Contrato intermitente: avanços e retrocessos à luz do princípio da dignidade da pessoa humana

25/11/2019 às 15:47
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A Reforma Trabalhista, a fim de regularizar os contratos informais, trouxe o Contrato Intermitente. Essa modalidade de contrato apresenta grandes avanços, mas por outro lado, grandes retrocessos à luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

1- INTRODUÇÃO

O presente artigo visa trazer as inovações apresentadas na Lei 13.467/17 que foi sancionada em 13 de julho de 2017, publicada no Diário Oficial da União em 14 de julho de 2017, entrando em vigor no prazo de cento e vinte dias após a sua publicação, no dia 11 de novembro de 2017.

Esta lei foi denominada como Reforma Trabalhista e trouxe um significativo impacto nas relações de trabalho, trazendo várias alterações com significativa importância. Dentre às inúmeras alterações, trouxe uma nova modalidade de contrato, qual seja, o contrato de trabalho intermitente.

Apesar de a Lei 13.467/17 completar dois anos de vigência, ainda estão se construindo debates e jurisprudências acerca do tema, vez que é muito novo para o Direito pátrio.

Esta nova modalidade de contrato veio regulamentar os chamados “bicos” que até então eram vistos na sociedade como um trabalho informal, em que o empregador pagava determinado valor ao trabalhador, sem qualquer respaldo trabalhista, ficando o mesmo à mercê na relação de trabalho, não lhe garantindo uma vida digna.

O contrato de trabalho intermitente trouxe para alguns grandes avanços, mas para outros retrocessos nas relações de trabalho ferindo assim o princípio basilar previsto na nossa Constituição da República, qual seja, o da Dignidade da Pessoa Humana.

2- DIRETRIZES DO CONTRATO DE TRABALHO 

No direito brasileiro, há normas de proteção ao trabalho e contra o desemprego. Desta forma, o trabalho, a justa e equitativa remuneração, a segurança, a liberdade, a proteção contra o desemprego, são direitos que dizem respeito à dignidade da pessoa humana. Procura-se concretizar os direitos sociais e, ainda, os direitos de terceira geração, que se expressam na solidariedade, na paz, no respeito mútuo, na preservação do meio ambiente. (ARAÚJO, 2018, p. 350).

Não há como negar a desigualdade que existe entre empregado e empregador. Assim, mediante a intervenção do Estado, criam-se mecanismos jurídicos a fim de coibir essa desigualdade para haver um equilíbrio contratual.

Com as inovações da Lei 13.467/17, as formas de contrato de trabalho encontram-se elencadas no artigo 443 da CLT, que diz:  

O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente (BRASIL, 1943, online).  

Para a caracterização do contrato de trabalho, necessário preencher os seguintes requisitos: subordinação jurídica: em que o empregado deve receber e cumprir ordens do empregador, tendo este poder de direção e comando sobre o empregado; reciprocidade ou sinalagmático: se caracteriza pela existência de obrigações contrárias e equivalentes entres as partes da relação; sucessividade: pois sendo o trabalho de trato sucessivo, sua relação faz com que o trabalho seja por tempo ilimitado e duradouro; pessoalidade: caracterizando-se pela pessoa do trabalhador, sendo sempre uma pessoa física; onerosidade: o empregador paga um salário pelos serviços prestados pelo empregado.

Nesse sentido, é a “subordinação jurídica que melhor proporciona o reconhecimento da relação de emprego” (FRANCO FILHO, 2018, p. 78). É essa condição de habitualidade que permite ao empregado sentir-se participante da empresa, e à empresa é o aumento do grau de fidúcia naquele trabalhador que ajuda o empreendimento a crescer. (FRANCO FILHO, 2018. p. 78)  

Para Eneida Melo Correia de Araújo, a subordinação jurídica:

se revela no plano da subordinação subjetiva, mediante uma posição de dependência em que o empregado é colocado na relação de emprego, e que lhe impõe obediência às determinações do empregador. Corresponde à sujeição típica daquele que trabalha desprovido de autonomia e independência na execução de tarefas, submetendo-o ao poder diretivo específico do empregador. Ademais, também enseja a participação integrativa do trabalhador na atividade empresarial (ARAÚJO, 2018, p. 351).

