1 INTROITO
Os alimentos representam matéria de grande relevância no Direito. Isso se dá porque os alimentos estão diretamente relacionados com o direito à vida das pessoas, com o direito à dignidade da pessoa humana[1] e, também, com o direito à solidariedade familiar. Nessa ordem de ideias, a tutela do direito aos alimentos consiste, em última análise, na tutela do direito à própria vida e à dignidade, ambos com assento no texto constitucional.
Pretende-se analisar alguns aspectos decorrentes da disciplina estabelecida no novo Código de Processo Civil para a execução dos alimentos, que, por sinal, consolidou a dicotomia “execução tradicional” e “execução imediata” para a exigibilidade das mais diversas obrigações (dar, fazer, não fazer e pagar quantia), inclusive a de pagar alimentos. Essa dualidade de técnicas importa distinções relevantes no nosso sistema processual notadamente porque a expropriação, ou mesmo o emprego de alguma técnica coativa, será feita em processo autônomo de execução ou em processo híbrido, no módulo de cumprimento de sentença.
Demais, em se tratando de obrigação alimentar, a relevância da matéria desponta porque se permite ao credor utilizar-se do meio de execução do tipo coação, com a obtenção de tutela jurisdicional hábil a ensejar o cerceamento do direito de liberdade do devedor dos alimentos. Não se pode olvidar que a prisão civil do devedor, no Brasil, constitui regime de exceção, sendo inclusive limitada a sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal aos casos de dívida de alimentos. Considerou-se, de fato, no julgamento do recurso extraordinário n. 466.343-SP a prisão do depositário infiel como sendo incompatível com os princípios preconizados nos tratados de direitos humanos subscritos pela República Federativa do Brasil, em particular, o pacto de São José da Costa Rica[2].
2 DIREITO AOS ALIMENTOS
Os alimentos correspondem a uma prestação devida pelo alimentante ao alimentando, sendo indispensável para a sua subsistência do credor, servindo ainda para preservação da sua condição social e moral. A expressão “alimentos” apresenta uma acepção vulgar e outra técnica.
No sentido vulgar, os alimentos representam o que é necessário para a manutenção da vida de uma pessoa. Na acepção técnica, por outro lado, como destaca Cahali[3], basta acrescentar à citada noção a ideia de obrigação que é imposta em função de uma causa jurídica prevista em lei. É importante salientar que o termo “alimentos”, além de designar a obrigação de sustento de uma pessoa, também designa o próprio conteúdo da obrigação a ser prestada. Assim, o termo “alimentos” pode ser utilizado no sentido de obrigação alimentar, assim como no sentido do seu respectivo conteúdo.
O valor da prestação dos alimentos deverá ser fixado com base nas necessidades do alimentando e nas possibilidades do alimentante, devendo o Julgador, para equacionar tais critérios, levar em consideração o critério de proporcionalidade e de razoabilidade. A propósito, o art. 1.694, §1º, do Código Civil prevê que “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.
Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça em respeitável precedente esclareceu que “A obrigação alimentar é regida pelo binômio necessidade-possibilidade, não se impondo maior valia a nenhuma dessas duas variáveis, mas não se deve desconsiderar que a variável da necessidade é elástica e quase ilimitada, enquanto a da possibilidade é rígida e limitada às posses e disponibilidade do alimentante para o trabalho e, portanto, para a ampliação de seus ganhos”[4].
O estudo exauriente daqueles que são obrigados a pagar alimentos é tarefa para o Direito das Famílias. Em rápida síntese, contudo, pode-se dizer que são obrigados ao pagamento de alimentos os parentes, os cônjuges e os companheiros (art. 1.694 do CC), não havendo distinção se o casamento ou a união estável foi estabelecido entre pessoas de mesmo sexo ou não[5]. Entre os parentes obrigados ao pagamento de alimentos estão os ascendentes, os descendentes e os colaterais de segundo grau, o que incluiu apenas os irmãos. O Código Civil inovou ao prever, no art. 1.700, que a obrigação de pagar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor.
