RESUMO
Este Paper tem como objetivo principal traçar breves linhas sobre o controle de constitucionalidade, buscando demonstrar, de forma breve, sua origem e idealização. Distinguir a supremacia constitucional e a rigidez constitucionais como fatores essenciais na efetivação desse controle. Esclarecer a realidade sobre o caso Marbury v. Madison, bem como a sua influência sobre o controle de constitucionalidade até nossos dias. Apresentar os modelos de controle de constitucionalidade existentes (norte-americano, austríaco e francês). Caracteriza-se por ser uma pesquisa de caráter bibliográfico.
Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade. Supremacia constitucional. Rigidez constitucional. Caso Marbury v. Madson. Modelos de controle de constitucionalidade.
1 INTRODUÇÃO
O Estado existe para servir a pessoa e não a pessoa para servir o Estado. Cada ser humano se auto realiza a partir de suas experiências individuais e sociais. As dimensões ética, científica, religiosa, econômica e artística do humano são harmonizadas pela política, objetivando criar um espaço de bem agir e de bem viver. Ocorre que o as relações sociais não são perfeitas, as leis são incompletas, o Estado é lacunoso. O direito exerce esta missão de ajustamento, através de mecanismos próprios, que atuam na vida das pessoas. A constituição é o campo supremo onde se alocam os valores sociais de uma comunidade. A preservação destes valores depende de um complexo mecanismo controle de constitucionalidade das leis.[3]
O controle de constitucionalidade consiste na verificação da compatibilidade entre uma lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional e a Carta Magna. Todo ato que concretiza o direito infraconstitucional, de forma explícita ou não, sofre uma operação mental de controle de constitucionalidade. Toda vez que uma pretensão jurídica fundar-se numa norma que não integra o arcabouço legal existente dentro da Constituição, o interprete, antes de aplicá-la, deverá verificar se ela é constitucional. Caso não seja, não poderá aplicá-la, porquanto no conflito entre uma norma infraconstitucional e a Constituição é esta que deve preponderar. Aplicar uma norma inconstitucional é deixar de aplicar a Constituição.[4]
São identificadas, normalmente, duas permissas necessárias à existência do controle de constitucionalidade: a supremacia da constituição e a rigidez constitucional. [5]
A supremacia da constituição revela a existência de um escalonamento normativo, no qual a posição hierárquica mais elevada dentro do sistema cabe a Constituição. É ela o fundamento de validade de todas as demais normas. Em decorrência dessa supremacia, nenhum ato jurídico – lei ou ato normativo – poderá subisistir validamento se estiver em desconformidade com a Constituição. [6]
A rigidez contitucional, também, é um pressuposto de controle. Para que possa figurar como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional necessita ter um processo de elaboração (e modificação) mais complexo do que aquele capaz a gerar normas infraconstitucionais. Caso assim não fosse, inexistira distinção formal entre a espécie normativa submetida ao controle e aquela em face do qual esse se dá. Caso os atos normativos infraconstitucionais fossem criados da mesma maneira que as normas constitucionais, em caso de contrariedade ocorreria a revogação do ato anterior e não a incostitucionalidade. [7]
Das constituições rígidas decorre a superioridade da norma constituciomal em relação às produzidas pelos demais Poderes. Desta forma, o fundamento do controle de constitucionalidade é o de que nenhum ato normativo, que decorre lógica e necessariamente da constitição, pode contrariá-la, modificá-la ou suprimi-lá. [8]
Em relação a essa rigidez, é importante ressaltar, Hans Kelsen diz que: as constituições escritas contêm em regra determinações especiais relativas ao processo através do qual, e através do qual somente, podem ser modificadas. O princípio de que a norma de uma ordem jurídica é valida até a sua validade terminar por um modo determinado através desta mesma ordem jurídica, ou até ser substituída pela validade de uma outra norma desta ordem jurídica, é o princípio da legitimidade. [9]
1 O PRIMEIRO PRECEDENTE: MARBURY V. MADISON
Através da doutrina da judicial review of legislation, apresentada ao mundo, pela primeira vez numa aplicação concreta, no caso MARBURY v. MADISON, pela Suprema Corte Norte-America, restou demonstrada a característica marcante do sistema federal constitucional, ou seja, a supremacia da constituição frente às normas infraconstitucionais.
