantir o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, tendo como objetivo resguardar eventuais direitos subjetivos postos em xeque por parte dos membros do Poder Legislativo quando da condução dos procedimentos. Senão vejamos o que afirma Tolomei:

Apontados como casos excepcionalíssimos nos quais a intervenção judicial seria possível, Paulo Brossard (1992, p. 185 e 186) registra as situações de o Congresso Nacional, ao conduzir o processo, violar expressas disposições constitucionais, tal como a Câmara realizar o julgamento do impeachment no lugar do Senado Federal. (TOLOMEI, 2010, p.131).

                                            

Também, em igual sentido, igual sentido, conclui Carlos Eduardo Thompson Lenz:

Em conclusão, o Poder Judiciário, em se tratando de impeachment, poderá, quando provocado, apreciar qualquer lesão a direito individual (art. 5º, XXXV), com fundamento na inobservância do texto constitucional, ou de violação de procedimento estabelecido na lei especial que disciplina o processo por crimes de responsabilidade, sem, contudo, deliberar sobre a ponderação dos fatos, a valoração das provas, ou seja, sobre o mérito do processo de impeachment, que são questões interna corporis do Poder Legislativo. (LENZ, 1993, p. 264).

            Porquanto, não seja necessária e permitida a intervenção direta do Poder Judiciário no procedimento de impeachment que ocorra dentro dos limites de legalidade, insta salutar, que o poder judiciário se vê representado pelo Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, a quem fica incumbido à tarefa de presidir a sessão de julgamento no Senado Federal, a fim de que sejam orientadas as conduções dos trabalhos, sendo garantida a serenidade, o contraditório e ampla defesa as sessões que julgaram o processo em tela.

2.8 A possibilidade da revisão judicial no procedimento de impeachment

            No que diz respeito à intervenção judicial no procedimento de julgamento do impeachment, importante questionar se é possível sujeitar à revisão judicial aquela decisão prolatada pelos senadores, que resultaram na condenação do agente por crime de responsabilidade.

Sobre o tema, Brossard reflete sobre a eventual legitimidade do poder judiciário para reapreciar a matéria que fora julgada pelo Senado Federal, no sentido de anular, modificar ou até mesmo constituir direito objetivo inobservado durante o procedimento de condenação do impeachment. Segundo o autor,

O Supremo Tribunal Federal, repetidamente, se negou a intervir em processos de responsabilidade. Mais tarde admitiu fazê-lo e, efetivamente, interferiu em alguns casos. Sempre se recusou, porém, a revisar decisões congressuais.” (BROSSARD, 1992, p. 155).

 Neste contexto fático, imperativo se faz mencionar o debate jurisprudencial enredado entre dois Ex-ministros do Pretório Excelso, relativamente à possibilidade de existir revisão judicial das decisões senatoriais de impeachment.

 Se por um lado, o egrégio Ex-ministro Carlos Velloso, sustenta a possibilidade de ao menos em tese, o Poder Judiciário revisar as decisões de impeachment, o Ex-ministro Paulo Brossard, por sua vez, apresenta contra-argumentos a esta tese, nos trazendo a tona que tal argumento se encontra distante da realidade do país, sendo apenas possível ao Poder Judiciário “revisar alguma decisão emanada da Corte Política excepcional caso tal julgamento tenha sido realizado sem a observância de aspectos formais” (TOLOMEI, 2010, p. 135).

3 Considerações finais

            Diante do explanado acima e após o desenvolvimento do estudo in caso, foi possível chegar a certas conclusões acerca do instituto do impeachment, seu processamento, julgamento e principalmente, o viés político que o permeia desde a sua admissibilidade até a eventual sentença condenatória proferida pelo poder legislativo, através dos Senadores Federais.

Preliminarmente, salienta-se que o procedimento de impeachment tem como finalidade conservar a probidade de um agente público no exercício de suas funções, a fim de limitar sua autoridade máxima. Neste ínterim, o instituto em tela visa reforçar o princípio de que todo governante deverá ser responsável e responsabilizável pelos seus atos, não sendo senhor do poder que exerce, mas apenas um representante do povo que o elegeu mediante a maioria dos votos, tendo o dever de representá-los de forma correta, leal e com o estrito respeito aos ditames da Constituição da República Federal do Brasil e todas as leis que vigoram no ordenamento jurídico deste país.

Neste sentido, o Brasil sob influência da Constituição norte – americana e no com reflexos oriundos da Inglaterra – país que inaugurou o processo de responsabilização dos agentes públicos -, por meio da Constituição da Primeira República, incorporou em nosso ordenamento jurídico o instituto do impeachment como forma de zelar pela postura proba do Presidente da República limitada aos ditames legais. Ademais, as constituições republicanas a posteriori, mantiveram o procedimento do impeachment, sem exceção, ressaltando a necessidade de atribuir aos agentes públicos penalidades e sanções a eventuais atos praticados em desconformidade com os dispositivos da nossa Carta mãe.

Assim, ao longo da história do país o procedimento do Impeachment conquistou mais espaço e visibilidade jurídica, chegando até a figura que é hoje. Isso porque, em menos de 20 anos dois Presidentes da República, eleitos por maioria dos votos popular, foram destituídos do seu cargo, pela excepcional ação jurisdicional do poder legislativo, por meio de sentença condenatória exarada pelos Senadores Federais que concluíram que os mesmos foram responsáveis pelo cometimento do crime de responsabilidade.

