Quando se fala em destinatário da ordem que fixa as astreintes, logo se pensa no demandado da ação, porém, veremos a possibilidade de a ordem ser destinada a pessoa diversa a essa. Será apresentado nesse sentido, a questão que existe quando quem configura como destinatário é a Fazenda Pública ou o beneficiário da Justiça Gratuita.
Outro ponto de enfoque, será sobre a discussão no que diz respeito a intimação do devedor das astreintes, relacionando a Súmula 410 do STJ e o Novo Código de Processo Civil.
No tocante ao titular das astreintes, abordar-se-á a discussão jurisprudencial anterior ao advento do CPC/2015, visto que o CPC/73 não tratava expressamente a quem era devido o valor da multa, o que, com o NCPC foi pacificado. Por fim, necessário a análise da polêmica acerca do enriquecimento sem causa do credor das astreintes.
1. Destinatário da ordem que fixa as astreintes
O destinatário da ordem que fixa astreintes, ou seja, aquele que deverá cumprir a medida imposta pelo juiz, poderá ser qualquer uma das partes do processo, inclusive o autor e até mesmo um terceiro.
O mais comum é que seja o devedor, sendo que se trata de ação de fazer ou não fazer e entrega de coisa, concluindo-se que a multa será imposta ao demandado da ação.
Ocorre que, o demandado pode atuar ativamente no processo, como por exemplo quando apresenta reconvenção. Nesse sentido e em relação ao autor ser o destinatário da multa, há discussões. Parte da doutrina entende ser possível, como defende Fredie Didier Jr. vejamos:
Basta pensar na possibilidade de o réu querer que o autor seja compelido a exibir determinado documento. O parágrafo único do art. 400. determina que “sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido”. Dentre essas medidas, é possível ordenar que o autor exiba o documento sob pena de multa.
Além disso, a multa pode ser imposta ao autor nas situações em que é possível a concessão de tutela provisória em favor o réu, mesmo quando ele é titular tão somente de uma posição passiva no processo, algo nos parece possível 1.
Em contrapartida, doutrinadores como Amaral (2010), criticam essa posição, acreditando estar diante de uma confusão entre as astreintes e a multa contempt of court, sendo essa a multa punitiva. 2
Porém, com base no parágrafo único do artigo 4003 e artigo 139, IV 4 ambos do CPC, o juiz tem ampla liberdade para aplicar medida coercitiva - até mesmo a multa – entre outras, para a efetividade da ordem judicial, sem a exceção de qualquer sujeito. Portanto, não há motivos para as astreintes não serem aplicadas ao demandante, é o que acredita Maciel (2016). 5
No tocante aos terceiros, há divergências jurisprudenciais e doutrinarias, sendo que parte entende pela impossibilidade de aplicar a multa aquele que não participa da relação processual.
Contudo aqueles que entendem pela possibilidade, como no caso da aplicação da multa à pessoa natural representante da pessoa jurídica, Gajardoni (2016), explica:
Entendemos que a multa, excepcionalmente, pode incidir contra a pessoa do administrador (público ou privado), desde que: a) ele seja integrado ao processo para se defender, aplicando analogicamente o regime processual da desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133. a 137 do CPC/2015); e b) haja comprovação de que o inadimplemento é voluntário (isto é, o administrador não cumpre a obrigação tendo condições de fazê-lo sem prejuízo de outras obrigações de maior importância) 6.
Didier (2017) também defende a possibilidade da aplicação da multa a terceiros, fundamentando que o juiz tem autorização legal para a imposição de qualquer medida que for necessária para obter a efetividade.
Nesses casos, o magistrado deverá impor a multa coercitiva aquele que tem poderes para o cumprimento da ordem judicial, ressalvado o representante judicial, nos termos do que dispõe o art. 77. § 8º do CPC. 7
2. Execuções contra a Fazenda Pública
Quando tratamos de execuções contra a Fazenda Pública e multa coercitivas há duas correntes, a minoritária entende pela impossibilidade de ser aplicada, defendendo que a multa não atinge o patrimônio do agente público que não cumpriu com sua obrigação e sim os cofres públicos. Por esse motivo esse não se sentiria coagido e a multa poderia atingir valores exorbitantes, gerando um rombo ao erário, o que consequentemente sairia do bolso dos contribuintes.
