A NATUREZA JURÍDICA DOS EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS

21/10/2019 às 15:34
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O presente artigo pretende averiguar se tal exação pode ou não ser classificada como tributo, assim como eventuais efeitos que provém dessa conclusão.

INTRODUÇÃO

            O presente trabalho tem por objetivo trazer à baila uma pesquisa acerca dos enunciados normativos que abarcam o tema concernente aos chamados empréstimos compulsórios, propugnando-se pela elucidação de sua natureza jurídica sob os augúrios do corrente sistema constitucional.

            Verifica-se que o reconhecimento da natureza jurídica de um determinado instituto é de suma importância, tendo em vista a definição aí albergada do regime jurídico a ser aplicado, pois a classificação de um liame como tributo é condição suficiente para atribuir-lhe o regime jurídico tributário e não o oposto.

            Na persecução de tal objetivo, preliminarmente, traremos um breve apanhado histórico da evolução dos tributos em geral. Em seguida, apontaremos os princípios que regem o ordenamento constitucional na seara tributária.

            Posteriormente, traremos os tributos vigentes em nosso sistema tributário, trazendo seus conceitos e, discriminando cada um.

            No terceiro capítulo, falaremos acerca do objeto do presente trabalho monográfico, qual seja: A Natureza Jurídica do Empréstimo Compulsório.

3 CAPITULO I CONTEXTO HISTÓRICO

3.1. HISTORICIDADE DOS TRIBUTOS

 

            Os primeiros registros da cobrança de impostos são do Egito Antigo, cerca de 10.000 a.C., e essa prática é o que sustenta o governo dos países até hoje. Entre o Egito Antigo e o surgimento das nações contemporâneas, a partir de 1700 d.C. (com declaração de independência, constituição e leis para o cidadão), a cobrança de impostos era feita a critério dos reis, nobres e senhores, donos das grandes porções de terra, o que gerava uma taxação impiedosa de tributos e a escravização dos trabalhadores, cada vez mais devedores.

            As nações europeias, modelo do mundo ocidental, começaram a apresentar suas leis de Direito Civil e de arrecadação de impostos de forma um pouco mais humana somente depois do período feudal, por volta de 1400 (período negro, marcado por uma exploração desumana da mão de obra agrícola, principalmente); e depois também da Guerra dos 100 Anos, entre França e Inglaterra, com início em 1337 e término em 1453 (mais de cem anos, na verdade).

            Obviamente as leis já existiam antes na Europa – a Magna Carta, por exemplo, trouxe benefícios jamais imaginados na época, como a limitação do poder da monarquia inglesa em criar e cobrar impostos, além da criação da norma que todos os súditos têm direito a julgamento. Mesmo assim, julgamentos e cobranças obedeciam sempre às leis dos detentores do poder.

 

3.1.1 Revoltas históricas contra a tributação

 

            Algumas revoltas promovidas pela população entraram na história por conseguirem impedir o aumento ou instituição de tributos

            Constantinopla, 1197: Alexius III Angelus, imperador da Grécia na época, tentou impor a arrecadação de tributos para sustentar o exército de Henrique VI, então rei da Alemanha (que pertencia ao Império Romano), mas a população se recusou a pagar. Isso obrigou Alexios a saquear túmulos antigos e retirar suas relíquias para obter o valor que seria arrecadado (BURG, 2004).

            Magna Carta, 1215: reconhecida como um grande passo para a criação da constituição, a carta foi um acordo entre os barões ingleses e o Rei John. Esse acordo determinou que a partir dali um grupo (futuro parlamento) aprovaria a criação de tributos e que haveria liberdades de sucessão (hereditariedade de bens), além de direitos judiciais para todos os súditos. Nobreza, monarquia e clero passavam por um período de instabilidade, devido aos conflitos com a França desde o reinado de Richard I (Ricardo Coração de Leão), que demandavam altas contribuições para custear as batalhas. Nome original do acordo, em latim: Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (BURG, 2004).

            França, 1597: O Rei Henrique IV tentou cobrar imposto por quantidade de produtos vendidos, ou seja, em cima das vendas de todo o comércio, mas algumas cidades se recusaram a pagar, fazendo o monarca cancelar a cobrança (BURG, 2004).

            Inglaterra, 1627: John Hampden, um parlamentar, começa um movimento de recusar o pagamento de impostos a Marinha Real, cobrados pelo Rei Charles I. Anos depois acontece uma guerra civil, entre 1646 e 1649, que acaba com a decapitação do monarca e proíbe a sucessão de seu filho ao trono. Alguns autores colocam Charles I como um tirano que não obedecia às leis do parlamento, outros defendem que foi um mártir. Seu filho, Charles II, assume o trono após a restauração da Monarquia, em 1660 (BURG, 2004).

 

3.1.2 História dos tributos no Brasil

 

            Os primeiros registros de tributação no Brasil são de 1888 e sob regime da Princesa Isabel, que baixou o decreto para regulamentar a cobrança do “Imposto de Indústrias e Profissões” – algo parecido com o Imposto de Renda, criado somente em 1922. Esse tributo aparece ainda hoje e com o mesmo nome, com a cobrança facultada às prefeituras.(FERRARI, 2013).

            O documento que criou o imposto trazia também a isenção de tributos para alguns estabelecimentos e profissões de cunho artesanal ou educacional, além de qualquer atividade com finalidade humanitária, por exemplo:

– Pescadores;

– Mercearias;

– Escolas;

– Professores;

– Fábricas de algodão;

– Telefonia e telegrafia.

            Como comparação, pode-se analisar Brasil e EUA. Cerca de 25 anos separam as reformas tributárias das duas nações. Com histórias semelhantes, são dois países da América, “nascidos” a menos de três séculos, que têm os maiores territórios e são mais populosos. (FERRARI, 2013).

            No Brasil, desde a independência, em 1822, arrecadava-se basicamente das alfândegas e de produtos importados. Somente a partir da Constituição de 1937 os tributos foram redirecionados a indústrias, comércio, imóveis e profissões, agora de forma mais abrangente.

            Assim, pode-se dizer que a história do Direito Tributário é sim muito recente, quando comparada a própria cobrança de tributos na história. (FERRARI, 2013).

            Desse modo, passaremos a analisar os princípios constitucionais que regem o Direito Tributário em nosso ordenamento.

 

3.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO

 

            A Constituição Federal impõe limites constitucionais ao poder de tributar, isto é, limites à invasão patrimonial tendente à percepção estatal do tributo. Tais limitações vêm, basicamente, dos princípios e das imunidades constitucionais tributárias e estão incluídas nos artigos 150, 151 e 152 da Carta Constitucional.             Assim, os princípios tributários apresentam-se como uma garantia ao contribuinte em oposição ao poder constitucional do Estado de coercitivamente investir no patrimônio particular. (SABBAG, 2013).

            A seguir, procederemos ao aprofundamento de tais limitações ao poder de tributar, concernente aos princípios tributários que fazem parte deste mandamento constitucional.

 

3.2.1 Princípio da legalidade

 

            O princípio da legalidade tem suas raízes na Inglaterra do séc. XIII, quando da inauguração da carta magna, do Rei João Sem Terra. Na época, tanto a plebe quanto a nobreza, reuniram esforços contra o poder unilateral de tributar da coroa, impondo-lhe um estatuto, com o fito de inibir a atividade arrecadatória escorchante do governo. Desse modo, os súditos da coroa impuseram a necessidade de uma pregressa autorização. (SABBAG, 2013).