Primeiramente é preciso fixar o contexto histórico do caso MARBURY v. MADISON, para melhor entendimento do ocorrido e da sua importância:
Nas eleições realizadas no final de 1800, nos Estados Unidos, o Presidente John Adams e seus aliados federalistas foram derrotados pela oposição republicana, tanto para o Legislativo como para o Executivo. Thomas Jefferson viria a ser o novo Presidente (Jefferson havia vencido no voto popular, mas empatara com Aaron Blurr na votação do Colégio Eleitoral. A decisão final coube, assim, à Câmara dos Representantes, que elegeu Jefferson em 17 de fevereiro de 1801, para tomar posse em 4 de março). No apagar das luzes de seu governo, John Adams e o Congresso, no qual os federalistas ainda detinham maioria, articularam-se para conservar sua influência política através do Poder Judiciário. Assim, em 13 de fevereiro de 1801, fizeram aprovar uma lei de reorganização do Judiciário federal (the Circuit Court Act) por via da qual, dentre outras providências: a) reduzia-se o número de Ministros da Suprema Corte, para impedir uma nova nomeação pelo Presidente que entrava; b) criavam-se dezesseis cargos de juiz federal, todos preenchidos com federalistas aliados ao Presidente derrotado.
Logo à frente, em 27 de fevereiro de 1801, uma nova lei (the Organic Act of the District of Columbia) autorizou o Presidente a nomear quarenta e dois juízes de paz, tendo os nomes indicados sido confirmados pelo Senado em 3 de março, véspera da posse de Thomas Jefferson. John Adams, assim, assinou os atos de investidura (commissions) dos novos juízes no último dia de governo, ficando seu Secretário de Estado, John Marshall, encarregado de entrega-los aos nomeados. Cabe o registro de que o próprio Marshall havia sido indicado pelo Presidente que saía para ocupar o cargo de Presidente da Suprema Corte (Chief Justice). E, embora seu nome estivesse sido aprovado pelo Senado e ele já tivesse prestado compromisso desde 4 de fevereiro de 1801, permaneceu no cargo de Secretário de Estado até o último dia do mandato de Adams. Pois bem: tendo um único dia para entregar os atos de investidura a todos os novos juízes de paz, Marshall não teve tempo de concluir a tarefa antes de se encerrar o governo, e alguns dos nomeados ficam sem recebe-los.
Thomas Jefferson tomou posse, e seu Secretário de Estado, James Madison, seguindo orientações do Presidente, recusou-se a entregar os atos de investidura àqueles que não os haviam recebidos. Entre os juízes de paz nomeados e não empossados estava William Marbury, que propôs ação judicial (wirt of mandamus), em dezembro de 1801, para ver reconhecido seu direito ao cargo. O pedido foi formulado com base na lei de 1789 (the Judiciary Act), que havia atribuído à Suprema Corte competência originária para processar e julgar ações daquela natureza. A Corte designou a seção de 1802 (1802 term) para apreciar o caso.
Sucede, contudo, que o Congresso, já agora de maioria republicana, veio a revogar a lei de reorganização do Judiciário federal (the Circuit Court Act, de 1801), extinguindo os cargos que haviam sido criados e destituindo seus ocupantes. Para impedir questionamentos a essa decisão perante a Suprema Corte, o Congresso suprimiu a sessão da Corte em 1802, deixando-a sem se reunir de dezembro de 1801 até fevereiro de 1803. Esse quadro era agravado por outros elementos de tensão, dentre os quais é possível destacar dois: a) Thomas Jefferson não considerava legítima qualquer decisão da Corte que ordenasse ao governo a entrega dos atos de investidura, e sinalizava que não iria cumpri-la; b) a partir do início de 1802, a Câmara deflagrou processo de impeachment de um juiz federalista, em uma ação política que ameaçava estender-se até os Ministros da Suprema Corte.
Foi nesse ambiente politicamente hostil e de paixões exacerbadas que a Suprema Corte se reuniu em 1803 para julgar Marbury v. Madison, sem antever que faria história e que este se tornaria o mais célebre caso constitucional de todos os tempos.[10]
O caso Marbury v. Madison marcou como a primeira decisão na qual uma Suprema Corte estabeleceu seu poder de exercer o controle de constitucionalidade, megando aplicação de leis que fossem inconstitucionais, em decorrência da interpretação da própria Corte. Onde, a Constituição não conferia a ela ou a qualquer outro órgão judicial, de modo explícito, competência para tanto. No julgamento do caso a Corte demonstrou que a atribuição decorreria da lógica do sistema consittucional norte-americano. A argumentação desenvolvida por Maschall acerca da supremacia da constituição, da imperiosidade do judicial review e da competência do Judiciário em matéria de controle de constitucionalidade é tida como excepcional, mas não foi pioneira nem original.
