Sequestro relâmpago.

Reflexões quanto às suas penas e ao seu caráter ou não hediondo

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04/12/2019 às 14:48
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5. O chamado sequestro relâmpago à vista do Princípio da Proporcionalidade das Penas

Um dos assuntos mais controversos relacionados ao chamado sequestro relâmpago centra-se no debate quanto à proporcionalidade de suas penas.

A ação do Poder Público deve ser conforme a lei formal e esta deve ter como parâmetro a proporcionalidade, pois o legislador não está liberto de limites quando elabora as normas, principalmente quando inclinadas a reduzir a esfera de algum direito fundamental. Deve haver, portanto, equilíbrio no momento de se legislar e aplicar as penas; do contrário, violações a normas constitucionais poderão eclodir.20

Antes mesmo de o Projeto de Lei n. 4.025/2004 ter sido aprovado e se transformado na Lei n. 11.923/2009, especulava-se que as penas cominadas ao crime de extorsão, tanto em sua forma simples como em sua forma qualificada, seriam elevadas, estando em desarmonia com os outros crimes já previstos no Código Penal brasileiro.

A tese sustentada no âmbito da tramitação do Projeto de Lei e hoje ainda defendida por alguns em frente à Lei n. 11.923/2009 é de que o legislador ao elaborar o § 3º e incluí-lo no artigo 158 do Código Penal brasileiro, deixou de se preocupar com os princípios aplicáveis à pena, provocando verdadeiras desproporções entre o chamado sequestro relâmpago e os demais crimes já existentes na legislação penal brasileira.21

A pesquisadora Luiza Afonso Batista Leite, realizando um escorço histórico, afirmou que o Projeto de Lei n. 4.025/2004 visava, na época, cominar as seguintes penas privativas de liberdade ao crime de extorsão:

  • (a) em sua forma simples, a pena de 6 (seis) anos a 12 (doze) anos de reclusão e multa;

  • (b) aumento de pena para 16 (dezesseis) anos a 24 (vinte e quatro) anos de reclusão quando da conduta resulta-se lesão grave; e

  • (c) de 24 (vinte e quatro) anos a 30 (trinta) anos de reclusão se o resultado fosse a morte da vítima.22

Passados os debates no âmbito do Legislativo, a Lei n. 11.923/2009 manteve as penas propostas, permanecendo, consequentemente, os questionamentos acerca de sua proporcionalidade.

A primeira linha de posicionamento, nesse sentido, sustenta a tese de que se forem comparadas as sanções estabelecidas ao chamado sequestro relâmpago com aquelas instituídas às qualificadoras do crime de extorsão mediante sequestro, haverá visível ofensa aos princípios constitucionais aplicáveis à pena. Isso porque, o crime capitulado no artigo 159 do Código Penal brasileiro, por essência, é superior à extorsão, não podendo, assim, ocorrer equiparação entre ambas as modalidades criminosas.23

O mesmo exercício comparativo é feito com o crime de roubo em sua forma majorada pela restrição da liberdade da vítima (artigo 157, § 2º, inciso V, do Código Penal brasileiro). Tal conduta, sem que haja lesão grave ou morte, em sua aplicação mínima, terá uma pena que variará entre 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses e 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses, ao passo que a pena mínima para o crime de extorsão, este nas mesmas circunstâncias que o delito de roubo (configurando, assim, o chamado sequestro relâmpago), será de 6 (seis) anos. O mesmo raciocínio foi observado quando do aumento máximo (até metade) da pena do crime de roubo, cuja pena alcança o patamar de 15 (quinze) anos de reclusão, enquanto que a aplicação da pena máxima ao chamado sequestro relâmpago somente atingirá 12 (doze) anos de reclusão. Não há, portanto, para esta parcela da doutrina, igualdade ou proporção entre as penas dos referidos crimes.24

O professor Eduardo Luiz Santos Cabette, aliás, enfrentando o assunto, alerta que ao comparar os casos de roubo majorado pela privação da liberdade da vítima, com resultado de lesão grave ou morte, com aqueles de extorsão nas mesmas circunstâncias, estes sempre terão a sua pena aplicada com superioridade. Isso porque o legislador constou na Lei n. 11.923/2009 que ocorrendo extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima serão aplicadas as mesmas penas previstas nas qualificadoras do delito de extorsão mediante sequestro (artigo 159, § 2º e § 3º, do Código Penal brasileiro).