 Lado outro, também não se pode deixar de lado que a onerosidade deve ser outro fator de grande relevância, uma vez que o trabalhador necessita receber o seu salário para sobreviver, desenvolver suas atividades com tranquilidade e garantir o mínimo necessário de subsistência a si e à sua família.

Anteriormente à Lei 13.467/2017 havia-se outras formas de pactuação de trabalho, quais sejam, contrato de trabalho indeterminado, em tempo parcial, trabalho temporário e contrato por tempo determinado.

O contrato de trabalho com prazo indeterminado, é aquele no qual não há um prazo predefinido para seu encerramento. Ao término de um contrato de experiência, caso não tenha havido a dispensa do trabalhador, o contrato de trabalho passa a ser por prazo indeterminado, sendo esta a regra geral, uma vez que as relações perduram por vários anos. (RIGON; TURINA, 2017, p. 1479).

O contrato de trabalho por temo parcial, é o trabalho em horário reduzido, o que permite o pagamento proporcional à jornada ou disponibilidade semanal de trabalho. O artigo 58-A da CLT permite que o trabalhador labore apenas 32 (trinta e duas) horas semanais de trabalho. É possível ao empregador contratar, depois da “reforma trabalhista”, trabalho em tempo parcial de 30 horas por semana sem exigência de horas extras ou de até 26 horas, oportunidade em que poderá exigir até seis horas extraordinárias semanais (ALVES, 2018, p. 22). Nesta modalidade de contrato, o trabalho é regular e exige subordinação a determinado empregador, havendo também fixação de jornada com horário fixo.

O trabalho temporário, que é a terceirização, está previsto na Lei 6.019/74, com as alterações advindas na Lei 13.429/2017 e Lei 13.467/2017, sendo que o artigo 2º da Lei 6.019/74 define claramente o que é trabalho temporário:

Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços. (BRASIL, 1974, online)

Importante mencionar também a regra do §2º deste artigo, que prescreve: “Considera-se complementar a demanda de serviços que seja oriunda de fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal” (BRASIL, 1974, online).

Para Amauri César Alves:

há, portanto, duas possibilidades de caracterização da demanda complementar de serviços: fatores imprevisíveis e fatores previsíveis. Os fatores imprevisíveis são aqueles em que o contratante (tomador de serviços) não poderia esperar ou prever. São extraordinários e, para responder à demanda complementar, poderá o contratante se valer da mão de obra terceirizada. Os fatores previsíveis são aqueles em que há necessidade de um número maior de trabalhadores do que o ordinário, mas dentro de uma previsão já feita pelo contratante. Em tal situação, fixou o legislador a possibilidade de ser a demanda complementar previsível, porém intermitente, ou seja, durante um dado lapso temporal (um ano, exemplificativamente) há épocas em que, de modo esperado na atividade econômica, há demanda complementar de serviços, podendo o contratante terceirizar a prestação laborativa. Assim, o que justifica a terceirização de trabalho temporário é a necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou de uma demanda complementar de serviços. (ALVES, 2018, p. 22)

Já o contrato de trabalho por tempo determinado tem suas definições previstas no artigo 443, §2º, alíneas a, b e c da CLT, prevendo as partes no momento da contratação o início e término do contrato, havendo também subordinação, entre as partes. O obreiro poderá ser contratado apenas para três hipóteses: serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo, atividades empresariais de caráter transitório e contrato de experiência.

Pode-se perceber, portanto, que todos os requisitos para se configurar relação de trabalho estão previstas nas quatro modalidades de contratos.

3- CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE

Inicialmente, a lei 13.467/17, denominada “reforma trabalhista”, trouxe ao final do artigo 443 da CLT uma nova modalidade de contrato de trabalho, qual seja, o trabalho intermitente, que veio para regularizar os trabalhos informais e dar garantias aos trabalhadores, trazendo também uma diferença entre os demais tipos de contrato de trabalho, qual seja, “há a prestação laboral em determinados períodos, no entanto, não há término contratual neste interregno.” (RIGON; TURINA, 2017, p. 1480).

Após a entrada em vigor da reforma trabalhista em 11 de novembro de 2017, foi editada uma MP nº 808 de 14 de novembro de 2017 trazendo significativas modificações, mas perdeu-se sua vigência após 60 (sessenta) dias de sua edição.

