A atuação brasileira na garantia dos direitos aos refugiados e migrantes venezuelanos

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5. As decisões do Governo Federal

No que se refere as medidas tomada pelo Governo Federal para tentar solucionar a chamada “crise” em Roraima, tem-se um atrito muito peculiar com relação ao governo do estado de Roraima e ao Governo Federal. Segundo matéria do jornal O Globo6, em maio houve uma reunião entre os governos mediada pela ministra do STF Rosa Weber. As soluções previstas pela governadora de Roraima seriam duas: mais dinheiro para o estado e a suspenção da entrada de venezuelanos no país por Roraima. A decisão de suspender a entrada de venezuelanos por vias fronteiriças estava fora dos planos do governo federal, totalmente um aspecto inegociável. Contudo, os governantes de Roraima chegaram a afirmar poderia avançar juridicamente para conseguir essa suspensão, alegando inclusive, que a população do estado estaria sofrendo economicamente, já que empregos da construção civil estaria sendo reservados para imigrantes (por terem mão de obra barata) e os serviços públicos atuais só estariam beneficiado tais estrangeiros. Pensamento este que se pode até ser assemelhado com discursos europeus recheados de xenofobia e preconceito.

Durante o Governo Temer, algumas medidas jurídicas emergenciais foram adicionadas para facilitar a burocracia e a vida de imigrantes no Brasil, principalmente venezuelanos. No dia 25 de julho, Temer publica uma Medida Provisória que rege sobre ações emergenciais especiais aos venezuelanos (MP 820/2018, convertida futuramente para a lei nº.13.648/2018). O texto propõe medidas de assistência emergencial para acolher imigrantes oriundos da Venezuela, são ações emergenciais nas áreas de educação, proteção social, saúde educação, segurança pública, alimentação e Direitos Humanos. Na prática, as medidas refletem mais ofertas no sistema educacional, na qualificação profissional do imigrante e na manutenção de infraestrutura e saneamento para as famílias que vivem em situação precária. Contudo, de origem, o texto legal previa cotas para as unidades da federação preencherem com imigrantes da Venezuela, todavia, esse dispositivo foi vetado pois geraria possíveis negativas de recebimentos por parte dos estados.

O objetivo mais importante do Governo Federal é a interiorização dos imigrantes, evitando assim que se concentrem e saturem os serviços públicos de um determinado estado, como argumentam o governo de Roraima. Assim, o Governo Federal tem se esforçado para tentar deslocar imigrantes para o resto do Brasil7, seja com acordo com os estados, ou seja, com atuações em ONGs espalhadas por todo território brasileiro.


6. Decisão de Rosa Weber

A decisão mais atual, oriunda da Ministra do STF Rosa Weber, foi expressamente contrária ao Decreto 25.681/2018 de Roraima, suspendendo-o de forma cautelar. A ministra argumenta, entre outros detalhes, que o fechamento da fronteira é um ato direto contrário a Constituição e os tratados internacionais já ratificados pelo Brasil.

Nessa linha, não se justifica, em razão das dificuldades que o acolhimento de refugiados naturalmente traz, partir para a solução mais fácil de “fechar as portas”, equivalente, na hipótese, a “fechar os olhos” e “cruzar os braços”. Destaco, por fim, que o tratamento do ser humano estrangeiro, à luz do direito constitucional, já foi objeto da análise desta Corte Suprema no RE 587.970 (Plenário, j.20.4.2017, Dje 22.9.2017), sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que se reconheceu o direito aos estrangeiros residentes no país, ainda que circunscrito àqueles em situação regular, de receber benefício social, forte no princípio da dignidade humana. (ROSA WEBER, 2018 p 8)

Rosa Weber ainda adiciona que, o cumprimento das medidas decretadas pela governadora de Roraima, claramente restritivas, poderia acarretar a privação de indivíduos não apenas na esfera estadual, mas também configuraria a dificuldade de acesso ao procedimento para obter refúgio no Estado de destino, nesse caso o Brasil. Decisões assim não podem contrariar os compromissos firmados na esfera internacional, para que o Brasil possa permanecer disponível no que se refere a proteção internacional dos refugiados.

