Nas economias capitalistas, como na economia brasileira onde a própria Constituição Federal de 1988 adotou como modelo o capitalismo, é garantido ao particular a liberdade de iniciativa2, sendo o sistema produtivo marcado pela propriedade individual e pela livre iniciativa.
Nesse sentido, analisando os fundamentos da Constituição Federal de 1988, José Afonso da Silva3 descreve o real significado dos fundamentos constitucionais capitalistas:
Em primeiro lugar quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado na economia, a fim de valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV).
Neste cenário, toda atividade empresarial é necessária e essencial para o cumprimento dos fundamentos estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Assim, no âmbito negocial moderno, onde as fronteiras estão cada vez menos imperceptíveis, o contrato representa o instituto fundamental de transferência dos bens disponíveis no mercado, garantido que os objetivos constitucionais sejam alcançados.
Dentro deste panorama, o contrato de franquia é um modelo de contrato importantíssimo para a transferência de riqueza, tanto que teve início nos Estados Unidos em 1860, quando os industriais do Norte, com o objetivo de expandir os seus negócios, celebraram contratos comerciais com os industriais do Sul e do Oeste, para que passassem a distribuir, através da venda, produtos ou marcas que possuíam.
No entanto, o grande avanço na utilização do contrato de franquia foi após a Segunda Guerra Mundial, como aponta SÔNIA DAHAB4:
Para esses homens, geralmente com pouca ou nenhuma experiência anterior na condução de empresas, o franchising se tornou a saída mais adequada para a realização do sonho de se tornarem seus próprios patrões, inclusive com a facilidade de obtenção de financiamentos especiais junto à Small Busines Administration, um órgão governamental subordinado ao Departamento de Comércio Americano, que tem por função estimular a viabilidade, a implantação e a sobrevivência de pequenos negócios. Já naquela época havia a ideia de que a aquisição de uma franquia representava, na maioria dos casos, a alternativa financeira, e até socialmente menos onerosa, para aqueles que se desejavam se estabelecer por conta própria, mas não dispunham dos conhecimentos, da experiência ou da estrutura necessária.
No Brasil, o contrato de franquia também é utilizado há bastante tempo, uma das primeiras empresas brasileiras a utilizar este modelo foi a Stella, como aponta LINA FERNANDES5:
Seu empreendedor, Arthur de Almeida Sampaio, mesmo desconhecendo esse instituto, o colocou em pratica, selecionado seus representantes comerciais, que faziam os próprios investimentos necessários a instalação dos novos pontos. O uso da marca, previamente reconhecida no mercado, também era cedido pelo empresário.
No entanto, o aumento no volume de franquias deu-se em 1975, quando as empresas O Boticário, Água de Cheiro e outras começaram a disseminar em massa este modelo de negócio, buscando expandir os seus negócios que eram regionais, por todo o território brasileiro.
Uma das grandes responsáveis pela expansão do franchising no Brasil foi a Associação Brasileira de Franchising, criada 1987, pelos precursores do mercado brasileiro6. “De uma forma mais geral, a virada aconteceu mesmo na década de 1970. Era a época do “milagre econômico”, da popularização dos aparelhos de TV e do crescimento acelerado da classe média. O País que constava com apenas dois shopping certes (o Iguatemi, em São Paulo, e o Madureira no Rio de Janeiro, ambos inaugurados em 1966), passa por uma proliferação desses centros comerciais, o que acabaria se tornando um terreno férteis para o crescimento do franchising.”7.
O contrato de franquia pode ser classificado como um dos sistemas “mais bem concedido até hoje, em que os direitos de uso da marca e da tecnologia de negócios de uma empresa (franqueadora) são cedidos, contratualmente, a terceiros (franqueados), mediante determinadas condições: pagamento de uma taxa para ingresso no sistema do franqueador (taxa de franquia ou franchising) e de royalties, determinado percentual sobre suas vendas que o franqueado paga, periodicamente, ao franqueador.”8, onde “o franqueador, no geral dos casos, se compromete a ceder a marca, fornecer mercadorias ou técnicas para a prestação de serviços, tecnologia, apoio gerencial continuado, etc., beneficiando-se do pequeno investimento realizado para, agilmente, distribuir e comercializar seus produtos e/ou serviços. Já o franqueado beneficia-se de uma marca de prestigio, produtos ou serviços testados e aprovados pelos consumidores, redução substancial dos riscos e continuo apoio empresarial. Poderá o franqueado, em contrapartida, suportar uma taxa de filiação na rede e o pagamento continuo de royalties pelos serviços fornecidos pelo franqueador.”9.
Dentro desde modelo, o franqueador deseja expandir o seu negócio e o franqueado almeja adquirir um modelo de negócio consolidado, com maior chance de sucesso, onde os conhecimentos, processos, métodos e técnicas sejam transferidas pelo franqueador, que ao cumprir com as suas obrigações contratuais, estará transferido ao franqueado o know-how, elementos essenciais para a formação do contrato de franquia.