O parágrafo 3º do artigo 443 trouxe a definição do trabalho intermitente:

Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (BRASIL, 1943, online)

O artigo 452-A da CLT trouxe todos os requisitos que um contrato de trabalho intermitente deve conter, devendo este ser celebrado por escrito com registro na CTPS, independentemente de previsão em acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, constando identificação, assinatura e domicílio das partes, especificando-se ainda o salário-hora, que não poderá ser inferior ao mínimo ou ao dos que exerçam a mesma função (artigo 452-A, caput), garantindo-lhe também o adicional noturno, se houver.

O empregador deve convocar o empregado, informando-lhe a jornada a ser cumprida com pelo menos três dias corridos de antecedência (artigo 452-A, § 1º), podendo a convocação ser por qualquer meio de comunicação eficaz, sendo por instrumento físico ou virtual a fim de comprovar a convocação, cabendo a ele responder ao chamado em um dia útil, presumindo-se recusada a oferta em caso de silêncio (artigo 452-A, § 2º), sem que isso descaracterize a subordinação (artigo 452-A, § 3º).

Haverá também multa de 50% da remuneração para o caso de descumprimento do pactuado (artigo 452-A, § 4º). Previu também que o empregado poderá prestar serviços a outros contratantes, não considerando o tempo de inatividade como tempo à disposição do empregador (artigo 452-A, § 5º), devendo auferir seu salário, depois de cada período de prestação de serviço pago mediante recibo (artigo 452-A, § 6º e 7º). Também deverá ser acrescido ao salário do contratado as demais verbas, quais sejam, férias mais 1/3, 13º salário, repouso semanal remunerado e adicionais de forma proporcional.

Impõe-se também o recolhimento da contribuição previdenciária e do FGTS e a entrega de toda documentação ao empregado (§ 8º), além da garantia de um mês de férias (§ 9º), sendo que no mês de férias o empregado não poderá trabalhar para o mesmo empregador.

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Desse modo, percebe-se que neste tipo de contrato não há exclusividade a determinado empregador, podendo o trabalhador trabalhar para quantos empregadores assim pretender, descaracterizando-se assim a permanência do trabalhador na empresa, tendo em vista que esta modalidade de trabalho visa a regular as “atividades descontinuadas em determinados interregnos”. (RIGON; TURINA, 2017, p. 1481). A não eventualidade fica prejudicada no contrato intermitente, pois a prestação de serviços pode ser esporádica, não tendo assim natureza contínua.

4- AVANÇOS E RETROCESSOS À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição da República traz em seu artigo 6º os direitos sociais, assim entendidos como a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

O artigo 7º da Constituição da República traz os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais que visem à melhoria de sua condição social.

Esses direitos previstos na Constituição deveriam, a princípio, nortear qualquer relação de trabalho a fim de garantir condições mínimas para os trabalhadores.

Com a reforma trabalhista, as alterações visaram adequar a legislação às novas relações de trabalho e, na opinião do próprio Governo, aumentar a geração de empregos e dar segurança jurídica tanto para os empregados quanto para os empregadores. (RIGON; TURINA, 2017, p. 1479).

Para Eneida Melo Correia de Araújo:

do ponto de vista da Economia e da Administração de Empresas, o trabalho intermitente atende à estratégia que pretende conferir a algumas modalidades de empreendimentos melhores resultados, agilidade, simplicidade, maior rendimento e competitividade no mercado (ARAÚJO, 2018, p. 358).

Vinícius Riguete Rigon e Anderson Olivio Turina, aduzem que:

A adoção da modalidade de trabalho intermitente pode representar uma economia aos empregadores e maior segurança aos empregados. Outro ponto positivo é relacionado ao pagamento do aviso prévio. Com a contratação, por exemplo, de trabalhadores temporários, a cada dispensa que a empresa tem que fazer seja ela sem justa causa ou por término do contrato, ainda que tenha a intenção de recontratar profissionais em outra oportunidade em razão de seu acréscimo extraordinário de trabalho, deverá pagar ao empregado uma indenização decorrente da dispensa sem justa causa ou término normal do contrato, correspondente a 1/12 (um doze avos) do pagamento recebido (RIGON; TURINA, 2017, p. 1482-1483).