            Tal princípio é o postulado basilar de todos os Estados de Direito – vale ressaltar, de previsão centenária, por percorrer todos os textos constitucionais, salvo a Constituição Federal de 1937 –, consistindo a rigor, no centro da própria qualificação destes. A formulação mais genérica deste princípio encontra-se no inciso II do art. 5º da Constituição, artigo na qual se inserem alguns dos mais importantes direitos e garantias fundamentais do nosso ordenamento.

            Na seara tributária especificamente, tal princípio exsurge no art. 150, I, da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal:

I – Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.[1]

            No Direito Tributário vigora o mandamento da estrita legalidade ou da tipicidade, pois a lei que instituiu os tributos deve conter, obrigatoriamente, todos os seus elementos descritivos, o fato imponível devendo obedecer aos elementos da hipótese de incidência.

            Desse modo, se torna evidente a intenção do legislador em mostrar que é defeso o aumento e a instituição de tributo, a não ser por intermédio de lei.

            Na seara conceitual, o indigitado princípio se põe como balizador ao poder estatal quando em seu mister tributacional. “O princípio da legalidade tributária é o fundamento de toda a tributação, sem o qual não há como se falar em Direito Tributário” (NOGUEIRA, 1980).

            O mestre Hugo de Brito ensina que “no Brasil, como, em geral, nos países que consagram a divisão de poderes do Estado, o princípio da legalidade constitui o mais importante limite aos governantes na atividade de tributação” (MACHADO, 1993).

            Não à toa, Pontes de Miranda, há muito, asseverava que a ideia de legalidade na tributação significa o povo tributando a si mesmo, uma vez que a própria lei é uma expressão de vontade comum e pública, não se pode pensar que o povo possa oprimir a si mesmo.   Assim, o ser ‘instituído em lei’ significa ser o tributo consentido (MACHADO, 1993) sinalizando que é da essência de nosso regime republicano que as pessoas só devem pagar os tributos em cuja cobrança consentirem (CARRAZA, 1993).

 

3.2.1.1 Mitigação ao princípio da legalidade

 

            O princípio da Legalidade Tributária traz consigo exceções – ou atenuações - à regra. Isto significa dizer que, todos os tributos estão sujeitos ao princípio da legalidade, embora, em relação a alguns, o princípio se mostra mitigado com relação às alíquotas. Assim, não se submetem “completamente” ao princípio da legalidade, com vistas a obedecer às situações excepcionais de extrafiscalidade. (SABBAG, 2013)

            Os tributos são: Imposto sobre importação (II), Imposto sobre exportação (IE), Imposto sobre produtos industrializados (IPI), Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguros (IOF), Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE-Combustível) e Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS-Combustível).

            Assim, cabe dizer que esta atenuação ou mitigação da legalidade tributária consiste apenas na possibilidade de o Poder Executivo reduzir a alíquota e restabelecê-la ao limite máximo fixado inicialmente pela lei. (SABBAG, 2013).

 

3.2.2 Princípio da anterioridade tributária

 

            Tal princípio como uma limitação, demarca as fronteiras onde a competência tributária se encerra, no tocante ao momento em que poderá ser exercida. Nessa linha, caracteriza uma norma constitucional que tem como fito impedir a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, em regra, de conferir eficácia, no mesmo exercício financeiro em que foram publicadas, às leis que instituíram ou majoraram tributos.

            Expresso na Carta Magna em seu art. 150, III, Alíneas “b” e “c”, “destaca-se como um mandamento tipicamente tributário, cujos efeitos direcionam-se para a seara da tributação, seja ela federal, estadual, municipal ou distrital” (CARRAZZA, 1993).

            A alínea “b” já estava presente no texto constitucional, quando do surgimento da emenda constitucional nº 42/2003, que trouxe a alínea “c”. A alínea “b” “hospeda a anterioridade anual” ou “anterioridade comum”, e a alínea “c” trouxe a chamada “anterioridade nonagesimal”, também conhecida como “anterioridade qualificada”. (SABBAG, 2013).

            O indigitado princípio além de constituir limitação ao poder impositivo do Estado, representa um dos direitos fundamentais mais importantes outorgados pela Constituição Federal de 1988 ao universo dos contribuintes, implicando que sua violação acarretará irremissível vício de inconstitucionalidade.

            Didaticamente, o professor (AMARO, 2014, p. 121) e o ilustre (CARVALHO, 1993, p. 148-149) Paulo de Barros Carvalho discorreram que na esteira da segurança das relações jurídicas entre a administração e os administrados, alcança-se o valor elevado da “certeza”, e o que se enfatiza é a proteção do contribuinte contra a surpresa de alterações tributárias.

 

3.2.2.1 Princípio da Anterioridade Anual – Art. 150, III, “b”, Constituição Federal

 

            Este princípio determina que os entes tributantes não podem cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei majoradora ou instituidora de tributo. Senão vejamos o dispositivo:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal: (...)

III- cobrar tributos: (...)

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (...)[2]

            Em outras palavras, o legislador sinaliza a possibilidade de se criar ou aumentar o tributo a qualquer tempo, todavia impõe que a eficácia da lei criadora ou majoradora fique suspensa até o início do ano posterior. Desse modo, conforme ensina o insigne e saudoso professor (ATALIBA, 1992, p.121) , todos os fatos, comtemplados pela lei, no próprio exercício em que ela criou ou aumentou tributo, são juridicamente irrelevantes; não são fatos geradores, são fatos ordinário.

            Fundamentado nisso, se torna claro a intenção do legislador constituinte ao incluir esse princípio entre as limitações constitucionais ao poder de tributar.

 

a) Exceções ao Princípio da Anterioridade Anual

 

            Apesar da estrita previsão constitucional, há tributos que escapam a regra da anterioridade. O próprio art. 150 da Constituição Federal traz exceções ao princípio da anterioridade do exercício financeiro em seu parágrafo 1º, quais sejam: Imposto sobre importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos industrializados, Imposto sobre Operações financeiras, Imposto Extraordinário de Guerra e o Empréstimo Compulsório para atender despesas extraordinárias de guerra e calamidade pública. (SABBAG, 2013).

            Conforme se vê, há uma lógica por trás da excepcionalidade de tais tributos. Enquanto os primeiros se justificam pela lógica da extrafiscalidade, os últimos ancoram-se na esteira da emergencialidade. Conforme ensina o professor (AMARO, 2014, p. 225) em temas de comércio internacional (II E IE), de mercado financeiro (IOF) e de produção nacional (IPI), é comum o caráter regulatório na tributação, revestindo tais impostos, ditos flexíveis, de extrafiscalidade. Da mesma forma, soaria razoável associar as situações limítrofes de guerra e calamidade pública a uma espera anual (SILVA NETO, 2004).

 

3.2.2.2 Princípio da Anterioridade Nonagesimal – Art. 150, III, “c” da Constituição Federal

 

            Este princípio aduz que fica vedada a cobrança de tributos antes de decorridos 90 (noventa) dias da data em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou majorou, sem prejuízo da anterioridade ao exercício financeiro prevista na alínea “b”.

Vejamos o citado artigo:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)

III- cobrar tributos: (...)