Contudo, essa questão já foi pacificada pela doutrina majoritária e pela jurisprudência, entendendo que, mesmo sendo o polo passivo ocupado pela Fazenda Pública, a multa coercitiva pode ser aplicada. Nesse sentido, Didier (2017) defende que o descumprimento pelo agente público não pode ser motivo para desobrigar o ente público da coerção.
Em casos tais, cumpre ao poder público responsabilizar o servidor renitente nas esferas administrativas, civil e criminal, se for o caso, cabendo-lhe ressarcir o erário quando verificada atuação dolosa ou culposa 8.
Na mesma linha de raciocínio, parte dessa corrente que defende a possibilidade de aplicabilidade da multa ao ente público, apresenta como solução do conflito a alternativa das astreintes serem impostas diretamente ao agente público. Sobre o tema, disserta Amanda Lessa Nunes (2017, p. 11):
Em razão de todo o exposto, portanto, é que defendemos que, com vistas a superar a crise de efetividade a que nos referimos acima com relação às execuções de obrigação de fazer e não fazer contra a Fazenda Pública, sejam as astreintes, portanto, redirecionadas ao agente público que for identificado como o responsável para dar cumprimento àquele comando judicial e que, por sua vez, estiver resistindo injustificadamente, pois aí haveria uma vontade psicológica a ser, de fato, ameaçada através da multa 9.
Sobre essa solução há os que acreditam que essa seria a melhor opção, vez que a finalidade da multa seria atingida, sendo o agente público coagido com o temor de perder seu patrimônio. Entretanto a ideia não é bem acolhida por muitos, por entenderem que pelo agente público não ser parte do processo, estaria violando os princípios da ampla defesa e o contraditório. É o que defende Guilherme Rizzo Amaral, vejamos:
Todavia, fazer recair sobre uma ou mais dessas pessoas físicas o peso da multa periódica pressupõe que o juiz conheça perfeitamente a cadeia de comando da pessoa jurídica, pois do contrário estaria ele cometendo flagrante de injustiça e violência contra o patrimônio de alguém que não necessariamente tem condições de movimentar a estrutura de uma organização inteira para o atendimento da decisão judicial. E mais: não raro as dificuldades para o cumprimento do comando judicial não estão na mera ausência de “ordem” do dirigente da pessoa jurídica, mas em problemas estruturais desta – inclusive anteriores à assunção das funções diretivas por determinadas pessoas – e que não podem ser imputadas às pessoas físicas que a dirigem, sob pena de desconsideração da personalidade jurídica fora das hipóteses do artigo 50 do Código Civil.
Isso para não se falar no evidente problema da violação do contraditório. A pessoa física do agente público ou do diretor de uma determinada empresa não integra a relação processual, não tendo, assim, condições de discutir à plenitude seja a existência da obrigação imposta pela decisão judicial, seja a viabilidade de seu cumprimento no prazo determinado pelo juiz 10.
Com isso, alguns doutrinadores sugerem que seja aplicada a multa punitiva, prevista no art. 77, § 2º do CPC, ao agente público por ato atentatório à dignidade da justiça, para que assim se cumpra o determinado. Portanto, deve se lembrar que essa multa não tem caráter coercitivo e sim punitivo, como já diferenciadas no tópico sobre o assunto.
3. Beneficiário da Justiça Gratuita
Primeiramente, necessário salientar a diferença entre assistência judiciária e justiça gratuita, isso porque muitas das vezes são tratados como se a mesma coisa fossem, contudo, mesmo que ambos tratem do acesso à justiça para aquele que não tem condições para o custeio, não são iguais.
