A eficácia da teoria da tripartição de poder em vistas ao autoritarismo.

Um estudo de caso sobre a modulação de freios e contrapesos aplicado a Medida Provisória 870, de 01/01/2019.

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Este artigo pretende em sua ótica de abordagem trazer a aplicação da teoria da tripartição de poderes sob a modulação do sistema de freios e contrapesos a tentativa de imposição de norma no sistema jurídico brasileiro em face da MP 870 de 01/01/2019.

Ao se tentar significar o poder se incorrerá as suas bases para que tal acepção seja cristalina como a dicotomica necessidade de se haver o detentor do poderio e o obidiente do mando. Apesar de se viver em uma era distante do absolutismo, cada vez mais se faz necessário o remembrar daquele díficil período histórico para que qualquer sombra de autoritarismo não se sobressaia a democracia.

Foi nessa proposta de um pacto a limitar o excesso de arbitrio pela autoridade advinda de Deus que surgem as concepções da teoria da tripartição de poderes e o sistema de freios e contrapesos que serão dialogados neste trabalho.

Justifica-se a discurssão desse tema e as referidas teorias o diário e harmônico confronto de normas a serem criadas e tentadas quando não aprovadas primariamente por um Poder e analisados, sancionado ou invalidados por outro no âmbito político, legislativo e jurídico do país a afetar a todos com os efeitos dessas modulações.

Diante dessa conjuctura é que se tem o problema: Em que medida o sistema de freios e contrapesos legitima a autoridade suprema da Constituição Federal de 1988?

De forma pretenciosa  se busca através de ampla discursão teórica alcançar o objetivo central qual seja demonstrar a máxima importância do sistema de freios e contrapesos para soberania da Constituição Federal.

Para que este anseio venha a lograr êxito se utilizará como metodologia a revisão bibliográfica alijado ao  estudo de caso da MP de demarcação de terras indígenas fruto da reforma administrativa sugerida pelo Poder Executivo, submetida a não aprovada pelo Congresso, tentada a sua repetição da matéria pelo executivo e inconstitucionalmente declarada pela guardiã de nossa Constituição.

Essa temática está estruturada em tópicos a começar com as concepções sobre o poder e autoritarismo, em seguida se explanará o conceito sobre a teoria da tripartição de poderes e o sistema de freios e contrapesos, a hierarquia das normas, a elaboração das leis por conseguinte a observação destes para que  por fim sejam feitas ponderações a cerca do estudo de caso.

A Tripartição de Poderes

Data-se de Aristóteles 384 a.c em sua obra Política os primeiros esforços para se representar a tripartição de poderes como o ideal em um sistema político. Deste período até a edição de o Espirito das Leis, de Montesquieu, registra-se no curso da história um a concepção de poder uno regido através de personificações divinas na terra. Retrata-se para este tempo o Absolutismo.

Este regime caracterizado pela absurda concentração de poder na pessoa do Rei, o tornavam seres sem limites com a autoridade para criar Leis ao seu bel prazer e necessidades, o que acaba por representar tamanha insegurança jurídica. Desse ilimitado poderio várias ingerências são transcritas como a instituição de impostos sem motivação cabível, a interferência em assuntos religiosos, os disparates de gastos bancados para sustentar luxos e extravagâncias, a intervenção na economia, e os tribunais de exceção.

Dessa época é que se tem a definição do Rei Sol, Luis XIV “O Estado sou Eu” como síntese da arbitrariedade instalada. O apoio a esse sistema tinha como representantes teóricos como Thomas Hobbes, Jacques Bossuet e Nicolau Maquiavel que defendiam que o poder dos Monarcas era dado por Deus e que os fins justificavam os meios.

Ao escrever a obra “O Espirito das Leis”, Montesquieu discorda com o pensamento absolutista instituindo uma retórica legalista em que a liberdade advém do respeito à Lei e a necessidade da tripartição de poderes como forma de contenção de abusos cometidos pelo Rei.

Dourado, Augusto e Rosa (2011) nos posiciona a reflexão política de Montesquieu que  parte das várias ideias de liberdade, mas fixa-se na sua própria acepção que consiste na liberdade de fazer tudo aquilo que é permitido pela lei. Pois se fizermos o que elas proíbem não teremos mais a liberdade já que o outro também poderia o fazer.

