INTRODUÇÃO
A relevância e a importância de se ter privacidade no mundo de hoje é pauta de diversos debates, visto que é um tema legal, individual e intrasferível. É crucial recordar que ‘privar’ é um direito fundamental, necessário ao bem estar e convívio social. O artigo que trata do direito à privacidade está presente na Constituição Federal brasileira de 1988, qual seja o 5º, mais precisamente o inciso X, que será abordado adiante. Ademais, há no Código Civil os artigos 11 ao 21, que retratam sobre os direitos da personalidade, além do Código Penal que também aborda sobre a temática.
Na década de 1950, dois juristas (Heinrich Hubmann e Heinrick Henkel) adotaram a Teoria dos Círculos Concêntricos para diferenciar esfera pública da privada, que tomou repercussão pelos brasileiros Flávio Tartuce, Paulo José da Costa Junior e Pablo Stolze Gagliano.
A teoria das esferas da personalidade configura a existência de três círculos abstratos, em que conceitua-se que a circunferência mais externa é a da privacidade, de maior amplitude, uma primeira análise das relações, como a imagem, costumes e hábitos. A circunferência intermediária é a da intimidade, onde há o sigilo e restrições de informações pessoais, como família, amigos e trabalho. Por fim, a circunferência mais oculta é a do segredo, em que somente em algumas ocasiões são reveladas, como religião, filosofias e opções sexuais.
Apesar de haver teorias, ainda permanece a dificuldade em delimitar cada uma dessas fronteiras. Com a evolução da humanidade e o avanço da tecnologia surgem as possibilidades de uma nova perspectiva relacionada à interatividade humana, se fazendo essencial compreender as dinâmicas postas entre estes dois vieses: privacidade e liberdade de expressão.
1. INÍCIO E ORIGEM
Jurgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão, categorizou o público e o privado, analisando-se a esfera da pólis (cidade-estado de cidadãos livres de vida pública) e da oikos (sociedade grega antiga individualizada). Para ele, o comportamento de cidadãos como corpo público se dá quando há liberdade de comunicação de interesses.
A noção que se tem sobre privacidade surge em meados dos séculos XVII e XVIII, com pequenos, mas, valiosos avanços, como a construções de quartos individuais e diários pessoais.
Tendo raízes latinas, o termo “privacidade” recebeu modulações e, hoje, é encarado como liberdade de autodeterminação informativa, possibilitando ao seu titular capacidade de controlar dados pessoais.
Com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, no período da Revolução Francesa, a população teve seus direitos individuais e coletivos pautados de modo universal.
Com o progresso científico e os avanços das técnicas, nasce a necessidade e o desejo da população de excluir do conhecimento de terceiro tudo aquilo que a ela se relaciona, é o poder dever de outras pessoas de não se imiscuir na intimidade alheia, vislumbrando-se a crucial importância da chegada da Constituição Federal de 1988.
A vida privada e a intimidade possuem o mesmo objetivo, qual seja, de resguardar informações da vida humana de forma ampla, garantindo a privacidade na esfera mais interna.
1.1 Conceitos
O primeiro conceito acerca do tema, elaborado em livro por Samuel D. Warren e Louis Brandeis, configurou a privacidade como “direito de ficar só”, sem a interferência do Estado na vida individual e o direito de poder reivindicar ao Estado a tutela dessa privacidade, o que protege perante terceiros.
Também houve a consagração da Teoria dos Círculos Concêntricos como abordado acima, de Heinrich Hubmann e Heinrick Henkel, conceituada pelas três esferas do individuo, quais sejam a privacidade, intimidade e o segredo.
Na sociedade contemporânea, por sua vez, há a amplitude dessa noção, sendo o anteriormente visto insuficiente diante dos avanços tecnológicos, uma vez que os meios de violação da privacidade crescem junto à era da informação.
Há divergências sobre o conceito no Brasil. Alguns autores entendem que privacidade e intimidade são semelhantes, sendo ambos abordados no mesmo assunto. Todavia, por mais que possam parecer que se misturam ou que se confundam, há claras divergências, como o fato de intimidade envolver o âmbito mais íntimo do ser humano. Ideia esta defendida até mesmo pela própria Constituição Federal, como melhor explicitado a diante no presente artigo.
