DO REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS DA UNIÃO: DÚVIDAS E INCERTEZAS DECORRENTES DA MIGRAÇÃO

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08/12/2019 às 22:31
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O artigo buscar trazer luzes às dúvidas e incertezas que ainda persistem com a migração dos servidores públicos civis da União ao Regime de Previdência Complementar, principalmente quanto à elegibilidade do fundamento da aposentadoria.

 

                                                                                       Por Maria Lúcia Miranda Alvares[1]

RESUMO:  A faculdade de opção pela intitulada migração ao RPC, então prevista no Art. 40, § 16, da Constituição da República ex vi do Art. 3º, inciso II, da Lei nº 12.618, de 2012, teve prazo encerrado em 29 de março de 2019, mas as dúvidas decorrentes do exercício desse direito ainda persistem sob diversos aspectos, mormente em relação à elegibilidade do fundamento para concessão de aposentadoria aos titulares do direito às regras de transição (Emendas 20/98, 41/2003 e 47/2005) e ao pagamento do intitulado Benefício Especial, instituído para fomentar a migração ao novel sistema complementar da União. O presente ensaio visa trazer luzes ao debate ou mesmo fomentá-lo em busca de conclusões adequadas à novel realidade.

PALAVRAS-CHAVE:  Regime de Previdência Complementar. Benefício especial, elegibilidade, aposentadoria, regras de transição.

ABSTRACT: The deadline of migration to SPS (Republic’s Constitution Art. 40, § 16 and Art. 3º, item II, Law nº. 12.618, 2012) was March 29, 2019. Still, doubts risen from the exercise of this right persist in several respects, especially in relation to the grounds eligibility for granting retirement to holders of the right to transitional rules (Amendments 20/98, 41/2003, 47/2005) and the payment entitled Special Benefit, established to foster migration to the Union’s novel complementary system. This essay aims to bring light to the debate, or even foster it in search of appropriate conclusions to the novel reality.

KEY-WORDS: Supplementary Pension Scheme; Special benefit; eligibility; retirement; transition rules.

 

(i) DA CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA

A Lei nº 12.618, de 2012, que instituiu o Regime de Previdência Complementar (RPC) para servidores públicos titulares de cargo efetivo  e membros de órgãos enumerados no seu Art. 1º, tem sido objeto de inúmeros questionamentos, mormente em relação aos desdobramentos decorrentes da faculdade de opção conferida aos destinatários do inciso II do seu Art. 3º, haja vista a previsão de incentivo à migração, assente na concessão de vantagem estatutária intitulada Benefício Especial, a ser concedida por ocasião da aposentadoria.

   Para sintetizar o rol de questionamentos que estão a ser objeto de discussão, ainda que tardiamente, traz-se à lume excerto da decisão monocrática conferida no Mandado de Injunção (MI) nº 7.709/DF, de Relatoria do Ministro Roberto Barroso, que assim revela:

 2. Sustentam que as normas existentes sobre o tema – Lei nº 12.618/2012 e Leis Complementares nº 108 e 109/2001 – não teriam disciplinado as seguintes questões: (i) a natureza jurídica do benefício especial e a não incidência de contribuição previdenciária sobre ele; (ii) a contagem do tempo de contribuição no regime geral e no serviço militar para o cálculo do benefício especial; (iii) o cômputo da contribuição ao regime de previdência complementar no abono de permanência ou mesmo o direito à percepção dessa parcela por aqueles que optarem pela migração de regime; (iv) o direito adquirido ao patrocínio, pelo ente público, no regime de previdência complementar; (v) a aplicação de regras constitucionais de transição relativas a requisitos de aposentadoria para os servidores que optarem pela migração; e (vi) a destinação do capital do fundo de pensão.

3. Destacam que o terceiro prazo concedido para a migração de regime, em caráter irretratável e irrevogável, está se esgotando (em 29.03.2019) e que as indeterminações acima expostas inviabilizam o exercício pleno do direito previsto no art. 40, § 16, da Constituição[2]. (Grifo nosso)

      Em 29 de agosto de 2019, o Ministro Roberto Barroso negou seguimento ao citado MI nº 7.709/DF, esposando o que segue:

15. O regime de previdência complementar dos servidores públicos federais foi instituído por meio da mencionada Lei nº 12.618/2012. Os impetrantes não pretendem superar omissões parciais na regulamentação dos comandos constitucionais que tratam do tema, mas sanar dúvidas de interpretação ou insatisfações com a disciplina legal dada a esse regime. Muito embora não existam obstáculos efetivos para o exercício do direito de opção, procuram segurança jurídica para que seus integrantes possam decidir por aderir ao regime de previdência complementar sem quaisquer indefinições sobre o alcance e sentido das normas contidas na legislação e sem estarem submetidos a eventuais mudanças em sua interpretação. As inquietações que afligem os autores, todavia, não podem ser aplacadas nesta sede. (Grifo nosso)

     Deve ser dito que, em sequência à impetração do citado Mandado de Injunção, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) ingressou com Consulta junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desta feita a indagar os seguintes aspectos:

a) o exercício da prévia e expressa e opção contida no Art. 40, §16 da Constituição tem algum efeito jurídico além da fixação de limite de valor das aposentadorias e pensões do regime próprio de previdência social, expressamente prevista no Art. 40, §14 da Carta Magna, combinado com as disposições da Lei no 12.618/12, especialmente quanto aos requisitos de elegibilidade para concessão de aposentadorias, pensões e abono de permanência?

b) em caso afirmativo à questão formulada na alínea a acima, quais são e quais normas jurídicas constitucionais ou legais em sentido estrito disciplinam expressamente os referidos efeitos jurídicos?