Logo após de se referir a liberdade política, Montesquieu afirma que todo homem que tem o poder tende a abusar dele, como confirmado pela história. Em vista disso, chega-se à conclusão de que é necessária uma organização na sociedade política, para que um poder possa ser freio do outro, um limitando o outro concomitantemente.

A repartição de um poder absoluto em três objetiva a ideia da formação de um Estado democrático de Direito com o exercício típico para cada um desses poderes a citar o Executivo a ter prerrogativas de administrar a complexa máquina estatal, o Legislativo com a responsabilidade de edição de leis e o Judiciário tendo o dever de julgar as demandas privadas e públicas.

Queiroz (2015) traz o entendimento as concepções já balizadas na obra de Montesquieu que há em cada Estado três tipos de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o poder executivo das que dependem do direito civil.

Pelo primeiro, o príncipe ou magistrado faz leis para certo tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que são feitas. Pelo segundo, declara a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga os litígios dos particulares. Chamaremos este último de poder de julgar; e o outro, simplesmente de poder executivo do Estado.

De forma a ratificar a ideia de um sistema legal orientado por uma maior liberdade, na visão de Montesquieu é que Nuno Piçarra faz menção a obra “Política”, em que o pensador Aristóteles cita a separação em três funções: deliberativa, executiva e judicial, separação essa que tem como base o conceito de constituição mista, presente em sua obra supracitada:

(...) “constituição mista, para Aristóteles, será aquela em que os vários grupos ou classes sociais participam do exercício do poder político, ou aquela em que o exercício da soberania ou o governo, em vez de estar nas mãos de uma única parte constitutiva da sociedade, é comum a todas. Contrapõem-se lhe, portanto, as constituições puras em que apenas um grupo ou classe social detém o poder político”. (Piçarra, 1989, p. 33)

Razoável o entendimento que só ocorrerá a fagulha para a formação e manutenção de um Estado democrático de Direito se a tripartição de poderes estiver sacramentada com instituições independentes exercendo de plano suas atribuições e quando acionadas influir com suas responsabilidades. Assim se sintetiza os argumentos do Barão:

 “Quando esses três poderes se encontram concentrados nas mãos de uma única pessoa ou grupo, não existe liberdade, pois esse cidadão ou grupo criará as leis de forma que sejam mais vantajosas para si próprio. Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter força de um opressor.

Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dós principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares.” (Montesquieu, 1748, p. 202).

Da tripartição dos poderes se tem como bom fruto o sistema de freios e contrapesos que em suma obriga o respeito ao progresso conquistado da formação em constituinte originário da Carta Magna e de disposições legalistas que nos resguardam a segurança jurídica. Este sistema emite seus valores a partir de sua posição em sede de poder para equilibrar decisões e demandas inconstitucionais, ilegais, desarrazoáveis e desproporcionais a um grupo social ou a toda sociedade.

            Para Barbosa e Saracho (2018) o princípio dos poderes harmônicos e independentes acabou por dar origem ao conhecido Sistema de “freios e contrapesos”, pelo qual os atos gerais, praticados exclusivamente pelo Poder Legislativo, consistentes na emissão de regras gerais e abstratas, limita o Poder Executivo, que só pode agir mediantes atos especiais, decorrentes da norma geral. 

Para impedir o abuso de qualquer dos poderes de seus limites e competências, dá-se a ação do controle da constitucionalidade das leis, da decisão dos conflitos intersubjetivos e da função garantidora dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, pelo Poder Judiciário.

Este sistema tenta abolir qualquer mantra absolutista e por si autoritário que fragilize o ideal de democracia. De sua primeira aplicação a partir da constituição francesa de 1789 apregoada por uma revolução, perpassando pela presente Constituição norte-americana e fincada em nosso ordenamento brasileiro a partir da Constituição de 1889, a republicana, pois a nossa Constituição histórica de 1822 traria ainda resquícios do poder monárquico absoluto instituindo o quarto poder, o moderador, em que o monarca dava o veto final sem intempestividades.