Com isso, as penas do roubo majorado com lesão grave, variam entre 7 (sete) e 15 (quinze) anos de reclusão; com morte, variam entre 20 (vinte) e 30 (trinta) anos de reclusão. Na extorsão qualificada com lesão grave, por sua vez, a pena oscila entre 16 (dezesseis) anos e 24 (vinte e quatro) anos de reclusão; e no caso de morte, entre 24 (vinte e quatro) anos e 30 (trinta) anos de reclusão. Fica claro para Eduardo, que essas relações aritméticas não são proporcionais, a ponto de ele se questionar o porquê de tanta disparidade entre as penas se a essência seria a mesma.25

Não fosse suficiente, para os defensores desta posição, a desproporção das penas do chamado sequestro relâmpago revela-se ainda mais evidente quando confrontada com a pena mina estabelecida ao crime de homicídio simples, qual seja: 6 (seis) anos de reclusão.26

A segunda linha de posicionamento, por outro lado, – da qual, aliás, ouso informar que me filio – é diametralmente oposta à primeira, sendo defendida a ideia de proporcionalidade das penas cominadas ao chamado sequestro relâmpago. Um dos pilares desse entendimento, Guilherme de Souza Nucci, também utiliza o método comparativo para sustentar os seus argumentos.

O professor utiliza como primeiro parâmetro o dispositivo do § 1º do artigo 158 do Código Penal brasileiro, em que o crime de extorsão é qualificado pelo emprego de arma ou pelo concurso de pessoas, ocasião em que a pena é aumentada de um terço até metade, oscilando, aproximadamente, entre 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses e 15 (quinze) anos de reclusão. Explica, nesse sentido, que a extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima muitas vezes ocorre cumulativamente com o emprego de arma e com o concurso de agentes, tendo como pena 6 (seis) anos a 12 (doze) anos de reclusão. Entende, assim, ser proporcional a previsão legal das penas nos mencionados delitos, porquanto no chamado sequestro relâmpago, na maioria dos casos que o caracterizam, a vítima, além de sofrer constrangimentos por estar sofrendo pressão por meio de uma arma e por estar diante de mais de uma pessoa, ocorre a restrição de sua liberdade.27

A mesma tese também é adotada para as penas cominadas diante do crime de roubo majorado pelo emprego de arma ou pelo concurso de pessoas (artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal brasileiro) cuja pena, como no caso da extorsão qualificada pelo § 1º do artigo 158 do Código Penal brasileiro, também varia entre 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses e 15 (quinze) anos de reclusão.28

Vale destacar, ainda, que as comparações levantadas entre as penas cominadas e aplicadas no chamado sequestro relâmpago e as penas previstas nos crimes contra a dignidade sexual, em particular em relação ao crime de estupro, são totalmente refutadas por Guilherme de Souza Nucci. O doutrinador afirma, de modo categórico, que sendo o crime de estupro de grande relevância e gravidade, até mesmo por uma questão de clamor público, não liquida a severidade e a rigidez com que tem que ser visto e aplicado o chamado sequestro relâmpago.29

O autor faz lembrar, a propósito, as grandes críticas que o próprio Projeto de Lei n. 4.025/2004 sofreu durante o período de preparo de sua aprovação em vista das comparações que as penas do chamado sequestro relâmpago sofriam em relação à penalidade fixada no crime de homicídio simples. Sustenta, a esse respeito, que se há alguma desproporção ou violação aos princípios constitucionais aplicáveis à pena, especificamente ao princípio da proporcionalidade das penas, esta não se afigura à modalidade criminosa do chamado sequestro relâmpago, mas sim ao crime de homicídio, que continua sustentando a mera penalidade mínima de 6 (seis) anos.30

Nucci alega, ainda, que havendo lesão grave ou morte no caso de extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, as penas serão equiparadas àquelas cominadas às qualificadoras do § 2º e § 3º do delito de extorsão mediante sequestro. Desse modo, contrariando os posicionamentos em contrário, defende que não há qualquer desproporção na aplicação das penas, uma vez que se referem a crimes com a mesma essência, porém com modalidades diferentes, sendo que o legislador apenas teria se utilizado de um padrão de comparação.31

A desproporção ao que parece, não está nas penas do chamado sequestro relâmpago. Faço, então, as palavras de Nucci as minhas, destacando que “se muitos erros existem na legislação penal brasileira, não nos parece seja no tocante à pena do sequestro relâmpago.” 32

Assim, se as penas estabelecidas ao chamado sequestro relâmpago são justas, não tem porquê deixar de aplicá-las a uma modalidade idêntica que somente se difere quanto ao modo de operação utilizado pelo agente.


