6. Classificação dos créditos na falência.
Quanto à classificação dos créditos, veja-se, ad litteram, a redação do artigo 83 e do artigo 84 da NLF:
“Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor 12 , e os decorrentes de acidentes de trabalho 13 ;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;
IV – créditos com privilégio especial, a saber:
a) os previstos no art. 964. da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 14 ;
b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;
c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;
V – créditos com privilégio geral, a saber:
a) os previstos no art. 965. da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 15 ;
b) os previstos no parágrafo único do art. 67 16 desta Lei;
c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;
VI – créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;
c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo 17 ;
VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;
VIII – créditos subordinados, a saber:
a) os assim previstos em lei ou em contrato;
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.
§ 1º Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado como valor do bem objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado.
§ 2º Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.
§ 3º As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigações neles estipuladas se vencerem em virtude da falência.
§ 4º Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários 18 .
Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83. desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:
I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;
II – quantias fornecidas à massa pelos credores;
III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;
IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;
V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67. desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83. desta Lei. 19
Qualquer credor, até mesmo a fazenda pública, só receberá multa como credor subquirografário, ainda que a multa seja por infração da lei penal.
Como se vê, também os chamados “créditos subordinados” que são os últimos da cadeia, vem depois até mesmo dos créditos subquirografários. Os créditos subordinados são os relativos aos direitos dos sócios e administradores, isto indica que mesmo que estes credores forem detentores de garantia real eles receberam por último na lista!
Crédito extra-concursal – Quem trabalha na falência (administrador judicial20, advogado, perito, etc.) recebe antes do concurso de credores.
7. Posição do crédito trabalhista
Aqui residem as maiores críticas a lei 11.101/2005, pois como foi informado estabeleceu-se um “teto” de 150 salários mínimos para cada um dos empregados da empresa, detendo o trabalhador um crédito em montante superior ao expressado, o valor restante seria colocado na lista de credores como crédito quirografário.
Além disso, foi estipulado pela lei que a cessão de créditos trabalhistas a terceiros implicaria na perda da sua especial condição, passando os mesmos a ter o caráter meramente quirografário.
Do artigo em destaque foram interpostas duas ações diretas de inconstitucionalidade perante o STF21 que foram distribuídas para o Ministro Ricardo Lewandowski.
Para mim a inconstitucionalidade dos sobreditos dispositivos é gritante. Posicionando-se sobre o tema, assim asseverou o mestre Maurício Godinho Delgado:
“A lei 11.101/2005 encontra-se, porém, como qualquer regra jurídica, submetida à ordem constitucional do País, não podendo agredi-la, diretamente ou indiretamente. Seus preceitos examinados, no que tange aos direitos e créditos dos empregados, de natureza trabalhista ou acidentária, afrontam, gravemente, não apenas princípios constitucionais decisivos como também regras explicitamente incorporadas pela Carta de 1988.
A ordem constitucional confere prevalência aos princípios da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e da submissão da propriedade à sua função social. Estes são tanto princípios como regras magnas da Constituição de 1988 (...).
A lei 11.101 de 2005 ignorando a filosofia e a determinação constitucionais, confere enfática prevalência aos interesses essencialmente econômicos, em detrimento dos interesses sociais. Arrogantemente, tenta inverter a ordem jurídica do País. E o faz não apenas em virtude dos preceitos que diretamente agridem o universo de direitos empregatícios, como também em decorrência de outras de suas regras, as quais, cuidadosamente, salvaguardam da recuperação judicial de empresas créditos e direitos inerentes à elite dos sistema econômico vigorante (ver, por exemplo, o longo rol de credores capitalistas superprotegidos, nos §§3° e 5° do art. 49. da nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas).
Neste contexto, a necessária interpretação da Lei n. 11.101/2005, a ser feita em conformidade com a Constituição (como imperativo no sistema democrático constitucional do País), há de esterilizar ou adequar tais critérios anti-sociais da nova lei ao comando magno de prevalência do valor-trabalho e de respeito à dignidade da pessoa humana, além da permanente regência da propriedade privada por seus fins sociais. 22 ”
Além dos pontos indicados pelo autor, vislumbro ainda outros. O tratamento desprivilegiado dado à parcela excedente a 150 salários mínimos, colide, também com o disposto no art. 170. da Constituição da República. Como a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho, é evidente que a lei 11.101/2005 ao estabelecer um nítido tratamento privilegiado aos detentores de garantias bancárias (decorrentes de alienação fiduciária, arrendamento mercantil, etc) em contraposição aos créditos trabalhistas, ofendeu não um simples dispositivo, mais evidentemente um princípio, um mandamento nuclear de todo o sistema normativo.
Mais, ao limitar o crédito trabalhista e não limitar o crédito bancário, o legislador afrontou outro princípio constitucional, o princípio da isonomia e dois objetivos fundamentais da nossa Carta da República: a criação de uma sociedade, livre, justa e igualitária e a redução das desigualdades sociais e regionais, posto que privilegia o mais forte economicamente, aumentando a distância que separa os mais ricos dos mais pobres e jogando no limbo o trabalhador brasileiro!
Isso não é tudo, a violação a isonomia abrange também quanto a cessão dos créditos trabalhistas. Pergunta-se: Existe uma razão plausível para que o empregado não possa ceder seus créditos, sob pena de perda do privilégio inerente à sua natureza, enquanto que os bancos podem livremente ceder o seu direito sem nenhum tipo de repreensão jurídica?!
