RESUMO
Antigamente, pensava-se que um indivíduo já nascia com seu destino traçado para a criminalidade, chegou-se a definir os criminosos congênitos, que teria características que os levaria a ser um criminoso em potencial. Entretanto, diversos estudos já apontaram que as circunstâncias sociais ajudam na trajetória de vida de uma pessoa, contribuindo, ou não, para sua inserção no mundo do crime. Quando crises financeiras ocorrem, maior é a instigação para partir ao cometimento de crimes. Pobreza, miséria, fome, dentre outros, estimulam o poder de decisão da pessoa, a qual pode vir a tender para a criminalidade. Mostrar as causas e consequências é de suma importância, visto que é um fato que atinge todos os cidadãos, no que diz respeito a seus valores éticos e morais. Nesse sentido, o presente trabalho, por meio da utilização da metodologia de pesquisa científica dedutiva, tem por escopo o estudo da influência dos fatores sociais na criminalidade, ou criminogênese, como também é conhecida, para tanto serão analisadas bibliografias, legislação, jurisprudência, pertinente ao assunto, afim de dar embasamento a presente pesquisa.
Palavras Chave: Criminalidade; Direito Penal; Fatores Sociais.
ABSTRACT
It was once thought that an individual was born with his destiny mapped to criminality, it was even defined the congenital criminals, which would have characteristics that would lead them to be a potential criminal. However, several studies have pointed out that social circumstances help in a person's life trajectory, contributing or not to their insertion in the world of crime. When financial crises occur, the greater the instigation to commit crimes. Poverty, misery, hunger, among others, stimulate the decision-making power of the person, which may tend to criminality. Showing the causes and consequences is of paramount importance, as it is a fact that affects all citizens with regard to their ethical and moral values. In this sense, the present work, through the use of the deductive scientific research methodology, has as its scope the study of the influence of social factors on crime, or criminogenesis, as it is also known. to the subject, in order to support the present research.
Keywords: Crime; Criminal law; Social Factors.
1.INTRODUÇÃO
A criminogênese analisa o delito como uma realidade da sociedade e do homem, como embasamento de sua estruturação íntima e do seu mecanismo de ação.
O crime não é julgado em si, porém em sua história, na sua correlação ao mundo material e social, o qual diverge em toda atitude criminosa.
A atitude criminosa é vista como circunstância principal de um processo de pequena ou grande duração, um processo social desenvolvido como reação ou resposta a certas estimulações, agindo em diferentes direções.
A criminalidade aparece em todas as sociedades e civilizações, integra o mundo atual, tanto nas grandes cidades, quanto nos lugares mais isolados. Sendo o delito obra do homem, passou-se a considerar várias ciências que contribuem para o conhecimento da personalidade humana (sociologia, psicologia, psiquiatria, antropologia, etc.), passando a serem estudados e pesquisados os fenômenos criminosos como manifestação das características sociais da criminalidade.
O presente artigo, ante a utilização da metodologia de trabalho científica dedutiva, por meio da análise de bibliografias, legislação, jurisprudência, tem por finco demonstrar e caracterizar os fatores sociais da criminalidade, seu crescimento e constituição dos crimes, bem como as consequências que desta advém para toda a sociedade.
2.DESENVOLVIMENTO
2.1 TEORIAS SOBRE AS CAUSAS DA CRIMINALIDADE
A criminalidade, em geral, tem sido tratada como um problema social, econômico e político. É um problema social, pois afeta diretamente a qualidade e expectativa de vida da população. Trata-se de um problema econômico, pois o ato criminoso está associado às condições econômicas, além de dificultar o crescimento e desenvolvimento das economias. E, por último, como um problema político, uma vez que o combate ao crime está diretamente relacionado à participação governamental, pois ao Governo é responsabilidade a alocação de recursos para os sistemas de justiça criminal e de segurança pública (LOUREIRO e CARVALHO, 2006).