c) o exercício da prévia e expressa e opção contida no Art. 40, §16, da Constituição implica alguma renúncia além da fixação, para os valores de aposentadorias e pensões do regime próprio de servidores públicos, do limite máximo utilizado para o regime geral de previdência social, nos termos do Art. 40, §14 da Constituição?

d) em caso afirmativo à questão formulada na alínea c acima, quais são e quais normas jurídicas constitucionais ou legais em sentido estrito disciplinam expressamente os referidos efeitos jurídicos?

e) os magistrados e servidores do Poder Judiciário que ingressaram no serviço público antes de 16/12/1998 e que tiverem exercido ou vierem a exercer a opção prevista no Art. 40, §16 da Constituição têm direito à concessão de aposentadoria ou de abono de permanência com base nos requisitos temporais de elegibilidade previstos nas Emendas Constitucionais nos 41/03 e 47/05, ainda que, na hipótese de aposentadoria, tenha o valor do benefício limitado em razão da referida opção?

f) qual quantidade de contribuições mensais (Tc), por ano, e qual tempo total exigido para aposentadoria (Tc) deve ser contabilizada pelos órgãos administrativos dos tribunais federais no numerador do cálculo fator de conversão (Fc), tendo em vista que as contribuições sobre a gratificação natalina não eram exigíveis antes de 1999, e todo servidor com 35 ou servidora com 30 anos de contribuição para o regime de que trata o Art. 40 da Constituição deva supostamente alcançar o benefício especial integral, nos termos do cálculo previsto no Art. 3º, §§2º e 3º da Lei no 12.618/12, não podendo sofrer redução no respectivo fator de conversão (Fc = Tc/Tt) em razão da absoluta falta de oportunidade de verter as referidas contribuições sobre a gratificação natalina até dezembro de 1998?

   O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até a data do fechamento deste estudo[3], não apresentou respostas às indagações formuladas pela entidade Consulente. Contudo, cabe referir que a consulta ao CNJ foi protocolada em 6 de maio de 2019, dando ensejo ao Processo CNJ nº 0003081-20.2019.2.00.0000, autuado em 20 de agosto de 2019, depois de findo o prazo para migração, ocorrido em 29 de março de 2019.

     A par das dúvidas postas, evidencia-se que o tempo decorrido entre a vigência da Lei nº 12.818, de 30 de abril de 2012, consubstanciada na instituição do Regime de Previdência Complementar pela União em 04 de fevereiro de 2013 (FUNPRESP-Exe), 07 de maio de 2013 ( FUNPRESP-Leg) e 14 de outubro de 2013 (FUNPRESP-Jud) em favor dos destinatários vinculados, respectivamente, ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e ao Judiciário, e a data do último prazo fixado para opção pelo RPC, encerrado em 29 de março de 2019, não foi suficiente para se firmar interpretação capaz de assegurar confiança no exercício da faculdade de opção.

  Nesse longo espaço de tempo, entretanto, muitas diretrizes foram expostas. Algumas colhidas pelo Poder Judiciário, em sua função administrativa e judicial, outras fixadas pelo Poder Executivo, por meio de seus competentes órgãos, outras, pelas próprias entidades gestoras do Regime Complementar[4] e muitas outras pelos estudiosos do tema[5]. Não obstante, em que pese o rol de diretrizes, ainda se haure dúvidas a fomentar a insegurança dos que migraram ou tinham essa pretensão e não o fizeram, consoante foi materializado pelas entidades Consulentes junto ao STF e CNJ, nos moldes acima descritos. E, realmente, a questão não é simples.

A previsão de concessão da vantagem denominada Benefício Especial (BE) aos agentes públicos com potencial para migração, a título de incentivo, teve o condão de intensificar o debate e, por consequência, as incertezas sobre a migração nos moldes desenhados pela legislação de regência. Aliado a esse fato, os problemas relacionados ao cálculo do benefício e respectivo custeio agravaram esse cenário, a advir daí um quadro de falsa realidade a viciar, para muitos, o consentimento concretizado com a opção ou, ainda, provocar arrependimento pela decisão tomada, a se indagar: _o que fazer agora?

À guisa desse panorama, o presente ensaio tem a pretensão de abordar o tema sob os enfoques delineados pelas dúvidas apresentadas pelas entidades de classe, sem, contudo, ter a pretensão de fechar o debate a qualquer outra interpretação possível, até porque o Direito é uma ciência que se alimenta de fatores sócio-político-econômicos, que muitas vezes emergem do suposto de fato das normas jurídicas, quiçá das normas previdenciárias, atualmente envoltas em profundas reformas com vistas à aproximação derradeira entre os regimes previdenciários, a exigir toda cautela na interpretação a ser conferida.

Nessa contextura, subdivide-se a análise do presente ensaio em quatro tópicos: (i) Previdência Complementar: condição de existência harmônica com os regimes de filiação obrigatória; (ii) Elegibilidade dos fundamentos da aposentadoria por quem optou pela migração; (iii) Benefício Especial, a extravagante vantagem pecuniária, enquanto parcela que compõe os proventos de aposentadoria dos detentores da faculdade de opção; e, por fim (iv) Equívoco no exercício da opção: direito ao arrependimento ou vício de consentimento.

Sob o enfoque dessas linhas, a pretensão é dar um norte às dúvidas que estão a trazer incertezas à aplicabilidade do sistema.

(ii) PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR: REGIME DE CAPITALIZAÇÃO DE LIVRE CONVIVÊNCIA

Para que se entenda o intitulado Regime de Previdência Complementar (RPC) é preciso, antes de tudo, entender o seu papel dentro da estrutura previdenciária nacional. Esse, talvez, seja o elemento chave para se interpretar os ditames da Lei nº 12.618, de 2012, que ora o normatiza no campo da previdência do setor público.