Hierarquia das Normas

É necessário se fazer referência ao austríaco jurista Konrad Kelsen (1881-1973) quando se discute a hierarquia das normas. Foi ele quem defendeu a tese que de um sistema jurídico piramidal de normas a serem respeitadas partindo do no topo com a Constituição e suas emendas, perpassando por Leis Complementares; Leis Ordinárias; Regulamentos; as chamadas Decisões normativas e as Normas individuais ou singulares na base. Portanto, pela ordem, temos a Constituição, as Normas Infraconstitucionais e as Normas Infralegais.

            Observa-se que neste sistema quando aplicado ao Brasil as Constituições e legislações Estaduais e do Distrito Federal e as Leis Orgânicas e outras legislações Municipais deverão respeitar os preceitos contidos na Constituição Federal e no caso das últimas aos grifos da Constituição Estadual sob a ameaça de serem impugnadas por um ato direto de inconstitucionalidade.

            De muita importância a concepção constitucionalista que as instituições (legislativo, executivo e judiciário) devem respeitar o conteúdo para que não haja a possibilidade de erros a limitar direitos e a representar a insegurança jurídica. É de grande valia esse entendimento que o legislador constituinte exprimiu cláusulas pétreas não tendentes a abolição e sim somente a aperfeiçoamento como descritos no Art. 60 da Constituição Federal de 1988 no seu § 4º.

“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I -  a forma federativa de Estado;

II -  o voto direto, secreto, universal e periódico;

III -  a separação dos Poderes;

IV -  os direitos e garantias individuais”. ( Edições Câmara, 2015. P.27).

Importante salientar que existem no bojo da Constituição Federal outras cláusulas pétreas e que de mesma magnitude devem ser respeitadas. Apresentadas a suma importância ao respeito das temáticas abordadas na lei maior de uma nação pode-se exprimir a rigidez para a emenda-la. Para o Eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Morais a nossa Constituição pode ser classificada quanto a sua rigidez com super-rígida.

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“Rígidas são as constituições escritas que poderão ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das demais espécies normativas (por exemplo: CF/88 - art. 60); por sua vez, as constituições flexíveis, em regra não escritas, excepcionalmente escritas, poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário. Como um meio-termo entre as duas anteriores, surge a constituição semi-flexível ou semirígida, na qual algumas regras poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário, enquanto outras somente por um processo legislativo especial e mais dificultoso. Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável.” (Morais, Alexandre. 2013, p. 32)

Do exposto acima pode-se notar que o legislador pátrio ao criar a Constituição Federal de 1988 quis garantir entre outros atributos a rigidez necessária para que não haja ataques deliberados por meio de normas inferiores e que fragilizassem instituições e garantias individuais. De tamanha importância a teoria kelseniana que a mesma solidifica o sistema de freios e contrapesos condicionando a interpretação e filtro segundo a carta maior.

            O fruto só terá boa recepção se sua arvore não estiver envenenada e a situ isto temos que tanto o Poder Legislativo, e este entre todas as esferas federativas, juntamente com o Poder Executivo devem a devida atenção ao se elaborar normas para que no fim as mesmas não sejam reprendidas pelo controle de um outro poder ou comumente do Poder Judiciário.

De forma bem didática o Conselho Nacional de Justiça (2019) em pesquisa ao seu site nos posiciona sobre a modulação de norma em face de arbitrariedade frente a Constituição Federal como sendo do Poder Judiciário a palavra final sobre a constitucionalidade de leis no Brasil.

O Poder Executivo e o Legislativo detêm controles prévios à vigência da norma, como, por exemplo, veto jurídico presidencial, comissões temáticas. Uma vez em vigor, cabe aos Tribunais aferir se o ato normativo é ou não compatível com a Constituição Federal.

Para o exame, o ordenamento jurídico admite duas vias de controle: difusa e concentrada. Todo órgão judicial exerce, dentro de sua competência, o controle difuso. Nessa via, o juiz deixa de aplicar lei que, no caso concreto, revela conteúdo incompatível com a regra constitucional. Nesse caso, questiona-se a compatibilidade de modo indireto, em face de uma situação particular, por meio de um incidente processual.