Acredita-se, assim, que se o poder público resolver os problemas sociais e econômicos do Brasil, se resolverá também o problema da violência. A crença é de que os fatores socioestruturais, especialmente os de natureza socioeconômica, seriam as causas do fenômeno da criminalidade. Com isso, seria necessária a formulação de políticas que atuassem tanto no sentido de uma reforma social (igualdade de oportunidades econômicas e defesa dos direitos democráticos), quanto na reforma individual, mediante a reeducação e ressocialização do criminoso para o convívio em sociedade (BEATO FILHO e REIS, 2000).
Outra associação a respeito da relação entre a estrutura socioeconômica e crime, diz respeito à incapacidade do Governo de atender as demandas da população por meio dos serviços públicos devido à crise no financiamento de projetos sociais e de desenvolvimento econômico. Essa crise se manifestaria através das altas taxas de criminalidade em regiões em que o Governo não lograsse participar ativamente no provimento de bens e serviços essenciais ao bem-estar da população (BEATO FILHO e REIS, 2000).
O crime seria o resultado de dois mecanismos distintos, embora correlacionados entre si, a privação relativa (BLAU e BLAU, 1982) e a privação absoluta (MESSNER, 1980). A abordagem que parte da privação relativa sugere que o mecanismo responsável pela maior ou menor incidência da criminalidade surge como percepção dos indivíduos a respeito de sua posição econômica relativamente aos ideais de sucesso de uma sociedade. A violência seria o resultado de um processo de frustração de indivíduos privados relativamente na realização de objetivos socialmente legítimos. O segundo tipo de abordagem tem raízes na literatura sociológica clássica e trata a pobreza absoluta como fonte da violência (ENGELS, 1976). As poucas opções disponíveis àqueles que se encontram submetidos a um estado de penúria para lidar com problemas econômicos, de um lado, e a dificuldade para enfrentar situações emocionais difíceis, de outro, levariam a uma escalada de ações violentas (BEATO FILHO, 1998).
De forma geral, as linhas teóricas que investigam as causas da criminalidade abordam duas grandes áreas. Uma delas defende que a criminalidade e a violência são fenômenos cuja origem se deve essencialmente a fatores de natureza econômica, da privação de oportunidades, da desigualdade social e da marginalização, que seriam os estímulos decisivos para o comportamento criminoso (PARKER e SMITH, 1979; TAYLOR et al., 1980). A outra credita ao delinquente e aos atos criminosos como um tipo de agressão ao consenso moral e normativo da sociedade, pois um baixo grau de integração moral produziria o fenômeno do crime. Consequentemente, a punição do crime é uma necessidade imperiosa para o restabelecimento dos valores centrais do núcleo normativo (CLARKE, 1983).
Para Cano e Santos (2001) as abordagens teóricas sobre as causas da criminalidade são, especificamente: i) teorias centradas no homo economicus, isto é, o crime é entendido como uma atividade racional de maximização de lucro; ii) linhas teóricas que entendem a criminalidade como um resultado da perda do controle e da desorganização social na sociedade moderna; iii) teorias que consideram o crime como um subproduto de um sistema social perverso ou deficiente; e, iv) teorias que creditam que a ocorrência do ato criminoso seria o resultado de fatores situacionais ou de oportunidades. Essas linhas teóricas serão discutidas abaixo.
1ª) Teoria da Escolha Racional. O modo de ver a atividade criminosa como uma escolha racional de maximização de lucro dos indivíduos foi iniciado por Gary Becker (1968), em seu artigo seminal “Crime and punishment: na economic approach”, conhecida como a Teoria da Escolha Racional. A presença de atividades ilícitas lucrativas em determinadas localidades, como o mercado de drogas, poderia influenciar na decisão do indivíduo a ingressar ou não na criminalidade.
No estudo, Becker (1968) faz uso da análise de escolhas dos indivíduos em cometer ou não o crime, do qual, o ato criminoso decorreria de uma avaliação racional do indivíduo em torno dos benefícios e custos esperados pelo crime, comparados aos resultados obtidos no mercado de trabalho legal. Basicamente, a decisão de cometer ou não o crime resultaria de um processo de maximização da utilidade esperada, em que o indivíduo confrontaria, de um lado, os potenciais ganhos resultantes do ato criminoso, o valor da punição e as probabilidades de detenção e aprisionamento associadas e, de outro, o custo de oportunidade de cometer o crime representado pelo salário alternativo no mercado de trabalho.