Senão vejamos.

O Regime de Previdência Complementar é um sistema que não vive sozinho. Ele precisa, para sua existência, de uma condição, qual seja? _A concessão de benefício previdenciário pelo regime de previdência ao qual se encontre filiado o seu participante junto ao patrocinador[6]. Ou seja, trata-se de um regime de proteção adicional ou, como próprio nome indica, complementar a um benefício recebido por um regime de previdência de filiação obrigatória, seja geral (RGPS), ou próprio ou especial (RPPS), de caráter facultativo.

Sob essa conotação, fácil é perceber que os regimes de previdência de filiação obrigatória (RGPS ou RPPS) são autônomos frente ao Regime de Previdência Complementar (RPC) e, como tal, sua regras se impõem enquanto fundamentos dos benefícios previdenciários de que dispõem, a alcançar, inclusive, o direito ao benefício, sua forma de cálculo e reajustamento. Aliás, em sede de complementação a benefícios vinculados ao RGPS inúmeros são os exemplos já consolidados, cuja relação de convivência é fato incontroverso[7]: o segurado recebe o seu benefício pelo RGPS, a congregar o fundamento na Lei nº 8.213/91, e, por escolha, recebe uma complementação pelo RPC ao qual se filiou, cuja concessão observa regras próprias do plano de benefício eleito.

Nesse patamar de funcionalidade, pode-se dizer que o sistema previdenciário brasileiro comporta dois regimes públicos obrigatórios, quais sejam, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), nestes incluídos os encargos de previdência dos militares[8]; e um regime privado de cunho facultativo, no caso, o Regime de Previdência Complementar (RPC), que pode ser aberto (para todos os interessados, geridos por instituições com fins lucrativos) ou fechado (destinado a grupos de trabalhadores específicos, gerido por entidades fechadas de previdência)[9].

A par da sistemática descrita, quando se fala em Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) a norma base a que se remete é o Art. 40, da Constituição da República, cuja redação em sequência, desde a Emenda Constitucional nº 20/98, primeira a lançar as bases efetivas  da sua transmudação para um regime de caráter contributivo e atuarial[10], assim revela:

Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.           (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) (Grifo nosso)

Nesse patamar de funcionalidade, em uma análise sistemática das normas que guarnecem o sistema previdenciário do setor público ou, melhor especificando, dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), fica evidenciado que as normas contidas no Art. 40 são normas que regulam o sistema, do qual fazem parte, ainda, as regras de transição destinadas aos agentes públicos enquadrados pelas Emendas Constitucionais nº 20/98, 41/2003, 47/2005 e 103/2019, a compor um corpo de regras previdenciárias específico.

Nessa contextura, pode-se dizer que o RPPS possui regras gerais e regras especiais, algumas de cunho permanentes, outras de feição transitória. Dentre as regras especiais transitórias está a que cuida de conferir ao segurado ingresso no serviço público até a data da instituição do Regime de Previdência Complementar  o direito à prévia e expressa opção pelo correspondente regime, a excepcionar a incidência da regra geral ínsita no §14 do Art. 40, da Carta Maior, com a redação da EC nº 41/2003 (“§ 14  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201.[11]).

O § 16 do Art. 40 da CRFB, portanto, é uma regra especial porque cria uma exceção à regra geral da obrigatoriedade de limitação do valor dos proventos ao teto de benefício do RGPS em favor de todos os servidores que ingressarem no serviço público antes da instituição do RPC, inclusive em favor dos enquadrados nas regras de transição.

Nesse passo, poder-se-ia cogitar que a aplicabilidade das regras do Regime Complementar aos servidores e membros segurados pelas regras de transição do RPPS, detentores do direito à integralidade e paridade de proventos com a remuneração da atividade representaria uma contradição ou uma aparente antinomia do sistema, na medida em que  acabaria por se mesclar regimes que não se conciliam.

 Essa aparente antinomia não existe.

 Em primeiro lugar, como visto alhures, as regras de transição do RPPS (Art. 2º e 6º da EC nº 41/2003 e 3º, da EC nº 47/2005), embora consubstanciem regras especiais que tenham o condão de afastar a aplicabilidade das regras gerais permanentes ínsitas no RPPS (§ 1º, IIII, do Art. 40, da CRFB), não repelem o disposto no § 16 do Art. 40 da CRFB que, como visto, também é uma regra especial, de cunho transitório. Ou seja, não se aplica, sob o enredo da aparente antinomia, o critério assente na máxima de que a lex specialis derogat legi generali. Para tal fim seria necessária a previsão expressa dessa excepcionalidade, o que não se vislumbra.

Mas a razão preponderante a refutar essa aparente contradição está no fato de os regimes de previdência de filiação obrigatória (RGPS e RPPS) conviverem em total harmonia com o regime complementar sem que este último afete os direitos advindos dos primeiros ou o formato de concessão e reajuste dos benefícios correspondentes. Essa, na verdade, é a essência da própria existência do Regime Complementar, que consiste no tripé capitalizado adicional ao sistema. Assim, o servidor que possui direito ou está coberto pelas regras de transição não perdem a garantia da paridade ou da integralidade dos proventos, mas autorizam que sobre o valor apurado incida o limite máximo para os benefícios do RGPS, a passar seus proventos a corresponder ao valor deste último. Vale repisar o texto da norma para confirmar a ilação:

§ 14 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98) (Grifo nosso)[12]

 Importante ressaltar que o direito à paridade e à integralidade não significa que os proventos dos servidores públicos federais titulares desse direito sejam, sempre, auferidos em valor superior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS. Ora, muitos servidores públicos, detentores dos direitos às regras de transição, podem vir a se aposentar com valor de proventos abaixo do teto previdenciário do RGPS e, outros tantos, podem vir a ter jus a valor de proventos próximo do teto respectivo. E, pode ocorrer, diante do direito à paridade (Art. 7º, da EC nº 47/2005), que o valor dos proventos desse último servidor venha a ficar, com o passar do tempo, menor do que o teto previdenciário do RGPS. Essa é uma realidade possível[13].