Hoje, tem-se o tema como direito fundamental, devendo ser respaldado pelo governo para que não haja frequente violação. Isso ocorre por que a privacidade está cada vez mais fadada a ser exposta e divulgada.
2. O IMPACTO E A ABRANGÊNCIA DA PROBLEMÁTICA
Quando falamos sobre Direito à Privacidade, envolto a isto existem direitos à intimidade, à inviolabilidade de domicílio, à honra, ao sigilo, às comunicações e à imagem, entre outros aspectos que fazem abranger a ideia do que é ser privado.
Em contrapartida, há figuras que não têm esses mesmos respaldos, como o caso da pessoa jurídica no Brasil. Os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana, não sendo as pessoas jurídicas titulares desse direito, possuindo apenas honra objetiva (imagem e identidade).
Em outra esfera, os artigos 6º e 7º do Código Civil dispõem que o direito da personalidade acaba com a morte, porém, com o paragrafo único do artigo 12 do mesmo código, afere-se que mesmo morto, este poderá sofrer violações inerentes à sua personalidade, honra, privacidade e imagem, podendo a família pleitear indenização ou que se cesse a conduta com possíveis sanções.
Merece destaque também, a condição de representantes do povo possuírem menos privacidade que cidadãos comuns, por envolver direitos políticos. A privacidade restrita de um candidato político, por exemplo, é atrelada ao interesse da população em saber de sua vida, na verdade, de precisar ter esse conhecimento na hora de votar. É diferente quando se tem, por outro lado, apenas uma figura pública, não passando de simples curiosidade.
Portanto, existem pessoas que têm mais privacidade do que outras, e até mesmo aquelas que não possuem, se tratando, em suma, de um direito não absoluto.
3. LEGISLAÇÃO
3.1 Constituição Federal
O avanço da comunicação e da tecnologia faz parte do cotidiano, sendo inegável sua essencialidade ao desenvolvimento do mundo moderno.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X dispõe:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”.
Nota-se que a forma como exposta na constituição Federal, é ampla a consagração dos princípios, abrangendo manifestações no âmbito íntimo, privado e da personalidade do indivíduo.
Ocorre que, juntamente com esse avanço, frequentemente há a quebra destes princípios, resultando em indenizações por danos materiais e morais cada vez mais recorrentes no mundo hodierno.
A propósito do tema, cabível colacionar excerto retirado dos ensinamentos do ilustre Prof. SÉRGIO CAVALIERI FILHO(2015, p. 129-130):
“Com efeito, ninguém questiona que a Constituição garante o direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (arts. 5º, IX, e 220, §§ 1º e 2º). Essa mesma Constituição, todavia, logo no inciso X do seu art. 5º, dispõe que 'são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação'. Isso evidencia, na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, esses dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados. É tarefa do intérprete encontrar o ponto de equilíbrio entre princípios constitucionais em aparente conflito, porquanto, em face do princípio da unidade constitucional, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém; deve o intérprete procurar as recíprocas implicações de preceitos até chegar a uma vontade unitária na Constituição, a fim de evitar contradições, antagonismos e antinomias.
(...)
Os nossos melhores constitucionalistas, baseados na jurisprudência da Suprema Corte Alemã, indicam o princípio da proporcionalidade como sendo o meio mais adequado para se solucionar eventuais conflitos entre a liberdade de comunicação e os direitos de personalidade.”.
3.2 Código Penal
Todos esses crimes previstos no Código Penal possuem suas devidas penalidades, pretendendo reter ações danosas em virtude do crescimento tecnológico e da facilidade de dispor informações e inverdades.
Enquadram-se como crimes contra a honra, a exemplo: calúnia (art. 138, CP), difamação (art. 139, CP) e injúria (art. 140, CP).
Calúnia:
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.
Difamação:
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.
Injúria:
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo lhe a dignidade ou o decoro.
Além disso, juntamente com o avanço do mundo moderno, houve o surgimento de novos crimes, como o Crime Cibernético, ou crime informático, previsto na Lei nº 12.737/2012, que regulamentou os delitos informáticos e alterou algumas tipificações no código Penal e também a Lei nº 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, dispondo conceitos, princípios e direitos.