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea “b”.[3]

            Tal princípio também traz exceções, previstas também no parágrafo primeiro, são elas: os empréstimos compulsórios para casos de calamidade pública ou de guerra externa, o imposto de importação, o Imposto de Exportação, o Imposto sobre Operações Financeiras, o Imposto sobre a Renda, o Imposto Extraordinário de Guerra, e a fixação da base de cálculo do IPVA e IPTU. (SABBAG, 2013).

 

3.2.3 Princípio da Isonomia Tributária

 

            O sábio ensinamento de Duguit, que, reproduzindo o pensamento de Aristóteles, permitiu que a clássica ideia da igualdade relativa fosse divulgada a nós por (BARBOSA, 1994), dessa afirmação:

A regra da igualdade consiste senão em aquinhoar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”, pois, “tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.

            O princípio da Isonomia tributária está expresso no art. 150, II, da carta Magna, vejamos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)

II- Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por ele exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.[4]

            Este princípio também é conhecido como “princípio da proibição dos privilégios odiosos, na medida em que visa proibir a odiosidade tributária, manifestável em comandos normativos discriminatórios, veiculadores de favoritismos por meio da tributação” (SABBAG, 2014).

            Desse modo, as entidades tributantes devem tratar de forma igual os contribuintes que estejam em situação equivalente e tratar de forma desigual os desiguais, na medida das suas desigualdades. Não cabe, portanto, em matéria tributária, qualquer diferenciação no tratamento entre aqueles que se encontram em situações idênticas.

            Evidente que, em um Estado de direito, a isonomia jurídica não pode ficar restrita a uma igualdade meramente formal, vocacionada ao vago plano da abstração, sem atuar em conjunto com as circunstâncias do caso concreto. Daí se dizer que o legislador infraconstitucional, ao pretender realizar o princípio da isonomia tributária, deverá levar em conta as condições concretas de todos os envolvidos, evitando que se aplique a mesma carga tributária sobre aqueles economicamente diferenciados, sob pena de sacrificar as camadas mais pobres. (SABBAG, 2013).

 

3.2.4 Princípio da Irretroatividade Tributária

 

            Garantia fundamental do cidadão, o princípio da irretroatividade está inscrito na Constituição Federal. O que a Constituição pretende, obviamente, é vedar a aplicação da lei nova, que criou ou aumentou tributo, a fato pretérito, que, portanto, continua sendo não gerador de tributo, ou permanece como gerador de menor tributo, segundo a lei da época de sua ocorrência (AMARO, 2016).

            Assim, o princípio da Irretroatividade tributária proíbe os titulares de competência tributária de exigirem tributos de fatos ocorridos em data anterior à vigência da lei tributária que os instituírem ou majorarem. Frise-se que em se tratando de lei que cria ou aumenta tributo, este princípio não comporta exceções.

            A regra é, assim, que, quanto às leis no modo geral, não lhes é dado abranger o passado, alcançando situações pretéritas. Se há atos a ela anteriores, em obediência ao aforismo tempus regit actum, devem ser regidos pela lei do tempo em que foram realizados. Cabe citar, por oportuno, o pensamento de Walker, trazido à colação no sentido de que as leis retroativas, somente tiranos as criam e só escravos a elas se submetem (LIMA, 1955).

 

3.2.5 Princípio da vedação ao confisco

 

            Tal princípio está expresso no texto constitucional no art. 150, IV, Vejamos:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)

IV- Utilizar tributo com efeito de confisco (...).[5]

            A noção de vedação ao confisco surgiu ao lado da concepção de legalidade, designativa de um legítimo tributo, se coletivamente aprovado, pondo-se ambas como limites ao poder de destruir do Estado que tributa.

            Nessa linha de raciocínio, (MONTESQUIEU, 2008, p. 221), já no século XVIII, alertava que não há nada que a sabedoria e a prudência devam regular tão bem quanto a porção que se tira e a porção que se deixa aos súditos.

            Para (CASTILHO, 2008, p. 39) o confisco tributário consiste em uma ação do Estado, empreendida pela utilização do tributo, a qual retira a totalidade ou parcela considerável da propriedade do cidadão contribuinte, sem qualquer retribuição econômica ou financeira por tal ato.

            Por via de regra, o conceito de confisco é apresentado como a incorporação da propriedade particular pelo Estado, sem justa indenização.

 

3.2.6 Princípio da não limitação ao tráfego de pessoas e bens e a ressalva do pedágio

 

            A Constituição Federal prescreve em seu artigo 150, inciso V, que:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)

V - Estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.

            Com isso, os entes tributantes não podem determinar limitações ao tráfego de pessoas ou mercadorias, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais. Entretanto há uma ressalva: é permitida a cobrança de pedágio pelas vias conservadas pelo Poder Público, conforme entendimento pacífico. Todavia, o mesmo inciso não permite a cobrança de pedágio pelas vias que não sejam conservadas pelo Poder Público. (SABBAG, 2013).

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            “O objetivo do legislador constituinte foi evitar que os entes políticos criassem tributos (normalmente taxas) incidentes sobre a passagem de pessoas e bens em seus territórios” (ALEXANDRE, 2015), assim, procura-se evitar aqui uma cobrança que teria como fato gerador a intermunicipalidade (divisa entre municípios) e a interestadualidade (divisa entre Estados-membros), protegendo o tráfego de pessoas e bens, nesses padrões, por regra de imunidade.

            Já nas palavras do mestre (AMARO, 2014, p. 212):

Esse preceito atende a uma preocupação que, segundo o relato de Pontes de Miranda, vem do primeiro orçamento brasileiro, na Regência de D. Pedro, que procurou imunizar o comércio entre as províncias; no Império, contudo, criou-se o imposto interprovincial; na República, apesar da vedação constitucional, algumas práticas contornaram o obstáculo. O que a Constituição veda é o tributo que onere o tráfego interestadual ou intermunicipal de pessoas ou de bens; o gravame tributário seria uma forma de limitar esse tráfego. Em última análise, o que está em causa é a liberdade de locomoção, mais do que a não discriminação de bens ou pessoas, a pretexto de irem para outra localidade ou de lá virem; ademais, prestigiam-se a liberdade de comércio e o princípio federativo.

            Assim, o legislador constituinte pretendeu evitar que o Poder Público se valesse do tributo para atingir, mesmo que de modo reflexo, as liberdades pessoal e patrimonial, estipulando norma principiológica de limitação ao tráfego de pessoas ou bens como elemento corolário da garantia constitucional de liberdade de locomoção, estipulada no art. 5º, XV.

 

3.2.6.1 Análise dos pedágios

 

            O surgimento do pedágio em nosso País data da Carta de 1946. Depois, surgiu na Constituição de 1967, ratificando a constituição anterior. Com a Emenda Constitucional n. 1/69 (art. 19, II), que deu nova redação ao texto da Constituição de 1967, suprimiu-se a ressalva citada, excluindo do texto constitucional a previsão do pedágio – ou “rodágio”, na expressão predileta do grande Aliomar Baleeiro -, dando surgimento ao entendimento de que tal exação não era mais tributo na modalidade “taxa”, mas preço público ou tarifa.

            Com relação à cobrança, o pedágio somente pode cobrar pela utilização efetiva do serviço de conservação de rodovias. Desse modo, somente poderá se exigir o pedágio pelo real uso da conservada via trafegável, e jamais pela sua disponibilidade.