E ainda continua, para os trabalhadores contratados por tal modalidade, podemos observar que ela não vem a ser desvantajosa ao passo que os profissionais gozarão de livre negociação não só com um empregador, mas vários outros e poderão ainda recusar-se à convocação de prestação de serviços por quaisquer de seus empregadores na forma do disposto nos §§1º e 2º do inserto art. 452-A da CLT (RIGON; TURINA, 2017, p. 1482-1483).

Vale destacar também que ao realizar uma contratação de trabalho intermitente, os empregadores terão uma redução considerável no pagamento de indenizações pelo término do contrato de trabalho, redução dos custos operacionais nas admissões, demissões e treinamento de funcionários e os empregados terão “maior segurança de realocação profissional ao término de determinada demanda, visto que não terá o seu vínculo empregatício encerrado” (RIGON; TURINA, 2017, p.1485) e livre negociação para negociar não somente com um empregador, mas com outros vários, podendo inclusive recusar-se à convocação de quaisquer um deles.

Por outro lado, os artigos que tratam do trabalho intermitente, já nasceram com o retrocesso jurídico arraigado e com a precarização das relações de trabalho, em que as relações informais e os “bicos” passaram a ser regulamentados, mantendo-se empregados sem trabalho, sem assegurar salário, sem garantias e obrigações.

Paulo Sérgio João, diz que:

pela ausência de garantias ao trabalhador contratado, a lei permitirá o deslocamento de trabalhadores da estatística de desempregados para emprego intermitente, sem qualquer certeza de salário no mês porquanto condicionado à convocação pelo empregador. É o emprego sem compromisso de prover renda (JOÃO, 2018, p. 41).

Um ponto que está sendo bastante criticado é o período de inatividade previsto no artigo 452-A, §5º da CLT. O obreiro fica sem nenhum direito e pode ainda trabalhar para outro empregador, ficando liberado de qualquer obrigação contratual. O contrato de trabalho está suspenso, sem que exista qualquer ônus recíproco. Nem o trabalhador deve trabalhar para o empregador, nem este deverá pagar qualquer importância, à falta da reciprocidade necessária. Importa, então, que o empregado ficará desprovido de qualquer espécie de proteção, sequer a da seguridade social, em face da inexistência de, no período de inatividade, qualquer espécie de contribuição social, salvo se houver prestado serviços a terceiros, a outros que contratem sua força de trabalho. Afinal, ele estará, em relação a esse empregador, em ociosidade absoluta, não havendo também nenhum recolhimento junto à Previdência Social bem como ao FGTS (FRANCO FILHO, 2018, p. 83).   

Percebe-se pois, uma grande precarização na relação de trabalho, retirando-se assim a tranquilidade do trabalhador, em que o conceito de tempo à disposição desaparece como condição contratual obrigatória. O tempo não se considera como fundamento essencial da preservação do contrato e não será nesses casos, um direito que se transfere ao empregador. O tempo é do empregado, que poderá dele se utilizar de acordo com sua conveniência. (JOÃO, 2018, p. 41).

Outro ponto que também merece nossa atenção é o previsto no artigo 452-A, §6º o qual diz que o trabalhador receberá seu pagamento mediante recibo ao final de cada período de convocação juntamente com as demais parcelas (férias proporcionais com acréscimo de 1/3 e 13º salário). Vale consignar que a remuneração é proporcional, na medida do trabalho, mas que a cada 12  (doze) meses de contrato deverá usufruir férias de 01 (um) mês (§ 9º do artigo 452-A, CLT).

Deverá também o empregador proceder com o pagamento das contribuições previdenciárias e do FGTS conforme previsto na alínea H do artigo 452-A e a cada 12 (doze meses), conforme dito acima, o empregado adquire direito de usufruir, nos 12 (doze meses) subsequentes, um mês de férias, sendo que nesse período não poderá prestar serviços ao mesmo empregador, §9º do artigo 452-A. Ao pagamento do salário do empregado pelo período trabalhado, este já recebeu suas férias. Assim, quando for gozar suas férias não haverá nenhum recurso financeiro para usufruir, mas poderá trabalhar para outro empregador, ou seja, o obreiro não gozará de suas férias pois precisará trabalhar para sobreviver.  