6. O chamado sequestro relâmpago e a Lei dos Crimes Hediondos

Outro assunto muito discutido em relação ao chamado sequestro relâmpago está relacionado ao seu caráter hediondo quando resulte lesão grave ou morte.

A controvérsia existe, em linhas gerais, porque a Lei 8.072/1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, considera a extorsão qualificada pela morte (artigo 158, § 2º, do Código Penal brasileiro33) como crime hediondo, ao passo que não faz qualquer menção à nova qualificadora do § 3º do mesmo dispositivo, que caracteriza o chamado sequestro relâmpago.

Os crimes hediondos possuem previsão no inciso XLIII do art. 5º34 da Constituição Federal, além de estarem capitulados, especificamente, na Lei n. 8.072/1990.

Semanticamente serão considerados crimes hediondos todas aquelas modalidades criminosas consideradas “repugnantes”, “asquerosas” e até mesmo “nojentas” em vista dos padrões de moral vigente.35

Diverso é o conceito legal para tais crimes. Legalmente será compreendido como crime hediondo todo delito que estiver inserido no rol taxativo do art. 1º, da Lei n. 8.072/1990, tendo o legislador definido de forma discricionária certas condutas como sendo hediondas.36

E ainda, há o conceito judicial que é aquele em que o juiz tem a liberdade, dependendo do caso, de decidir sobre o caráter hediondo de cada conduta delituosa.37

Voltando ao assunto em destaque, verifica-se que a polêmica gira em torno de dois posicionamentos distintos. O primeiro está fundamentado em uma interpretação estrita da lei e o segundo em uma interpretação sistemática.

A primeira linha de posicionamento sustenta que o chamado sequestro relâmpago não pode ser considerado hediondo até que a Lei n. 8.072/1990 seja alterada para abrangê-lo.

Para esta primeira corrente é importante estudar o Princípio da Legalidade. Em caráter geral, o Princípio da Legalidade está previsto no art. 1º, do Código Penal brasileiro, e possui como base o art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, em que ambos afirmam que não há crime ou lei sem prévia cominação legal.

O Princípio da Legalidade Estrita ou para alguns o Princípio da Reserva Legal, considera que apenas a lei pode determinar crimes e cominar penas, porquanto “a matéria penal deve ser expressamente disciplinada por uma manifestação de vontade daquele poder estatal a que, por força da Constituição, compete a faculdade de legislar, isto é, o poder legislativo.” 38

O doutrinador Luiz Vicente Cernicchiaro sustenta a tese da taxatividade e vedação ao emprego da analogia. Confira-se:

[...] o princípio da reserva legal veda por completo o emprego da analogia em matéria de norma penal incriminadora, encontrando-se esta delimitada pelo tipo legal a que corresponde. Em conseqüência, até por imperativo lógico, do princípio da reserva legal, resulta a proibição da analogia. Evidentemente, a analogia in malam partem, que, por semelhança, amplia o rol das infrações penais e das penas. Não alcança, por isso, a analogia in bonam partem. Ao contrário da anterior, favorece o direito de liberdade, seja com a exclusão da criminalidade, seja pelo tratamento mais favorável ao réu.39

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Nesse sentido, havendo no Direito Penal brasileiro eventuais lacunas a serem preenchidas, não é possível por meio do processo da analogia supri-las, até porque, como menciona Silva Franco “[...] cada figura típica constitui, em verdade, uma ilha no mar geral do ilícito e todo o sistema punitivo se traduz num arquipélago de ilicitudes.” 40

Seguindo o mesmo caminho, Guilherme de Souza Nucci, de forma clara, julga ser impossível haver uma correção da omissão proporcionada pela Lei do sequestro relâmpago quanto ao caráter hediondo desta modalidade criminosa, tendo como base o processo da analogia in malam partem, ou seja, a utilização de princípios gerais do direito ou até mesmo de costumes pela ocorrência de prejuízo ao sujeito.41

O autor sustenta, nesse sentido, a tese de que um delito somente será considerado hediondo quando expresso no rol do art. 1º, da Lei n. 8.072/1990, que possui caráter taxativo. Não estando, assim, prevista a modalidade criminosa neste dispositivo, não será considerado hediondo.42

São considerados hediondos os seguintes crimes:

  • (a) homicídio, conforme art. 121, caput, do Código Penal brasileiro, desde que praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente;