Neste toar, merece destaque a observação sobre os crimes de responsabilidade e sua natureza intrinsecamente política, que urge no procedimento como princípio norteador da conduta que será ou não, julgada pelo rito do impeachment. Tal premissa é retirada do fato de a punição não ultrapassar a esfera política dos direitos do indivíduo condenado, que será afastado do cargo público por ordem do processo de impeachment.

Logo, o procedimento de impeachment, pende para o viés político de sua natureza, pois, originando-se de causas políticas, visa atingir resultados políticos, bem como é instaurado e julgado por políticos. Portanto, é notório que os critérios utilizados para a análise da peça acusatória em face do agente público, desvinculam da esfera jurídica e permeiam as negociações políticas, fatores externos e pressões que emergem da sociedade, os quais claramente interferem na convicção dos julgadores, que são eleitos por essa massa social que se manifesta nas ruas, nos meios de mídias, nas redes sociais, ou em qualquer ambiente seja público ou privado.

Assim, é possível perceber em um viés crítico que, o impeachment é um processo claramente político que importa em redução da capacidade para o exercício de função política, não se comunicando com a pena criminal.

 Neste ínterim, o processo de impeachment objetiva resultados políticos, pois é instaurado sob considerações de ordem política e é também, julgado segundo critérios políticos, embora adstrito a procedimento jurídico, no qual o acusado tem a mais ampla defesa, com base no contraditório.

Em outras palavras, o conteúdo do processo é todo jurídico, mas os sujeitos, julgados e julgadores, são políticos, assim como o efeito da condenação, que, apesar de ser jurídico, também produz uma gravíssima consequência política e administrativa, a destituição do cargo, conforme art. 78 da Lei 1.079/1950.

Portanto, por se tratar de julgadores que não estão investidos aos princípios da equidade e imparcialidade, conforme se procede com magistrados, ficamos diante de uma fragilidade constante, em razão de interesses políticos próprios, em que muitas vezes, a técnica jurídica, ou seja, a tipificação do crime de responsabilidade é afastada em detrimento de colisões e interesses políticos/partidários. Dessa forma, é muito possível que um julgamento realizado pelo Senado Federal, seja mais influenciado pelo ambiente político do país, não considerando questões legais com a mesma rigidez que o Poder Judiciário deve sempre observar.

Neste sentido, o legislador ao estabelecer as formalidades e os trâmites legais os quais o processo de impeachment deva se submeter, não dirimiu as discordâncias sobre a natureza deste instituto que se faz político desde sua tipificação criminal até a sanção aplicada.  Com isso, a luz do que fora explanado ao longo deste trabalho, a natureza política do instituto o acompanha desde seus precedentes históricos, sendo inerente ao procedimento.

Desta feita, o impeachment como configurado no ordenamento jurídico brasileiro se apresenta como procedimento de natureza incontestavelmente política, onde a sentença condenatória é redigida por senadores que receberam a competência de julgar os crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente da República. No entanto, frisa-se que caso a acusação feita ao agente público, fosse analisada sob uma ótica de um magistrado, os critérios para a formação de sua convicção estariam presos a exclusiva legalidade, sem recorrer a critérios metajurídicos e extrajudiciais, o que tornaria a fundamentação da sentença condenatória mais imparcial e estritamente legal.

Noutro norte, muito embora seja nítida a natureza política do instituto analisado, o mesmo é revestido de uma solenidade tão específica que muito se aproveita do caráter do processo judicial. Ademais, elementos inerentes ao processo, tais como: o princípio do contraditório e da ampla defesa se faz presentes também ao longo processo de impeachment, ressaltando o julgamento como ainda mais maleável e com maior gama de possibilidades no tocante à defesa do agente acusado, a observância do princípio confere ao processo jurídico, a legalidade do procedimento.

Por fim, conclui-se que a decisão sobre o impeachment em caso de crime de responsabilidade é de competência do Congresso Nacional e, especificamente, o julgamento é do Senado Federal. Deste modo, o referido processo é essencialmente político, não somente porque é julgado pelo Congresso, mas porque, em eventual decisão dos deputados e dos senadores, os aspectos políticos prevalecerão sobre os jurídicos, onde decidirão os parlamentares conforme suas conveniências políticas e partidárias.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei n. 1.079, de 10 de abril de 1950. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 abr. 1950. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L1079.htm>. Acesso em: 03 oct. 2019.

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RICCITELLI, Antonio. Impeachment à Brasileira: Instrumento de Controle Parlamentar. Barueri: Minha editora, 2006.

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Processo de responsabilidade do Presidente da República. Renúncia do presidente após o recebimento da denúncia pelo Senado Federal. Ininterruptabilidade do processo. Eficácia da decisão condenatória do presidente renunciante. In: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. A OAB e o impeachment. Brasília: OAB, 1993.

TEMER, Michel. Elementos de Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

TOLOMEI, Fernando Soares. Do Julgamento Do Presidente Da República Por Crimes De Responsabilidade. Presidente Prudente: Faculdade de Direito de Presidente Prudente, 2010.

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Sobre o autor
Filipe Luiz Mendanha Silva

MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA pela Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul (2021-2022), PÓS-GRADUAÇÃO em DIREITO PÚBLICO pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Praça da Liberdade (2018-2019), ESPECIALISTA em ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, PLANEJAMENTO E GESTÃO GOVERNAMENTAL pela Fundação João Pinheiro (2018-2020), PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ELEITORAL pela Faculdade Pólis Civitas (2020-2021), MBA em INFRAESTRUTURA, CONCESSÕES E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Praça da Liberdade (2019-2021), GRADUAÇÃO em DIREITO pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Orientador︎

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