A assistência judiciária, como o próprio nome já diz, está ligado a possibilidade da pessoa de baixa renda, a qual não possui condições de arcar com as despesas de um representante judicial, ser assistida por um defensor público. Contudo, esse deverá ainda provar em juízo, a necessidade dos benefícios da justiça gratuita, já que um não se vincula ao outro automaticamente.
Quanto a justiça gratuita, essa já era tratada, assim como a assistência judiciária, desde a edição da Lei 1060/50, porém recebeu uma atenção especial no Novo Código de Processo Civil, através dos artigos 98 e seguintes, a qual fez algumas modificações sobre o assunto. Aqui, a parte que fizer o pedido, pode possuir um defensor particular, já que não se trata de assistência judiciária e o pedido deverá ser formulado no curso do processo, já que é competência do magistrado conceder ou não o benefício, de acordo com a comprovação da necessidade pela parte.
O artigo 98, caput, do CPC, dispõe que "a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei", definindo assim quem poderá receber o benefício.
Antes do advento do NCPC, para que fosse concedido o benefício, deveria ser comprovado nos termos do parágrafo único do artigo 2º da Lei de 1060/5011, que sua situação econômica não lhe permitia pagar as custas do processo e os honorários advocatícios sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Já com a vigência da nova legislação, deverá ser comprovado a insuficiência de recursos para pagas as custas, despesas processuais e os honorários advocatícios. Outra diferença que se pode notar com a chegada do CPC/2015, é a ampliação da possibilidade de a pessoa jurídica ser beneficiário.
O § 1º do artigo 98 do Novo Código de Processo Civil, dispõe o que se compreende na gratuidade da justiça, ou seja, do que ficara isento o beneficiado. O § 2º dispõe que “a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência”, sendo essa uma forma de evitar a demanda de maneira despretensiosa.
Nos casos em que isso ocorrer, a exigibilidade ficará suspensa por 5 anos após o trânsito em julgado, devendo o credor demonstrar que o beneficiado deixou de necessitar do benefício, ou seja, deixou de existir a situação de insuficiência de recurso, extinguindo-se a obrigação passado esse prazo, nos termos do § 3º.
De forma minuciosa, sendo esse o assunto que merece enfoque privilegiado para a compreensão do tema que está sendo abordado, analisaremos o que dispõe o § 4º do artigo 98, vejamos:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 4º A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas.
A lei 1060/50 dispunha em seu artigo 3º, apenas dos casos em que o beneficiado seria isento, não sendo incluída a multa, o que, portanto, já se entendia ser possível a aplicação da multa coercitiva ao beneficiado. Contudo, com a chegada da nova legislação e seu artigo 98, § 4º, não se restaram dúvidas sobre o dever do beneficiado em pagar as multas.
Sobre o tema, aborda Maciel (2016):
Naturalmente, se a parte não dispõe de recursos a imposição da medida será inócua para o seu fim de coagir o devedor ao cumprimento da obrigação. Mas o fato de não poder arcar com os custos do processo não autoriza à conclusão de que necessariamente não se pode se submeter à multa coercitiva, sendo necessário verificar os elementos do caso concreto, como o valor atribuído à causa. A condição de não poder arcar com os custos do processo não autoriza à conclusão de que a parte não dispõe de qualquer patrimônio 12.
Portanto, conclui-se que claramente o beneficiário da justiça gratuita pode ser o destinatário da ordem que fixa as astreintes.
4. Intimação do devedor
Na vigência do CPC/73, o STJ dispôs através de sua Súmula nº 410 que “a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer” 13.
Entendia-se necessário a intimação pessoal do devedor para o início da contagem do prazo que o juiz tivesse atribuído à multa, por se tratar de ato de cumprimento pessoal e não postulatório. Acreditava-se ser essa a melhor opção para que o destinatário da ordem tivesse ciência de forma clara e inequívoca que, caso não cumprida a obrigação que lhe foi imposta através de decisão judicial, a multa seria executada, atingindo assim o objetivo das astreintes de coagi-lo ao cumprimento de sua obrigação.
