A impossibilidade do desmembramento das penalidades no processo de impeachment de Presidente da República

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28/10/2019 às 14:39
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O presente artigo aborda os julgamentos realizados pelo Senado Federal e a distinção na aplicação das penalidades aplicadas a ex-Presidente da República Dilma Rousseff e ao ex-Presidente da República Fernando Collor de Melo.

Resumo: O presente estudo versa sobre o cometimento de crime de responsabilidade por Presidente da República e as penalidades previstas no sistema jurídico brasileiro. Inicialmente, é apresentada uma breve contextualização sobre o processo de impeachment que já ocorreram no Brasil. Em seguida, enfrenta-se algumas características relevantes sobre o crime de natureza política, inclusive no que se refere ao cometimento de crime de responsabilidade pelo Presidente da República. Posteriormente, aborda-se o procedimento seguido no processo de impeachment e as penalidades cabíveis, sendo destacado a impossibilidade do desmembramento das penalidades a serem aplicadas. Por fim, é apresentada conclusão no sentido de que o cometimento de crime de responsabilidade por Presidente da República implica necessariamente a perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública.

Palavras-chave: Crime de responsabilidade. Presidente da República. Penalidades aplicáveis.

Sumário: 1. Introdução; 2. Crime de responsabilidade; 3. Processo do impeachment; 4. Penalidades cabíveis; 5. Considerações finais.


INTRODUÇÃO

A história do regime democrático brasileiro foi marcada por diversos acontecimentos, dentre eles, o impeachment de dois ex-Presidentes da República.

O primeiro processo de impeachment na história do Brasil ocorreu no final do ano de 1992, que culminou com a perda do mandato e a inabilitação de Fernando Collor de Melo para exercer cargo público por oito anos, conforme o julgamento realizado pelo Senado Federal, cuja votação foi de setenta e seis votos a favor e três contrários.

Já o último processo de impeachment ocorreu no ano de 2016, que resultou na perda do mandato de Dilma Rousseff, pela votação de sessenta e um votos a favor e vinte votos contra.

Em seguida, houve uma segunda votação pelo Senado Federal, sendo decidido, por quarenta e dois votos a favor e vinte votos contra, que não haveria a inabilitação para exercer cargo público por oito anos.

Diante desse contexto, a abordagem da questão relacionada a cumulação das penalidades cabíveis em razão do cometimento do crime de responsabilidade por Presidente da República, possui, ainda, relevância.


CRIME DE RESPONSABILIDADE

Os detentores dos cargos públicos mais relevantes, inclusive o Presidente da República, podem cometer crimes de responsabilidade, os quais são compreendidos como crimes de natureza política. A apuração de infração de cunho político- administrativo rende ensejo à instauração do processo de impeachment.

No Curso de Direito Constitucional, escrito por Alexandre de Moraes2, é apresentado o seguinte conceito sobre o crime de responsabilidade e a sua natureza jurídica, ipsis verbis:

Crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas definidas na legislação federal, cometidas no desempenho da função, que atentam contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do País, a probidade da Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

(...)

Em relação à natureza jurídica do impeachment, a maioria da doutrina nacional entende ser um instituto de natureza política. Entre os outros grandes publicistas, podemos citar Paulo Brossard, Themistocles Cavalcanti, Carlos Maximiliano, Michel Temer. Outras posições, porém, são defendidas na doutrina. Para Pontes de Miranda, o impeachment possui natureza penal. Apontando posição intermediária, José Frederico Marques afirma ser o impeachment de natureza mista. O STF reconheceu o caráter político do impeachment.

No que se refere aos crimes de responsabilidade que podem ser praticados pelo Presidente da República, cumpre asseverar que são os atos praticados que atentem contra a existência da União; o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do País; a probidade na administração pública; a lei orçamentária e o cumprimentos das leis e das decisões judiciais, dentre outros.

De forma exemplificativa3, o art. 85 da Constituição Federal estabelece o seguinte sobre as hipóteses de crimes de responsabilidade que podem ser praticados pelo Presidente da República, in verbis:

DA RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

O parágrafo único do art. 85 da Constituição Federal, acima transcrito, estabelece que os crimes serão estabelecidos em lei especial, que, por sua vez, estabelecerá as normas de processo e julgamento.