Já havia precedentes em períodos diversos da história em outros e mais antigos sistemas jurídicos, como o ateniense e o medieval. [11] No Estados Unidos o argumento já havia sido deduzido no período colonial, com base no direito inglês, ou em cortes federais inferiores ou estaduais[12]. No plano teórico, em 1788, no Federalista nº 78, Alexandre Hamilton, havia exposto analiticamente a tese. [13]
Marshall dividiu seu voto em três partes, na primeira, demonstrou que Marbury tinha direito à investidura no cargo; na segunda, estabeleceu que Marbury tinha o direito, logo, deveria haver um remédio jurídico para assegurá-lo. Na terceira, enfrentou duas questões diversas: a de saber se o writ of mandamus era a via adequada e se a Suprema Corte poderia legitimamente concedê-lo.[14]
Marshall, aos responder as questões que propôs, assim o fêz:
À primeira questão respondeu afirmativamente. O writ of mandamus consistia em uma ordem para a prática de determinado ato. Marshall, assim, examinou a possibilidade de se emitir uma determinação dessa natureza a um agente do Poder Executivo. Sustento, então, que havia duas categorias de atos do Executivo que não eram passíveis de revisão judicial: os atos de natureza política e aqueles que a Constituição ou a lei não houvessem atribuído a sua exclusiva discricionariedade. Fora essas duas exceções, onde a Constituição e a lei impusessem um dever ao Executivo, o Judiciário poderia determinar seu cumprimento. Estabeleceu, dessa forma, a regra de que os atos do Poder Executivo são passíveis de controle jurisdicional, tanto quanto a sua constitucionalidade como quanto a sua legalidade.
Ao enfrentar a segunda questão – se a Suprema Corte tinha competência para expedir o writ -, Marshall desenvolveu o argumento que o projetou na história do direito constitucional. Sustentou, assim, que o § 13 da Lei Judiciária de 1789, ao criar uma hipótese de competência originária da Suprema Corte fora das que estavam previstas no art. 3º da Constituição incorria em uma inconstitucionalidade. É que, afirmou, uma lei ordinária não poderia outorgar uma nova competência originária à Corte, que não constasse do elenco constitucional. Diante do conflito entre a lei e a Constituição, Marshall chegou à questão central do acórdão: pode a Suprema Corte deixar de aplicar, por inválida, uma lei inconstitucional?
Ao expor suas razões, Marshall enunciou os três grandes fundamentos que justificam o controle judicial de constitucionalidade. Em primeiro lugar, a supremacia da Constituição: “todos aqueles que elaboram constituições escritas encaram-na como a lei fundamental e suprema da nação”. Em segundo lugar, e como consequência natural da premissa estabelecida, afirmou a nulidade da lei que contrarie a Constituição: “Um ato do Poder Legislativo contrário à Constituição é nulo”. E, por fim, o ponto mais controvertido de sua decisão, ao afirmar que é o Poder Judiciário o intérprete final da Constituição: “É enfaticamente da competência do Poder Judiciário dizer o Direito, o sentido das leis. Se a lei estiver em oposição à constituição a corte terá de determinar qual dessas normas conflitantes regerá a hipótese. E se a constituição é superior a qualquer ato ordinário emanado do legislativo, a constituição, e não o ato ordinário, deve reger o caso ao qual ambos se aplicam”. [15]
Como se vê, o caso Marbury v. Madison gerou a decisão que inaugurou o controle de constituicionalidade no constitucionalismo moderno, concretizando o princípio da supremacia da Constituição, da subordinação a ele de todos os Poderes estatais e da competência do Judicário como seu intérprete derradeiro, podendo invalidar os atos que lhe contrariem. Essa decisão, desde então, vem sendo celebrada como o precedente que assentou a prevalência dos valores pernamentes da Contituição sobre a vontade circusntacial da maiorias legislativas. [16]
2 MODELOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Os países que possuem constituições escritas e rígidas precisam de um meio de controle de seus atos normativos frente a sua constituição. Na maioria das vezes esses países optam pelo controle jurisdicional de constitucionalidade.