3 MODOS DE EXECUÇÃO DAS PRESTAÇÕES DE ALIMENTOS
Os alimentos vencidos, ou seja, aqueles que não foram adimplidos a despeito da sua prévia fixação em título judicial ou extrajudicial, poderão ser executados de dois modos: sob pena de penhora ou sob pena de prisão. Insta salientar a utilização da execução sob pena de prisão tem aplicação apenas em relação aos alimentos decorrentes do direito de família e não em relação aos alimentos indenizatórios[6].
Em relação à execução (título extrajudicial) ou ao cumprimento de sentença (título judicial) que prevê obrigação alimentar sob pena de penhora, não há limitação à cobrança das prestações pretéritas, salvo evidentemente, em relação àquelas que já estiverem prescritas. Vale destacar que, em conformidade com o art. 206, §2º, do Código Civil, o prazo de prescrição dos alimentos é de 2(dois) anos[7].
Caso o credor pretenda executar alimentos sob pena de prisão, deverá ser levado em consideração o teor do disposto no art. 528, §7º, do CPC, que estabelece que “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”. Por sinal, também nesse sentido é o enunciado da súmula 309, do Superior Tribunal de Justiça. Há, assim, limitação das prestações que poderão ser executadas sob pena de prisão[8].
A propósito, é oportuno destacar que o Superior Tribunal de Justiça já assentou que “o não pagamento integral das parcelas alimentares devidas autoriza a prisão civil do devedor de alimentos” restando esclarecido ainda que “O decreto de prisão proveniente da execução de alimentos na qual se visa o recebimento integral de até as três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e das que vencerem no seu curso não é ilegal”[9].
De outro vértice, os alimentos vincendos comportam execução por meio de desconto em folha de pagamento, havendo previsão no art. 529, do CPC no sentido de que “Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da importância da prestação alimentícia”. Em tal caso, o juiz oficiará à autoridade, à empresa ou ao empregador, determinando, sob pena de crime de desobediência, o desconto a partir da primeira remuneração posterior do executado, a contar do protocolo do ofício. Essa mesma possibilidade de desconto em folha de pagamento encontra-se prevista para os alimentos contemplados em título extrajudicial, conforme dispõe o art. 912 do CPC.
4 COMPETÊNCIA
A competência para o cumprimento de sentença que estabelece obrigação alimentar é, como regra, funcional. Cabe, pois, ao juízo prolator da decisão que estabeleceu alimentos processar o módulo executivo, em conformidade com o que estabelece o art. 516, inc. II, do Código de Processo Civil. Afigura-se também possível executar aquela decisão, conforme estabelece o parágrafo único do art. 516 do CPC, no juízo do atual domicílio do executado ou mesmo no local onde se encontrem os bens sujeitos à execução. O art. 528, §9º, do CPC, ainda possibilita a instauração do módulo executivo perante o domicílio do exequente.
Uma dúvida recorrente que surge quando é empregada a regra de competência funcional para a execução dos alimentos (art. 516, inc. II, do CPC) diz respeito à base processual para instauração do módulo executivo. Nessa ordem de ideias, o que se questiona é se o cumprimento de sentença deverá ser instaurado nos mesmos autos da ação que deu origem ao título executivo judicial ou se em autos apartados[10]. No particular, o novo Código de Processo Civil bem esclareceu a questão no art. 531, §§1º e 2º que “A execução dos alimentos provisórios, bem como a dos alimentos fixados em sentença ainda não transitada em julgado, se processa em autos apartados” e que “O cumprimento definitivo da obrigação de prestar alimentos será processado nos mesmos autos em que tenha sido proferida a sentença”.
5 RITOS PARA EXECUÇÃO DOS ALIMENTOS PREVISTOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
A execução dos alimentos é, na verdade, execução de pagar quantia “que em razão da especial natureza do direito tutelado é tratada como execução especial”, havendo previsão de atos materiais próprios para satisfação do crédito alimentar[11].
O Código de Processo Civil prevê dois sistemas para a execução dos alimentos. O primeiro é destinado à execução dos alimentos que foram fixados em título judicial (v.g.: acórdão, decisão monocrática, sentença ou decisão interlocutória), sendo realizado em módulo executivo de processo sincrético ou híbrido, na forma do art. 528 a 533 do CPC. O segundo é destinado à execução dos alimentos mencionados em título extrajudicial (v.g.: escritura pública de divórcio), caso em que a execução é tradicional e não imediata, sendo realizada, portanto, em processo autônomo, em conformidade com o disposto no arts. 911-913 do CPC.
