A organização do Judiciário durante o Império

20/10/2019 às 10:08

Resumo:


  • O Poder Judiciário no Império do Brasil era um dos quatro poderes do Estado, ao lado do Executivo, Legislativo e Moderador, sendo este último exercido pelo Imperador.

  • A independência do Judiciário era relativa, com juízes de direito "perpétuos" sujeitos à remoção e suspensão pelo Imperador, além da existência de juízes de paz eleitos e a criação do Supremo Tribunal de Justiça em 1828.

  • O Supremo Tribunal de Justiça, que depois da Proclamação da República se tornou o Supremo Tribunal Federal, não era um tribunal constitucional, pois não revisava a constitucionalidade dos atos legislativos, função essa exercida pelo Poder Moderador e pelo Conselho de Estado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Poder Judiciário no Império era independente, mas subordinado ao Poder Moderador e ao Ministério da Justiça. O Supremo Tribunal de Justiça foi criado em 1828.

Durante o Império, o Poder Judiciário era um dos quatro Poderes do Estado, delegado, como os demais, pela Nação (C.M, artigos 10 e 12). Juntava-se o Poder Judiciário aos poderes Executivo, Legislativo e Moderador, que era exercido pelo Imperador, no modelo da Constituição outorgada no Império.

Era o Poder Judiciário independente, mas de uma independência relativa. Embora os juízes de direito fossem "perpétuos" (artigo 153), podiam ser removidos e suspensos pelo Imperador (artigo 154). Ao lado desses juízes de direito funcionavam os "juízes de paz", eleitos junto com os vereadores municipais (artigo 162). Atribuía-se-lhes a função "reconciliadora das partes, condição primeira para o ingresso no juízo contencioso" (artigo 161). Um Supremo Tribunal de Justiça, com sede na Corte e Tribunais de Relação nas capitais das Províncias, com juízes de Comarca e de Municípios assessorados pelos júris, e, ainda, os juízes de paz nos distritos, integravam o organismo judiciário do país. A magistratura togada era de nomeação do Imperador, que o fazia livremente entre as pessoas habilitadas; e a de fato, eletiva, como a justiça de paz, e por sorteio, o júri. A justiça, no período do Império, todavia, era una, como a lei e o processo, por ser unitária a forma do Estado.

As Relações deveriam ser constituídas nas províncias em que fossem necessárias, devendo julgar as causas em primeira e segunda instâncias, estando sujeitas a um novo tribunal, o Supremo Tribunal de Justiça, que seria criado em 1828. 

Em 18 de setembro de 1828, foi criado o Supremo Tribunal de Justiça (que, após a Proclamação da República, seria renomeado Supremo Tribunal Federal) como órgão de última instância, substituindo o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço, a Mesa da Consciência e Ordens e a antiga Casa da Suplicação do Brasil. A Relação do Rio de Janeiro voltou a atuar como órgão de primeira e segunda instâncias, assim permanecendo até 1890, já sob o regime republicano, quando foi criada a Corte de Apelação.

Em 1873, a Assembleia Geral do Império aprovou uma reforma judiciária, por meio do Decreto nº 2.342, de 6 de agosto de 1873, criando sete novas Relações, passando o Brasil a ter onze Tribunais da Relação, com sedes nas cidades de Belém, São Luís, Fortaleza, Recife, Salvador, São Paulo, Porto Alegre, Ouro Preto, Cuiabá e Goiás, bem como na sede da Corte, no Rio de Janeiro. As novas Relações foram instaladas em 3 de fevereiro de 1874. 

O Supremo Tribunal do Império não foi um tribunal constitucional propriamente dito, já que não lhe era dado decidir os conflitos entre os poderes, tampouco rever a constitucionalidade dos atos do Legislativo. Essas funções eram desempenhadas pelo Poder Moderador e pelo Conselho de Estado, respectivamente. Embora fosse reconhecido como um Poder, o Judiciário não contava com autonomia financeira e administrativa, estando sujeito ao Ministério da Justiça, "verdadeiro ministério da Administração da Justiça", bem como ao Poder Moderador, responsável pelo controle disciplinar dos juízes.