            Nas palavras do erudito (MEIRELES, 1996, p. 148):

O pedágio pode, pois, ser exigido pela utilização de rodovias, pontes, viadutos, túneis, elevadores e outros equipamentos viários que apresentem vantagem específicas para o usuário, tais como desenvolvimento de alta velocidade, encurtamento de distâncias, maior segurança, diversificando-os de obras semelhantes que ofereçam como alternativa para o utente. Na doutrina corrente, dois são os requisitos que legitimam a cobrança desse preço público: a condição especial da obra, mais vantajosa para o usuário, e a existência de outra, de uso comum, sem remuneração. Sem estes requisitos torna-se indevida a cobrança de pedágio.

            Como vemos, esses são os principais princípios que regem o Direito Tributário, devendo toda e qualquer ação estatal, no tocante aos tributos, se balizar por esses mandamentos constitucionais.

            No próximo capítulo, passaremos a analisar os tributos que fazem parte de nosso ordenamento, trazendo a conceituação de cada um.

4 CAPITULO II - SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

 

4.1 Definição de Tributo

 

Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.[6]

            O conceito jurídico de tributo é conceito fundamental do direito, categoria primária de seu sub-ramo, o direito tributário. São, portanto, as receitas derivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, baseado no seu poder fiscal, mas disciplinado por normas de direito público que constituem o direito tributário.

            Sintetizando muito bem o conceito de tributo, “a norma que está no centro do direito tributário é aquela que contém o comando: ‘entregue dinheiro ao Estado’” (ATALIBA, 2002).

            Já o ilustre (NOGUEIRA, 1980, p.17) ensina-nos que:

Os tributos são as receitas derivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos baseado no seu poder fiscal (poder de tributar, às vezes, consorciado com o poder de regular), mas disciplinado por normas de direito público que constituem o Direito Tributário.

            Passada essa fase conceitual, expomos agora a análise dos cinco tributos que subsistem no sistema tributário brasileiro, à luz da intitulada teoria pentapartida.

            De início, é imperioso notar que o art. 145 da Carta Magna, na esteira do art. 5º do CTN, faz menção a apenas 03 (três) espécies tributárias, os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria, fazendo transparecer que o ordenamento jurídico doméstico teria adotado uma divisão tricotômica, cujas bases sustentam a teoria tripartida. Como vemos a Constituição de 1988, a exemplo do texto anterior, é confusa no classificar quantitativamente os tributos. A leitura do art. 145 pode levar a se concluir pela classificação tripartida do tributo, que abrangeria os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria. (SABBAG, 2013).

            Ocorre que, nas décadas de 80 e 90, sobrevieram, com grande expressividade, os empréstimos compulsórios e as contribuições, respectivamente.   Nesse diapasão, fez-se mister cotejar tais exações com o art. 3º do CTN, definidor de tributo, inferindo-se que elas se mostravam como nítidas prestações pecuniárias, compulsórias, diversas de multa, instituídas por meio de lei e cobradas por meio de lançamento. Ipso facto, tributos eram. Daí surgiu a teoria pentapartida.

            Passemos a análise dos tributos, um a um.

 

4.1.1 Impostos

 

            Imposto é tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa à vida do contribuinte, à sua atividade ou a seu patrimônio – é o que se depreende da dicção do art. 16 do CTN, vejamos: Art. 16. “Imposto é o tributo que tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. (SABBAG, 2013).

            Para o eminente (CARVALHO, 2014, p. 36) podemos definir imposto como o tributo que tem como hipótese de incidência um fato alheio a qualquer atuação do poder público. Insta mencionar que o indigitado tributo é uma exação não vinculada e exação de arrecadação não afetada. Desse modo, a receita dos impostos visa custear as despesas públicas gerais ou universais.

 

4.1.1.2 Classificação dos impostos

 

a) Impostos diretos e indiretos

            Para (MELO, 2008, p. 62) o imposto direto é aquele que não repercute, uma vez que a carga tributária é suportada pelo contribuinte, isto é, por aquele que deu causa ao fato imponível.

            De outra banda, chama-se impostos indiretos aqueles cujos ônus tributário repercute em terceira pessoa, não sendo assumido pelo realizador do fato jurígeno. Desse modo, vale dizer, que a carga é suportada pelo contribuinte de fato, e não o contribuinte de direito. (SABBAG, 2013).

            Em suma, enquanto o imposto direto é aquele em que não há repercussão econômica do encargo tributário, tendo a virtude de poder graduar diretamente a soma devida por um contribuinte, de conformidade com sua capacidade contributiva, o imposto indireto é aquele em que o ônus financeiro do tributo é transferido ao consumidor final, por meio do fenômeno da repercussão econômica, não ligando “o ônus tributário a um evento jurídico ou material e não dispondo de um parâmetro direto para apurar a capacidade econômica do contribuinte.

b) Impostos pessoais e reais

            Os impostos pessoais levam em consideração as condições particulares do contribuinte, isto é, aquelas qualidades pessoais e juridicamente qualificadas do sujeito passivo. Desse modo, o imposto pessoal possui um caráter eminentemente subjetivo (exemplo: imposto sobre a renda). (SABBAG, 2013).

            Já os impostos reais, também intitulados, são aqueles que levam em consideração a matéria tributária, ou seja, o próprio bem ou coisa (res, em latim), sem cogitar das condições pessoais do contribuinte (exemplos: IPI, ICMS, IPTU, IPVA, ITR, IOF etc., ou seja, com exceção do IR, todos os demais).

            Em síntese, segundo (HARADA, 2001, p. 255-256):

Os impostos pessoais levam em conta as qualidades individuais do contribuinte, sua capacidade contributiva para a dosagem do aspecto quantitativo do tributo, enquanto os impostos reais são aqueles decretados sob a consideração única da matéria tributável, com total abstração das condições individuais de cada contribuinte.

c) Impostos fiscais e extrafiscais

            Impostos fiscais são aqueles que tem o fito estritamente arrecadatório; devem prover de recursos o Estado.

            De outra banda, impostos extrafiscais são aqueles com finalidade reguladora de mercado ou da economia de um País. (SABBAG, 2013).

d) Impostos progressivos, proporcionais e seletivos

            Nas palavras do ilustre (MACHADO, 2008, p. 298 e 300) a progressividade condiz com a técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá na medida em que se majora a base de cálculo do gravame. Nessa categoria exsurge três impostos, a saber: Imposto sobre a Renda, IPTU e ITR.

            No que se refere à técnica da proporcionalidade, trata-se de um instrumento fiscal neutro, por meio da qual se busca realizar o postulado da capacidade contributiva. Registre-se, por oportuno, que tal técnica não vem explicitada no texto magno como a progressividade.

            E por último, a seletividade, que se trata da concretude do postulado da capacidade contributiva em específicos tributos indiretos. (SABBAG, 2013).

            Nestes, o postulado da capacidade contributiva será aferível mediante a aplicação da técnica da seletividade, uma evidente forma de extrafiscalidade na tributação. Mais do que isso, apresenta -se a seletividade como uma inafastável expressão de praticabilidade na tributação, inibitória da regressividade, na medida em que se traduz em meio tendente a tornar simples a execução do comando constitucional, apresentável por meio da fluida expressão “sempre que possível”, constante do art. 145, § 1º, CF.

