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Manual de direitos sucessórios

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08/01/2006 às 00:00
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8. – Formas Especiais de Testamento

            O Código Civil Brasileiro classifica três modalidades de Testamentos Especiais: O Marítimo, o Aeronáutico e o Militar.

            8.1. – Testamento Marítimo e Aeronáutico

            O testamento marítimo já era regulado pelo antigo Código Civil de 1.916. Atualmente, tanto o testamento marítimo como o aeronáutico são regulados do art. 1.888 a 1.892, na medida em que o Novo Código Civil estendeu a interpretação das características do testamento marítimo ao aeronáutico. (este último, eficácia jurídico-fática praticamente nula.)

            De acordo com o disposto no art. 1.888, o testador, estando em viagem, a bordo de navio nacional, poderá fazer um testamento perante o comandante da embarcação, verbis:

            "Quem estiver em viagem, a bordo de navio nacional, de guerra ou mercante, pode testar perante o comandante, em presença de duas testemunhas, por forma que corresponda ao testamento público ou ao cerrado.

            Parágrafo único. O registro do testamento será feito no diário de bordo."

            Ou seja, sempre que alguém estiver a bordo de alguma embarcação nacional, bélica ou comercial, poderá testar perante o comandante, podendo, a seu critério, seguir os ditames atinentes ao testamento público ou cerrado. O vocábulo "viagem" deve ser entendido segundo uma certa amplitude [39], de modo a conferir ao testamento marítimo força prática.

            Nota-se aí que o ordenamento jurídico confere, nesta ocasião especial, uma certa função notarial ao comandante do navio, fazendo ele, nessa situação, a função do tabelião, devendo seguir os ritos próprios da modalidade de testamento que o testador desejar.

            O testamento aeronáutico foi uma nova forma de disposição de última vontade incluída no ordenamento pelo Novo Código Civil.

            Este é bastante semelhante ao testamento marítimo, conforme o que pode ser observado no artigo 1.889, verbis:

            "Quem estiver em viagem, a bordo de aeronave militar ou comercial, pode testar perante pessoa designada pelo comandante, observado o disposto no artigo antecedente."

            Como podemos ver, ocorre de maneira semelhante ao testamento marítimo, com a diferença é que a pessoa perante a qual o interessado testará, será alguém designado pelo comandante da aeronave.

            A modalidade marítima de testamento, logicamente é mais utilizada pelo cidadão do que o testamento aeronáutico, na medida em que há um maior tempo disponível para as disposições testamentárias, caso seja necessário testar. Também há o fato de que, caso ocorra algum desastre a bordo de um avião, não haverá tempo, nem condições, para se preocupar com testamentos. Apesar da pouca relevância prática, o testamento aeronáutico é recepcionado com aprovação pela doutrina em geral.

            8.1.1. – Requisitos e Caducidade do Testamento Marítimo e Aeronáutico

            Tanto o testamento marítimo como o aeronáutico, ao serem redigidos, ser registrados no respectivo diário de bordo, como se o comandante fosse um tabelião registrando um testamento público em algum livro de sua serventia, bem como, devem ficar sob a guarda do comandante da embarcação (ou aeronave) que, na primeira oportunidade o entregará às autoridades administrativas do primeiro porto (ou aeroporto) em que parar, conforme o que reza o artigo 1.890 do Código Civil, verbis:

            "O testamento marítimo ou aeronáutico ficará sob a guarda do comandante, que o entregará às autoridades administrativas do primeiro porto ou aeroporto nacional, contra recibo averbado no diário de bordo."

            Os testamentos marítimos não prevalecerão se o embarcado estiver em um pequeno cruzeiro, como uma viagem de turismo e se, ao tempo da feitura do testamento, a embarcação encontrava-se em porto onde o mesmo pudesse desembarcar e testar ordinariamente, conforme o disposto no art, 1.892, verbis:

            "Não valerá o testamento marítimo, ainda que feito no curso de uma viagem, se, ao tempo em que se fez, o navio estava em porto onde o testador pudesse desembarcar e testar na forma ordinária."