O Supremo Tribunal Federal – STF estabeleceu que a competência para disciplinar os crimes de responsabilidade é da União, conforme os termos da Súmula Vinculante nº 464.

Com efeito, a legislação que disciplina o crime de responsabilidade é a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que foi recepcionada pela Constituição da República vigente, e que foi alterada pela Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000.

Em razão da necessidade de permitir uma melhor compreensão sobre a referida Lei, convém transcrever os seguintes dispositivos legais, in litteris:

LEI Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950.

Art. 1º São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica.

Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.

Art. 3º A imposição da pena referida no artigo anterior não exclui o processo e julgamento do acusado por crime comum, na justiça ordinária, nos termos das leis de processo penal.

Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:

I - A existência da União:

II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados;

III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:

IV - A segurança interna do país:

V - A probidade na administração;

VI - A lei orçamentária;

VII - A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;

VIII - O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89).

(...)

DOS CRIMES CONTRA A LEI ORÇAMENTÁRIA

Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:

1- Não apresentar ao Congresso Nacional a proposta do orçamento da República dentro dos primeiros dois meses de cada sessão legislativa;

2 - Exceder ou transportar, sem autorização legal, as verbas do orçamento;

3 - Realizar o estorno de verbas;

4 - Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.

5) deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)

6) ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)

7) deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)

8) deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)

9) ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)

10) captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)

11) ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou; (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)

12) realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei. (Incluído pela Lei nº 10.028, de 2000)

Deste modo, é factível afirmar que o crime de responsabilidade constitui infração de natureza política5, que pode resultar na aplicação de penalidade, inclusive para o Presidente da República.


PROCESSO DE IMPEACHMENT

A apuração do crime de responsabilidade imputado ao Presidente da República pode ser compreendida da seguinte forma: juízo de admissibilidade da denúncia, realizado pela Câmara dos Deputados, e o processamento e, consequente, julgamento do caso, que é atribuição do Senado Federal.

Qualquer cidadão, no pleno gozo dos seus direitos políticos, pode apresentar denúncia de crime de responsabilidade praticado pelo Presidente da República, cabendo ao Presidente da Câmara dos Deputados realizar uma análise prévia e, se for o caso, rejeitar a denúncia inepta ou despida de justa causa6.

Após a emissão de juízo prévio político pela Câmara dos Deputados a respeito da admissão da denúncia sobre crime de responsabilidade praticado pelo Presidente da República, o processo de impeachment é encaminhado para o Senado Federal.

Por sua vez, no Senado Federal, é realizado juízo de acusação mediante votação aberta no plenário. Se a maioria simples, não admitir a denúncia, o processo será extinto, ao passo que, se for admitido, haverá a instauração formal do processo de impeachment, o qual será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal – STF7.

A instauração do processo no Senado Federal resulta, automaticamente, na suspensão cautelar do Presidente da República de suas funções pelo prazo de até cento e oitenta dias.

Finalizada a instrução probatória, o plenário do Senado Federal realizará o julgamento do Presidente da República, sendo admitida a condenação se atingido o quórum constitucional de 2/3 dos oitenta e um Senadores.

A condenação por crime de responsabilidade implica necessariamente a imposição de duas penas autônomas: a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de função pública por oito anos.

Insta destacar, também, que as votações do processo de impeachment são abertas, conferindo transparência, controle dos representantes e legitimidade do processo. A falta ou mesmo mitigação do princípio da publicidade (reuniões ou votações sigilosas) não se coadunam com a relevância do processo, que pode resultar no afastamento preventivo do Presidente da República do exercício das suas funções ou mesmo na perda do cargo8.

A Constituição Federal disciplina da seguinte forma o processo de impeachment:

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;

(...)

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99)

(…)

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;

II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.

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A Lei nº 1.079, de 1950, disciplina o processo e julgamento do impeachment da seguinte forma:

DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA E MINISTROS DE ESTADO

CAPÍTULO I

DA DENÚNCIA

Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.

Art. 15. A denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo.

Art. 16. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde possam ser encontrados, nos crimes de que haja prova testemunhal, a denúncia deverá conter o rol das testemunhas, em número de cinco no mínimo.