Ademais, não se pode perder de vista que quem está coberto pelas regras de transição tem a prerrogativa de se aposentar pelas regras gerais permanentes que, a depender do cálculo da média das maiores remunerações e da forma de reajuste prevista na Lei nº 10.887/2004, pode vir a agasalhar proventos e forma de reajuste mais vantajosos[14], a revelar que cada caso é um caso dentro desse sistema que, em nada, afasta a possibilidade desses servidores se utilizarem da prerrogativa de buscar melhorias em um Regime de Previdência Complementar, haja vista o cenário devastador que está a ser enfrentar no campo previdenciário pós reforma de 2019[15].

À guisa desse panorama, faz-se crível perceber que a concessão de aposentadoria, seja pelas regras gerais permanentes, seja pelas especiais transitórias, não têm modificada a sua forma de cálculo por força da opção pelo Regime de Previdência Complementar, assim como não há mudança da forma de reajustamento desses benefícios pois a limitação ao teto previdenciário é elemento externo aos proventos, a condicionar o ingresso desse servidor ao Regime Complementar. E tanto em uma situação, como na outra, as regras de cálculo e reajuste permanecem, até mesmo para que não haja prejuízo futuro para o optante, além dos autorizados pela opção. Vale criar uma hipótese para entender a questão.

A saber:

Tome-se como exemplo um servidor cujos proventos apurados pela média no sistema do RPPS alcance o mesmo patamar apurado pelas regras de transição e opte pelo último sistema ao valor de R$ 6.100,00, valor este próximo ao limite máximo estabelecido pelo RGPS, atualmente fixado em R$ 5.839,45 (2019). Pois bem, a renda mensal inicial desse segurado corresponderá a R$ 6.100,00, que ficará limitado ao teto de benefício do INSS, em R$ 5.839,85, por força de sua opção ao Regime Complementar. Ocorre que o reajuste a que tem jus por força da paridade com a remuneração dos servidores da atividade acaba por lhe conferir, com o passar do tempo, um valor menor do que o limite máximo fixado para o RGPS, haja vista o reajustamento sistemático desse último (pelo menos, ainda vigente) e a estagnação da remuneração dos servidores ativos. E aí? Esse servidor terá direito ao teto de proventos no patamar do limite máximo do benefício do RGPS porque fez opção pelo Regime de Previdência Complementar ou o valor dos seus proventos corresponderá ao valor auferido com a paridade, em que pese a sua opção?  

O entendimento adequado, na hipótese em questão, deve ser no sentido de que o servidor terá jus ao valor dos proventos que lhe cabe pelo sistema escolhido no RPPS, ou seja, terá direito ao valor menor do que o teto previdenciário, a título de proventos pagos pelo citado regime[16]. E não confundir, aqui, o valor pago pelo RPPS, decorrente das regras concessórias, com a composição de seus proventos decorrente de sua opção pelo Regime Complementar nos moldes previstos na Lei nº 12.618, de 2012. Sim, porque se sabe que a referida lei confere ao servidor optante pelo RPC um benefício especial, em regime orçamentário, pagos pelos cofres da União, a título de incentivo, conforme se verificará adiante, cuja percepção não deve ser computada como custeio do RPPS e, portanto, como proventos decorrentes do referido regime.

Uma coisa é o valor dos proventos a ser auferido por força das regras do RPPS, outra é o valor dos proventos decorrente do incentivo conferido à migração ao RPC, assente na concessão de um benefício especial, sobre o qual se tratará mais adiante, em consonância com o que já foi exposto.

 Essas as noções gerais do desenho do sistema previdenciário complementar da União, instituído pela Lei nº 12.618/2012, cujas premissas são imperiosas para se fixar as interpretações seguintes.

(iii) DIREITO À APOSENTADORIA: A ELEGIBILIDADE DOS FUNDAMENTOS PARA CONCESSÃO DE APOSENTADORIA PELO DESTINATÁRIO DO DIREITO À OPÇÃO.

A par de todos os elementos já referido, fácil é perceber que a opção pelo Regime de Previdência Complementar de que trata o § 16 do Art. 40 da CRFB é destinada a todos os que ingressaram no serviço público antes da publicação do ato de instituição do RPC, independentemente de serem titulares de direito às regras de transição ou às regras gerais permanentes vigentes à época da instituição do correspondente regime.

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Deixou-se assentar, ainda, que o RPC não tem o condão de modificar as regras dos regimes de filiação obrigatória (RGPS e RPPS), haja vista a condição de existência do próprio regime complementar, assente da concessão de proteção adicional ao segurado, em relação de convivência harmônica.

Pois bem, diante desses alicerces, vislumbra-se que o servidor ou membro que se utilizar da faculdade prevista no § 16 do Art. 40 da Constituição da República, nos moldes previstos no inciso II do Art. 3º da Lei nº 12.618, de 2012, não está sujeito a eleger como único fundamento de sua aposentadoria o disposto no Art. 40, da Constituição Federal. Ou melhor, não está subordinado a se aposentar, tão somente, com suporte no citado dispositivo.