A matéria foi objeto de discussão no livro O Supremo Tribunal de Justiça no Império – 1828 a 1889. De acordo com Andréa Slemian, uma das autoras, sob o espírito antilusitano e reformista presente no Brasil das décadas de 1820 e 1830, pairava uma prevenção em relação à magistratura de carreira, justificada pela estreita ligação que mantinha, nas monarquias recém-abolidas, com os soberanos. (Daí o advento dos juízes de paz eleitos e o prestígio do tribunal do júri.) Tentou-se, assim, limitar a atuação do Supremo ao exame das questões entre particulares.

No segundo período, o chamado apogeu do Império (1840-1871), assistiu-se a uma primeira reforma do Judiciário (1871), que, com o passar dos anos, havia se mostrado muito distante do ideal reformista da Independência – os ministros eram personagens da tradição política e acabavam por se imiscuir em questões que comprometiam sua imparcialidade. Assim, organizou-se a carreira em 1850 e limitou-se a atuação dos juízes perante as juntas eleitorais a partir de 1855.

Segundo Carla Beatriz de Almeida (O Supremo Tribunal de Justiça no Segundo Reinado), o Supremo Tribunal de Justiça foi criado no contexto da vinda da família real portuguesa para o Brasil; em decorrência da invasão das tropas napoleônicas, tornou-se inviável a remessa de autos e apelações para a Casa da Suplicação de Lisboa. Assim, o então príncipe regente, D. João, através de um alvará de 10 de maio de 1808, transformou a Relação do Rio de Janeiro em Casa da Suplicação do Brasil:

"A Relação desta cidade se denominara Casa da Supplicação do Brazil, e será considerada como Supremo Tribunal de Justiça; para se findarem ali todos os pleitos em ultima instancia, por maior que seja o seu valor, sem que das últimas sentenças proferidas em qualquer das Mezas da sobredita Casa se possa interpor outro recurso, que não seja o das Revistas nos termos restrictos do que se acha disposto nas Minhas Ordenações, Leis, e mais Disposições. E terão os ministros a mesma alçada que tem os da Casa da Supplicação de Lisboa."

A lei de 18 de setembro de 1828 que criou o Supremo Tribunal de Justiça e delimitou suas atribuições assim estabelece:

"O Supremo Tribunal de Justiça será composto por dezasete Juizes letrados, tirados das Relações por suas antiguidades, e serão condecorados com o titulo do Conselho; usarão de béca, e capa; e terão o tratamento de excellencia, e o ordenado de 4:000$000 sem outro algum emolumento, ou propina. E não poderão exercitar outro algum emprego, salvo de membro do poder legislativo, nem accumular outro algum ordenado."

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As sessões do Supremo Tribunal de Justiça eram realizadas duas vezes por semana, sem contar as extraordinárias. O quórum mínimo para deliberação era de mais de cinquenta por cento dos membros do tribunal. Nessas sessões, os ministros se sentavam à direita do presidente. A referida lei de 1828 determinava:

"Art. 36 O tribunal terá duas conferencias por semana, além das extraordinárias, que o presidente determinar; e para haver conferencia será necessário que se reúna mais da metade do numero de membros.

Art. 37 Os ministros tomarão assento na mesa á direita, e esquerda do Presidente, contando-se por primeiro o que estiver à direita; e seguindo-se os mais até o ultimo da esquerda."

Ditava o Regulamento 737 de 1850:

"Art. 665. O recurso de revista poderá ser interposto para o Supremo Tribunal de Justiça das sentenças proferidas nas Relações, se o valor da causa exceder de 2.000$000 (Art. 26 do Tít. único), ainda que se não tenhão opposto os embargos do Artigo 663."

Cabe dizer que o recurso de revista resistiu até o Código de Processo Civil de 1939, sendo, em 1973, substituído pelo incidente de uniformização de jurisprudência.

Ainda no Código de Processo Civil de 1939, estabelecia-se, a teor do 858, que o recurso de revista não tinha efeito suspensivo.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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