 

4.1.2 Taxa

 

            Taxa é um tributo imediatamente vinculado à ação estatal, atrelando-se à atividade pública, e não à ação do particular. (SABBAG, 2013).

            É, assim, um grave com hipótese de incidência plasmada em atividade da Administração Pública, que se refere, direta e imediatamente, ao contribuinte, destinatário daquela investida do Estado. De acordo (LACOMBE, 1985, p. 21) de fato, a taxa é tributo em cuja norma está feita a previsão, no núcleo de seu antecedente normativo, de uma atuação estatal diretamente referida ao sujeito passivo.

            Com efeito, as taxas são tributos vinculados a uma contraprestação estatal direta, e os impostos são tributos desvinculados de qualquer contraprestação.

            O disciplinamento do tributo vem expresso no art. 145, II, da CF c/c o art. 77 do CTN, vejamos:

Art. 145, II, CF: A União, Estados, Municípios e Distrito Federal poderão instituir os seguintes tributos: (...)

II – Taxas, em razão do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.[7]

Art. 77 do CTN: As taxas cobradas pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal, âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestados ao contribuinte ou posto à sua disposição.[8]

            Desse modo, o fato gerador da taxa é o exercício regular do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Vale dizer que, entende-se por utilização efetiva aquele serviço prestado concretamente à coletividade, como fruição fática e materialmente detectável. Por sua vez, entende-se por utilização potencial, o serviço, sendo de utilização obrigatória, colocado à disposição do usuário-contribuinte, sem a correspondente utilização. (SABBAG, 2013).

            A base de cálculo, para (BARRETO, 1987, p. 39-40):

É a definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários. Consiste em critério abstrato para medir os fatos tributários que, conjugado à alíquota, permite obter a ‘dívida tributária’.

            Nesse compasso, entende-se que não pode, em nenhuma hipótese, subsistir imposto com base de cálculo de taxa, ou taxa com base de cálculo de imposto. Ademais, tal vedação está expressamente descrita em dois comandos normativos – um, na Carta Constitucional, e outro, no CTN-, a seguir demonstrados:

Art. 145, §2º., da CF: As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.[9]

Art. 77, parágrafo único, do CTN: A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto, nem ser calculada em função do capital das empresas.[10]

4.1.3 Contribuição de melhoria

 

            A contribuição de melhoria é instrumento puro e simples de realização do princípio constitucional e legal que atribui ao poder público a valorização imobiliária causada por obra pública. Para o saudoso e ilustre (ATALIBA, 2002, p. 174) tal tributo:

Tem por critério a valorização causada. A obra pode custar muito e causar diminuta valorização. Pode causar pouco e enorme valorização. O gabarito da contribuição de melhoria é sempre a valorização, não importando o custo da obra. Se este for posto como critério do tributo, estar-se-á desvirtuando, com interposição de critério de taxa e não contribuição de melhoria.

            Previsto no nosso ordenamento jurídico na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, traduzindo-se no poder impositivo de exigir o tributo dos proprietários de bens imóveis valorizados com a realização de uma obra pública.

Art. 145. A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir os seguintes tributos: (...)

III- contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.[11]

Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor da obra resultar para cada imóvel beneficiado.[12]

            A contribuição de melhoria é um tributo que não se confunde, quer com imposto, quer com a taxa, integrando uma terceira espécie, a das contribuições, também chamados de tributos especiais. (ATALIBA, 2002).

            Sob a perspectiva financeira, o imposto é exigido de todos os participantes dos benefícios sociais criados ou mantidos pelo governo. A taxa é compensação financeira de serviços e atividades prestados individualmente aos usuários. As contribuições são exigidas de certas pessoas que (a) se beneficiam especialmente de certas condições em que se encontram seus bens, ou por certas características de suas atividades, exigem desempenho de uma específica atividade estatal relacionada com esses bens ou estas atividades. (ATALIBA, 2002).

            O mestre (ATALIBA, 2002, p. 176) por sua vez, compara o tributo ao princípio da atribuição da mais-valia imobiliária gerada por obra pública, pois, se o proprietário não concorre com a obra – que gera valorização –, não é justo que se aproprie deste específico benefício, impedindo que haja lucro sem esforço.

            “A contribuição de melhoria é tributo afinado com a ideia de justiça fiscal, subordinando-se ao princípio do custo/benefício, embora não lhe seja estranho o princípio da capacidade contributiva” (TORRES, 2003).

            Este tributo tem como fato gerador a valorização imobiliária decorrente de uma obra pública. Por seu turno, a base de cálculo da contribuição de melhoria é o quantum de valorização experimentada pelo imóvel, ou seja, o benefício real que a obra pública adicionou ao bem imóvel da zona valorizada. (SABBAG, 2013).

 

4.1.4 Contribuições

 

            Com o advento da Carta Magna de 1988, o legislador definiu a competência para a instituição das contribuições, fulminando as dúvidas quanto à sua natureza tributária. Dessa forma, à luz do texto constitucional hodierno, parece inafastável a fisionomia tributária desta exação. (SABBAG, 2013).

            Dispõe a Constituição Federal em seu artigo 149:

Art. 149. Compete exclusivamente à união instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:

I – Não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;

II – Incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços;

III – poderão ter alíquotas:

a) ad valorem, tendo por base de cálculo o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro;

b) específica, tendo por base de cálculo a unidade de medida adotada.

§ 3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei.

§ 4º A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez.

Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e II.

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.[13]

            Desse modo, o que caracteriza as contribuições especiais é que o produto de suas arrecadações deve ser carreado para financiar atividades de interesse público, beneficiando certo grupo, e direta ou indiretamente o contribuinte.

            A característica fundamental dessa espécie de tributo é a destinação do produto da arrecadação a uma finalidade do Estado. Sendo esse vínculo entre finalidade estatal e produto arrecadado imprescindível para caracterização e validade do tributo.

            Para (MELO, 2003, p. 145):

A característica peculiar do regime jurídico deste terceiro grupo de exações está na destinação a determinada atividade, exercitável por entidade estatal ou paraestatal, ou por entidade não estatal reconhecida pelo Estado como necessária ou útil à realização de uma função de interesse público. Nesse grupo se incluem as exações previstas no art. 149 da Constituição, ou seja, as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico e as contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, bem como a contribuição referida no art. 149-A da Constituição (acrescido pela EC n. 39/2002), destinada ao custeio do serviço de iluminação pública.

            A lei que incide o tributo deve, necessariamente, conter a finalidade estatal a qual a destinação de sua receita será atrelada. A alteração dessa finalidade ensejará a modificação da própria contribuição especial, pois tal característica é inerente a esta espécie de exação. (SABBAG, 2013).

            Acerca da diferenciação da referida exação com os demais tributos, (SOUZA, 2000, p. 503) assevera que:

Nos impostos, “basta a ocorrência do fato para nascer a obrigação tributária, ao passo que nas contribuições a obrigação só nasce se verificados, concomitantemente, o benefício e o fato descrito na norma. É por essa razão que encontramos várias contribuições no direito positivo com descrição abstrata de fatos idênticos aos previstos em normas instituidoras de impostos.

Para (TORRES, 2006, p. 409) referindo-se ao fato imponível dessas exações, assevera que

O fato gerador pode consistir no recebimento do salário em folha de pagamento (contribuição previdenciária), no faturamento ou no ingresso de receita (COFINS), no lucro líquido (CSLL), na movimentação financeira (CPMF), na importação (COFINS -Importação) etc. Essa proximidade com o imposto abriu no direito brasileiro o caminho para a criação de contribuições sociais anômalas (COFINS, CSLL, CPMF), que substancialmente são ‘impostos com destinação especial.