Ocorre que, o CPC/2015, no capítulo em que trata sobre o cumprimento da sentença, em seu artigo 513, § 2º, I, trouxe disposição contraria em relação ao assunto, vejamos:
Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.
§ 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença:
I – Pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos.
Por não fazer ressalvas sobre quais obrigações estariam sujeitas a aplicação do dispositivo, muito se discutia pela superação da Súmula nº 410 do STJ. Contudo, em dezembro de 2018, no julgamento do EREsp 1360577/MG, decidiu que a referida súmula permanece, senão vejamos:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. MULTA DIÁRIA. NECESSIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DO EXECUTADO. SÚMULA 410 DO STJ.
1. É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil.
2. Embargos de divergência não providos14.
Portanto, seguindo o entendimento do STJ, continua-se fazendo necessário a intimação pessoal do devedor para o início da contagem do prazo para a cobrança da multa, não sendo aplicado, portanto, a regra do art. 513, § 2º, I, do CPC as obrigações de fazer ou não fazer.
5. Titularidade das astreintes e o enriquecimento sem causa
O antigo CPC não dispunha em seus artigos a respeito a quem era devido o valor da mula, o que, portanto, gerava grande questionamento sobre. Parte da doutrina entedia que o valor deveria ser revertido exclusivamente ao Estado, outros que deveria ser dividido entre o credor e o Estado, contudo a doutrina majoritária defendia que, em se tratando ações em que não tutelam direitos coletivos, seria devida apenas ao credor, levando em consideração que esse é quem arca com o não cumprimento pelo devedor. Sergio Cruz Arenhart e Luiz Guilherme Marioni explicam tal posicionamento:
De qualquer forma, é preciso admitir que o direito brasileiro, diante do teor do art. 461. do CPC, que afirma que “a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa”, entende que, assim como a indenização, a multa é devida ao autor 15.
Acompanhando o defendido pela doutrina majoritária, o STJ pacificou entendimento através do REsp 949.509 ser o credor o titular da multa, o que foi confirmado através do Informativo nº 497 também do STJ, vejamos:
ASTREINTES. DESTINATÁRIO. AUTOR DA DEMANDA . A Turma, por maioria, assentou o entendimento de que é o autor da demanda o destinatário da multa diária prevista no art. 461, § 4º, do CPC – fixada para compelir o réu ao cumprimento de obrigação de fazer. De início, ressaltou o Min. Marco Buzzi não vislumbrar qualquer lacuna na lei quanto à questão posta em análise. Segundo afirmou, quando o legislador pretendeu atribuir ao Estado a titularidade de uma multa, fê-lo expressamente, consoante o disposto no art. 14, parágrafo único, do CPC, em que se visa coibir o descumprimento e a inobservância de ordens judiciais. Além disso, consignou que qualquer pena ou multa contra um particular tendo o Estado como seu beneficiário devem estar taxativamente previstas em lei, sob pena de afronta ao princípio da legalidade estrita. Cuidando-se de um regime jurídico sancionatório, a legislação correspondente deve, necessária e impreterivelmente, conter limites à atuação jurisdicional a partir da qual se aplicará a sanção. Após minucioso exame do sistema jurídico pátrio, doutrina e jurisprudência, destacou-se a natureza híbrida das astreintes. Além da função processual – instrumento voltado a garantir a eficácia das decisões judiciais –, a multa cominatória teria caráter preponderantemente material, pois serviria para compensar o demandante pelo tempo em que ficou privado de fruir o bem da vida que lhe fora concedido seja previamente, por meio de tutela antecipada, seja definitivamente, em face da prolação da sentença. Para refutar a natureza estritamente processual, entre outros fundamentos, observou-se que, no caso de improcedência do pedido, a multa cominatória não subsiste. Assim, o pagamento do valor arbitrado para compelir ao cumprimento de uma ordem judicial fica, ao final, dependente do reconhecimento do direito de fundo. 16.
Contudo, colocado um fim a discussão e afirmando o que já se entedia, a nova legislação em seu artigo 537, § 2º traz expressamente, a resposta:
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§ 2º O valor da multa será devido ao exequente.