Ainda, estende o entendimento para situações que podem não se enquadrar na definição de refugiados, como imigrações irregulares de pessoas em situações de vulnerabilidade, tal situação, segundo a ministra, fazem jus de forma integral à proteção geral que é conferida pelos instrumentos originários da proteção dos direitos humanos, podendo assim ser aplicada e entendida a todo e qualquer fluxo migratório irregular, conforme está previsto na Declaração de San José sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas, firmado em 1994. (ROSA WEBER, 2018, p 29-30)

Assim, a decisão de Rosa Weber expressa que a decisão de fechamento de fronteira não cabe a um decreto estadual ou a uma decisão jurídica de primeiro grau. Afirma que essa decisão cabe exclusivamente ao presidente da República.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A crise na Venezuela vai desencadear consequências nos países vizinhos. As questões políticas, econômicas e sociais acabam por tomar proporções que podem afetar as relações internacionais entre Brasil e Venezuela ou até mesmo desestabilizar a política internacional da América do Sul que historicamente possuem cooperação entre nações. A situação de Roraima, estado brasileiro que faz fronteira com a Venezuela, está recebendo uma quantidade enorme de venezuelanos fugindo da crise política e econômica, os governantes alegam que o estado está completamente superlotado e isso acaba gerando instabilidade local.

As decisões tomadas pelo governo estadual de Roraima, principalmente a de fechar as fronteiras, configura uma ação internacional negativa em frente a outros atores. Conforme a Ministra do STF Rosa Weber elenca, as decisões inseridas no Decreto 25.681/2018 de Roraima são de natura inconstitucional e vão de encontro principalmente com convenções e tratados internacionais nos quais o Brasil foi e é signatário até os dias atuais. Ainda, conforme a própria Ministra, a quantidade numérica de venezuelanos recebidos nos últimos anos (mesmo desestabilizando o estado de Roraima) é quase que insignificante se houver uma comparação com o tamanho territorial do Brasil e até mesmo com outros países que costumeiramente recebem estrangeiros (legal ou ilegalmente).

Por fim, as decisões tomadas unilateralmente pelo estado de Roraima e pelo poder judiciário federal do estado ferem princípios constitucionais e atritam com decisões internacionais. Para conter isso, o governo Temer entende que é necessária uma realocação dos venezuelanos objetivando uma interiorização deste fluxo migratório, respeitando assim a Constituição Federal de 1988, tratados internacionais e por fim, a harmonia política e diplomática na América do Sul, que o Brasil historicamente assume papel de líder quando se trata de representar países latinos.


Referências

AHLERT, Mara; ALMEIDA, Alcione. A inclusão social das pessoas na condição de refugiado no Brasil à luz dos Direito Humanos. Barbarói. Santa Cruz do Sul, Edição Especial nº. 47, p 09-21, jan/jun. 2016

BRASIL. Decreto nº. 4.246, de 22 de maio de 2002. Promulga a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas. Brasília, DF, mai 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2002/D4246.htm>. Acesso em 06 de agosto de 2018.

BRASIL. Decreto nº. 50.215, de 28 de janeiro de 1961. Promulga a convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, concluída em Genebra, em 28 de julho de 1951. Brasília, DF, jan 1961. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D50215.htm>. Acesso em 05 de agosto de 2018.

BRASIL. Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto do Refugiado de 1951, e determina outras providências. Brasília,DF,julde1997.Disponívelem:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9474.htm>. Acesso em 05 de agosto de 2018

BRASIL. Lei 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Brasília, DF, mai 2017. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13445.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2018.

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BRASIL. Lei nº. 13.684. de 21 de junho de 2018. Dispõe sobre medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária; e dá outras providências. Brasília, DF, jun 2018. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Lei/L13684.htm>. Acesso em 12 de agosto de 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tutela provisória na ação civil originária 3.121 Roraima. Relatora Ministra Rosa Weber, Brasília, 08 de agosto de 2018. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ACO3121tutela.pdf. Acesso em: 10 19 de agosto de 2018.