            Da mesma forma, a contribuição não pode ser considerada “taxa”, por não remunerar serviços cobrados ou disponibilizados aos contribuintes. De fato, havendo referibilidade direta entre a atividade estatal e o sujeito passivo, ter -se -á taxa; se a referibilidade for indireta, sendo desenvolvida para o atendimento do interesse geral, porém deflagrando um especial benefício a uma pessoa ou grupo de pessoas, ter -se -á a contribuição.

            Analisadas as exações do nosso ordenamento, passemos agora a analisar o tributo objeto deste trabalho, a saber: Empréstimo Compulsório, e sua natureza jurídica.

 

5 CAPITULO III – NATUREZA JURÍDICA DO EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO

 

5.1 CONCEITUAÇÃO

 

            De acordo com o ilustre (BASTOS, 1994, p. 52) “Trata-se de tributo pela qual o Estado impõe ao contribuinte o empréstimo de certa quantia em dinheiro ao Poder público e cuja devolução é obrigatória em data estipulada pelo próprio poder”.

            Desse modo, não se pode confundir com o indigitado tributo com o empréstimo público, sendo este de natureza contratual, enquanto àquele, possui uma natureza tributária.

Da doutrina de (FALCÃO, 1977, p. 39) extraímos um brilhante conceito para o empréstimo compulsório, senão vejamos:

“Empréstimo compulsório é a prestação em dinheiro que o Estado ou outra entidade pública de direito interno coativamente exige, nos termos da lei, para custeio de suas próprias atividades, daqueles que possuam determinada capacidade contributiva denotada por fatos geradores legalmente previstos, condicionando-se o seu pagamento à promessa de ulterior restituição em prazo certo ou indeterminado (amortizável ou perpétuo) e, eventualmente, de fluência de juros.

            Daí se falar em um empréstimo compulsório ou em um empréstimo forçado como uma exação tributária.

 

5.2 APANHADO HISTÓRICO

 

            Em um sucinto apanhado histórico notamos que o empréstimo compulsório tem duas origens lúgubres, mas podemos situá-lo na Primeira Guerra Mundial, nos países europeus, e em nosso País difundiu-se a partir da Segunda Guerra Mundial.

            Entretanto a falta de parâmetros legais favoreceu diversos abusos, e conforme aponta (MACHADO, 2010, p. 232), a função do instituto estava distorcida, sendo usado para suprir as deficiências de seu (Governo Federal) caixa sem os controles atinentes ao poder de tributar[14], além dos diversos casos de inadimplemento.

            O indigitado tributo, objeto deste trabalho, historicamente, sempre permeou nosso texto constitucional.

            Já na Carta de 1946, este tributo era previsto, em seu artigo 4º, que dispunha que “somente a união, em casos excepcionais definidos em lei complementar, poderá instituir empréstimo compulsórios”.

            O tratamento desta espécie tributária se tornou mais minucioso a partir da elaboração da Emenda 18/65, em cuja vigência se prolatou a Súmula n. 418 do STF. Ainda sob a vigência da emenda, surgiu o artigo 15 do CTN, traçando as hipóteses que autorizam a instituição dos empréstimos compulsórios, quais sejam:

Art. 15. Somente a união, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimo compulsórios:

I – Guerra externa ou sua iminência;

II – Calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis;

III – conjuntura que exija absorção temporária de poder aquisitivo.[15]

            Entretanto, com o advento da Carta Magna de 1988, os empréstimos compulsórios foram recepcionados no artigo 148, sendo derrogado o inciso III do artigo 15 do CTN. Desse modo, permaneceram no texto magno, o empréstimo para atender as despesas extraordinárias e aquele para o investimento público de caráter urgente e relevante interesse natural.

 

5.3 COMPETÊNCIA PARA INSTITUIÇÃO

 

            Competência tributária é a autoridade oriunda da Constituição que cada Ente Tributante possui para a instituição de tributos, no caso do empréstimo compulsório, é uma exação é um tributo federal, isto é, de competência tributária da União. Nesse passo, é defeso a um município instituir tal tributo. Do mesmo modo, é vedado ao Distrito federal e a qualquer outro Estado fazê-lo, incorrendo em usurpação da competência tributária, que por mandamento constitucional, foi outorgado à União. (SABBAG, 2013).

 

5.4 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE APLICADO AO EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO

 

Tal exação, como tributo autônomo, em comparação com as demais espécies, enquandra-se no art. 3º do CTN:

Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não se constitua em sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.[16]

Nas palavras do ilustre (SABBAG, 2013, p. 488):

Trata-se de um tributo compulsório, com submissão legal, uma vez que impõe uma obrigação ex lege de carrear para o Fisco o montante pecuniário mutuado. Assim, não se pode vincular o tributo à seara da “contratualidade”, pois, como vimos, trata-se de um evidente tributo, e como tal, voluntário não pode ser.

            Nesse diapasão, urge salientarmos que a instituição desta exação tributária se dá por meio de Lei complementar, e não por meio de leis ordinárias ou decretos dos chefes do poder executivo. Como é cediço, no Brasil persiste controvérsia doutrinária sobre se, por meio de leis delegadas, podem ser instituídos tributos. (SABBAG, 2013).

            A Constituição Federal, todavia, veda expressamente a utilização de tais normas jurídicas para a criação de empréstimos compulsórios, conforme se nota no § 1º do art. 1ºdo art. 68 da Carta Magna, vejamos:

Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.

§1º. Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre (...).[17]

            O cabimento da exação por meio de lei complementar, não é por acaso. Nas palavras de (AMARO, 2002, p. 51) exige a Constituição Federal o rigor formal da Lei complementar, certamente com o propósito de evitar os abusos que houve no passado.

 

5.5 PRESSUPOSTOS FÁTICOS

 

            As circunstâncias que deflagram os pressupostos do empréstimo compulsório estão previstas nos incisos I e II do art. 148 da Carta Constitucional, senão vejamos:

  1. Inciso I: despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência;
  2. Inciso II: investimento público de caráter urgente e relevante interesse nacional.

Desse modo, vemos que a Constituição Federal apresenta critérios formais e materiais para a instituição dos empréstimos compulsórios, adstringindo-se os critérios materiais a dois pressupostos indeclináveis que autorizam o uso da supracitada faculdade impositiva: despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência e investimento público de caráter urgente e relevante interesse nacional.[18]

            Os indigitados incisos expostos alhures merecem um detalhamento maior com relação aos seus aspectos, senão vejamos os dois:

  1. O entendimento de despesas extraordinárias:

            A “extraordinariedade”, por assim dizer, indica uma situação em que se fará necessária a utilização dos recursos do gravame, perante uma situação de anormalidade, não previsível, caracterizada pelo exaurimento dos fundos públicos do Tesouro.

            Nesse sentido o insigne o mestre nos ensina que “são aquelas absolutamente necessárias, após esgotados os fundos públicos, inclusive o de contingência. Vale dizer, a inanição do Tesouro há de ser comprovada” (COÊLHO, 1998).

            No que se refere a calamidade pública, tal pressuposto indica situações limítrofes, indicadoras de catástrofes da natureza ou hecatombes avassaladoras.