Para Becker (1968), fatores positivos como oportunidades de emprego, acesso à educação, bons salários no mercado de trabalho, dentre outros, influenciariam o indivíduo a escolher o mercado legal. Por outro lado, os fatores negativos ou dissuasórios (deterrence effects), como o nível da ineficiência do aparato da justiça criminal e da polícia, além do grau de severidade nas punições judiciais, poderia estimular a entrada do indivíduo no meio ilegal.
2ª) Teoria da Desorganização Social. A segunda linha teórica, a ser discutida, considera o fenômeno da criminalidade como consequência da perda do controle e da desorganização social resultantes do rápido processo de urbanização de uma sociedade. Trata-se da Teoria da Desorganização Social. Essa abordagem teórica debita a maior incidência dos crimes às características socioeconômicas das comunidades, cidades, bairros e vizinhanças.
Na realidade, o mecanismo de causação do crime não se dá de forma direta, mas resulta do fato de que áreas com maior privação relativa e absoluta provocam incrementos na mobilidade e heterogeneidade populacional, conduzindo, assim, a um enfraquecimento dos laços tradicionais de organização social e, consequentemente, gerando um aumento na criminalidade da sociedade. A violência seria o resultado de um processo de frustração de indivíduos privados relativamente na realização de objetivos socialmente legítimos (BEATO FILHO, 2012).
A abordagem sistêmica da Desorganização Social se relaciona com as comunidades locais, sendo estas entendidas como um complexo sistema de redes de associações formais e informais, de relações de amizade, parentesco e outras que, de alguma maneira, interferem no processo de socialização do indivíduo. Tais relações são condicionadas por fatores estruturais, como o status econômico, a heterogeneidade étnica, a mobilidade residencial, a desagregação familiar e o processo de urbanização (SAMPSON e GROVES, 1989).
3ª) Teoria do Controle Social. A teoria que considera o crime como um subproduto de um sistema social perverso ou deficiente é denominada de Teoria do Controle Social. Ou seja, o fenômeno da criminalidade decorreria da incapacidade do Estado em prover os meios necessários para que o cidadão tenha uma vida de acordo com os padrões sociais.
Esta abordagem teórica considera que quanto maior for o envolvimento do cidadão no sistema social, quanto maiores forem os elos da pessoa com a sociedade e maiores os graus de concordância com os valores e normas vigentes, menores seriam as chances desta pessoa em cometer atos criminosos (CERQUEIRA e LOBÃO, 2004). Hirschi (1969) relata a importância das escolas na contenção do comportamento delinquente. Para o autor, as escolas provêem oportunidades e incentivos para os jovens desenvolverem uma ligação social com outros jovens e um compromisso com os comportamentos convencionais de uma sociedade. No entanto, quando as escolas falham na função de agente socializador, aumentam-se as chances de que tais jovens sejam influenciados por outros indivíduos a cometerem atos criminosos.
4ª) Teoria da Associação Diferencial ou Teoria do Aprendizado Social. A abordagem teórica que credita a ocorrência do ato criminoso a partir das interações sociais dos indivíduos é denominada de Teoria da Associação Diferencial ou Teoria do Aprendizado Social. A partir de tais interações, surgiriam mais oportunidades para que o indivíduo cometa o ato criminoso.
Essa abordagem considera que os comportamentos dos indivíduos são determinados a partir das experiências pessoais em situações de conflito. Sutherland (1973) ressalta que o comportamento favorável ou desfavorável do indivíduo à criminalidade seria apreendido a partir das interações pessoais (valores, atitudes, definições e pautas em relação ao ato criminoso), com base no processo de comunicação. Dessa forma, a família, os grupos de amizade e a comunidade desempenham um papel central nesse tipo de análise.
Além dos fatores de ordem social, econômica, institucional e política que são elencados para explicar o fenômeno da criminalidade, deve-se considerar também a influência dos fatores criminógenos sobre esse fenômeno social, como a presença do mercado de drogas. Na existência de atividades criminosas lucrativas, o indivíduo pode optar pelo meio ilegal para a obtenção de recursos financeiros para uma melhora na qualidade de vida.