CÁRITAS BRASILEIRA. Cáritas Brasileira lança campanha para sensibilizar o país na acolhida de venezuelanos. Disponível em: <https://caritas.org.br/caritas-brasileira-lanca-campanha-para-sensibilizar-o-pais-na-acolhida-de-venezuelanos/36587>. Acesso em 21 de agosto de 2017.

CÁTEDRA SÉRGIO VIEIRA DE MELLO/UFRR. Perfil sociodemográfico e laboral da imigração venezuelana no Brasil. Conselho Nacional de Imigração. Brasília, DF: CNIg, 2017.

COSTA FILHO, J. L. R. da. A camuflagem do paraíso: a abordagem midiática na visibilidade mundial do Arquipélago Chagos. 2017. 29f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Relações Internacionais) - Universidade Estadual da Paraíba, João Pessoa, 2017

FERNANDES, Duval e FARIA, Andressa Virgínia de. O visto humanitário como resposta ao pedido de refúgio dos haitianos. Rev. bras. estud. popul. [online]. 2017, vol.34, n.1, pp.145-161.

MARQUES, Andressa Clycia; LEAL, Marília Daniella. Migrantes venezuelanos no Brasil: cooperação como meio para garantir direitos. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITOS DIFUSOS, 01, 2017. Campina Grande. Anais. Editora realize, 2017

MOREIRA, Júlia Bertino. Política em relação aos refugiados no Brasil: interação entre atores na arena institucional. In: ENCONTRO NACIONAL DA ABRI, 3, 2011. São Paulo, Anais. ABRI, 2011.

NOVO, Benigno Núñez. Migração na visão da nova lei. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 22, n. 5256, 21 nov. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/62152>. Acesso em: 19 ago. 2018

RORAIMA. Decreto 25.681, de 01 de agosto de 2018. Decreta atuação especial das forças de segurança pública e demais agentes públicos do Estado de Roraima em decorrência do fluxo migratório de estrangeiros em território do Estado de Roraima e dá outras providências. Diário Oficial do Estado de Roraima. Boa Vista, RR. 01. ago 2018. Pag 2.


Notas

1 Dados disponíveis em: https://www.migrante.org.br/index.php/migracao-haitiana2/373-haitianos-no-brasil-dados-estatisticos-informacoes-e-uma-recomendacao. Acesso em 12 de agosto de 2018

2 Dados disponíveis em: https://news.un.org/en/story/2017/08/564102-human-rights-violations-indicate-repressive-policy-venezuelan-authorities-un#.WabbMT596rw. Acesso em 10 de agosto de 2018

3 Dados disponíveis em: https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,tribunal-da-onu-abre-investigacoes-preliminares-sobre-abusos-na-venezuela,70002183057. Acesso em 10 de agosto de 2018

4 Alto Comissariados das Nações Unidas para Refugiados

5 Dados disponíveis em: <https://www.hrw.org/pt>. Acesso em 18 de agosto de 2018

6 Dados disponíveis em: https://oglobo.globo.com/brasil/imigracao-venezuelana-reuniao-entre-governo-federal-de-roraima-termina-sem-solucao-22696077 Acesso em 15 de agosto de 2018

7 Dados disponíveis em: https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/governo-federal-pede-que-sc-receba-2-500-imigrantes-venezuelanos. Acesso em 12 de agosto de 2018

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Sobre os autores
José Laudemiro Rodrigues da Costa Filho

Pós-graduando em Relações Internacionais c/ênfase em Direito Internacional (Damásio Educacional).Bacharel em Relações Internacionais (Universidade Estadual da Paraíba) Acadêmico de Direito (Centro Universitário Tiradentes)

João Eduardo Farias Santos Cabral

Pós-graduando em Direito Constitucional pela Damásio Educacional. Bacharel em Fisioterapia pelo Centro Universitário Tiradentes e acadêmico de Direito pela mesma instituição.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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