Art. 17. No processo de crime de responsabilidade, servirá de escrivão um funcionário da Secretaria da Câmara dos Deputados, ou do Senado, conforme se achar o mesmo em uma ou outra casa do Congresso Nacional.

Art. 18. As testemunhas arroladas no processo deverão comparecer para prestar o seu depoimento, e a Mesa da Câmara dos Deputados ou do Senado por ordem de quem serão notificadas, tomará as providências legais que se tornarem necessárias legais que se tornarem necessárias para compelí-las a obediência.

CAPÍTULO II

DA ACUSAÇÃO

Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma.

Art. 20. A comissão a que alude o artigo anterior se reunirá dentro de 48 horas e, depois de eleger seu Presidente e relator, emitirá parecer, dentro do prazo de dez dias, sôbre se a denúncia deve ser ou não julgada objeto de deliberação. Dentro desse período poderá a comissão proceder às diligências que julgar necessárias ao esclarecimento da denúncia.

§ 1º O parecer da comissão especial será lido no expediente da sessão da Câmara dos Deputados e publicado integralmente no Diário do Congresso Nacional e em avulsos, juntamente com a denúncia, devendo as publicações ser distribuídas a todos os deputados.

§ 2º Quarenta e oito horas após a publicação oficial do parecer da Comissão especial, será o mesmo incluído, em primeiro lugar, na ordem do dia da Câmara dos Deputados, para uma discussão única.

Art. 21. Cinco representantes de cada partido poderão falar, durante uma hora, sobre o parecer, ressalvado ao relator da comissão especial o direito de responder a cada um.

Art. 22. Encerrada a discussão do parecer, e submetido o mesmo a votação nominal, será a denúncia, com os documentos que a instruam, arquivada, se não fôr considerada objeto de deliberação. No caso contrário, será remetida por cópia autêntica ao denunciado, que terá o prazo de vinte dias para contestá-la e indicar os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado.

§ 1º Findo esse prazo e com ou sem a contestação, a comissão especial determinará as diligências requeridas, ou que julgar convenientes, e realizará as sessões necessárias para a tomada do depoimento das testemunhas de ambas as partes, podendo ouvir o denunciante e o denunciado, que poderá assistir pessoalmente, ou por seu procurador, a tôdas as audiências e diligências realizadas pela comissão, interrogando e contestando as testemunhas e requerendo a reinquirição ou acareação das mesmas.

§ 2º Findas essas diligências, a comissão especial proferirá, no prazo de dez dias, parecer sobre a procedência ou improcedência da denúncia.

§ 3º Publicado e distribuído esse parecer na forma do § 1º do art. 20, será o mesmo, incluído na ordem do dia da sessão imediata para ser submetido a duas discussões, com o interregno de 48 horas entre uma e outra.

§ 4º Nas discussões do parecer sôbre a procedência ou improcedência da denúncia, cada representante de partido poderá falar uma só vez e durante uma hora, ficando as questões de ordem subordinadas ao disposto no § 2º do art. 20.

(...)

CAPÍTULO III

DO JULGAMENTO

Art. 24. Recebido no Senado o decreto de acusação com o processo enviado pela Câmara dos Deputados e apresentado o libelo pela comissão acusadora, remeterá ao Presidente a cópia de tudo ao acusado, que, na mesma ocasião e nos termos dos parágrafos 2º e 3º do art. 23, será notificado para comparecer em dia prefixado perante o Senado.

Parágrafo único. Ao Presidente do Supremo Tribunal Federal enviar-se-á o processo em original, com a comunicação do dia designado para o julgamento.

Art. 25. O acusado comparecerá, por si ou pelos seus advogados, podendo, ainda, oferecer novos meios de prova.

Art. 26. No caso de revelia, marcará o Presidente novo dia para o julgamento e nomeará para a defesa do acusado um advogado, a quem se facultará o exame de todas as peças de acusação.

Art. 27. No dia aprazado para o julgamento, presentes o acusado, seus advogados, ou o defensor nomeado a sua revelia, e a comissão acusadora, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, abrindo a sessão, mandará ler o processo preparatório o libelo e os artigos de defesa; em seguida inquirirá as testemunhas, que deverão depor publicamente e fora da presença umas das outras.