Ocorre que, sendo o valor da multa devido ao credor, muito se teme pelo enriquecimento ilícito desse. Isso porque, uma vez que a multa é prévia, o titular, visando o recebimento de um alto valor, pode adiar sua execução, já que ele é o responsável por notificar o magistrado do não cumprimento da decisão.
Nesse sentido, mesmo sendo expressamente definido que o titular é o exequente, há ainda doutrinadores que não apreciam esse entendimento, é o que defende Neves (2017):
Realmente a opção do legislador não deve ser elogiada, em especial quando considerada a previsão do art. 500, do Novo CPC, que determina que a multa não impede a indenização por perdas e danos. Nota-se que, tendo tido um efetivo dano em razão do descumprimento da obrigação, caberá à parte pedir a devida indenização, tendo que provar a existência do dano. Tornando-se credor do valor da multa frustrada, a parte tem um ganho patrimonial em detrimento do patrimônio da parte contrária, sem nenhum respaldo jurídico para legitimar tal locupletamento 17.
É a partir desse raciocínio que parte da doutrina entende pelo enriquecimento sem causa do credor, justificando que todo dano causado a esse é reparado através da indenização por perdas e danos 18, sendo errônea a titularidade da multa coercitiva ao credor, alegando que o verdadeiro titular é o Estado, acreditando que é esse que sofre com a desobediência da ordem.
Por outro lado, há o entendimento a favor da legislação, defendendo que o maior interessado é o credor da multa e uma vez que ele está sendo prejudicado pela demora do cumprimento, acreditando haver uma causa legítima para o enriquecimento. Nesse sentido aborda Romano (2016):
Ora, se a multa foi fixada atendendo-se a critérios razoáveis e seu valor só se tornou muito elevado em razão da recalcitrância do devedor, não há que se falar em “enriquecimento sem causa”. Há, pois, uma causa legal e legítima para o prejuízo de um e o enriquecimento de outro 19.
A corrente a favor da legislação, menciona ainda que, amparado pelo artigo 537, § 1º, I, do CPC, o juiz poderá diminuir a multa ou até mesmo excluir em caso de excesso, não sendo especificado pela legislação os casos os quais essa diminuição ou exclusão poderão ser impostas, podendo esse ser um caso em que se aplicará.
Nessa lógica, a fim de intermediar esses conflitos, pode-se relacionar a situação a teoria do duty to mitigate the loss, que nada mais é que o dever do credor de mitigar o próprio prejuízo, em razão do princípio a boa-fé.
Sobre o assunto, aborda Didier (2017):
O direito privado diz que o credor deve minimizar as suas perdas, ou seja, tem ele o dever de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate the loss). Esse dever decorre do princípio da boa-fé (art. 422. do Código Civil). A inércia do credor ante o aumento considerável do próprio prejuízo implica abuso de direito e fere o princípio da boa-fé 20.
Desse modo, sendo aplicado tal instituto na relação processual, esse obriga o credor a mitigar seu próprio prejuízo, considerando-se ilícito a conduta do titular que for inerte frente ao descumprimento do devedor, a fim de auferir um valor elevado da multa. Deve-se ainda salientar que ambas as partes tem o dever de cooperação, devendo o juiz, a partir desse pressuposto, modular o valor das astreintes.
Nesse sentido Sá e Souza (2017):
Nesse ponto de vista, é possível extrair a adoção o preceito do duty to mitigate the loss do enunciado 169 da III Jornada do Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, ao conferir interpretação do art. 422. do Código Civil, que determina que as partes contratantes observem o princípio da boa-fé que estipula: “ o princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo” 21.
Desse modo, possível concluir que, tendo a legislação determinado o exequente o titular do valor auferido pelas astreintes, esse deve seguir os princípios acima citados, não se mantendo inerte ao descumprimento do devedor afim de obter vantagem ilícita sobre. Porém, caso contrário, o magistrado poderá diminuir a multa e até mesmo exclui-la, como consequência de sua conduta de má-fé.