Já o controle concentrado se limita ao Supremo Tribunal Federal (STF) quando a norma paradigma é a Constituição Federal e aos Tribunais de Justiça Estaduais, quando a norma paradigma é a Constituição Estadual. Nele, verifica-se a constitucionalidade do texto legal em si, isto é, da norma em abstrato. A análise, portanto, independe de aplicação a um caso concreto.

Os tribunais só podem declarar inconstitucionalidade por voto da maioria absoluta do Plenário ou do seu Órgão Especial. Assim, o quórum no STF é de 6 dos 11 ministros. Trata-se da cláusula de reserva de Plenário.

Quatro dispositivos, previstos na CF e regulados em 1999, servem ao controle concentrado: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO)

Todo esse controle objetiva dar a república a sua supremacia necessária para o Estado se solidifique como liberal em vistas de qualquer risco de intransigência e intolerância advinda do acumulo de poder. Presume-se ser um método, sistema de freios e contrapesos tendo como luz a constituição, a dirimir atitudes subjetivas tendenciosas que certamente fragilizam a democracia quando empregadas e expõe a insegurança a todos. Entretanto, José Carlos Buzanello nos infere sobre a impotência 

desse sistema sendo necessário um acordar entre os governados para que não se viabilize tamanho poder despótico:

“A supremacia constitucional e o respectivo controle constitucional das leis decorrem, em termos gerais, da sistematização teórica do Estado liberal. As democracias constitucionais estabeleceram o princípio da primazia da lei, onde todo o poder político tem de ser legalmente limitado e controlado por instituições específicas. A positivação do ordenamento estatal e de princípios orgânicos na Constituição escrita é fruto de uma valoração político ideológica liberal, que exigia direitos e garantias das liberdades fundamentais. O primado de certeza da lei, concepção dominante do Estado liberal, informa que o Estado persegue seus fins só dentro das formas e limites do direito, e deve garantir aos cidadãos a certeza de sua liberdade jurídica. E, se o Estado interferir nos direitos subjetivos dos indivíduos, apenas justifica sua ação com uma lei geral provinda dos poderes estatais, resultando o controle constante da produção legiferante e de atos do Executivo. O controle de atividade da Administração Pública é mantido, às vezes, para garantir a subordinação de um órgão do Estado a outro, ou para fiscalizar o cumprimento da lei e, por fim, para garantir e tornar eficaz a liberdade jurídica do cidadão. Da racionalização da atividade política, firmou-se um “pacto de poder” entre o Estado e a sociedade civil, consubstanciado num documento solene, escrito, que denominamos modernamente de Constituição Política. Este “contrato político” estabelece as regras do jogo e partilha do poder, como também a acomodação de interesses de grupos sociais e econômicos com capacidade de participar ativamente do controle do sistema político. Com o fenômeno constitucionalista do século XVIII, foram racionalizadas as ações políticas do Estado, mediante controle político e jurídico, dos freios e contrapesos do poder pelo próprio poder, ou mecanismos não-estatais de defesa social, como o direito de resistência. A teoria dos freios e contrapesos do poder político surgiu como um grande achado da engenharia política liberal, superestimando sua capacidade de controle absoluto do poder estatal. A experiência constitucional tem largamente demonstrado que os freios e contrapesos, como procedimentos de controle das manifestações dos agentes políticos, são insuficientes para acobertarem toda a problemática política. Os instrumentos de controle do poder não-estatal envolvem uma relação entre governantes e governados, onde estes podem invocar o legítimo direito de resistência ao reagir às ações despóticas do Governo, quando falharem os freios e contrapesos do poder do Estado” (Buzanello, 1997, p. 31)

 

Elaboração de Leis

Advindo a hierarquia de normas que postula um padrão a ser seguido com o papel central da constituinte originária em propor o texto de topo, Constituição Federal, e em consonância ao processo de recepção de normas temos Leis anteriores a 1988 validadas, a exemplo dos Decretos-Leis 2848/40 e 3689/41, respectivamente Codigos Penal e de Processo Penal. O pós constituinte terá entre suas atribuições o dever de elaboração de Leis. Delegou-se ao Legislativo os procedimentos cabíveis para proposição e aprovação de normas.

Felisbino citando Silva (1976) nos ajuda a compreender que “o processo legislativo é um conjunto de atos “(...) realizados pelos órgãos legislativos visando à formação das leis constitucionais, complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos” (p. 98).