Foram adotados três modelos básicos de controle de constitucionalidade dos atos normativos e de defesa da Constituição. Primeiro, devemos destacar, o modelo norte-americano, ou difuso, surgido nos Estados Unidos, o qual é caracterizado pela supremacia do Judiciário, o qual é o órgão de cúpula do sistema, responsável último pelo controle de constitucionalidade dos atos normativos. Segundo, o modelo Austríaco de Constitucionalidade (Europeu), ou concentrado, no qual o poder de controlar a constitucionalidade dos atos normativos cabe a Cortes Especiais (Tribunais Constitucionais), tendo como principal idealizador Hans Kelsen. E por fim, o modelo francês de controle de constitucionalidade, o qual se caracteriza por ser um controle prévio a formação o ato normativo.
2.1 Modelo norte-americano de controle de constitucionalidade
A construção teórica que legitimou o controle de constitucionalidade dos atos normativos, conforme o modelo norte-americano, foi consolidado no Caso Marbury v. Madison (o qual já restou exaustivamente demonstrado no item 1 do presente trabalho).
Esse modelo tem como característica marcante a absoluta supremacia constitucional, aliada ao mecanismo de efetivação jurisdicional (judicial review), permitindo-se ao Poder Judiciário e, em especial, à Suprema Corte interpretar a Constituição Federal, mediante casos concretos que lhe são postos em julgamento, para com ela adequar e compartilhar as leis e atos normativos editados pelos demais Poderes da Nação. [17]
Como afirma Bernad Schwartz:
A posição do Judiciário nos Estados Unidos foi que permitiu que a constituição américana fosse consagrada como a verdadeira lei suprema do país. Tal separação entre o Judiciário e os outros ramos do Governo constituiu a base da independência dos tribunais no mundo anglo-americano. E, como qualquer advogado sabe muito bem, é independência de seu Judiciário, acima de tudo, que dá um sentido prático à soberania da lei que ele afirma com orgulho ser a característica fundamental do seu sistema constitucional. [18]
O modelo norte-americano de controle de constitucionalidade é o da fiscalização exercida pelo Judiciário. O Poder Judiciário detém a competência para declarar nulos e írritos todos os atos e leis contrários à Constituição norte-americana. Nesse campo, a competência do Judiciário é difusa, porquanto exercida no curso de uma ação, por qualquer juiz ou tribunal. Como qualquer órgão jurisdicional pode exercer o controle constitucional, a Suprema Corte, órgão de cúpula do Judiciário norte-americano, em decorrência do princípio do stare decisis (eficácia vinculante de suas decisões), desempenha um papel decisivo no campo do constitucional, uma vez que pronuncia a última e definitiva palavra sobre as questões constitucionais. [19]
Nos Estados Unidos a jurisprudência é vinculatória. As decisões proferidas pela Suprema Corte vinculam os Tribunais de segundo grau, os quais, por seu turno, vinculam os juízes que lhe são subordinados.
Desta forma, torna-se desnecessário um controle concentrado de constitucionalidade, porquanto, quando um caso chega à Suprema Corte, a decisão dessa, mesmo em controle difuso e concreto, vincula todos os tribunais e juízes norte-americanos. Essa subordinação é essencial para o funcionamento do modelo norte-americano de controle de constitucionalidade.
Até hoje, nos Estado Unidos, inexiste o controle de constitucionalidade concentrado, havendo apenas o controle difuso.
Da declaração de inconstitucionalidade do ato normativo, no modelo norte-americano de controle de constitucionalidade, decorre a nulidade do ato, por incompatibilidade com a Constituição, não devendo produzir quaisquer efeitos.