O direito às regras de transição adquirido pelos destinatários da norma remanesce com a opção pela migração ao RPC em sua integralidade, inclusive no tocante à forma de reajustamento dos benefícios pela paridade, haja vista que o teto previdenciário a que ficam sujeitos por conta da migração é elementos externo ao ato, assim como o é para os segurados do RGPS, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal no RE 564.354/SE. Vale trazer à lume a interpretação conferida pelo Ministro Gilmar Mendes por ocasião do julgamento no citado processo RE 564.354/SE, em que se debateu a questão relativa à aplicação do valor do teto previdenciário trazido pelo Art. 14 da EC nº 20/98 e pelo Art. 5º da EC nº 41/2003, aos segurados cuja renda mensal, à época da concessão do benefício, superou o valor do teto vigente à época, a saber:

“Assim, e apenas para exemplificar, no período de 12/1998 a 11/2003, o salário de contribuição recebeu uma atualização monetária acumulada de 98,43%. Nesse mesmo período o limitador previdenciário sofreu uma atualização acumulada de somente 55,77%, ou seja, o segurado contribuiu dentro do limite legalmente permitido, e da atualização dos salários de contribuição (um índice específico - maior) decorreu um salário de benefício que superou o teto em vigor na época da concessão, cujo valor é atualizado por outro índice (menor).

Esclarecida a origem meramente contábil da discrepância entre valor máximo do salário de contribuição e o valor do limitador previdenciário ("teto previdenciário"), a questão central do debate reside na elucidação da natureza jurídica do limitador previdenciário. Tenho que o limitador previdenciário, a partir de sua construção constitucional, é elemento externo à estrutura jurídica do benefício previdenciário, que não o integra. O salário de benefício resulta da atualização dos salários de contribuição. A incidência do limitador previdenciário pressupõe a perfectibilização do direito, sendo-lhe, pois, posterior e incidindo como elemento redutor do valor final do benefício.” (RE 564.354/SE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 08-09-2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-030 DIVULG 14-022011 PUBLIC 15-02-2011 EMENT VOL-02464-03 PP-00487 (Grifo nosso)

Para melhor entender a decisão proferida pelo Excelso Pretório, cabe trazer à lume excerto do voto proferido pela Ministra Carmen Lúcia, Relatora do RE 564.354/SE, que assim se pronunciou:

Diversamente do que sustenta a Recorrente, a pretensão que o ora recorrido sustenta na ação é de manter seus reajustes de acordo com índices oficiais, conforme determinado em lei, sendo possível que, por força desses reajustes seja ultrapassado o antigo "teto", respeitando, por óbvio, o novo valor introduzido pela Emenda Constitucional n. 20/98.

10. Sendo essa a pretensão posta em juízo, entendo sem razão a autarquia Recorrente, como bem colocado no voto condutor do acórdão recorrido:

 "O cálculo das prestações pecuniárias previdenciárias de trato continuado é efetivado, em regra, sobre o salário-de-benefício, e tem como limite máximo o maior valor de salário-de-contribuição. Assim, após a definição do salário-de-benefício, calculado sobre o salário-de-contribuição, deve ser aplicado o limitador dos benefícios da previdência social, a fim de obter a renda mensal do benefício a que terá direito o segurado. Dessa forma, a conclusão inarredável que se pode chegar é a de que, efetivamente, a aplicação do limitador (teto) para a definição da RMB que perceberá o segurado deve ser realizada após a definição do salário-de-benefício, o qual se mantém inalterado, mesmo que o segurado receba valor inferior ao mesmo. Assim, uma vez alterado o valor limite dos benefícios da Previdência Social, o novo valor deverá ser aplicado sobre o mesmo salário-de-benefício calculado quando de sua concessão, com os devidos reajustes legais, a fim de se determinar a nova RMB que passará a perceber o segurado. Não se trata de reajustar e muito menos alterar o benefício. Trata-se, sim, de manter o mesmo salário de benefício calculado quando da concessão do benefício, só que agora lhe aplicando o novo limitador dos benefícios do RGPS".

11. O acórdão recorrido não aplicou o art. 14 da Emenda Constitucional retroativamente, nem mesmo o fez com base na retroatividade mínima, não tendo determinado o pagamento de novo valor aos beneficiários. O que se teve foi apenas permitir a aplicação do novo "teto" para fins de cálculo da renda mensal de benefício". (Grifo nosso)

Outro não deve ser o entendimento a ser conferido ao limite imposto ao servidor público em razão da migração ao RPC, haja vista que o teto previdenciário do RGPS é o limitador que está a ser aplicado no RPPS como mecanismo utilizado para igualar os referidos regimes. Essa a motivação maior da fixação do teto previdenciário ao RPPS sob o enredo da migração ao RPC.  

Nesse sentido, ao se trazer a ilação conferida pelo Excelso Pretório no RE 564.354/SE aos ditames do RPPS, vislumbra-se que o entendimento a ser esposado deve ser no sentido de que o salário-de-benefício ou os proventos da aposentadoria, calculado(s) a partir da média aritmética dos salários de contribuição ou sob o crivo das regras de transição, faz(em) parte do patrimônio do servidor, assim como a respectiva forma de reajustamento, de modo que, toda vez que o limite teto de benefícios for majorado, o segurado que estiver recebendo proventos limitado ao teto deverá ter a sua renda mensal elevada até o novo limite teto, ou, quando não atingir o novo limite teto, deverá ter seus proventos fixados até o valor da renda mensal reajustada. Não se pode esquecer, desta feita, que os reajustes devem incidir sobre o salário-de-benefício ou proventos reais, portanto, sem o limitador, haja vista que este é um elemento externo ao cálculo do benefício, a ser observado por ocasião do pagamento.