            É de suma importância atentar que as ideias que irão compor os objetivos da nova Lei, de iniciativa das casas legislativas ou popular, deverão obrigatoriamente passar por ritos através de comissões.

Soares (2019), esclarece o papel das Comissões para se fazer uma lei sobre determinado assunto um Deputado ou Senador apresenta o projeto para que seja discutido e aprovado pelos seus colegas. Nesse caso, o projeto deve, inicialmente, ser examinado pelas comissões, que são órgãos especializados por área, com um número reduzido de parlamentares.

Ao analisar o projeto, a comissão fará um parecer dizendo se ele deve ser aprovado, com ou sem modificações, ou rejeitado, haja vista o que diz a Constituição Federal sobre o assunto, se há dinheiro para que a medida seja executada, se a ideia é meritória ou se já há lei tratando do mesmo assunto.

Imprescindível o entendimento  que a Lei tem suas especificidades como quórum para serem aprovadas e outras diferenças. A Constituição Federal elenca um rol de normas compreendidos a serem elaborados pelo processo legislativo:

“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I - emendas à Constituição;

II - leis complementares;

III - leis ordinárias;

IV - leis delegadas;

V - medidas provisórias;

VI - decretos legislativos;

VII - resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis” ( Edições Câmara, 2015. P.27).

Referendado o dispositivo legal se faz necessário o entendimento de cada um destes a começar pela Lei Complementar que segundo Santiago (2019) a Lei complementar é a espécie normativa sujeita a um processo legislativo especial e com matéria própria. Serve para regular os assuntos que o legislador constituinte entende de importância fundamental.

Ao mesmo tempo, o conteúdo da lei complementar não pode ser alterado por lei ordinária devido aos critérios de aprovação. Do mesmo modo, matéria reservada à lei complementar não poderá ser disciplinada por lei ordinária, sob pena de inconstitucionalidade da lei por violar preceito constitucional que determina a reserva de competência de algumas matérias ao âmbito da lei complementar.

A diferença entre lei ordinária e lei complementar reside em dois aspectos: o material e o formal. No aspecto material, temos assuntos que obrigatoriamente devem ser regulamentados por lei complementar. A lei ordinária, por sua vez, é residual, pois trata das matérias que a constituição não exija regulamentação por lei complementar, decreto legislativo ou resolução.

A segunda distinção é formal e refere-se ao quorum de aprovação da lei complementar, que é de maioria absoluta, enquanto o quorum de aprovação da lei ordinária é de maioria simples

Compreende-se como Lei ordinária ainda na visão de Santiago (2019) como o Instituto  que aborda assuntos diversos nas áreas penal, civil, tributária, administrativa, regulando quase todas as matérias de competência da união, com sanção do presidente da república.

O projeto de lei ordinária é aprovado por maioria simples e pode ser proposto pelo presidente da república, deputados, senadores, Supremo Tribunal Federal (STF), tribunais superiores e procurador-geral da república. Os cidadãos também podem propor tal projeto, desde que subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado do país, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles.

O Artigo 68 da Constituição nos esclarece o que seja a Lei Delegada:

“As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.

§ 1º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa 

da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:

I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;

II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;

III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

§ 2º A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.

§ 3º Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda”. ( Edições Câmara, 2015. P.29).

Santiago (2019), em uma pespectiva explanativa contribui com o entendimento sobre os Decretos Legislativos que se regula como um ato destinado à veiculação das matérias de competência exclusiva do congresso nacional. Tais matérias estão elencadas em sua maioria no artigo 49 da constituição federal. A respeito das Resoluções tem-se a evidência por ser um ato administrativo normativo emitido por autoridade superior, com a finalidade de disciplinar matéria de sua competência específica.

Invertida a ordem, propositalmente, temos o sentido a ser dado as Medidas Provisórias que para Santiago (2019) se caracteriza consoante a edição pelo presidente em casos de relevância e urgência. Com força de lei e vigência imediata, perdem a eficácia caso não convertidas em lei pelo congresso nacional em até sessenta dias, prorrogáveis por igual período.

