Um péssimo precedente

16/11/2019 às 10:42
Leia nesta página:

As reações à decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, de requerer ao Banco Central o acesso a todos os relatórios de inteligência financeira produzidos nos últimos três anos são duplamente relevantes.

O ministro rejeitou um pedido apresentado pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, e ampliou a solicitação de acesso aos relatórios financeiros de cerca de 600 mil pessoas produzidos nos últimos três anos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – rebatizado Unidade de Inteligência Financeira (UIF). A resposta de Toffoli à manifestação de Aras foi rápida e em tom provocativo. Agora, o presidente da Corte quer saber, também, quem no Ministério Público Federal e no órgão de controle teve e tem acesso a essas informações sigilosas.

Trata-se de uma verdadeira devassa em dados fiscais e de inteligência financeira.

Quais são os propósitos do presidente do STF ao tomar tal medida insólita e que soa abusiva e sem limites, sem qualquer transparência para fundamentá-la?

Algo próprio de Estados autoritários.

Algo que jamais houve na história judiciária do Brasil.

O presidente do Supremo Tribunal Federal ultrapassou todos os limites.

Há uma cortina de fumaça para o cerne da questão: quais foram as autoridades que acessaram esses dados sem o aval da Justiça? E sob quais fundamentos?

A medida judicial aqui historiada fere ao princípio da razoabilidade. 

A razoabilidade é vista na seguinte tipologia:

a) Razoabilidade como equidade: exige-se a harmonização da norma geral com o caso individual;

b) Razoabilidade como congruência: exige-se a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação;

c) Razoabilidade por equivalência: exige-se uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.

Não se pode eleger uma causa inexistente ou insuficiente para a atuação estatal. Os princípios constitucionais do Estado de Direito (artigo 1º) e do devido processo legal (artigo 5º, LIV), da Constituição exigem o confronto com parâmetros externos a elas.

Não se pode conviver com discriminações arbitrárias.

Há de se considerar uma razoabilidade interna, que se referencia com a existência de uma relação racional e proporcional entre motivos, meios e fins da medida e ainda uma razoabilidade externa, que trata da adequação de meios e fins. No caso em tela há absoluta dissonância entre os motivos, meios e fins da medida, de forma a aduzi-la como fora do razoável.

Proíbe-se o excesso.

 Na aplicação do princípio há três elementos: 

a) princípio da conformidade ou adequação de meios: a medida que pretende realizar o interesse público deve ser adequada aos fins subjacentes a que visa a concretizar. O controle dos atos do poder público que devem atender a "relação de adequação medida fim", pressupõe a investigação e prova de sua aptidão para e sua conformidade com os fins que motivaram a sua adoção; 

b) princípio da necessidade: A ideia subjacente ao princípio é invadir a esfera da liberdade do individuo o mínimo possível. É o entendimento do Tribunal Constitucional Federal alemão que formulou a seguinte máxima: "o fim não pode ser atingido de outra maneira que afete menos ao indivíduo", extraindo-a do caráter de princípio das normas de direito fundamental. A opção feita pelo legislador, ou o executivo, deve ser passível de prova no sentido de ter sido a melhor e única possibilidade viável para a obtenção de certos fins e de menor custo ao indivíduo. O atendimento à relação custo-beneficio de toda decisão político-jurídica, a fim de preservar o máximo possível do direito que possui o cidadão. Canotilho (Direito Constitucional, 5ª edição, pág. 387) citou outros elementos integrantes ao princípio da necessidade, elaborados pela doutrina no intuito de operacionalizá-lo na prática: a) a necessidade material, pois o meio deve ser o mais poupado possível quanto à limitação dos direitos fundamentais; c) a exibilidade temporal pressupondo a rigorosa delimitação no tempo da medida coativa do poder público; d) a exibilidade pessoal que significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas, cujos interesses devem ser sacrificados. 

c) Princípio da proporcionalidade em sentido estrito: Confunde-se com a pragmática da ponderação ou lei da ponderação. Decorre da análise do espaço de discricionariedade semântica (plurissignificação), vacuidade, porosidade, ambiguidade, fórmulas vazias presentes no sistema jurídico. Constitui requisito para a ponderação de resultados e adequação a adequação entre meios e fins. Deve-se analisar se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coativa da mesma. 

Por tudo isso, essa sinistra medida cujos limites ainda não estão elucidados e cujos motivos são desconhecidos, o que é algo que soa estranho, dada a força da medida policialesca tomada, deve ser censurada.

Os direitos fundamentais foram atingidos por uma medida de quem tem como precípua missão a sua guarda.

O presidente do STF, dentro de um Estado Democrático de Direito, mostra que não tem limites e preparo ao exercitar algo que é próprio de um Estado Fascista, em que os fins justificam os meios.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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