Saliente-se, contudo, que existe uma relação de subsidiariedade entre os dois sistemas de execução, ou seja, entre o realizado em processo autônomo e aquele que é realizado em módulo executivo de processo sincrético. Isso se dá em razão das previsões contidas no arts. 771 e 513 do Código de Processo Civil, os quais respectivamente estabelecem que “Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título extrajudicial, e suas disposições aplicam-se, também, no que couber, aos procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no procedimento de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos processuais a que a lei atribuir força executiva” e que “O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código”.
Destaque-se que tanto o cumprimento de sentença de obrigação alimentar como a execução autônoma dos alimentos previstos em título extrajudicial poderão ser realizados sob pena de penhora ou sob pena de prisão. A propósito, assentou o Superior Tribunal de Justiça que “A eleição do rito de execução por dívida alimentar é de livre escolha do credor, tanto na hipótese de versar sobre título judicial, como extrajudicial (arts. 528, §§ 3º e 8º, e 911 do CPC/2015)”[12]. No mesmo sentido, a doutrina sustenta que o credor tem a opção de realizar a cobrança dos alimentos sob pena de penhora ou sob pena de prisão[13].
6 CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE RECONHECE A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS SOB PENA DE PENHORA
O cumprimento de sentença que estabelece obrigação de pagar alimentos sob pena de penhora, em razão do disposto no art. 528, §8º, do Código de Processo Civil, segue o procedimento delineado no art. 523, daquele Código. Em tal caso, o procedimento será inaugurado por meio de simples petição (e não por meio de ação de execução), sendo o devedor de alimentos intimado[14] para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias.
No caso, não há instauração de processo autônomo de execução, mas apenas de mero módulo executivo do processo híbrido. A intimação do executado para cumprir a sentença será realizada: 1) pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos; 2) por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos; e 3) por edital, quando, citado por tal modo e tiver sido revel na fase de conhecimento. É importante mencionar que se reputa realizada a intimação quando o devedor houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo e que se o requerimento de cumprimento de sentença for formulado após 1 (um) ano do trânsito em julgado dela, a intimação será feita na pessoa do devedor, por meio de carta com aviso de recebimento encaminhada ao endereço constante dos autos.
Caso não ocorra o pagamento voluntário da dívida no prazo de 15 (quinze) dias, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado no mesmo percentual, expedindo, desde logo, mandado de penhora e avaliação, com a prática, em seguida, dos atos de expropriação. Nada impede que seja determinada a realização de penhora on line (arts. 837 e 854 do CPC), utilizando o Magistrado os sistemas de penhora eletrônica, como o Bacenjud e o Renajud.
A defesa do executado será veiculada por meio de impugnação ao cumprimento de sentença (art. 524, do CPC), valendo destaque para o fato de que o prazo para apresentação dela é de 15 (quinze) dias, contados após o transcurso do prazo também de 15 (quinze) dias para pagamento da dívida. A impugnação ao cumprimento de sentença não possibilita cognição plena, mas apenas parcial. Isso significa dizer que as matérias de defesa que poderão ser alegadas pelo executado são limitadas, havendo restrições à cognição no plano horizontal.
O art. 525, §1º do CPC, prevê que na impugnação, o executado poderá alegar: I - falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia; II - ilegitimidade de parte; III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; IV - penhora incorreta ou avaliação errônea; V - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; VI - incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução; VII - qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.
Deve ser destacado que, recaindo a penhora em dinheiro, a eventual concessão de efeito suspensivo à impugnação ao cumprimento de sentença, na forma do previsto no art. 526, §6º, do CPC[15], não obstará que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.
7 CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE RECONHECE A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS SOB PENA DE PRISÃO
Afigura-se possível ao credor de alimentos, sejam provisórios (fixados em decisão interlocutória) ou definitivos (fixados em sentença ou acórdão) requerer o cumprimento da decisão judicial com emprego de meio executivo de coação consistente na prisão. Por sinal, tal possibilidade de utilização da prisão civil para compelir o executado ao pagamento de alimentos encontra amparo na própria Constituição Federal, que prevê no art. 5º, inc. LXVII, que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
Não se tem aqui execução tradicional, mas sim execução imediata, que é realizada em módulo executivo de processo híbrido. O art. 528, caput, do CPC, prevê que “No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo”.