            Para (CARVALHO, 2005, p. 32) a noção de calamidade pública é mais lassa, podendo abranger até ‘outros eventos, de caráter socioeconômico, que ponham em perigo o equilíbrio do organismo social, considerado na sua totalidade’.

            Quanto a noção de guerra externa, o tributo deve estar consubstanciado a um pressuposto fático de guerra, ou seja, “conflito armado internacional”, cuja deflagração tenha sido perpetrada por nação estrangeira, independente de uma formal “declaração de guerra”, conforme aduz (LACOMBE, 2002).

  1. A noção de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional:

            O legislador constituinte trouxe esse pressuposto fático na Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo em que afastou a possibilidade de criação do tributo em face de conjuntura econômica limítrofe que exigisse a absorção temporária do poder aquisitivo da moeda.

            Tal noção deve traduzir os efeitos na base territorial nacional, não se justificando a criação da exação em uma determinada região do território.

 

5.6 NATUREZA JURÍDICA DO EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO

 

            Vale dizer que, qual seja a natureza jurídica dos Empréstimos compulsórios implica, em primeiro, definir o regime jurídico ao qual restará submetido.

            Como bem asseverou (RIBEIRO, 1985, p. 185) acerca do regime jurídico do empréstimo compulsório o único elemento comum aos esquemas do Empréstimo Compulsório, do imposto, da taxa, da contribuição de melhoria e das contribuições parafiscais, é o parâmetro da obrigatoriedade.

            Conforme ensinado por (MACHADO, 2007) a questão de saber se o empréstimo compulsório é, ou não é, um tributo, foi colocada diante o Judiciário quando o governo federal vinha se valendo esse instrumento como válvula de escape para suprir as deficiências de seu caixa sem os controles atinentes ao poder de tributar.

E os que sustentaram a natureza tributária do empréstimo compulsório o fizeram precisamente na tentativa de opor às pretensões do fisco os limites próprios do tributo.

A tese afirmativa da natureza tributária do empréstimo compulsório era fortalecida especialmente pela atitude irresponsável do governo, de permanente inadimplência, pois jamais devolvia as quantias cobradas a título de empréstimo. O Supremo Tribunal Federal já sumulou sua jurisprudência no sentido de que o empréstimo compulsório não é tributo, e a vigente Constituição Federal definiu um regime jurídico para os empréstimos compulsórios que parece haver desestimulado sua utilização pelo governo, que tem optado por instrumento mais adequado a seus interesses de arrecadar cada vez mais, as contribuições, em relação às quais parece precária a proteção constitucional do contribuinte. (MACHADO, 2007).

Seja como for, conta com aceitação praticamente unânime em nossa doutrina a tese segundo a qual o empréstimo compulsório é um tributo. Entendemos que não é, mas não é a divergência de opinião que nos faz considerarmos que o assunto está ainda a exigir alguns esclarecimentos. Todos nós temos o direito de termos e sustentarmos nossas opiniões, mas não devemos deixar de investigar as questões que nos sãos colocados apenas porque já temos opinião firmada sobre as mesmas.

Por outro lado, muitas divergências a respeito de teses jurídicas não se situam propriamente nas teses, mas nos conceitos nelas envolvidos. Ao questionarmos se empréstimo compulsório é tributo, temos de fixar primeiramente o conceito de tributo, sob pena de podermos entrar em divergências inúteis, intermináveis, que podem ter sede no conceito de tributo e não na natureza jurídica do empréstimo compulsório. Assim, vamos examinar aqui a questão da natureza jurídica dos empréstimos compulsórios buscando, em primeiro lugar, a definição de conceitos que a nosso ver são indispensáveis a uma conclusão segura.

Conclusão no sentido de que se trata de um tributo, ou de que não se trata de um tributo, mas, em qualquer caso, preservando a indispensável coerência, pois a final, todos temos o direito de ter e sustentar opiniões diferentes, mas temos todos, sempre, o dever da coerência. Como ensina Radbruch[19], invocando lição de Goethe, “as diversas maneiras de pensar acham afinal o seu fundamento na diversidade dos homens e por isso será sempre impossível criar neles convicções uniformes”. Entretanto, é possível existirem opiniões divergentes sem que em nenhuma delas exista incoerência.

Partimos por indicar o que se pretende dizer quando falamos em natureza jurídica de alguma coisa. Depois examinaremos os conceitos de tributo, e de receita pública, para a final nos situarmos no exame da questão de saber se os empréstimos tributários são, ou não são, espécies de tributo.

 

5.6.1 Definições

 

Quando elaboramos uma tese jurídica qualquer, partimos necessariamente de algum ou de alguns pressupostos para afirmar uma conclusão. Geralmente esses pressupostos são colocados como pontos pacíficos, mas nem sempre o são. É possível que compreensões diferentes a respeito de um pressuposto provoquem conclusões diferentes, vale dizer, é possível que a tese enseje divergências que, a rigor, não residem na tese propriamente dita, mas em um ou em alguns de seus pressupostos.

Assim, quando cogitamos de divergências a respeito da tese segundo a qual os empréstimos compulsórios são tributos, temos de verificar o que os contendores entendem por tributo. É possível que uma compreensão mais ampla desse conceito permita nele incluirmos os empréstimos compulsórios, enquanto uma compreensão mais restrita nos obrigue a uma conclusão diversa. E quando dizemos que o tributo é uma receita pública estamos colocando em questão outro conceito a respeito do qual também pode haver mais de uma compreensão. (MACHADO, 2007).

Nessa senda, há divergências doutrinárias acerca da natureza jurídica do gravame, considerando o que está disposto no art. 15 do CTN: A lei fixará obrigatoriamente o prazo do empréstimo e as condições de seu resgate, observando, no que for aplicável, o disposto nesta lei.

Por sua vez, a devolução ou restituição dos empréstimos compulsórios, é outro questionamento que se faz acerca da sua natureza tributária. Estes são, por natureza e por determinação legal, restituíveis, o que, de certo modo, os incompatibiliza com a definição de tributo.

É notório que a tese que afirma a natureza tributária do empréstimo compulsório sempre foi fortalecida, muito por conta da atitude displicente do governo, que permanecia sempre inadimplente, pois nunca devolvia a receita advinda do empréstimo.

Não obstante o posicionamento do Supremo Tribunal Federal em sentido divergente, os mais destacados tributaristas brasileiros defendem a natureza jurídica deste gravame.         Posicionamento, aliás, fortalecido à necessidade de se construir obstáculo ao abuso do governo na instituição e cobrança do empréstimo compulsório.

            Eminentes tributaristas como o mestre Ives Gandra Martins, se posicionam favoravelmente a autonomia tributária do tributo em estudo, enquadrando-os numa visão pentapartida das espécies tributárias.

            Na fundamentação dessa tese muitos se limitam a dizer que o empréstimo compulsório alberga todos os elementos do conceito legal de tributo, estabelecido pelo art. 3º do nosso Código Tributário Nacional. Nada dizem a respeito do significado palavra prestação, contida nesse dispositivo legal. E resta implícito que a ela atribuem um sentido amplo, que inclui a prestação meramente financeira, a simples transferência da posse do dinheiro, sem que seja necessária a transferência de sua propriedade.