            No entanto, caso ocorra a não-prevalência do testamento marítimo, deve ser analisado o caso concreto, de modo a saber acerca do fato que levou o testador a não testar de forma ordinária. Deve ser apresentado um fato bastante relevante, como a falta de um notário no local de desembarque, ausência de um consulado brasileiro (caso esteja em terras estrangeiras), desconhecimento da língua local, enfim, somente o caso concreto mostrará a relevância factual.

            Os testamentos marítimos ou aeronáuticos somente caducarão se o testador não falecer na viagem em que fez o testamento, nem nos noventa dias posteriores ao seu desembarque, em virtude de, dentro desse prazo, ser perfeitamente possível se testar de forma ordinária. A caducidade encontra embasamento legal no artigo 1.891, verbis:

            "Caducará o testamento marítimo, ou aeronáutico, se o testador não morrer na viagem, nem nos noventa dias subseqüentes ao seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento."

            Nota-se aí que, diferentemente dos testamentos ordinários, essas duas modalidades de testamento, bem como a modalidade de testamento militar (como veremos posteriormente), possuem um prazo prescricional.

            8.2. – Testamento Militar

            O militar, ou qualquer outra pessoa a serviço das Forças Armadas, quando estiver em campanha [40], dentro ou fora do País, poderá testar sem as complexidades e solenidades do testamento ordinário. Vejamos o art. 1.893 do Código Civil, verbis:

            "O testamento dos militares e demais pessoas a serviço das Forças Armadas em campanha, dentro do País ou fora dele, assim como em praça sitiada, ou que esteja de comunicações interrompidas, poderá fazer-se, não havendo tabelião ou seu substituto legal, ante duas, ou três testemunhas, se o testador não puder, ou não souber assinar, caso em que assinará por ele uma delas.

            § 1º Se o testador pertencer a corpo ou seção de corpo destacado, o testamento será escrito pelo respectivo comandante, ainda que de graduação ou posto inferior;

            § 2º Se o testador estiver em tratamento em hospital, o testamento será escrito pelo respectivo oficial de saúde, ou pelo diretor do estabelecimento;

            § 3º Se o testador for o oficial mais graduado, o testamento será escrito por aquele que o substituiu."

            Pelo comandante da campanha (ou outro oficial, de acordo com as ressalvas mencionadas no artigo supra citado), que, neste ato, servirá de notário público, as declarações do militar serão reduzidas a termo diante de duas testemunhas, que assistam ao ato declaratório e assinem o instrumento, juntamente com o comandante e o testador. Há a possibilidade de outra pessoa assinar a rogo do militar testador, caso este não possa ou não saiba ler.

            A caducidade do testamento militar ocorre se o testador estiver em algum lugar onde possa fazer um testamento ordinário, por um prazo certo de 90 dias. Há, entretanto, uma ressalva sobre essa caducidade. Se o oficial que redigiu, ou o oficial a quem foi apresentado o testamento militar apuser uma notação mencionando, em qualquer parte do testamento o lugar, dia, mês e ano em que foi feito, bem como ser este assinado pelo testador, o oficial e as testemunhas, tal caducidade não terá efeito, conforme o disposto no art. 1.895 c/c parágrafo único do art. 1.984 do Código Civil Brasileiro, verbis:

            "Caduca o testamento militar, desde que, depois dele, o testador esteja, noventa dias seguidos, em lugar onde possa testar de forma ordinária, salvo se este testamento apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do artigo antecedente."

            "Se o testador souber escrever, poderá fazer o testamento de sue punho, contanto que o date e assine por extenso, e o apresente aberto ou cerrado, na presença de 2 (duas) testemunhas ao auditor, ou ao oficial de patente, que lhe faça as vezes neste mister.

            Parágrafo único. O auditor, ou o oficial a quem o testamento se apresente notará, em qualquer parte dele, lugar, dia, mês e ano, em que lhe for apresentado, nota esta que será assinada por ele e pelas testemunhas."


9. – Codicilos

            Crêem os estudiosos da etimologia latina que o vocábulo codicilo vem do latim codex, que significa código, porém, o vocábulo em questão traz em si a idéia de diminutivo. Partindo disso, codicilo seria um diminutivo de código, ou um pequeno escrito.

            O conceito jurídico de codicilo não e muito diferente disso, na medida em que, através dele, o testador poderá fazer determinadas disposições não-testamentárias, por exemplo, disposições sobre seu enterro, ou disposições acerca de bens de valor pouco apreciável, conforme o disposto no art. 1.881 do Código Civil Brasileiro, verbis:

            "Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias de pouco valor, de seu uso pessoal."