  • (b) homicídio qualificado, art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V, do Código Penal brasileiro;

  • (c) latrocínio, consoante art. 157, § 3º, parte final, do Código Penal brasileiro;

  • (d) extorsão qualificada pelo resultado morte, art. 158, § 2º, do Código Penal brasileiro;

  • (e) extorsão mediante sequestro em sua forma simples, art. 159, caput, do Código Penal brasileiro, e qualificada, art. 159, § 1º, § 2º e § 3º, do Código Penal brasileiro;

  • (f) estupro simples, art. 213, caput, do Código Penal brasileiro, e qualificado, art. 213, § 1º e § 2º, do Código Penal brasileiro;

  • (g) estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput e § 1º, § 2º, § 3º e § 4º, do Código Penal brasileiro;

  • (h) epidemia com resultado morte, art. 267, § 1º, do Código Penal brasileiro;

  • (i) falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, art. 273, caput e § 1º, § 1º - A e § 1º - B; e

  • (j) genocídio, em sua forma tentada ou consumada, previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei n. 2.889/195643.

Verifica-se, portanto, que a extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, que caracteriza o chamado sequestro relâmpago, mesmo pelo resultado lesão grave ou morte, não resta inclusa no referido rol.

Conforme relata Nucci, uma das grandes contradições existentes é que há compatibilidade entre as penas do delito de extorsão mediante sequestro, em suas formas qualificadas, e da extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, com resultado de lesão grave ou morte. Todavia, aquele é crime hediondo e este não! O professor chega, inclusive, a demonstrar descontentamento pela inclusão de pena de multa para a qualificadora da extorsão, parte inicial, do § 3º do art. 158 do Código Penal brasileiro.44

Nucci ainda assevera que deveria existir uniformidade em relação à hediondez dos delitos, até mesmo por um respeito ao princípio da proporcionalidade. Acredita, também, que todos os crimes violentos, que ofendem o patrimônio e que resultem em lesão grave ou morte, deveriam ser considerados hediondos.45

Esta primeira corrente de pensamento, portanto, sustenta que, frente à legalidade, o § 3º do art. 158 do Código Penal brasileiro, não é hediondo, mesmo diante do resultado lesão grave ou morte. A fundamentação utilizada, como mencionado, é a do Princípio da Legalidade Estrita, que se baseia na interpretação gramatical e formal dos textos e dispositivos, não podendo, por consequência, haver uma correção em textos legais, sem lei formalmente elaborada que a autorize.

Assim, visando defender de forma intransigente, inflexível a legalidade estrita não se insere neste entendimento uma visão mais ampla orientada por princípios constitucionais.

Vale destacar que a aplicação do Princípio da Legalidade Estrita não é no sentido de o legislador ou o intérprete da lei se apegar de forma absoluta à lei “crua e fria”, e sim, valer-se da legalidade estrita enquanto princípio garantidor e humanista, que, no Direito Penal, não admite flexibilizações, ainda que tenha como fim o interesse público ou até mesmo o benefício de pessoa.

A segunda linha de pensamento, por outro lado, defendida por Rogério Sanches Cunha e Luiz Flávio Gomes, que também faço volume e sigo, assegura que, por força de uma interpretação sistemática e extensiva, a celeuma legal deve ser compensada, possibilitando que a qualificadora pelo resultado morte, prevista no § 3º do art. 158 do Código Penal brasileiro seja considerada crime hediondo.

Embora defensores desta corrente, os professores concordam que o § 3º do art. 158 do Código Penal brasileiro não possui previsão legal na Lei n. 8.072/1990 e que é proibida a analogia em prejuízo do sujeito.46

Os autores afirmam que se da conduta delituosa resultar lesão grave não será considerado crime hediondo, sendo apenas aplicadas as penas previstas no artigo 159, § 2º, do Código Penal brasileiro, tendo em vista que na extorsão, em nenhuma situação de resultado por lesão grave, haverá crime hediondo.47

Consideram, porém, ser hediondo o crime de extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima com resultado morte, baseando-se na tese de que esta modalidade criminosa é uma extensão do § 2º do art. 158 do Código Penal brasileiro.48

O argumento é defendido tendo em vista que não houve definição ou criação de um tipo penal novo com a inclusão do § 3º ao art. 158 do Código Penal brasileiro, não havendo, portanto, um injusto diverso da extorsão. Assim, as regras aplicadas na extorsão genérica pelo resultado morte devem ser aplicadas também à extorsão qualificada pela privação da liberdade de locomoção do ofendido por resultar em morte.49