O prazo para pagamento deve ser contado em dias úteis, na forma do art. 219, do CPC. Vale destaque para a necessidade de intimação pessoal do executado para realizar o pagamento da dívida alimentar, não se afigurando correta a intimação dele, devedor, na forma do art. 513, §2º, do CPC. A possibilidade de decretação da prisão civil do devedor de alimentos demanda prévia intimação pessoal para pagamento da dívida.
A partir da intimação do executado, basicamente três situações poderão ocorrer: a) o devedor pode realizar o pagamento da dívida ou mesmo pode comprovar que já o tinha realizado; b) o executado pode deixar fluir o prazo de pagamento in albis, mantendo-se inerte; e c) o devedor pode apresentar justificativa.
Na primeira hipótese, quando o executado realiza o pagamento da dívida no prazo legal ou comprova que já o havia feito, o Juiz proferirá sentença e extinguirá o módulo executivo, na forma dos arts. 771, 924, inc. II e 925 do CPC. Em respeito ao princípio do contraditório substancial, realizado o pagamento ou comprovado que ele já havia sido feito, deve o Juiz, antes de proferir sentença de extinção do módulo de execução, determinar a intimação do exequente para se manifestar nos autos. Tal postura demonstra prestígio ao disposto no arts. 9º e 10 do CPC[16]. Importante mencionar que pagamento parcial da prestação de alimentos não equivale a adimplemento[17].
Na segunda hipótese, o executado não paga a dívida, não comprova que pagou e nem apresenta justificativa. Diante de tal cenário, o Juiz mandará protestar o título executivo em Cartório. É importante mencionar que o art. 517, do CPC, autoriza o protesto das decisões judiciais com trânsito em julgado, prevendo essa possibilidade “depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 523”. Em tal caso, incumbe ao exequente apresentar certidão de teor da decisão (art. 517, §1º). Mas, no caso do protesto da decisão que fixou alimentos não se exige o trânsito em julgado dela (v.g. decisão interlocutória que fixou alimentos provisórios) e tal providência será determinada diretamente pelo Juiz, não se afigurando necessário o credor apresentar certidão da decisão ao Cartório de Protestos de Títulos.
O protesto do título executivo judicial não se confunde com a inscrição do nome do executado em órgãos restritivos de crédito. A propósito, o art. 782, §3º, do CPC prevê que “A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes”, providência que também pode ser adotada no cumprimento de sentença que estabelece obrigação alimentar, desde que não seja do tipo provisório uma vez que o §4º daquele dispositivo limita a aplicação à execução definitiva de título judicial.
Além de mandar protestar o título, o Juiz também determinará a prisão do executado pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses, conforme prevê o art. 528, §3º, do CPC. A decretação da prisão não deve ser determinada ex officio, devendo o Julgador aguardar o requerimento da parte[18]. Insta salientar que a Lei de Alimentos (Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968), estabelece no art. 19 que o prazo máximo da prisão será de 60 dias[19]. Sobre isso, Sérgio Pereira[20] considera que o prazo da prisão do devedor de alimentos deve ser o fixado na Lei de Alimentos, isto é, não pode exceder sessenta dias, devendo ser prestigiado o princípio do menor sacrifício possível do devedor.
De outro lado, Nelson Nery [21] e Humberto Theodoro Júnior[22] defendem tese no sentido de que o prazo da prisão do devedor de alimentos será de até sessenta dias, se se tratar de alimentos definitivos ou provisórios, ou de até 3 meses, se se tratar de alimentos provisionais. Essa orientação diferencia os alimentos fixados por meio de tutela provisória de urgência cautelar (alimentos provisionais), dos alimentos fixados em sede de ação de conhecimento (alimentos provisórios, se fixados liminarmente, ou definitivos, se fixados na sentença).
Há, ainda, o entendimento de Barbosa Moreira[23] no sentido de que o prazo da prisão do devedor de alimentos é de até 3 (três) meses, conforme previsto no CPC. Essa orientação tem por espeque o fato de que o CPC teria derrogado o art. 19 da Lei n. 5.478/68, que estabelece o prazo da prisão de até sessenta dias. Parece-me que este entendimento é o mais consentâneo com o princípio da efetividade, encontrando eco na jurisprudência tal linha de pensamento.