            De modo semelhante ao Direito Romano, o codicilo vive sempre à margem de um testamento e sem a este vincular-se. De grosso modo, o codicilo parece um testamento, muito embora seja muito menos que um.

            Como pode ser observado com a leitura do artigo supra citado, os objetos que podem ser dispostos em codicilo são bastante limitados. Contudo, o Código não fixou um critério quantitativo dentro do artigo, muito pelo contrário, o fez de forma subjetiva, na medida em que fala de "esmolas de pouca monta" ou "móveis, roupas ou jóias de pouco valor".

            Diante disso, o que seria "pouca monta" ou "pouco valor"? Tal critério deve ser observado pelo magistrado no caso concreto, de modo que se evite que o testador disponha sobre bens importantes em um escrito particular com tão pouca solenidade.

            No antigo regime jurídico do Código Civil de 1.916 o codicilo possuía uma força, e uma importância maior. Era bastante freqüente apor a um testamento uma "cláusula codicilar", segundo a qual o testamento, caso não valha como tal, deveria ser considerado ao menos como codicilo.

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            O art. 1.884 do Código Civil Brasileiro exprime a causa de revogação do codicilo, vejamos:

            "Os atos previstos nos artigos antecedentes revogam-se por atos iguais, e consideram-se revogados, se, havendo testamento posterior, de qualquer natureza, este não os confirmar ou modificar."

            Sobre revogação de um codicilo por outro, acreditamos que, quando o código fala em "atos iguais", este se refere a um futuro codicilo feito pelo testador, que expressamente revogue o codicilo anterior, ou com ele seja incompatível. Cremos que nem todo codicilo revoga outro anterior, na medida em que não há restrição expressa na lei para que dois codicilos se completem, se somem.

            Contudo, havendo um futuro testamento que expressamente revogue o codicilo não há a menor sombra de dúvida de sua revogação pleno iure. Entretanto, o testamento futuro pode silenciar quanto ao codicilo. Diz este artigo que os codicilos são revogados por testamento que não os confirmem nem modifiquem, então, caso este silencie, entende-se que o codicilo está revogado tacitamente.


10. – Legados

            Enquanto a herança consiste na totalidade ou de uma fração ideal dos bens do de cujus, como uma universalidade de bens, sendo considerada um único bem imóvel, conforme o art. 80, II do Código Civil Brasileiro, o legado consiste é a sucessão que incide sobre uma coisa certa e determinada, que a classifica como mortis causa a título singular. Como diz o jurista Carlos Maximiliano [41], a herança é indefinida e o legado é definido.

            Quando o legado é deixado para um herdeiro legítimo, que passa a acumular os papéis de herdeiro e legatário, é chamado de legado precípuo ou prelegado.

            O conceito jurídico atual de legado é um ato de liberalidade feita em testamento a uma pessoa determinada, chamada de legatário. E, como não se confunde com a herança, está sujeito a normas que lhes são próprias, que lhe divide em algumas espécies:

            - Legado de Coisas;

            - Legado de Crédito ou Quitação de Dívida;

            - Legado de Alimentos;

            - Legado de Usufruto;

            - Legado de Imóvel;

            - Legado de Dinheiro;

            - Legado de Renda ou Pensão Periódica;

            - Legado Alternativo.

            O legado de coisas é feito quando a liberalidade post mortem se dá sobre coisa individualizada. Pode ser uma coisa específica ou genérica, de modo que, nesse último caso, a escolha somente será feita depois, pelo legatário, ou outra pessoa designada pelo testador. É necessário dizer que, uma vez que a coisa legada seja definida apenas determinada pelo gênero, este se cumprirá mesmo que tal coisa não exista entre os bens do testador, segundo reza o art. 1.915 da lei civil pátria, verbis:

            "Se o legado for de coisa que se determine pelo gênero, será o mesmo cumprido, ainda que tal coisa não exista entre os bens deixados pelos testador."

            Convém salientar que, diferente de outros sistemas jurídicos (entre eles o Sistema do Direito Romano), o ordenamento jurídico brasileiro veda totalmente o legado de coisa alheia, conforme o disposto no art. 1.912 do Código Civil: "É ineficaz o legado de coisa certa que não pertença ao testador no momento da abertura da sucessão."