Por fim, é preciso salientar, que existem duras críticas ao modelo norte-americano (judicial review). Como é salientado por Lord Devlon, atribuir à magistratura um papel de elite que se desvia do caminho demasiado frequentado pelo processo democrático resulta muito tentador, estabelecendo como conclusão que esse caminho conduziria, por mais larga e sinuosa que fosse a via, ao Estado totalitário. [20]
2.2 Modelo austríaco (europeu) de controle de constitucionalidade
A Áustria não conheceu a ideia de controle judicial de constitucionalidade até o início do século XX, pois, à época, assim como os demais países europeus do começo do século, consagrava a absoluta supremacia do Parlamento, e, consequentemente, impedia o exercício do judicial review a ser realizado pelos membros do Poder Judiciário. [21]
Mauro Cappelletti recorda que a evolução política e jurídica tornou
Em síntese, necessário naqueles Países, ou pelo menos oportuno, encontrar um adequado substituto da Suprema Corte norte-americana, isto é, encontrar um órgão judiciário a que se pudesse confiar a função de decidir sobre as questões de constitucionalidade das leis, com eficácia erga omnes e, por isto, de modo tal a evitar aquele perigo de conflitos e de caótica incerteza do direito... Colocados diante desta exigência, os “pais” da Constituição austríaca julgaram dever criar órgão judiciário adequado, um Verfassungsgerichtshof, isto é, uma especial Corte Constitucional. [22]
Desta forma, pela primeira vez na história, a Constituição austríaca de 1º de outubro de 1920 consagrou como forma de sua garantia suprema a existência de um tribunal – Tribunal Constitucional – com exclusividade para o exercício do controle judicial de constitucionalidade, em contraponto ao solidificado judicial review norte-americano, distribuído por todos os juízes e tribunais. [23]
A constituição austríaca fixou o modelo de controle de constitucionalidade, na forma concentrado, na mão de um único tribunal, o Tribunal Constitucional, a partir da influência do pensamento de Hans Kelsen, o qual afirma que:
Se a Constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência para decidir esta questão, dificilmente poderia surgir uma lei que vinculasse os súditos do Direito e os órgãos jurídicos. Devendo evitar-se uma tal situação, a Constituição apenas pode conferir competência para tal a um determinado órgão jurídico. Um recurso de instância análogo ao processo judicial está incluído quando só existe um órgão legislativo central. Então, só ao próprio órgão legislativo ou a um órgão diferente dele – p. ex., ao tribunal que tem de aplicar a lei, ou tão somente a um tribunal especial – pode ser conferida competência para decidir a questão da constitucionalidade de uma lei. Se a Constituição nada preceitua sobre a questão de saber que há de fiscalizar a constitucionalidade das leis, os órgãos a quem a Constituição confere o pode para aplicar as leis, especialmente os tribunais, portanto, são por isso mesmo feitos competentes para efetuar esse controle. Visto que os tribunais são competentes para aplicar as leis, eles têm de verificar se algo cujo sentido subjetivo é o de ser uma lei também objetivamente tem esse sentido. E só terá esse sentido objetivo quando for conforme a Constituição ... A situação jurídica é essencialmente diversa quando a Constituição transfere o controle e a decisão da questão de saber ser uma lei corresponde às determinações constitucionais que regulam diretamente a legiferação para um órgão diferente do legislativo e confere a este órgão competência para anular uma lei que considere inconstitucional. Esta função pode ser confiada a um tribunal especial ou ao tribunal supremo, ou a todos os tribunais. Como já verificamos, ela é confiada a todos os órgãos competentes para aplicar o Direito, e especialmente aos tribunais, quando essa faculdade de controle não é expressamente excluída da sua competência. Se todo tribunal é competente para controlar a constitucionalidade da lei a aplicar por ele a um caso concreto, em regra ele apenas tem a faculdade de, quando considerar a lei como inconstitucional, rejeitar a sua aplicação ao caso concreto, quer dizer, anular a sua validade somente em relação ao caso concreto. A lei, porém, permanece em vigor para todos os outros casos a que se refira e deve ser aplicada a esses casos pelos tribunais, na medida em que estes não afastem também a sua aplicação num caso concreto. Se o controle de constitucionalidade das leis é reservado a um único tribunal, este pode deter competência para anular a validade da lei reconhecida como inconstitucional não só em relação a um caso concreto mas em relação a todos os casos a que a lei se refira – quer dizer, para anular a lei como tal. Até esse momento, porém, a lei é válida e deve ser aplicada por todos os órgãos aplicadores do Direito. [24]
A principal característica do sistema austríaco está no controle de constitucionalidade dos atos normativos ser efetuado como motivo principal da ação. Desta forma, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade se estendem erga omnes, tendo, portanto, caráter geral. Uma vez pronunciada a inconstitucionalidade de uma norma, ela perde sua força cogente em relação a todos, como se tivesse sido revogada por outra lei que a sucede.
O modelo austríaco de controle de constitucionalidade, na esteira do pensamento de Hans Kelsen, atribui à declaração de inconstitucionalidade caráter constitutivo, produzindo efeitos ex nunc, para o futuro, portanto, sem eficácia retroativa.