3. PRINCIPAIS FATORES SOCIAIS DA CRIMINOGÊNESE
3.1 Desigualdades Sociais
Nos últimos séculos, o fenômeno do êxodo rural e da crescente urbanização são fatores de ordem social que vem contribuindo para o aumento da criminalidade. O Brasil mudou de uma sociedade rural para uma sociedade altamente urbana, concentrada em metrópoles altamente populosas, repleta de guetos e altamente violentas (VERGARA, 2002, p. 14). O sociólogo Ignácio Cano, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), sustenta a ideia de que as metrópoles têm como principal característica a desigualdade social, possuindo, portanto, o melhor “caldo de cultura” para a violência e o crime. (CANO, 2002).
Segundo Neher (2013) apud Moraes (2013), essa violência apresentada atualmente na sociedade brasileira é um resquício da forma como a nossa sociedade foi constituída, pela escravidão e pelo latifúndio.
A base da estrutura da violência brasileira ainda é a da dupla latifúndio e escravidão, não é à toa que as populações negras no Brasil ocupam os piores lugares nas estatísticas de indicadores sociais. Isso mostra que aquilo que se iniciou lá no processo de escravidão não foi resolvido. A democracia e a justiça social não atingiram igualmente a todos os brasileiros. (NEHER 2013 apud MORAES 2013).
Fernandes (2007) aponta a pobreza e a desigualdade no Brasil como sendo um fator histórico:
Entretanto antes de qualquer coisa, a questão da pobreza e da desigualdade no Brasil se mostra como algo gerado por um déficit histórico de cidadania em um país que viveu sob regime escravo por quatro séculos, no qual os direitos civis e políticos existiam apenas no papel. (FERNANDES, 2007, p. 216-218).
Para Vergara (2002), a pobreza pode ser conceituada como a falta do necessário à vida - alimentação, vestuário, higiene e moradia. A miséria, por sua vez, é a pobreza extrema. Tanto a pobreza quanto o seu estado mais agudo, a miséria, são reconhecidas como fatores sociais da criminalidade.
Ainda de acordo com Vergara (2002), a pobreza é um dos principais fatores que atrapalham a transmissão dos valores sociais, pois diminui o contato entre pais e filhos, enfraquecendo assim a transmissão do legado familiar sobre como viver em sociedade. O fato de pais e mães passarem o dia inteiro fora de casa, deixando seus filhos para serem criados na “rua”, aumenta o risco de seus filhos sofrerem influência de outros jovens, principalmente daqueles que já são delinquentes. Isso quando há pai e mãe, pois, segundo Vergara (2002), o sociólogo Tulio Kahn, do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinquente (ILANUD) afirmou que: “o grau de delinquência de uma comunidade é diretamente proporcional ao número de famílias monoparentais, ou seja, em que os filhos são criados só pelo pai ou pela mãe”. (VERGARA, 2002, p. 14). Ainda segundo o autor, nas vizinhanças mais pobres, onde geralmente as casas são compartilhadas por famílias inteiras, ou ainda por mais de uma família, os jovens optam por passar seu tempo na rua, ficando assim longe dos olhos dos pais, o que segundo o autor, é um grande inibidor da delinquência.
Vergara (2002), ainda enfatiza a importância de citar que a maior parte da criminalidade gerada pela desigualdade em meio à pobreza tem como vítimas os próprios pobres, gerando um ciclo contínuo de violência e pobreza, ainda mais que eles não têm a quem recorrer, visto que, em muitos bairros de baixa renda, a presença da polícia e de serviços de saúde é demasiadamente precária. Este ciclo supracitado, segundo o autor, incide principalmente em relação aos crimes violentos, como o homicídio, por exemplo, enquanto os crimes contra o patrimônio guiados muito mais pela oportunidade, ocorrem nas regiões mais ricas das cidades, onde há patrimônio para ser subtraído.
O crime deriva principalmente da desigualdade econômica e representa uma reação contra a injustiça social. A desigual repartição da riqueza condena uma parte da população à miséria e, com esta, à falta de educação e à ignorância. (GAROFALO, 1997, p. 103).