Os doutrinadores afirmam, nesse sentido, que “a interpretação literal deve ser acompanhada da interpretação racional possível (teleológica), até o limite permitido pelo Estado humanista – legal, constitucional e internacional – de Direito.” 50

A interpretação da lei penal, por certo, é uma atividade que busca retirar da norma seu perfeito alcance, efeito, delimitação, definição e significado, sempre almejando a vontade da lei, sendo que o que importa é o que está incluído em suas normas.51

Para a questão em debate, importante destacar duas espécies de interpretação da lei penal, quais sejam: interpretação penal extensiva e progressiva. A primeira é quando a redação da lei está aquém daquilo que queria expressar, necessitando, por isso, de uma ampliação do seu significado. A segunda, por sua vez, é aquela que com o passar dos tempos vai se desenvolvendo, se adaptando às transformações político-sociais que envolvem o globo.52

Acompanhando este raciocínio, a analogia, fonte de direito, também deve ser conceituada. Em síntese, ela visa a aplicar a uma situação não prevista em lei uma tendência relativa a uma condição semelhante.53

Buscando, desde já, suprir eventuais dúvidas, a grande diferença existente entre a interpretação penal extensiva e a analogia é que aquela, diferentemente desta, possui uma hipótese regulada por lei, não atuando sobre caso análogo.54

Assim, o legislador poderá fazer uso da interpretação extensiva no caso debatido (caráter hediondo do § 3º do art. 158 do Código Penal brasileiro, pelo resultado morte), uma vez que é inequívoca a vontade da lei, sendo de modo contrário o entendimento em relação à utilização da interpretação análoga e progressiva, em vista da ausência, na hipótese, da vontade da lei.55

Noutro giro, o que diferencia o delito da extorsão qualificada pelo resultado morte e a extorsão qualificada pela privação da liberdade da vítima, com resultado morte, é a simples e pura forma de execução e o modo de operação utilizada pelo sujeito em seu agir, uma vez que com a n. 11.923/2009 não houve a criação de um novo tipo penal, não ocorrendo, portanto, qualquer alteração na natureza do injusto.56

Verifica-se, desse modo, que os delitos capitulados no § 2º do art. 158 do Código Penal brasileiro e no § 3º do art. 158 do Código Penal brasileiro são idênticos, pelo menos em sua essência, não podendo haver, então, tratamento jurídico penal diferente.57

Dessa maneira, conforme sustenta esta segunda corrente – formada em sua maioria por constitucionalistas –, a visão legalista, traz prejuízos à aplicação do direito, uma vez que se apega a questões meramente formais, deixando muitas vezes de lado os princípios constitucionais que regem o ordenamento jurídico. Nessa percepção, vale citar a lição de Rogério Sanches Cunha e Luiz Flávio Gomes:

É que ela se prende exageradamente nas formas literais ou gramaticais (ou seja: nos meandros da literalidade), sem atinar para o substrato (para a essência) das coisas. [...] Perde a noção do proporcional e do razoável. Tem dificuldade de distinguir os âmbitos possíveis de interpretação de um dispositivo legal. Aliás, não é que perde a perspectiva da proporcionalidade, muitas vezes nem chega a conquistá-la.58

Aliás, outro ponto questionado em relação à legalidade estrita ou reserva legal absoluta é que muitas vezes o legislador apenas com o intuito de preservar este princípio (estes princípios, para alguns), “aplaude certas bobices”, arbitrariedades, provocando situações insustentáveis, ridículas e até mesmo absurdas.59

Com esse questionamento faz surgir o paradoxo de que “o legalista positivista é capaz de negar a aplicação da mesma lei para fatos substancialmente idênticos e, ao mesmo tempo, aceitar um mundo de atrocidades e arbitrariedade escritas pelo legislador na lei”.60

Em síntese, neste segundo posicionamento defende-se a previsão da extorsão qualificada pela privação da liberdade da vítima com resultado morte como crime hediondo, em vista da utilização de uma interpretação penal extensiva, negando, em tese e para tanto, a visão legalista positivista.

Assim, a discussão que envolve o caráter hediondo do § 3º do art. 158 do Código Penal brasileiro está intimamente ligada à interpretação penal da norma.

Sobre o autor
Maurício Piacentini

Especialista, na área do direito, em Ciências Penais "lato sensu".

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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