Decretada a prisão pelo prazo de um mês, poderá, por exemplo, ser prorrogado o prazo dela para três meses? A propósito disso, o Superior Tribunal de Justiça já esclareceu que “O estabelecimento de prazo mínimo e máximo para a prisão civil do devedor de alimentos visa, a um só tempo, conferir a necessária efetividade da tutela jurisdicional e, ainda, descaracterizar a medida coercitiva como espécie de pena aplicada ao devedor inadimplente”, restando assentado ainda que “a efetividade da medida coercitiva depende da postura do devedor de alimentos, nada impede que, decretada inicialmente no prazo mínimo legal, seja posteriormente objeto de prorrogação, observando-se o prazo máximo fixado em lei, se demonstrada a recalcitrância e a desídia do devedor de alimentos”[24].
É importante mencionar que a prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns e que o cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas. É possível cumprimento de prisão civil pelo não pagamento de alimentos em regime domiciliar? O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “A pretensão de cumprimento da prisão civil em regime domiciliar, em regra, não encontra abrigo na jurisprudência desta egrégia Corte Superior, pois desvirtua a finalidade de compelir o devedor a adimplir com a obrigação alimentar e viola direito fundamental que tem o alimentando a uma sobrevivência digna”[25].
Não se pode deixar de lembrar que a prisão civil do devedor de alimentos não é uma pena, mas sim um meio de execução coercitivo para compelir o executado ao cumprimento da obrigação. Nessa ordem de ideias, realizado o pagamento da prestação alimentícia, o juiz deverá imediatamente suspender o cumprimento da ordem de prisão, independentemente de prévia oitiva do exequente ou do Ministério Público.
O cumprimento da pena de prisão pelo executado não o exime do pagamento das prestações de alimentos vencidas e vincendas, conforme está expresso no art. 528, §5º, do CPC. Isso se dá porque a prisão do devedor não tem natureza de pena, mas apenas de meio coercitivo. O cumprimento da prisão não tem o condão de “compensar” o não pagamento dos alimentos[26].
A terceira hipótese que poderá ocorrer é aquela em que o executado apresenta justificativa para o não cumprimento da obrigação alimentar. A justificativa é uma peça de defesa por meio da qual o executado, no exíguo prazo de 3 (três) dias, após ser intimado para cumprimento da obrigação, apresenta motivos de fato e de direito que o impossibilitam de adimplir a obrigação alimentar. Vale destaque para a disposição contida no §2º, do art. 528, do CPC, no sentido de que “Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento”.
Apresentada a justificativa, deverá o exequente ser intimado, por meio do seu advogado, para, querendo, se manifestar sobre a defesa apresentada pelo executado. Essa providência é necessária diante do contraditório substancial, que norteia todo o processo civil moderno (arts. 9º e 10 do CPC). Não há possibilidade de exercício de cognição plena e exauriente na justificativa apresentada no cumprimento de sentença que estabelece obrigação alimentar porque tal defesa não dá origem a um processo cognitivo incidente.
O Magistrado não pode deixar de lembrar que há um título executivo judicial que dá lastro ao pedido de cumprimento de sentença, quiçá acobertado pela autoridade da coisa julgada (art. 502 do CPC), militando em favor do exequente a presunção de veracidade em relação à ausência de motivos para o não pagamento dos alimentos pelo alimentante (devedor). Nesse passo, caberá ao executado comprovar a sua completa impossibilidade de pagamento dos alimentos. Deve ser lembrado, ainda, que a admissão de ampla dilação probatória na justificativa pode, na verdade, convolar o módulo executivo do processo híbrido em outro módulo cognitivo, o que não é correto, notadamente se considerado o princípio da efetividade da execução[27].
Indaga-se sobre a possibilidade de oitiva de testemunhas diante do requerimento formulado nesse sentido na justificativa? O Superior Tribunal de Justiça em respeitável precedente assentou que “não se verifica, a priori, nenhuma impossibilidade de a escusa ao pagamento ser realizada por meio de oitiva de testemunhas, prova perfeitamente aceitável... No entanto, o tríduo é peremptório, porque o risco alimentar do executado é premente, devendo a justificativa ser produzida neste intervalo e, nessa linha, o mero protesto pela produção de prova testemunhal não pode ser aceito, porquanto fatalmente se estenderá além da janela temporal de justificativa permitida na legislação”[28].