            Também pode um crédito de propriedade do de cujus ser objeto de legado, para se transferir ao legatário, de modo que o novo crédito agora seja devido ao mesmo, de modo igual ao que ocorre em uma cessão de crédito. Pode ser transmitida uma quitação de dívida ao legatário, e se transfere pela própria entrega do instrumento de quitação do herdeiro para o legatário.

            Os alimentos podem ser transmitidos por legado. Através dessa modalidade de legado, cria-se uma relação jurídica que obriga o pagamento da pensão alimentícia, como aquela devida aos filhos. Os alimentos devem compreender o necessário à manutenção da vida do legatário (alimentado), levando sempre em conta as circunstâncias e o meio-termo, de modo que o valor estipulado dos alimentos não seja praticamente uma "esmola", mas também não seja muito alto, de modo que seja um aproveitamento ilícito do alimentado.

            Em geral, os alimentos são fixados levados em conta as possibilidades do alimentante e as necessidades do alimentado. Essa modalidade de legado tem fulcro legislativo no art. 1.920 do Código Civil, verbis:

            "O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor."

            O testador, se possuir plena propriedade de um bem, pode legar o seu usufruto para uma terceira pessoa, de modo que essa fique no uso e fruição do bem, em todo o prazo estipulado. Se não houver um prazo estipulado pelo testador, há uma presunção iure et de iure [42] de que este prazo seja vitalício com relação ao legatário, conforme o disposto no art. 1.921, do diploma civil: "O legado de usufruto, sem fixação de tempo, entende-se deixado ao legatário por toda a sua vida."

            Da mesma forma que podem ser legadas quaisquer bens de propriedade do testador, com os Imóveis não poderia ser diferente. Também há um legado especial para o bem imóvel. Contudo há que se observar o que dispõe o Código Civil, em seu art. 1.922, verbis:

            "Se aquele que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas aquisições, estas, ainda que contíguas, não se compreendem no legado, salvo expressa declaração em contrário do testador.

            Parágrafo único. Não se aplica o disposto neste artigo às benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias feitas no prédio legado."

            Ou seja, quaisquer melhorias feitas no próprio prédio, internamente, na sua própria unidade, entendem-se aditadas ao prédio legado. Entretanto, se o testador adquirir outra unidade contígua (vizinha) à legada, esta, logicamente, não fará parte do legado, na medida em que constitui em uma unidade autônoma.

            Pode-se também legar dinheiro. O pagamento deve ser feito logo após a partilha, de forma que os juros correrão a partir do momento em que o herdeiro pagador se constituir em mora, ou seja, no momento em que for feita a partilha e o legatário não receber o dinheiro.

            O Legado de Renda ou Pensão Periódica é o gênero do qual o Legado de Alimentos é espécie. Nesta modalidade, é legada uma renda, de caráter vitalício ou não, renda esta fixada pelo próprio testador.

            Há o legado alternativo quando o testador coloca duas ou mais opções de legado ao herdeiro incumbido de cumprir o legado. Está amparado no art. 1.932 do Código Civil Brasileiro: "No legado alternativo, presume-se deixada ao herdeiro a opção."

            Sobre a exigência do cumprimento do legado por parte do interessado (o legatário, esta somente pode ser exercida após a partilha dos bens segundo o testamento, e, se este for objeto de uma ação litigiosa que conteste a sua validade, poderá a exigência ser exercida após a decisão acerca da validade do testamento. Ou, no caso de legados condicionais, somente se exigirá o cumprimento quando a condição a qual se vincula ocorrer, conforme o disposto no art. 1.924 do Código Civil, verbis:

            "O direito de pedir o legado não se exercerá, enquanto se litigue sobre a validade do testamento, e, no legados condicionais, ou a prazo, enquanto esteja pendente a condição ou o prazo não se vença."

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Sobre o autor
Luís Humberto Nunes Quezado

bacharelando em Direito pela Faculdade 7 de Setembro, em Forteleza (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEZADO, Luís Humberto Nunes. Manual de direitos sucessórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 919, 8 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7764. Acesso em: 21 mai. 2024.

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