Art. 28. Qualquer membro da Comissão acusadora ou do Senado, e bem assim o acusado ou seus advogados, poderão requerer que se façam às testemunhas perguntas que julgarem necessárias.

Parágrafo único. A Comissão acusadora, ou o acusado ou seus advogados, poderão contestar ou arguir as testemunhas sem, contudo, interrompê-las e requerer a acareação.

Art. 29. Realizar-se-á a seguir o debate verbal entre a comissão acusadora e o acusado ou os seus advogados pelo prazo que o Presidente fixar e que não poderá exceder de duas horas.

Art. 30. Findos os debates orais e retiradas as partes, abrir-se-á discussão sobre o objeto da acusação.

Art. 31. Encerrada a discussão o Presidente do Supremo Tribunal Federal fará relatório resumido da denúncia e das provas da acusação e da defesa e submeterá a votação nominal dos senadores o julgamento.

Art. 32. Se o julgamento for absolutório produzirá desde logo, todos os efeitos a favor do acusado.

Art. 33. No caso de condenação, o Senado por iniciativa do presidente fixará o prazo de inabilitação do condenado para o exercício de qualquer função pública; e no caso de haver crime comum deliberará ainda sobre se o Presidente o deverá submeter à justiça ordinária, independentemente da ação de qualquer interessado.

Art. 34. Proferida a sentença condenatória, o acusado estará, ipso facto destituído do cargo.

Art. 35. A resolução do Senado constará de sentença que será lavrada, nos autos do processo, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, assinada pelos senadores que funcionarem como juízes, transcrita na ata da sessão e, dentro desta, publicada no Diário Oficial e no Diário do Congresso Nacional.

Art. 36. Não pode interferir, em nenhuma fase do processo de responsabilidade do Presidente da República ou dos Ministros de Estado, o deputado ou senador;

a) que tiver parentesco consanguíneo ou afim, com o acusado, em linha reta; em linha colateral, os irmãos cunhados, enquanto durar o cunhado, e os primos co-irmãos;

b) que, como testemunha do processo tiver deposto de ciência própria.

Art. 37. O congresso Nacional deverá ser convocado, extraordinariamente, pelo terço de uma de suas câmaras, caso a sessão legislativa se encerre sem que se tenha ultimado o julgamento do Presidente da República ou de Ministro de Estado, bem como no caso de ser necessário o início imediato do processo.

Art. 38. No processo e julgamento do Presidente da República e dos Ministros de Estado, serão subsidiários desta lei, naquilo em que lhes forem aplicáveis, assim os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, como o Código de Processo Penal.

(...)

Art. 68. O julgamento será feito, em votação nominal pelos senadores desimpedidos que responderão "sim" ou "não" à seguinte pergunta enunciada pelo Presidente: "Cometeu o acusado F. o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo?"

Parágrafo único. Se a resposta afirmativa obtiver, pelo menos, dois terços dos votos dos senadores presentes, o Presidente fará nova consulta ao plenário sobre o tempo não excedente de cinco anos, durante o qual o condenado deverá ficar inabilitado para o exercício de qualquer função pública.

A respeito da utilização do impeachment como instrumento excepcional para apuração de crime de responsabilidade praticado por Presidente da República, cumpre transcrever o seguinte trecho do livro escrito por André Ramos Tavares9:

4.1.3.1. Regime democrático e “impeachment”

A democracia, como visto anteriormente, tende a ser concebida como resultante direta da possibilidade de participação de todos interessados na escolha de seus representantes eleitos. A atribuição de votos tanto significa participação democrática dos atores sociais como legitimidade para a ação dos eleitos. Embora a democracia não se possa circunscrever a um único momento, ela certamente está presente quando se fala da decisão das urnas no Brasil, bem como da garantia efetivada, aqui, do voto direto, secreto, universal e periódico.

(...)

A utilização de um mecanismo, como o impeachment, pelo Congresso Nacional (dentro do papel recebido por cada uma das Casas) significa, sempre, inabilitar milhões de votos e conexões construídas no tecido social pelos partidos políticos e pelo cidadão. Sua excepcionalidade, em termos democráticos, não pode ser ignorada; pelo contrário, deve ser permanentemente relembrada, de maneira a servir como advertência quanto ao seu uso inadequado, ainda que o desvio possa parecer mínimo.