Tal instrumento foi criado para dar ao presidente uma dinâmica político-administrativa sem que ficasse caracterizada intromissão nas atividades do poder legislativo. A constituição, em seu artigo 62, estipula que em caso de relevância e urgência, o presidente pode fazer uso de medida provisória com força de lei, devendo esta ser submetida imediatamente ao congresso, que terá prazo de cinco dias para se reunir, após convocação extraordinária, caso esteja em recesso.

Ao ser editada, entra em vigor por 60 dias, prorrogáveis por mais sessenta, quando passam a trancar a pauta do congresso e precisam ser apreciadas. Após este prazo, se o caso o congresso não converta a medida provisória em lei, esta perde sua eficácia e, assim, caberá ao congresso disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

Controle de Constitucionalidade

Segundo Masson (2015), no Brasil, dois tipos de Controle de Constitucionalidade são adotados: controle na modalidade preventiva e controle na modalidade repressiva. O controle preventivo é aquele que atinge Projetos de Lei e propostas de Emenda Constitucional, ou seja, espécies normativas que ainda estão em fase de confecção. Por outro lado, o controle repressivo, cuida das análises das normas que estão sendo produzidas. “Atinge a norma que já passou pelo processo legislativo, mesmo que esta esteja no processo de vacatio legis (não esteja produzindo seus efeitos)”,

O Controle Judicial Preventivo é feito pelo Poder Judiciário, que verifica e evita violações ao princípio de separação dos Poderes. O Judiciário é acionado depois que a Norma está pronta. Esta é uma modalidade de controle excepcional feita para a separação de poderes.

É acionado por um parlamentar que vai impetrar um Mandado de Segurança (MS) na defesa de seu direito líquido, em relação ao processo legislativo e funciona todas as vezes que identificar que alguma proposição legislativa tramita em desarmonia com as regras formais/procedimentais estabelecidas na CF. Eventuais vícios de cunho material não podem ser discutidos neste MS, conforme firme jurisprudência do STF.

A interpelação do judiciário, por meio desse MS, é de legitimidade exclusiva do parlamentar, de acordo com sua Casa. Desta forma, se o parlamentar que impetrar o MS atuar em esfera Federal (Senador ou Deputado), a competência para o processo e o julgamento será do STF.

Consoante entendimento do STF, o parlamentar Federal legitimado é aquele que integra a Casa Legislativa na qual a proposição se encontra.

“No entanto, a perda superveniente de titularidade do mandato legislativo tem efeito desqualificador da legitimidade ativa do parlamentar. Isso porque ele só apresentou o MS apoiado nessa específica condição político-jurídica. Desta forma, a perda da condição de parlamentar ocasiona a prejudicialidade da ação mandamental”. (Masson, 2015, p.1117)

Segundo o STF, a aprovação parlamentar do projeto de Lei ou da proposta de Emenda Constitucional também é hipótese que caracteriza a extinção da ação 

sem análise de mérito. Por fim, segundo a professora, vale recordar que o STF também admite Controle Judicial Prévio por meio de MS impetrado por parlamentar para impugnar PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que seja manifestamente ofensiva à cláusula pétrea.
     Quando a norma procedimental violada encontra-se no Regimento Interno da Casa Legislativa, o STF tem deixado de intervir, entendendo que a sua interpretação é questão interna corporis ao Parlamento. Logo, a solução deve ser dada pelo próprio Poder Legislativo, visto que estas questões internas não se sujeitam à apreciação do Judiciário.

Estudo de caso.

            O Estudo de caso deste artigo aborda da edição da Medida Provisória 870 de 01 de janeiro de 2019, data de posse do então eleito democraticamente Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, até o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

O julgamento em questão teve como relator o Eminente Luís Roberto Barroso que ao examinar o pedido de cautelar, traçou o histórico do debate em torno da questão. Em 1 de janeiro de 2019, o presidente da República editou a MP 870, que atribuía ao Mapa a competência para identificar, delimitar, demarcar e registrar as terras tradicionalmente ocupadas por indígenas.

O Ministro deferiu liminar nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6172, 6173 e 6174 para suspender trecho da Medida Provisória (MP) 886/2019 que transferia a competência para a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Em sua decisão, o ministro destacou que a reedição de norma rejeitada pelo Congresso Nacional na mesma sessão legislativa viola a Constituição da República e o princípio da separação dos poderes.