Por fim, vale o registro que as normas da NLF somente se aplicam aos processos de falência que forem ajuizados durante sua vigência. Os ajuizados anteriormente seguirão o disposto no Decreto-Lei 7661/45. Assim, os créditos trabalhistas já habilitados nos processos de falência em andamento, antes da entrada em vigor da Lei 11.101/2005, não sofrerão nenhum tipo de restrição legal.
8. Liquidação extrajudicial de sociedades e instituições financeiras: noções gerais.
A lei de falências não revoga o regime diferenciado de intervenção e liquidação. Tal exegese decorre da leitura do artigo 2º inciso II, da lei, que diz não ser o diploma aplicável às instituições financeiras e assemelhadas.
Registre-se que as instituições financeiras e similares sempre foram objeto de disciplina legal especial, dados os riscos envolvidos nas suas atividades, que afetam não apenas seus credores diretos, mas toda a sociedade.
Isto ocorre, pois em sede de instituições financeiras sempre deve ser evitado o “efeito dominó”, onde a quebra de uma empresa se não for devidamente contida leva a derrocada sucessiva de outras do mesmo ramo, podendo ocorrer uma catástrofe no setor financeiro do país, como ocorreu na década de 90 na Rússia, verbi gratia.
Esse regime diferenciado se faz primordialmente pela intervenção administrativa do Estado, através do Banco Central, na tutela do interesse público relacionado com a higidez do sistema financeiro.
O Banco Central do Brasil age por meio dos regimes de intervenção, liquidação extrajudicial, ou administração especial temporária previstos na Lei n 6.024, de 1974, e no Decreto-Lei 2.321, de 1987. Esses regimes administrativos não afastavam a hipótese de pedido da falência pelo Banco Central, veja o caso do artigo 21 alínea “b” do referido diploma prevendo que a falência pode ser requerida pelo liquidante quando o ativo da instituição financeira não for suficiente para cobrir ao menos metade de seu passivo quirografário.
A lei falimentar não revogou expressamente qualquer dos artigos da Lei 6.024 de 1974. Ao invés disse a NLF faz referência ao diploma de 1974, colocando-se como norma aplicável nas omissões daquele, por força do que dispõe seu artigo 19723.
Logo as instituições financeiras continuam sujeitas à falência, que, entretanto, como na lei antiga, somente pode ser requerida pelo interventor ou liquidante. É, portanto, expressamente proibido o requerimento de autofalência ou a sua postulação por qualquer credor.
Por outro lado, deferida a quebra, por exclusivo requerimento do liquidante do Banco Central, processar-se-á a falência nos termos do que prevê a lei 11.101/2005.
Pelas mesmas razões, a existência desse regime diferenciado de intervenção e de liquidação extrajudicial impede a possibilidade de recuperação judicial ou extrajudicial de instituição financeira, como afastava na lei anterior, o deferimento da concordata nesses casos. O silogismo impõe-se em razão da absoluta incompatibilidade entre os institutos jurídicos da lei geral (recuperação judicial e extrajudicial), e os mecanismos administrativos especiais de saneamento de instituições financeiras em dificuldades (intervenção, liquidação extrajudicial e administração especial temporária).
Passando a algumas especificidades da lei no tocante ao direito do trabalho, é mister ressaltar o conteúdo da OJ 143 da SDI-1, da OJ 53 da SDI-2 e das Súmulas 86 e 304 do Colendo TST:
OJ 143 da SDI-1: “Empresa em liquidação extrajudicial – execução – créditos trabalhistas – Lei 6.024/7. A execução trabalhista deve prosseguir diretamente a Justiça do Trabalho mesmo após a decretação da liquidação extrajudicial. Lei 6.830/80, arts. 5º e 29 aplicados supletivamente (CLT, art. 889. e CF/1988, art. 114)”
Logo, segundo o entendimento da SDI-1, o fato da empresa estar em liquidação extrajudicial não retira da Justiça Laboral a competência para processar, julgar e executar as sentenças em face das empresas liquidandas.
OJ 53 da SDI-2: “Mandado de Segurança. Cooperativa em Liquidação Extrajudicial.. Lei 5.764/1971, art. 76. Inaplicável. Não suspende a execução. A liquidação extrajudicial de sociedade cooperativa não suspende a execução dos créditos trabalhistas existentes contra ela.”
O raciocínio é o mesmo aplicado a OJ 143 da SDI-1 já expressado.
Súmula 86: “Não ocorre deserção de recurso da massa falida por falta de pagamento de custas ou de depósito do valor da condenação. Esse privilégio, todavia, não se aplica à empresa em liquidação extrajudicial”.
A súmula fala por si ao indicar que a deserção por falta de pagamento de custas ou do depósito do valor da condenação abrange as empresas liquidandas.
Súmula 340: “Os débitos trabalhistas das entidades submetidas aos regimes de intervenção ou liquidação extrajudicial estão sujeitos à correção monetária desde o respectivo vencimento até seu efetivo pagamento, sem interrupção ou suspensão, não incidindo, entretanto, sobre tais débitos, juros de mora”
Esta súmula do Colendo TST é na verdade uma mera decorrência do artigo 18, alínea “d” da Lei 6.024/74.
Recentemente no julgamento do AIRR 873/1989-031-02-40.624 o TST entendeu que a sobredita súmula não se aplica aos débitos do extinto INAMPS. O relator, Ministro Vieira de Melo Filho fundamentou o seu decisum na afirmação de que: “para a fruição do benefício previsto na mencionada legislação, faz-se necessário que a liquidação extrajudicial da entidade seja levada a efeito nos moldes ali previstos, por liquidante nomeado pelo Banco Central, sendo aplicável às instituições financeiras e cooperativas de crédito, estando excluído o INAMPS, por se tratar de extinta autarquia sucedida pela União Federal”.