Não haverá mais democracia no Brasil pelo uso vulgarizado do impeachment, ainda que ocorra com a instauração pela maioria qualificada de 2/3 dos votos da Câmara dos Deputados e sua continuidade e eventual imposição pela maioria no Senado Federal em consonância às regras formais de tramitação e decisão.

Isso porque o impeachment não pode ser assimilado como mecanismo de democracia nem como mecanismo rotineiro em democracias. Nem uma coisa, nem outra. Nem promove a democracia, pois não se destina constitucionalmente a isso, nem lhe é imanente. O impeachment atende a outra lógica, atinente a aspectos de defesa da Constituição e do Presidencialismo.

(...)

Em outras palavras, a democracia brasileira resguarda-se contra a formação de maiorias conjunturais (e por maior motivo, de minorias radicais ou extremistas) que acenem com caminhos que pretendem reformar ou eliminar valores considerados básicos à sociedade. Essas ocorrências costumam ser mais comuns em períodos de crise, seja na crise econômica, seja na crise política.

Nesse sentido, o impeachment não é nem pode ser uma alternativa à democracia eletiva, ou às políticas econômicas adotadas por determinado Governo. Descontentamento político com a postura de algum Presidente da República, desilusão com determinadas políticas econômicas (ou com políticas públicas) e, igualmente, o esmorecimento de laços de confiabilidade no projeto governamental, não ensejam impeachment. Dessas razões não se pode valer o Congresso Nacional sem incursionar firmemente, ele próprio, em desvio grave à democracia e à Constituição.

(...)

O impeachment não é um mecanismo para testar novamente o resultado das urnas ou a vontade formalmente manifestada por toda a sociedade. Entende-se, pois, que essas sequer se tornem preocupações manifestas das Casas do Congresso Nacional quando se trata legitimamente de um impeachment. É, em realidade, um mecanismo típico do modelo Presidencialista brasileiro, de defesa da Constituição e, portanto, de suas instituições.

O seguinte trecho do artigo escrito por Marcus Faver10 aborda a relevância do impeachment como remédio institucional para dirimir crises políticas:

Não se pode, todavia, pensar no impeachment como um veículo de incrustação ou exacerbação de crise ou vendetas políticas, mas sim como um remédio institucional e heroico para debelar graves crises políticas, eventualmente ocorridas nos diversos entes federativos. Só assim e com essa filosofia ele se justifica.

Nessa mesma linha, cita-se o seguinte trecho de parecer elaborado por Adilson Abreu Dallari sobre investigação de crime de responsabilidade civil do Presidente da República em mandato11:

Pode-se afirmar, portanto, com total segurança, que a eventual cassação do mandato presidencial, pela condenação em processo pelo cometimento de crime de responsabilidade, nada tem de estranho, aberrante ou conflitante com a soberania popular.

Ao contrário, é uma forma usual, normal, de controle do exercício do poder, inerente ao sistema republicano. Anormal, aberrante, incoerente e despropositada seria, ao contrário, a ausência de previsão, no texto constitucional, da possibilidade de responsabilização do ocupante do cargo de Presidente da República.

(...)

Fique perfeitamente claro, portanto, que não há qualquer ofensa ao princípio democrático republicano da soberania popular, quando representantes do povo cassam o mandato de outro representante do povo, pois foi o próprio povo que assim estabeleceu essa possibilidade, quando da edição de sua Carta Magna, e foi o próprio povo que, pelo voto direto, confirmou essa opção, no plebiscito realizado em 21 de abril de 1993. O Presidente da República não é um Imperador temporário. A ele não se aplica o Art. 99 da Constituição Imperial, mas, sim, a regra geral da responsabilidade inerente a qualquer cidadão que estiver, temporariamente, no exercício de qualquer parcela do Poder Público.

Desta forma, apesar da legitimidade na utilização do processo impeachment em razão do cometimento de crime de responsabilidade12, afigura-se que o citado instituto deve ser compreendido com a devida cautela na medida em que pode implicar afastamento definitivo do Presidente da República, que foi eleito mediante escolha popular, o que constitui um dos pilares do regime democrático brasileiro.

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Sobre o autor
João Paulo Santos Borba

Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Graduado em Direito Civil e em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Advogado da União.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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