Desta forma, no âmbito do Tribunal Constitucional austríaco, há duas formas de controle, uma realizada através de consultas dos juízes e outra por meio de ação direta.
Quando os juízes ou tribunais (que não seja a Corte Constitucional) entenderem que uma lei é inconstitucional, enquanto analisam um caso concreto, deveram submeter ao Tribunal Constitucional a questão da constitucionalidade, o qual decidirá a questão de constitucionalidade abstrata e, após, retornará os autos ao juízo que suscitou o incidente para julgar o caso concreto, devendo decidir o caso concreto com base na decisão de constitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional.
No modelo austríaco (europeu), a lei não é nula, mas anulável. A decisão do Tribunal Constitucional é constitutiva, não meramente declaratória. A norma inconstitucional é válida até a decisão da Corte Constitucional. A partir da decisão da corte o ato normativo deixará de ser aplicado, porquanto considerado inconstitucional. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são ex nunc. A lei terá presunção de constitucionalidade até ser declarada inconstitucional.
2.3 Modelo francês de controle de constitucionalidade
No modelo francês de controle de constitucionalidade, a obrigatoriedade do controle de constitucionalidade é relativa, dependendo do tipo de norma: é vedado o controle de constitucionalidade quando a população ratifica a lei por via de referendo; quando se cuidar de leis orgânicas ou de regimentos da Assembleia Nacional ou do Senado, o controle de constitucionalidade é obrigatório; nos demais casos, o controle de constitucionalidade é facultativo.
Para melhor compreensão do modelo francês de controle de constitucionalidade dos atos normativos, é preciso compreender as raízes históricas de sua criação, a qual é bem demonstrada por Alexandre de Moraes, o qual refere que:
O controle de constitucionalidade das leis, por muito tempo ausente na tradição jurídica francesa, onde havia mesmo, como salientado pela doutrina francesa, uma hostilidade à aplicação dessa técnica, acarretou uma demora no reconhecimento da legitimidade do Conselho Constitucional francês.
A origem dessa hostilidade remonta à própria Revolução Francesa de 1789, em que os revolucionários franceses, apesar de entenderem absolutamente necessária a promulgação de uma Constituição para garantir os direitos dos cidadãos contra as arbitrariedades do monarca, não chegaram a cogitar a criação de um mecanismo destinado a garantir a constitucionalidade das leis e, consequentemente, a necessidade da existência de um órgão que realizasse esse controle.
As razões apontadas para essa aversão à criação de um controle jurisdicional de constitucionalidade estão ligadas, basicamente, à adoção dos revolucionários franceses da ideia de Rousseau, em relação à supremacia da lei, e consequentemente do Parlamento, enquanto representante da vontade soberana da sociedade.
Dessa forma, para o constituinte francês, a instituição de um controle de constitucionalidade seria inútil, pois a lei, enquanto manifestação da soberana vontade popular, não poderia ser injusta ou inconstitucional.
Além disso, os revolucionários franceses enxergavam com bastante desconfiança a magistratura, pois ela sempre se havia posicionado contrariamente às reformas administrativas da monarquia, constituindo uma instituição de defesa do antigo regime.
Somente a partir do início do século XX, a discussão sobre a necessidade de adoção do controle de constitucionalidade das leis adquiriu vulto na França, tendo, inclusive, ocorrido um certo número de partidos e de candidatos a inscrição de propostas para a criação de uma Corte Suprema destinada ao controle de constitucionalidade, nas eleições legislativas de 1919. À época houve, inclusive, uma pesquisa realizada pelo jornal Le Temps consagrando a posição largamente favorável à criação do controle de constitucionalidade amplo, ou seja, exercido difusamente por todos os tribunais e não somente o exercido por um único tribunal.
Esse posicionamento refletiu a grande influência exercida pela Suprema Corte dos Estado Unidos da América na doutrina e na classe política francesa.
Somente na Constituição francesa de 1946, porém, criou-se um Comitê Constitucional com Status diferenciado e com jurisdição constitucional. Esse comitê era composto pelo Presidente da República, pelo Presidente da Assembleia Nacional, pelo Presidente do Conselho da República e por sete membros designados pelo Conselho da República, respeitando-se as mesmas condições.