Deve ser mencionado que a justificativa não é a via processual correta para discussão do eventual excesso do valor da prestação de alimentos, diante de eventual alteração do binômio possibilidades(do alimentante)-necessidades (do alimentando). Isso deverá ser feito em sede de ação revisional de alimentos, que admite ampla dilação probatória, com cognição plena e exauriente, valendo lembrar que o art. 1.699 do Código Civil estabelece que “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo”.
Apresentada a justificação, o magistrado deverá proferir uma decisão interlocutória. Caso venha a rejeitar aquela defesa, decretará a prisão do devedor de alimentos; por outro lado, se o juiz acolher a justificativa apresentada, ele não decretará a prisão do executado, mas isso não eximirá o devedor de realizar o pagamento das prestações, devendo o credor, em tal caso, requerer o prosseguimento do cumprimento de sentença, doravante, pelo procedimento destinado à penhora de bens.
8 EXECUÇÃO AUTÔNOMA DAS PRESTAÇÕES DE ALIMENTOS SOB PENA DE PENHORA E SOB PENA DE PRISÃO
A execução dos alimentos mencionados em título extrajudicial é realizada em conformidade com o disposto no art. 911, do Código de Processo Civil[29]. Em tal caso, há um processo de execução autônomo inaugurado por meio de ação de execução e não processo híbrido, devendo ser determinada a citação do executado.
É importante mencionar que também para a execução autônoma dos alimentos o Código de Processo Civil contempla dois procedimentos: um para a execução sob pena de penhora (mediante expropriação) e outro para a execução sob pena de prisão (mediante emprego de medida de coação). A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já deixou claro que “A eleição do rito de execução por dívida alimentar é de livre escolha do credor, tanto na hipótese de versar sobre título judicial, como extrajudicial (arts. 528, §§ 3º e 8º, e 911 do CPC/2015)”[30].
O art. 913, do CPC, trata do primeiro, ou seja, da execução dos alimentos sob pena de penhora. O referido preceptivo prevê que “observar-se-á o disposto no art. 824 e seguintes, com a ressalva de que, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação”. Assim, o executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3(três) das, contados da citação, podendo apresentar defesa por meio de embargos à execução, no prazo de 15 (quinze) dias, na forma do disposto nos arts. 914 e 915, do CPC.
Já o art. 911, do CPC, trata do rito da execução autônoma dos alimentos sob pena de prisão. O indigitado artigo prevê que “Na execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar, o juiz mandará citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo”, com aplicação subsidiária das disposições contidas nos §§2º a 7º do art. 528, do CPC.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os alimentos constituem meio de manutenção da vida e da dignidade de certas pessoas. A sua importância justifica a utilização de medidas coercitivas para sua cobrança, em particular, a decretação da prisão civil. Não há discussão em relação à constitucionalidade da prisão do devedor de alimentos.
O emprego da medida coercitiva deverá ser bem balizado pelo Magistrado, uma vez que o cerceamento do direito de liberdade constitui-se em medida de exceção e poderá até mesmo dificultar o recebimento das prestações em atraso. Nesse particular, o prazo da prisão civil não poderá ser superior ao que foi estabelecido Código de Processo Civil.
Demais, os limites estabelecidos pela jurisprudência e no CPC com a limitação da execução da prestação dos alimentos sob pena de prisão somente até as últimas três últimas prestações e as que se vencerem durante a tramitação da demanda, deverão ser rigorosamente observados. Entendimento contrário implicará violação ao princípio do menor sacrifício possível do devedor.
Não se pode perder de vista, igualmente, a diretriz de que a conveniência da prisão civil deve ser realizada pelo próprio credor. Nesse particular, não deve o Magistrado decretar ex officio a prisão civil do devedor de alimentos e nem determinar, de ofício, a conversão do rito sob pena de prisão em rito sob pena de penhora. Da mesma forma, o requerimento aviado pelo presentante do Ministério Público deverá ser visto dentro dessa perspectiva.
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