A medida foi objeto da ADI 6062, em que o ministro indeferiu cautelar, por entender que a restruturação de órgãos da Presidência da República se inseria na competência discricionária do chefe do Executivo e que a MP estava sob a apreciação do Congresso o que demonstra a luz da separação dos poderes o respeito a função típica do poder Executivo.

Na sequência, o Legislativo rejeitou a transferência de atribuição, e o projeto de lei de conversão da MP 870, com a supressão desse ponto, dando ao congresso 

os poderes consignados a teoria de Montesquieu. Foi aprovado e convertida a MP na Lei 13.844/2019.

Sobreveio, então, a MP 886, que alterou justamente a mesma lei para reincluir na norma a previsão que havia sido rejeitada pelo Congresso, o que fere ditames da Constituição em seu artigo 62, parágrafo 10,  que impede a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido a sua eficácia por decurso de prazo.

Observa-se assim o vigor da teoria Kelsiniana em atribuir a CFRB/88 poder máximo perante outras normas em conjunto das ideias de Aristóteles ratificadas por Montesquieu sobre a importância da tripartição de poderes, pois caso mantido o autoritarismo não há de se falar em modulação e sim em absolutismo.

Além do caráter explícito da norma constitucional, lembrou precedente recente da ministra Rosa Weber em que se firmou a tese de que “é inconstitucional MP ou lei decorrente de medida provisória cujo conteúdo normativo caracterize a reedição na mesma sessão legislativa de medida provisória anterior rejeitada”.

A ministra Cármen Lúcia cumprimentou o presidente do STF, Dias Toffoli, por incluir a matéria já na primeira sessão de abertura do semestre judiciário e lembrou que, apesar de se tratar de reedição de medida provisória, o tema é importante para a sociedade brasileira. “Se a cautelar não fosse dada pelo ministro Barroso, teria gerado enormes dificuldades quando, no dia 27 de Julho de 2019, houve gravíssimo problema no Amapá com índios em terra demarcada sendo afrontadas – inclusive com morte de um cacique. A dificuldade estava em qual seria o órgão responsável para tratar de matéria, uma vez que só se entra em terra demarcada com a Força Nacional ou com autorização judicial. A inclusão do órgão responsável por essa matéria não é só a estrutura administrativa”,

O decano, ministro Celso de Mello, relembrou a ADI 293, da qual foi relator. Nesse julgamento da década de 1990, o ministro Paulo Brossard inicia seu voto com perguntas retóricas: “A Constituição está acima das medidas provisórias? Ou as MPs acima da Constituição? A Constituição não passa de ornamento, a ser exposto nos dias tranquilos e amenos? Ou a Constituição é um instrumento de governo a ser cumprido e a ser respeitado dia a dia, sejam pacíficos ou tormentosos os tempos e tanto mais necessário quanto maior a borrasca.”

Para o decano, a reedição de MP expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional no curso da mesma sessão legislativa traduz “inaceitável afronta à autoridade suprema da Constituição Federal”. Representa “inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental de separação de poderes, consagrada no artigo 2º da CF”.

Para este o comportamento do atual presidente, revelado na atual edição de MP rejeitada pelo Congresso no curso da mesma sessão legislativa, traduz uma clara e inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição Federal e uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de poderes. É preciso repelir qualquer ensaio de controle hegemônico do aparelho de Estado por um dos poderes da República.

Considerações Finais

Este trabalho tentou por em evidência que mesmo passado longícuos séculos em que o Absolutismo se tolerava como forma impugente de poder o atual mantro da democracia se encontra em constantes ataques. É fundamental a importância da modulação de normas entre os três poderes vistos através do sistema de freios e contrapesos para que as garantias de um Estado democrático de Direito viverem sempre  em respeito e a manter a ordem visando o progresso sem dar exôdo a direitos fundamentais e por conseguinte a Constituição Federal se mantenha legitima como autoridade suprema. A época de poderes ilimitados e do autoritarismo devem ser um aprendizado para que não sejam repetidos sob o risco de avanços estarem perdidos.

REFERÊNCIAS

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