A quase desburocratização do georreferenciamento

22/10/2019 às 15:40
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Afinal, o que houve com o georreferenciamento depois de 4 de junho deste ano com a Lei Federal número 13.838? Com novidades pouco animadoras para os profissionais das áreas técnicas, passo a alguns comentários sobre o assunto.

Afinal, o que houve com o georreferenciamento depois de 4 de junho deste ano com a Lei Federal número 13.838?

 

Com novidades pouco animadoras para os profissionais das áreas técnicas, passo a alguns comentários sobre o assunto. 

 

Tornar as coordenadas de um imóvel rural conhecidas por um sistema de referência em mapeamento e imagens, o levantamento geodésico, certamente representa uma importante etapa de segurança jurídica na regularização dos imóveis rurais, a respeito disto não há dúvidas. 

 

A obrigação do georreferenciamento foi inserida na Lei de Registros Públicos de 1973 por uma alteração de 2001 (Lei Federal no. 10.627/2001), regulamentada pelo Decreto Federal no. 4.449/2002, e assim se tornou indispensável para evitar distorções ou fraudes no registro imobiliário, sobreposição de áreas, definindo descrição, limites, características e confrontações.

 

O referido decreto também estabeleceu os prazos para conclusão dos procedimentos de georreferenciamento, alguns ainda vigentes¹, diante de atualizações feitas em 2005, 2011 e 2018, determinando ainda o prazo até 2022 para os imóveis com área de vinte e cinco a menos de cem hectares; e 2024 para os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares.

 

Em 2013, um entendimento da 3a. Turma do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial no. 1.123.850-RS) passou a considerar necessário o georreferenciamento para identificar imóveis rurais objetos de ação de usucapião, considerando que, o imóvel, para efeito de registro público, deve ser plenamente identificado a partir de indicações precisas de suas medidas, características e confrontações, o que se faz por meio do georreferenciamento. 

 

No início de 2019, um outro entendimento do Superior Tribunal de Justiça, da mesma 3a. Turma (Recurso Especial 1.646.179-MT) entendeu como dispensável o georreferenciamento do imóvel rural em ações possessórias nos casos em que não houver alteração no registro do imóvel, já que, exatamente pelo fato de já haver sido realizado procedimento georreferenciado no imóvel, somente se justificaria em processos judiciais aptos a provocar alterações no registro imobiliário. 

 

E assim, o georreferenciamento passou a ser exigido para registro, transferência, desmembramentos e demais situações relacionadas às matrículas imobiliárias, mas, com anuência dos vizinhos. 

 

Ocorre que, na prática, já eram conhecidos os problemas com relação à anuência de confrontantes (vizinhos), o que na maioria das vezes acabava por alongar o tempo de conclusão destes trabalhos de certificação, um excesso de burocracia que acabava por inviabilizar medições precisas por meios tecnológicos. 

 

O georreferenciamento tornava-se um processo conflituoso e travado, como relatado por muitos engenheiros e eventualmente chegando aos escritórios de advocacia para as devidas providências em ações possessórias, demarcatórias, dentre outras. 

 

Pressupõe-se, nestes procedimentos, para a respectiva segurança jurídica, que não apenas estão presentes os requisitos de ordem técnica, como a habilitação do profissional competente, precisão tecnológica, emissão de Anotação de Responsabilidade Técnica – ART e elaboração de memorial descritivo, como também a homologação de todos estes requisitos pelo órgão competente (INCRA) por meio de certificado e posteriormente homologação em cartório. 

 

Em caso de dúvidas existem também procedimentos específicos para que sejam questionadas as referidas medições, tornando defasada, portanto, a exigência da informação pelos confrontantes. 

 

Com a nova lei deste ano (Lei Federal no. 13.838/2019), apenas os procedimentos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais e seus respectivos registros em cartório para qualquer situação de transferência, dispensou a anuência dos confrontantes, bastando a declaração do requerente de que respeitou limites e confrontações². 

 

Portanto, não se dispensa anuência dos confrontantes para averbação de georreferenciamento, mas apenas para os procedimentos de desmembramento, parcelamento ou remembramento, desburocratizando estes serviços, todavia, mantendo parcialmente o problema da anuência dos confrontantes nos demais imóveis ainda não georreferenciados e com prazo para conclusão destes trabalhos. 

 

Lembrando que, aquela primeira fase, junto ao INCRA, por meio da certificação junto ao Sistema de Gestão Fundiária – SIGEF, por intermédio de profissionais habilitados, está mantida, fase em que se analisa sobreposição do imóvel com as áreas confrontantes e nesta, de fato não há exigência de anuência, mas apenas no momento de seu registro em cartório, pois é uma determinação que parte da lei de registros públicos. 

 

Portanto, teoricamente, as “travas” aos trabalhos dos técnicos, surgem no momento do registro público, mantendo-se a sugestão de que, ausente a assinatura do confrontante, deve-se notificar pelo Oficial de Registro de Imóveis, pessoalmente ou pelo correio, com aviso de recebimento, ou, ainda, por solicitação do Oficial de Registro de Imóveis, para se manifestar em quinze dias, solucionando este impasse que, desta vez, infelizmente ainda não foi solucionado pelo Legislativo.

 

¹ Art. 10.  A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3o e 4o do art. 176 da Lei no 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9o, somente após transcorridos os seguintes prazos:

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(Redação dada pelo Decreto nº 5.570, de 2005)

 

I - noventa dias, para os imóveis com área de cinco mil hectares, ou superior;

 

II - um ano, para os imóveis com área de mil a menos de cinco mil hectares;

 

III - cinco anos, para os imóveis com área de quinhentos a menos de mil hectares;

 

(Redação dada pelo Decreto nº 5.570, de 2005)

 

IV - dez anos, para os imóveis com área de duzentos e cinquenta a menos de quinhentos hectares;

 

(Redação dada pelo Decreto nº 7.620, de 2011)

 

V - quinze anos, para os imóveis com área de cem a menos de duzentos e cinquenta hectares;

 

(Redação dada pelo Decreto nº 9.311, de 2018)

 

VI - vinte anos, para os imóveis com área de vinte e cinco a menos de cem hectares; e

 

(Redação dada pelo Decreto nº 9.311, de 2018)

 

VII - vinte e dois anos, para os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares.

 

(Redação dada pelo Decreto nº 9.311, de 2018)

 

² O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

 

Art. 1º  O art. 176 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescido do seguinte § 13:

 

“Art. 176.  ...................................................................................................

 

§ 13.  Para a identificação de que tratam os §§ 3º e 4º deste artigo, é dispensada a anuência dos confrontantes, bastando para tanto a declaração do requerente de que respeitou os limites e as confrontações.” (NR)

 

.  ...................................................................................................

 

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 

 

Brasília, 4 de junho de 2019; 198o da Independência e 131o da República.

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Advogado (OAB/MS 16.518), Consultor Jurídico e Professor nas áreas de Direito Agrário, Ambiental, Família, Sucessões e Políticas Públicas. Organizador das obras "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Contemplar, 2018) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Escreveu em coautoria as obras "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018); "Direito Apl

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