Nessa seara, não cabe falar que a opção pela migração, ao impor a limitação dos proventos ao teto previdenciário do RGPS, implica em conferir ao servidor uma forma híbrida de benefício, “com as regras de elegibilidade previstas nos arts.2º, 6º e 6º-A da EC 41/03 e no art. 3º da EC 47/05, e a forma de cálculo e reajuste regidos pelo art. 40 da CF e regulamentados pela lei 10.887/2004[17]”. Houve, certamente, uma leitura distanciada no sistema.

Sob tal contexto, a interpretação a prevalecer é no sentido de que as regras constitucionais que regulam o sistema previdenciário do setor público (RPPS) autorizam que o destinatário da norma, optante pela migração, eleja o fundamento para concessão de aposentadoria que melhor atenda as suas necessidades, desde que, logicamente, tenha implementado as condições para tal finalidade. Assim, por exemplo, não existe óbice à concessão de aposentadoria a servidor titular de direito adquirido aos ditames do Art. 3º, da EC nº 47/2005, que tenha feito opção pela migração ao RPC, com fundamento no citado dispositivo constitucional.

Do mesmo modo, não há que se falar em renúncia à paridade ou à forma de reajustamento prevista para a concessão do benefício ou provento, pois este continuará a ser atualizado nos moldes do direito adquirido, com autorização para aplicação do teto previdenciário correspondente. Em outras palavras, o ato de opção pela migração nada mais faz do que autorizar a aplicação do teto previdenciário.

No mais, o direito dos servidores ou membros enumerados no Art. 1º da Lei nº 12.618, de 2012, em relação ao abono de permanência, deve ser mantido depois da migração, logicamente com base no novo patamar de incidência da contribuição previdenciária, nos termos do Art. 4º, inciso II, alínea “a”, da Lei nº 10.887, de 2004, com redação dada pela citada Lei nº 12.618, de 2012.

À guisa dessas diretrizes, passa-se à análise do Benefício Especial.

(iv) DO BENEFÍCIO ESPECIAL: UMA VANTAGEM EXTRAVAGANTE AO SISTEMA COMPLEMENTAR

Como visto, os §§ 14 a 16 do Art. 40 da Constituição, na redação anterior à Emenda Constitucional nº 103, de 2019, traçam os contornos do Regime de Previdência Complementar (RPC) em favor dos agentes abrangidos pelo RPPS, a compor um regime facultativo, seja pelo ente federado, no que refere a sua instituição; seja por quem dele deseja participar, a quem é oferecido plano de benefícios sob a modalidade de contribuição definida.

 Cuida-se, desta feita, de um regime de capitalização por meio do qual o servidor elege a contribuição (define) para usufruir de um benefício futuro, calculado com base no capital investido. Ou seja, sabe-se o quanto se investe (contribuição definida), mas não se sabe o valor ou resultado desse investimento (valor do benefício).

 Pois bem, a Lei nº 12.618, de 2018, instituiuo regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, inclusive os membros dos órgãos que menciona; fixa o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões pelo regime de previdência de que trata o art. 40 da Constituição Federal;” autorizou “a criação de 3 (três) entidades fechadas de previdência complementar, denominadas Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe), Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Legislativo (Funpresp-Leg) e Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário (Funpresp-Jud);”  alterou dispositivos da Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004;” e criou o intitulado Benefício Especial (BE).

  E o que é o Benefício Especial?

 Bom, a leitura atenta das regras confere ilação no sentido de que o Benefício Especial é uma vantagem estatutária[18] devida ao servidor federal e membros dos órgãos enumerados no Art. 1º, da Lei nº 12.618/2012, a quem o Art. 40, § 16, da Constituição da República, transcrito alhures, conferiu a faculdade de opção pelo RPC. É uma vantagem devida, portanto, a todos os servidores públicos da União e respectivos membros que ingressaram no serviço público antes da publicação ato de instituição do RPC e optaram por esse regime[19], adquirida no momento da opção pela migração, mas somente devida ou paga por ocasião da aposentadoria, portanto, a termo certo.

Para melhor fixar o entendimento sobre o desenho legal do citado benefício, imperioso se faz conhecer as suas características, a saber:

a) natureza jurídica

Como dito, o Benefício Especial é uma vantagem estatutária que se perfaz, enquanto direito adquirido, no momento da migração, mas que somente é devida por ocasião da aposentadoria. Trata-se, portanto, de uma parcela que compõe os proventos dos servidores e membros destinatários da norma, custeada pelos cofres da União, a contemplar natureza previdenciária.

  Sob o escopo desse delineamento inicial, faz-se imperativo lembrar que antes do caráter contributivo e atuarial conferido ao RPPS pelas ondas reformistas, a aposentadoria do servidor detinha natureza premial e era custeada, integralmente, pelos cofres públicos, sob o enredo de um regime orçamentárioOs proventos da aposentadoria, nessa época, não estavam afetados a uma cotização obrigatória, contudo, a natureza dos proventos era de cunho previdenciário, haja vista a finalidade precípua do benefício. Com o Benefício Especial trazido pela Lei nº 12.618/2012 essa conotação pode ser muito bem emprestada, desta feita para compor o diferencial do RPC da União.

  Senão vejamos.

A Lei nº 12.618/2012, enquanto norma instituidora do Regime de Previdência Complementar da União, ao tempo em que lança as balizas legais para instituição do RPC e as linhas gerais dos planos de benefício, institui, como ônus da União, o pagamento do intitulado Benefício Especial. Importante conferir o que dizem os §§ 5º e 6º do Art. 3º da Lei nº 12.618/2012, para confirmar:

Art. 3º.........

§ 5º O benefício especial será pago pelo órgão competente da União, por ocasião da concessão de aposentadoria, inclusive por invalidez, ou pensão por morte pelo regime próprio de previdência da União, de que trata o art. 40 da Constituição Federal, enquanto perdurar o benefício pago por esse regime, inclusive junto com a gratificação natalina.