O Crime Cibernético possui diversos outros anexados, como o furto de dados, uso de software falsificado, e a própria injúria e difamação. O presente artigo explicitará mais profundamente sobre o furto de dados, prejudicando a vítima e seu direito à intimidade.
O furto de dados é emoldurado no artigo 171, do Código Penal, acerca do crime de estelionato, que define:
Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Tais crimes ocorrem principalmente pela falta de segurança das redes sociais, da ampla disponibilidade de informações e o fácil acesso aos dados. Em meio à sociedade da informação, a tendência do mundo contemporâneo é que seja cada vez mais recorrente o número de indivíduos afetados por algum crime na internet.
3.3 Código Civil
A própria Constituição Brasileira deixa uma dúvida sobre quais os limites quando se fala em privacidade e liberdade de expressão. Apesar de ambas estarem expostas na carta constitucional, dentre outros conceitos que se chocam, a saber: direito à informação e inviolabilidade da privacidade, este é um tema complexo pensando até onde se pode chegar sem que ultrapasse os limites de terceiro.
A violação da privacidade é algo danoso na esfera moral do indivíduo, é o limite extremo da liberdade de expressão e de informação. Tal abuso é passível de intermediação do Poder Judiciário, responsabilizando penal, como já exemplificado acima, e civilmente os autores.
O dano moral, em seu sentido estrito, é a violação da dignidade. Ou seja, a indisciplina para com o respeito ao âmbito dos direitos personalíssimos é a forma mais gravosa de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana.
Este princípio aborda que todas as pessoas o possuem, caracterizando um valor moral ou espiritual inerente à pessoa humana, constituindo um preceito máximo do Estado democrático de direito, sendo um princípio fundamental. O direito à privacidade consiste em tutela indispensável ao exercício da cidadania.
O capítulo 2 do Código Civil expressa sobre os direitos da personalidade. Dos artigos 11 ao 21, conclui-se que tais direitos são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo sofrer limitação voluntária, solicitando ao judiciário que cesse a ameaça ou lesão, pleiteando perdas e danos. Ademais, dispõem também que a exposição ou a utilização da imagem de alguém poderão ser proibidas (artigo 20, Código Civil). No artigo 21, o legislador afere que a vida privada é inviolável e que, mediante juízo próprio, as providências necessárias para o impedimento do ato contrário a esta norma são cabíveis. Presentes também se fazem os direitos sobre o morto, sobre o nome e sobre o direito a transplante.
Tem-se como ato ilícito gerador de uma reparação pecuniária todo aquele que, por ação ou omissão, de forma culposa ou dolosa fira ou cause dano a outrem, devendo, então, reparar a violação.
4. DESAFIOS
A linha tênue que transcorre entre o direito à privacidade e a liberdade de expressão é palco dos debates em meio ao mundo moderno. Indubitavelmente, ocorre uma colisão entre esses dois interesses em se tratando de um Estado Democrático de Direito.
O grande desafio se mostra ao visualizar a importância de ambos, tanto do direito de informar, quanto o do de ser informado, enfatizando-se a manifestação do pensamento e a liberdade de expressão.
No capítulo V da Constituição Federal, o artigo 220 explicita que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. No § 2º, diz que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
No atual momento conturbado da nossa democracia, essas ideias se chocam, ao passo que se alcançou o êxito máximo da livre manifestação com a Constituição de 88 em meio ao caos do período militar em que não se cogitavam mudanças neste sentido. Em contra partida, juntamente veio a nós o direito à privacidade, sendo este absoluto, erga omnes, consistindo num direito negativo, pela não exposição da esfera particular. Segundo Celso Ribeiro Bastos, é a faculdade do indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na vida íntima, impedindo o acesso à informação sobre a privacidade e a divulgação desta.
É função do Poder Judiciário controlar os abusos da liberdade de expressão mediante o exercício da jurisdição. Quando o Judiciário exerce uma censura, ele está cumprindo seu dever jurisdicional, ao passo que não se chocam. Com isso, tem-se a autorização da restrição de liberdade para proteger os direitos individuais e da personalidade em geral.
Por conseguinte, as consequências desse grande desafio, qual seja, concretizar os limites das duas ideias, em vista do que uma agressão moral pode causar à pessoa humana, são irreparáveis. Ressaltando que o indivíduo tem o direito de preservar seu âmbito personalíssimo (honra e privacidade).