Tendo como base as informações descritas por diversos autores neste capítulo, fica evidenciado de que o sistema penal, sobretudo nos estabelecimentos penais, agrega, em sua maioria, pessoas que não possuem o mínimo necessário para uma vida digna.
Os assaltantes, em sua quase totalidade, são indivíduos rudes, semianalfabetos e pobres, quando não miseráveis. Sem formação moral adequada, eles são parias da sociedade, nutrindo indisfarçável raiva e aversão, quando não ódio, por todos aqueles que possuem bens de certo modo ostensivos, especialmente automóveis de luxo e mansões, símbolos inquestionáveis de um status econômico superior. Esse sentimento de revolta por viver na pobreza não deixa de ser um dos fatores que induz o indivíduo ao crime (contra o patrimônio, especialmente), adquirindo, não raro, um sentido de violência delinquencial muito grande. De fato, assaltantes adultos ou jovens, agindo isoladamente ou em quadrilhas, não se apiedam das vítimas, matando-as, às vezes, pelo simples esboço de um gesto qualquer de pavor ou de instintiva e desarmada defesa. Esse ódio ou aversão contra os possuidores de bens age como verdadeiro fermento, fazendo crescer o bolo da insatisfação, do inconformismo e da revolta das classes mais pobres da sociedade, que se tiverem a temperar o bolo algum hipertensor da violência e agressividade humanas, infalivelmente as levarão ao cometimento de alentado número de atos antissociais, desde a destruição de uma simples cabine telefônica até à perpetração dos crimes mais bárbaros, dando números maiores às altas taxas de criminalidade, que parecem incluir-se na categoria das deseconomias de aglomeração, como um particular custo pago pelo habitante das grandes cidades pelas vantagens da urbanização. Nesses casos, a repressão policial tem valor limitado, pois combatendo uma parte maior ou menor dos efeitos, não tem o condão de eliminar as causas. E as causas todas emanam, principalmente, da má distribuição de riquezas e do conluio do poder público com o poder econômico, permitindo que este caminhe paralelamente com ele, como seu subgerente na condução dos destinos de um país. (GONÇALVES, 2013 apud FERNANDES ET al, 2002, p. 389)
Segundo Young (2002), após a adoção do capitalismo e, a posteriori do modelo de estado neoliberal, modelo este no qual o governo interfere menos na economia, no final do século passado, as desigualdades entre as diversas camadas sociais foram intensificadas, tanto nos países desenvolvidos, quanto nos países em desenvolvimento, acentuando ainda mais a concentração de riquezas. O que levou uma grande parcela da população à exclusão social, ficando assim, privada de alguns direitos fundamentais como, a educação, saúde, trabalho e segurança e, por este motivo, recebendo continuamente estímulos para a prática criminosa.
De acordo com Saliba (2008), o novo modelo social marcado pela exclusão, foi perpetuando-se lentamente e modificando antigos valores morais e ideologias, seja no campo econômico, político, social ou familiar. Saliba (2008), mesmo não conseguindo apontar, segundo ele próprio, de forma conclusiva quais são os novos valores sociais que surgem desta nova forma de sociedade, descreve como assustadoras as mudanças que já são visíveis na atual sociedade.
3.2 Tráfico de drogas
De acordo com o 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, estudo realizado e divulgado pela Universidade Federal de São Paulo (UFSP) em 2012, o Brasil é o maior mercado de crack do mundo e o segundo maior mercado de cocaína. De acordo com matéria veiculada pelo Jornal Correio Brasiliense em 2010, com base em dados do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o tráfico de drogas fatura R$ 1,4 bilhão por ano no Brasil e está em crescente expansão. (CASTRO e FURBINO, 2010).
O crescimento do tráfico de entorpecentes no país, principalmente do crack nas comunidades periféricas, onde a comercialização é estruturada em redes popularmente chamadas de “bocas” ou “bocas de fumo”, viabilizou a inserção crescente de jovens no ciclo vicioso da criminalidade e da violência. Nesse cenário, se inserem as gangues juvenis, onde os conflitos e disputas são muitas vezes resolvidos à base da violência, aumentando as estatísticas de homicídios. (SAPORI & MEDEIROS, 2010).