§ 6º O benefício especial calculado será atualizado pelo mesmo índice aplicável ao benefício de aposentadoria ou pensão mantido pelo regime geral de previdência social (Grifo nosso).

Não obstante o Benefício Especial ter sido criado pela Lei nº 12.618/2012 e possuir caráter continuado, haja vista que será devido por ocasião da aposentadoria e enquanto ela perdurar, não se fez presente no referido diploma legal referência ao seu custeio ou à sua execução orçamentária mediante dotação específica, conforme exige o Art. 169, da Constituição e a LRF.  Contudo, os parâmetros legais deixam evidenciar que se trata de uma vantagem pecuniária, devida na aposentadoria, a ser custeada pelos cofres públicos da União, portanto, em um regime puramente orçamentário, a ser paga pelo órgão competente, que pode ser o órgão ao qual o servidor é vinculado ou o gestor do RPPS ou outro que lhe faça às vezes, com recursos fiscais, conforme se dispuser em regulamento.

 Afasta-se, desde logo, a possibilidade de o custeio do Benefício Especial ser de responsabilidade do RPPS, haja vista que não se trata de vantagem que o integra, mas de um benefício próprio da aposentadoria dos respectivos destinatários, sem qualquer vínculo com a remuneração da atividade, base da dimensão contributiva/retributiva exigida no sistema atual[20]. Em outras palavras, o Benefício Especial não integra os proventos da aposentadoria devidos pelo RPPS, mas, ainda assim, não perde a sua natureza previdenciária.

 Sim, porque o benefício criado vai compor, de qualquer forma, os proventos da aposentadoria dos que optaram em autorizar a sua limitação ao teto de benefícios pelo RGPS (condição para migração ao RPC) e, como tal, vai ingressar na finalidade previdenciária, assente em amparar seus segurados em situação de infortúnios sociais, tanto que o benefício se estende aos dependentes, por meio da pensão.

Não obstante a ilação, o Benefício Especial, enquanto vantagem pecuniária própria da aposentadoria, ou seja, enquanto parcela que não fez parte da remuneração contributiva, não está sujeito à incidência de contribuição previdenciária. Não porque se trata de uma parcela de natureza compensatória, como referem os estudos oficiais, mas porque não se enquadra como base de contribuição previdenciária, no sentido contributivo/retributivo, ou seja, não se trata de parcela remuneratória devida na atividade incorporável aos proventos de aposentadoria, mas de parcela própria da inatividade,  a afastar a incidência de contribuição previdenciária[21]. Vale confirmar:

“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

    [....]

§ 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201 , na forma da lei.  (redação anterior à EC nº 103/2019)

  Por outro lado, muito embora o Benefício Especial tenha o condão de integrar os proventos da aposentadoria em patamar que excede o limite máximo de benefício estabelecido para o RGPS[22], a atrair, sob a ótica do princípio da solidariedade, a incidência da contribuição previdenciária, a exemplo da permissibilidade da taxação dos inativos, a hipótese em questão é diversa. Sim, porque a contribuição previdenciária dos inativos, incidente sobre o valor dos proventos que supere o limite máximo de benefícios do RGPS, teve por fim impedir a insolvência do RPPS. Ora, o Benefício Especial foi criado, justamente, em favor da solvência do RPPS, pois tem por missão atrair ou incentivar a migração ao RPC e, por consequência, equiparar o patamar de proventos entre o RPPS e RGPS, aproximando os regimes. Ou seja, não há causa suficiente para impor contribuição sobre a referida vantagem[23].

  Não obstante a ilação aqui conferida, deve ser dito que os pareceres oficiais[24] tem afastado a natureza previdenciária do Benefício Especial, por entender que a sua natureza é indenizatória, haja vista ter sido criado para compensar o excesso de exação ocorrido em razão da base de cálculo anterior (remuneração integral), a concluir pela não incidência de contribuição previdenciária sobre o respectivo valor por ocasião do seu recebimento na aposentadoria. Data máxima vênia, como se disse anteriormente, os ditames do RPPS são autônomos e convivem em harmonia com as regras do RPC, de modo que os destinatários da norma não perdem os direitos à forma de reajustamento decorrentes das regras de concessão do benefício, mas se submetem, externamente, ao limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS. Sob tal conotação, não se tem como entender a inserção do Benefício Especial sob o contexto indenizatório, mas como uma opção pela perda de parte dos proventos que seriam devidos sob o escopo do caráter contributivo/retributivo do sistema, mediante ato irrevogável e irretratável, sem direito a qualquer contrapartida decorrente, que fica vedada, nos termos do § 8º do Art. 3º, da Lei nº 12.618/2012.

   Essas as razões pelas quais se entende ter o Benefício Especial natureza previdenciária e não estar sujeito à incidência de contribuição previdenciária.

   b) Incentivo à migração: responsabilidade pelo custeio

 O Benefício Especial consubstancia, sem dúvida, um incentivo à migração pois visa atrair, principalmente, os titulares de direito à aposentadoria com proventos ou benefícios cujo valor supere o limite máximo de benefícios do RGPS. Trata-se de uma fórmula vocacionada a universalizar o patamar dos benefícios concedidos pelo RPPS, aproximando-o aos ditames do RGPS.

 À guisa desse cenário jurídico, uma pergunta se impõe: _ a quem cabe a responsabilidade por esse incentivo? 