Diante de todo este cenário em que se encontra o direito do trabalho, o contrato intermitente não assegura condições mínimas para existência digna do trabalhador brasileiro, além de não assegurar a fruição de direitos fundamentais sociais básicos como salário-mínimo, férias remuneradas, 13º salário e previdência social. Reduz o trabalhador a coisa, objeto, instrumento que será utilizado pelo patrão de modo intermitente, quando este bem entender. Quando não estiver sendo usado, ficará o empregado recolhido à sua insignificância. As regras celetistas sobre trabalho intermitente são claramente inconstitucionais, por violação ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana (CR, art. 1º, III) (ALVES, 2018, p. 13).

 Este princípio foi consagrado na Constituição da República como princípio fundamental, “atribuindo-lhe valor supremo de alicerce da ordem jurídica democrática” (MORAES, 2010, p. 119).

Para Maria Celina Bodin de Moraes:

o princípio constitucional visa a garantir o respeito e a proteção da dignidade humana não apenas no sentido de assegurar um tratamento humano e não degradante, e tampouco conduz ao mero oferecimento de garantias à integridade física do ser humano. Dado o caráter normativo dos princípios constitucionais, princípios que contém valores ético-jurídicos fornecidos pela democracia, isto vem a significar a completa transformação do direito civil, de um direito que não mais encontra nos valores individualistas de outrora o seu fundamento axiológico. Considera-se, com efeito, que, se a humanidade das pessoas reside no fato de serem elas racionais, dotadas de livre arbítrio e de capacidade para interagir com os outros e com a natureza, sujeitos, por isso, do discurso e da ação, será desumano, isto é, contrário à dignidade humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (o sujeito de direitos) à condição de objeto. O substrato material da dignidade desse modo entendida pode ser desdobrado em quatro postulados: i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele, ii) merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é titular; iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; iv) é parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado.” A dignidade, do mesmo modo como ocorre com a justiça, vem à tona no caso concreto, quando e se bem feita aquela ponderação. (MORAES, 2010, p. 119-120)

Percebe-se pois, que o contrato intermitente poderá gerar graves desequilíbrios contratuais e sociais quando aplicados em qualquer atividade econômica, ferindo assim o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. A dignidade não será adequadamente respeitada e protegida quando as pessoas estiverem sujeitas a um tal grau de instabilidade jurídica que não lhe seja possível, com um mínimo de segurança e serenidade, confiar nas instituições e numa certa perenidade das duas próprias posições jurídicas. A dignidade da pessoa humana reclama proteção diante dos atos de caráter retroativo e também em face de medidas retrocessivas, que não podem ser consideradas como propriamente retroativas, na medida em que respeitam os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (LORA, 2017, p. 3).

 Poderá também o empregador (RIGON; TURINA, 2017, p. 1485) ficar dias sem necessitar dos serviços do obreiro, ou seja, sem demandar nenhum trabalho e o empregado estará registrado na CTPS mas sem receber nenhum tipo de remuneração, mas mesmo assim haverá relação de emprego.

Amauri Cesar Alves afirma que: “Trata-se claramente de se dividir os riscos do empreendimento com o empregado, sem que ele participe, obviamente, dos lucros” (ALVES, 2018, p. 25).

E mais, se o trabalhador não trabalhar todos os dias da semana, não receberá sequer um salário mínimo ao final do mês, reduzindo assim direitos já então adquiridos e consagrados na Constituição da República, gerando desse modo grandes incertezas para ele e sua família. Nota-se mais uma vez que o trabalhador está tolhido em sua dignidade.

Portanto, o que se pretende com essa modalidade de contrato de trabalho é reduzir os gastos com os funcionários, aumentar sua lucratividade, fazendo com que os períodos de inatividade não sejam remunerados. A ideia é pagar salário apenas e especificamente por trabalho efetivamente entregue, sem preocupação em remunerar qualquer período de inatividade. Trata-se de uma tentativa grave de ruptura dos paradigmas protetivos do trabalho contra os abusos do capital, o que certamente ensejará o empobrecimento da classe trabalhadora e, consequentemente, de todo o país (ALVES, 2018, p. 25).