Geralmente as regiões com maior vulnerabilidade social tornam-se o local propício para a venda de drogas ilícitas e consequentemente para formação de bocas, atraindo uma grande quantidade de jovens, que, dividem-se em grupos e gangues rivais, formando um mercado de varejo bastante fragmentado, e consequentemente bastante conflituoso. As disputas por pontos de venda e os acertos de contas, tanto entre traficantes, quanto entre traficantes e usuários, são feitos mediante o uso da violência, utilizando-se principalmente das armas de fogo. Outro fator que tende a acentuar ainda mais os conflitos nas relações entre vendedores e usuários de drogas é o crescente aumento do comércio do crack, pois a droga intensifica as situações de endividamento, tendo em vista o seu principal efeito farmacológico, que é a compulsão ao uso. (SAPORI & SENA, 2012, p. 69-76).
Segundo Zaluar (2012), além do aspecto financeiro, dos inegáveis ganhos materiais desta atividade econômica, existe também um outro atrativo para os jovens, que necessariamente não está ligado diretamente ao envolvimento ao tráfico, mas sim pelo relacionamento contínuo com o grupo criminoso, com o qual compartilha valores, crenças e regras. Cita como exemplo a formação de gangues, ou seja, o fato do jovem ingressar no tráfico de drogas pode tanto satisfazer as suas necessidades de consumo quanto a possibilidade de alcançar respeito, proteção, aumento da autoestima e visibilidade perante os outros.
Para Zaluar (2012), deste modo, não se torna difícil compreender a atração que a arma de fogo exerce sobre os jovens do tráfico, pois ela é dotada de um significado simbólico de modo que a sua posse e ostentação perante os outros é tida como uma demonstração de força, de virilidade, de masculinidade, de status. Permitindo, portanto, superar as angústias a que o jovem pobre da favela está submetido, que são atreladas ao preconceito social e à desigualdade social.
De acordo com Sapori (2012), não podemos desconsiderar que o pano de fundo deste processo psicossocial é a existência de uma estrutura social bastante desigual, que possui uma dupla face, econômica e moral. A primeira face está ligada à desigualdade da distribuição da riqueza, portanto, de acesso às oportunidades de ascensão social e a segunda face está relacionada à desigualdade da cidadania, muito comum em uma sociedade que separa os cidadãos entre os de primeira classe e os de segunda classe. Essas desigualdades sociais são vivenciadas de modo bastante intenso pelos jovens da periferia, tornando-os mais vulneráveis ao processo de acumulação social da violência.
A sedução do crime, no entanto, é tanto mais sedutora quanto menos recursos alternativos o indivíduo contar para atingir à curto prazo os bens materiais e simbólicos desejados. (SAPORI, 2012 p.153 apud MISSE, 1999, p. 395).
Segundo Sapori (2012), este segmento social foi alvo de uma crescente disseminação pelos meios de comunicação de massa dos valores individualistas, consumistas e aos modelos culturais próprios à classe média, e, portanto, com a persistência das estruturas de desigualdade social, estes jovens tendem a adentrar no caminho do tráfico de drogas e da violência.
CONCLUSÃO
Analisando os fatores sociais da ação delituosa, quer seja exógena (sociais) ou endógenas (internas), é demonstrado que o indivíduo é condicionado a atuar às determinações socioculturais do comportamento. A sociedade os prepara para atuar e também está preparada para recebê-los, mesmo que sejam criminosos (viverão sempre à marginalidade).
Portanto, ninguém pode negar a importância da qual ocorre o ato individual do criminoso. É estudado o comportamento, mas há de se esperar que os conhecimentos da ciência envolvam o indivíduo e o contexto social dentro do qual ocorre tal comportamento. Este deve ser entendido com o estudo e identificação de um enorme número de variáveis motivacionais, onde ocorre uma relação do biológico com o social. Significando que quer queira ou não, contribuímos com os delitos, ora fechando os olhos, ora calando, ora cruzando os braços.
A mudança intrínseca se faz necessária, absorvendo o conhecimento de onde se processam os estimuladores criminais, seríamos capazes de extirpá-los, oferecendo condições para que as pessoas vivam com dignidade.
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