Desta forma, nos casos de incompatibilidade da lei com a norma constitucional, o art. 93 da Constituição francesa de 1946 previa que a lei deveria ser reenviada à Assembleia Nacional para nova deliberação e que, se o Parlamento mantivesse a aprovação, a lei não poderia ser promulgada enquanto não houvesse a alteração constitucional adequada.
No entanto, a consagração jurídica e política do controle de constitucionalidade na França ocorreu com a promulgação da Constituição da 5ª República, de 4-10-1958 que criou o Conselho Constitucional dotado de jurisdição constitucional, inclusive do controle de constitucionalidade. [25]
O modelo de controle de constitucionalidade francês, diferentemente do modelo austríaco, não faz o controle de leis após sua eficácia, o controle de constitucionalidade é feito de forma apriorística à eficácia do ato normativo, sendo obrigatório para leis complementares e facultativo para leis ordinárias, as quais, depois de sua publicação, permanecem sem eficácia por tinta dias, após o decurso desse prazo, se não houver arguição de inconstitucionalidade, a lei passa a ter eficácia. O controle de constitucionalidade a priori é o traço marcante e inovador do modelo francês.
O controle de constitucionalidade, no modelo francês, é realizado de forma preventiva, por um órgão especial, não vinculado a qualquer dos poderes, denominado Conselho Constitucional. Antes da promulgação, os atos normativos são remetidos a esse conselho que declara ou não a sua constitucionalidade, sendo essa decisão vinculativa às autoridades judiciárias e administrativas.
No modelo francês de controle de constitucionalidade inexiste a possibilidade de controle do ato normativo posteriormente à decisão do Conselho Constitucional. Desta forma, preza-se pela segurança jurídica, porquanto, após a decisão do Conselho Constitucional, quando de sua promulgação, o ato normativo não está mais sujeito a qualquer tipo de controle de constitucionalidade, logo, será definitivamente tido como constitucional.
Desta forma, o Poder Judiciário não detém competência para exercer o controle de constitucionalidade, abstrato ou concreto. Essa competência é exclusiva do Conselho Constitucional, órgão político e autônomo, não vinculado a qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo ou Judiciário).
CONCLUSÃO
O presente Paper traçou breves linhas sobre o controle de constitucionalidade, demonstrando sua origem e idealização. Distinguiu a supremacia constitucional e a rigidez constitucionais como fatores essenciais na efetivação desse controle. Externou a realidade sobre o caso Marbury v. Madison, bem como a sua influência sobre o controle de constitucionalidade até nossos dias. Apresentou os modelos de controle de constitucionalidade existentes (norte-americano, austríaco e francês). Desta forma, procurou contribuir com o aprofundamento dos temas enfrentados.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012.
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1984.
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KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. São Paulo: Atlas, 3ª ed., 2013.
REVERBEL, Carlos Eduardo Didier. Jurisdição constitucional na Ibero-América. Porto Alegre: Brejo, 2012.
SCHWARTZ, Bernard. Direito constitucional americano. Rio de Janeiro: Forense, 1966.
[3] REVERBEL, Carlos Eduardo Didier. Jurisdição constitucional na ibero-américa. Porto Alegre: Brejo, 2012. p. 231.
[4] BARROSO, Luís Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p. 23.
[5] idem. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p. 23.
[6] idem. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p. 23.
[7] idem. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p. 24.
[8] MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. São Paulo: Atlas, 3ª ed., 2013. p. 9.
[9] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985. p. 223.
[10] idem. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p. 25-7.
[11] CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabril Editor, 1984. p. 46.
[12] HALL, Kermit L. The Oxford guide to United States Supreme Court decisions, 1999. p. 174.
[13] HAMILTON, MADISON e JAY. O federalista. Belo Horizonte: Líder, 2003. p. 457-63.
[14] idem. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p. 29.
[15] idem. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p. 29-30.
[16] idem. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p. 32.
[17] idem. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p. 67.
[18] SCHWARTZ, Bernard. Direito constitucional americano. Rio de Janeiro: Forense, 1966. p. 40.
[19] CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 34.
[20] Apud CAPPELLETTI, Mauro. In: Vários autores. Tribunales constitucionales europeus y derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984. p. 621.
[21] idem. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p.99.
[22] idem. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, 1984. p. 83.
[23] idem. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p.100.
[24] idem. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985. p. 288-90.
[25] idem. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 6ª ed., 2012. p.121-3.