E nesse ponto reside, com certeza, a razão essencial da divergência. Se à palavra prestação, no art. 3º do Código Tributário Nacional, atribuirmos o sentido de transferência patrimonial, ou econômica, com certeza não poderemos afirmar que o empréstimo compulsório alberga todos os elementos da definição legal de tributo porque, com certeza, ele não opera essa transferência. Entretanto, se a essa palavra atribuirmos o sentido de transferência simplesmente financeira do dinheiro que o obrigado leva aos cofres públicos, então poderemos, aí sim, afirmar que o empréstimo compulsório realmente alberga todos os elementos da referida definição legal. (MACHADO, 2007).

Os defensores da tese segundo a qual o empréstimo compulsório é um tributo argumentam, ainda, com o art. 4º do Código Tributário Nacional, sustentando que a restituição do valor do empréstimo, portanto, é inteiramente irrelevante. (MACHADO, 2007).

Os autores que afirmam ser o empréstimo compulsório um tributo utilizam geralmente o art. 4º do Código Tributário Nacional, argumentando ser irrelevante para a determinação da natureza específica do tributo a destinação ou aplicação do produto de sua arrecadação.

Esse argumento é equivocado, pelo menos por duas razões, a saber: Primeira, a de que a norma do art. 4º do Código Tributário Nacional não se refere à determinação da natureza tributária de uma receita, mas à determinação da natureza jurídica específica do tributo, o que é coisa bem diferente. Essa norma que afirma ser irrelevante a destinação do produto da arrecadação aplica-se ao caso em que se esteja buscando definir um tributo como imposto, como taxa, ou como contribuição de melhoria, que são as três espécies de tributo indicadas no art. 5º, do Código.

Não aos casos nos quais se esteja buscando definir a natureza jurídica de um ingresso de dinheiro nos cofres públicos, posto que alguns desses ingressos podem ter destinação especificamente estabelecida, que integra o seu regime jurídico. Segunda, a de que não se pode confundir a destinação de recursos que entram no patrimônio público, com o dever de restituir o que foi recebido a título de empréstimo. Uma coisa é dizer-se que os valores recebidos a título de empréstimo compulsório devem ser restituídos. Outra, bem diversa, é dizer se que os valores recebidos a título de empréstimo compulsório devem ser destinados às despesas, ou aos investimentos, que justificaram a sua instituição, como faz o parágrafo único, do art. 148, da Constituição Federal. O dever de restituir os valores tomados por empréstimo não se confunde com a aplicação que o Estado vai fazer desses valores.

Antes da Constituição Federal de 1988 os recursos arrecadados com um empréstimo compulsório podiam ter aplicações diversas, mas nenhuma delas se confundia com a sua restituição. Consciente da impropriedade do argumento, Amílcar Falcão preocupou-se com a reformulação do argumento, ampliando o conceito de aplicação. Por isto mesmo afirmou, como testemunha Gomes de Sousa, que o empréstimo compulsório é na verdade um imposto com aplicação determinada, sendo que esta aplicação se estende por toda uma circulação do dinheiro representado pelo produto do empréstimo, até um ponto final desta circulação, quer seria a reversão deste dinheiro a quem originariamente contribuiu. Esse argumento procura esconder que o empréstimo compulsório, exatamente porque não enseja o recebimento de recursos em caráter definitivo, não é uma receita pública.

 

5.6.2 O Tributo e a receita pública

 

            O empréstimo compulsório não é na verdade uma receita pública porque não transfere, em caráter definitivo, recursos financeiros do patrimônio particular para o patrimônio público. O regime jurídico do empréstimo contém norma que o faz essencialmente diferente do regime jurídico da receita púbica. (HARADA, 1994, p. 82) aponta, com propriedade, essa distinção, ensinando: O empréstimo não se confunde com a receita pública, que pressupõe o ingresso de dinheiro aos cofres públicos, sem qualquer retorno, ou seja, corresponde a uma entrada de dinheiro que acresce o patrimônio do Estado.

O empréstimo público não aumenta o patrimônio estatal, por representar mera entrada de caixa com a correspondência no passivo. A cada soma de dinheiro que o Estado recebe, a título de empréstimo, corresponde uma contrapartida no passivo, traduzida pela obrigação de restituir dentro de determinado prazo.

O empréstimo compulsório, a rigor, não é tributo e nem chega a ser uma receita pública, tal como no âmbito das empresas privadas um empréstimo eventualmente obtido de uma instituição financeira não é uma receita. A receita, convém repetirmos, como Baleeiro, é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo.

Todos os recursos financeiros recebidos pelos cofres públicos qualificam-se como entradas, ou ingressos. Entre eles estão as receitas, que implicam aumento do patrimônio público, e os denominados movimentos de fundos, que em nada acrescem esse patrimônio, pois nele ingressam gerando sempre um passivo, uma dívida, correspondente ao montante recebido.

 6 CONCLUSÃO

 

            Pelo exposto, resta-nos a conclusão do reconhecimento da natureza jurídico-tributária aos empréstimos compulsórios pelos motivos tantas vezes demonstrados neste trabalho.

            No que diz respeito à sua autonomia, é claro sua inegável independência frente às demais espécies tributárias, haja vista suas características próprias que lhe são presentes, a saber, sua restitutibilidade.

            Fato é que, a doutrina tributarista brasileira, ao reconhecer a natureza jurídica de tributo dos empréstimos compulsórios, visa, sobretudo, resguardar o cidadão contra as práticas abusivas do Estado. Assim, a doutrina que defendeu e defende a sua natureza jurídica, teve, sem dúvida, o mérito de influenciar o constituinte legislador, que cunhou um regime próprio para os empréstimos compulsórios.

            Quanto aos que persistem em condenar a natureza tributária bem como a autonomia dos empréstimos compulsórios, asseveramos a retumbante vontade do legislador em resguardar à exação regulação disposta no título VI, da Carta Magna, área reservada exclusivamente à seara jurídica da tributação.

            Ademais, ir em sentido contrário ao caminho do legislador é desdizer, a sua vontade, e subverter a ordem.

 

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[1] Constituição Federal de 1988, art. 150, inc. I.

[2] Constituição Federal de 1988, art. 150, inc. III, alínea b.

[3] Constituição Federal de 1988, art. 150, inc. III, alínea c.

[4] Constituição Federal de 1988, art. 150, inc. II.

[5] Constituição Federal de 1988, art. 150, inc. V.

[6] Código Tributário Nacional, art. 3º.

[7] Constituição Federal de 1988, art. 145, inc. II.

[8] Código Tributário Nacional, art. 77.

[9] Constituição Federal de 1988, art. 145, §2º.

[10] Código Tributário Nacional, art. 77.

[11] Constituição Federal de 1988, art. 145, inc. III.

[12] Código Tributário Nacional, art. 81.

[13] Constituição Federal de 1988, arts. 149, §1º, §2º, §3º e §4º; art. 149-A.

[14] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

[15] Código Tributário Nacional, art. 15.

[16] Código Tributário Nacional, art. 3º.

[17] Constituição Federal de 1988, art. 68, §1º.

[18] Constituição Federal de 1988, art. 148, inc. I e II.

[19] RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, tradução de L. Cabral de Moncada, 5ª edição. Coimbra:

Arménio Amado, 1974, p. 59.

Sobre o autor
Felipe Paiva da Costa

Advogado, especialista em Direito Previdenciário e Direito Administrativo.

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