Ocorre que, atualmente, em decorrência da realidade brasileira, muitas pessoas buscam no contato de franquia uma solução para os seus problemas financeiros, imaginado que o caminho será mais fácil, em decorrência do franqueado ter prestigio na sua rede, ampla experiência no ramo de atividade e uma estrutura para dar toda a assistência necessária.
No entanto, como em todo contrato diversos problemas podem surgir ao longo do seu cumprimento, porém neste artigo nos limitaremos aos problemas criados pela má precificação do produto ou serviço objeto da franquia, que pode ocorrer em virtude de alguns negócios não estarem habilitados para serem franqueados e/ou o franqueado não possui o prestigio e a experiência no ramo de atividade necessários para viabilizar o negócio, o qual em muitos casos, nem sempre possui o tempo de maturação necessário.
A precificação é uma estratégia utilizada para calcular os preços de venda de um determinado serviço ou produto. Porém, elaborar essa política de preço é uma tarefa complexa, que quando não realizada dentro da realidade do negócio, provocará graves problemas, visto que quando o franqueador não possui a expertise necessária para precificar o produto ou serviço ele não leva em consideração a sua utilidade, aceitação pelo mercado, concorrência, economia do local da unidade, custo direito e indireto da operação, dentre outros fatores que poderão inviabilizar a operação em decorrência da má precificação do produto ou serviço.
O reflexo ocasionado pela má precificação pode ser desde a resolução do contrato por culpa exclusiva da má precificação, onde o franqueado buscará o ressarcimento pelos prejuízos ocasionados pelo franqueador, ou, em decorrência da inexistência de rentabilidade o franqueado passa a interferir diretamente na precificação dos produtos ou serviços objetos do contrato de franquia, em muitos casos abandonando os métodos de trabalhos desenvolvidos pelo franqueador, para iniciar a exploração do negócio de acordo com a sua própria convicção e método.
Franqueados mais experientes com os problemas ocorridos pela má precificação do preço realizada pelo franqueador vêm solicitando que, nos contratos de franquia sejam inseridas cláusulas com o objetivo de que o preço estabelecido seja condizente com os custos operacionais e com o preço praticado pela concorrência no mercado, possibilitando que a precificação seja revista sempre que for necessária, podendo ser solicitada sempre pelo franqueador ou franqueado.
Tal cláusula visa a proteção do investimento, pois os preços estão diretamente ligados ao desempenho de vendas, do qual sobrevive qualquer empresa. Porém, neste prisma, Adalberto Simão Filho10 diz:
Não deve o franqueado compactuar quanto estiver havendo abusos, no tocante aos preços do provisionamento, e quando existir no mercado materiais similares e não sucedâneos que poderiam também ser utilizados na produção ou industrialização dos bens de consumo, com o consequente barateamento de seu custo. Em casos como esses, os franqueados, dentro do espírito de parceria, deverão colocar ao franqueador o fato ocorrido, para que este, em o analisando, possa modificar a política de provisionamento, licenciando outras empresas para fornecimento mais em conta ou autorizando suas franqueadas a captar estes bens no mercado, em locais indicados previamente. A postura trará benefícios ao franqueador, realçando seus laços com os franqueados e, em consequência, para estes e consumidores finais que poderão adquirir o produto a preço mais acessível.
Neste sentido, os contratos devem ter uma linguagem acessível, que elimine ambuiguidade e interpretações subjetivas, que possam prejudicar as partes no cumprimento das suas obrigações e que revelam de maneira inequívoca os compromissos celebrados entre as partes de um contrato.
Desta forma, como mencionado pela doutrina, o franqueador e o franqueado devem analisar o contrato de franquia, primeiramente, como uma parceria, onde ambas as partes buscam um objeto central que para o franqueador é a ampliação do seu modelo de negócio e para o franqueado o retorno de seu investimento, ou, um novo recomeço.
Bibliografia Utilizada
BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e direito. São Paulo: Atlas, 1997.
BOJUNG, Luiz Edmundo Appel. Natureza Jurídica do contrato de “franchising”. RT 653/55-68, mar. 1990.
DAHAB, Sônia. Entendendo de Franchising, Salvador: Casa da Qualidade, 1996.
FERNANDES. LINA. Do Contrato de Franquia: Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
FILHO. Adalberto Simão. Franchising Aspectos Jurídicos e Contratuais. São Paulo: Atlas, 1993.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
Notas
2 Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
(...)
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
3 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. P. 720.
4 DAHAB, Sônia. Entendendo de Franchising, Salvador: Casa da Qualidade, 1996. P. 15.
5 FERNANDES. LINA. Do Contrato de Franquia: Belo Horizonte: Del Rey, 2010. P. 48.
7 Disponível em: https://www.livroabf.com.br/ acessado em 05/09/2019
8 BARROSO, Luiz Felizardo. Franchising e direito. São Paulo: Atlas, 1997. P.19.
9 BOJUNG, Luiz Edmundo Appel. Natureza Jurídica do contrato de “franchising”. RT 653/55-68, mar. 1990, P. 60.
10 FILHO. Adalberto Simão. Franchising Aspectos Jurídicos e Contratuais. São Paulo: Atlas, 1993. P. 73.