O Princípio da Dignidade Humana tem por escopo proteger todas as pessoas bem como todas as relações onde há uma parte hipossuficiente. Mas ao contrário do que foi proposto pela reforma trabalhista, o contrato de trabalho intermitente reduziu o obreiro a condição de coisa, uma vez que o empregador apenas o convoca para o trabalho se assim necessitar, ficando aquele à mercê e com grandes expectativas de que possa ser convocado.

5- CONCLUSÃO

 Diante de todas as questões aqui propostas, a reforma trabalhista veio trazer inovação no direito do trabalho acompanhando assim o mundo moderno, estabelecendo conceitos jurídicos novos que poderão futuramente impactar nas relações de trabalho.

Apesar de a reforma trabalhista possuir apenas dois anos desde a sua promulgação, ainda se é muito cedo para se ter conceitos formados diante do atual cenário que se encontra nosso país, uma vez que as relações ainda estão se adaptando a esta nova realidade e a jurisprudência ainda está se consolidando sobre determinados assuntos.

Lado outro, o que deveria ser um marco no direito do trabalho no que tange à regulamentação do trabalho intermitente está trazendo insegurança jurídica às relações de trabalho violando assim o princípio basilar da dignidade da pessoa humana.

Deve-se pois, ter cautela, bom senso e muito cuidado nas relações entre empregado e empregador a fim de não precarizar ou limitar os direitos dos trabalhadores. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALVES, Amauri Cesar. Trabalho Intermitente e os Desafios da Conceituação Jurídica. São Paulo: Revista Síntese: Trabalhista e Previdenciária: ano XXIX, nº 346, abril 2018, p. 09-39.

ARAÚJO, Eneida Melo Correia de. O contrato de Trabalho Intermitente: Um Novo Contrato? São Paulo: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Editora LexMagister, ano 84, nº 1, jan. a mar. 2018, p. 349-376.

BRASIL. Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em 15 set. 2019.

BRASIL. Lei 6.019/74. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6019.htm. Acesso em 15 set. 2019.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 15 set. 2019.

COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Trabalho Intermitente – Trabalho “Zero Hora” – Trabalho Fixo Descontínuo: A Nova Legislação e a Reforma da Reforma. São Paulo: Revista LTr, vol. 82, nº 01, janeiro 2018, p. 38-46.

CREUZ, Luiz Rodolfo Cruz e; WAGNER, Daniela. A Reforma Trabalhista e sua aplicação nos Contratos em vigor. São Paulo: Revista Síntese: Trabalhista e Previdenciária, ano XXIX, nº 338, agosto 2017, p. 75-86 .

FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Trabalho Intermitente. São Paulo: Revista de Direito do Trabalho, editora Revista dos Tribunais, ano 44, vol. 188, abril 2018, p. 77-88.

GUIMARÃES, Raquel Ribeiro Oliveira; MOTA, Karine Alves Gonçalves. O Contrato de Trabalho Intermitente e a afronta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/artigo/4959/o-contrato-trabalho-intermitente-afronta-ao-princicpio-dignidade-pessoa-humana. Acesso em 30 ago. 2019.

LORA, Ilse Marcelina Bernardi. A Reforma Trabalhista à Luz dos Direitos Fundamentais – Análise da Lei nº 13.467, de 13 de Julho de 2017. São Paulo. Revista Síntese: Trabalhista e Previdenciária, ano XXIX, nº 338, agosto 2017, p. 33-46.

MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 111-44.

JOÃO, Paulo Sérgio. Subordinação e Trabalho Intermitente: Quebra de Paradigma. São Paulo: Revista Síntese. Trabalhista e Previdenciária, ano XXIX, nº 346, abril 2018, p. 40-43.

RIGON, Vinícius Riguete; TURINA, Anderson Olivio. A Modernização das Relações de Trabalho e seus impactos previdenciários: O Trabalho Intermitente e o cálculo do índice FAP. São Paulo: Revista LTr, ano 81, nº 12, dezembro de 2017, p. 1476-1485.

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Sobre a autora
Renata Fernanda Lima de Souza

Advogada. Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil pelas Faculdades Integradas de Caratinga - MG. Pós-Graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Univiçosa - Viçosa - MG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo elaborado para a obtenção do Título de Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário.

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