 Bom, a resposta a esse questionamento requisita, em primeiro lugar, situar o contexto em que se encerra a opção pela migração ao RPC enquanto fato gerador do benefício. E, nesse campo, outra questão emerge: _quando o servidor ou membro a que se destina a norma constante do inciso II do Art. 3º da Lei nº 12.618/2012 faz opção pela migração ao RPC haverá o seu efetivo ingresso no sistema, mediante a sua inserção automática nos planos de benefício? A resposta a essa indagação está na dicção a ser emprestada aos §§ 1º, 2º e 3º do Art. 1º Lei nº 12.618, de 2012, que assim dispõem, in verbis:

Art. 1º....

§ 1º Os servidores e os membros referidos no caput deste artigo que tenham ingressado no serviço público até a data anterior ao início da vigência do regime de previdência complementar poderão, mediante prévia e expressa opção, aderir ao regime de que trata este artigo, observado o disposto no art. 3º desta Lei . (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 13.183, de 2015)

§ 2º Os servidores e os membros referidos no caput deste artigo com remuneração superior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que venham a ingressar no serviço público a partir do início da vigência do regime de previdência complementar de que trata esta Lei, serão automaticamente inscritos no respectivo plano de previdência complementar desde a data de entrada em exercício(Incluído pela Lei nº 13.183, de 2015)

§ 3º Fica assegurado ao participante o direito de requerer, a qualquer tempo, o cancelamento de sua inscrição, nos termos do regulamento do plano de benefícios. (Incluído pela Lei nº 13.183, de 2015) (Grifo nosso)

  A leitura das normas acima reproduzidas conjuntamente com as disposições do Art. 3º, da citada Lei nº 12.618/2012[25] revelam, na verdade, que a opção dita pela migração diz respeito à autorização para fixação do limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS. Ou seja, o que a opção faz não é migrar o servidor automaticamente para o RPC, mas autorizar a aplicação do teto previdenciário do RGPS sobre os seus proventos e, desta feita, guindá-lo ao patamar de eventual destinatário do RPC, cuja adesão é sempre facultativa.

 Importante chamar atenção para o fato de que o servidor que ingressou no serviço público posteriormente à instituição do RPC é inscrito automaticamente ao RPC (enquanto procedimento), mas tem a prerrogativa de cancelar essa migração justamente em razão da principal característica desse regime, que é a liberdade de adesão.

  Pois bem, nessa contextura, a opção pela limitação ao teto previdenciário erige-se não somente como condição para inscrição no RPC, como fundamento para percepção do Benefício Especial, haja vista que para a respectiva concessão a legislação de regência não exige a inscrição em plano de benefícios do RPC ou ingresso no RPC. Assim, pode-se concluir que somente tem jus ao Benefício Especial o servidor ou membro destinatário da norma que, no momento da opção, possui direito a proventos de aposentadoria ou concessão de benefício em valor superior ao citado limite previdenciário.

  Nesses termos, o Benefício Especial não ocorre efetivamente por força da migração ao RPC, mas em razão da fixação da limitação dos proventos ao teto de benefício do RGPS, a atrair ilação no sentido de que a parcela adere aos proventos como forma de efetivo incentivo às condições exigidas para a migração e, nesse contexto, pode-se dizer que o Benefício Especial está situado como vantagem extravagante ao sistema complementar, pois embora não o integre e nem o possa integrar[26], é uma parcela que, no RPC da União, assume vinculação com o sistema enquanto condicionante imposta pelo ente patrocinador, no caso, pela União, que, desta feita, assume o ônus do custeio em regime orçamentário, apesar de a lei não declinar a forma de execução orçamentária, o que seria imperioso à luz dos ditames da LRF. Desta feita, há que se entender que a Lei nº 12.618/2012 está a consignar a opção para um regime híbrido, cujos proventos são compostos por parcelas do RPPS, sob o regime de contributivo/retributivo, e o Benefício Especial, devido como condicionante à efetiva migração ao RPC, em regime orçamentário.

  Sob tal contexto, a responsabilidade pela concessão e pagamento do Benefício Especial é da União, a ocorrer mediante execução orçamentária própria.

c) cálculo do Benefício Especial: contagem do tempo de contribuição no regime geral e no serviço militar.

A concessão do Benefício Especial leva em conta uma base de cálculo e um limitador. A base de cálculo, prevista no § 2º do Art. 3º da Lei nº 12.618/2012, é vocacionada a autorizar, apenas e tão somente, a diferença entre a médias das maiores remunerações anteriores à data da mudança do regime utilizadas como base para as contribuições do servidor ao regime de previdência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou seja, somente a base contributiva decorrente cargos efetivos, a expurgar os salários de contribuição para RGPS, e o teto previdenciário do RGPS. Não se inclui, nessa base, portanto, o tempo de contribuição para o RGPS, o que é totalmente lógico diante da própria limitação da base contributiva desses últimos ao teto previdenciário do RGPS. Em relação ao tempo de serviço militar, as peculiaridades do sistema, em que existe a preponderância do regime orçamentário para passagem da reserva/inatividade, não parece ser crível a sua inserção, contudo, o Art. 100, da Lei nº 8.112/90 autoriza a contagem do tempo de serviço prestado às Formas Armadas para todos os efeitos legais, a autorizar a União a arcar com o ônus decorrente da inclusão desse tempo na base contributiva do benefício especial[27].

O fator de conversão, por sua vez, funciona como um limitador do cálculo, baseado no tempo de contribuição, efetivamente cotizado (Tc) e exigido (Tt). E, nesse caso, pode o RPC eleger para a sua composição tão somente a “quantidade de contribuições mensais efetuadas para o regime de previdência da União”, como dita expressamente a Lei nº 12.618, de 2012. Contudo, por efeito dos ditames do Art. 22, da citada Lei, a interpretação sistemática alberga para a fórmula a quantidade de contribuições vertidas para todos os regimes próprios, o que veio a ser acolhido pela Resolução Conjunta STF/MPU nº 3/2018.

O grande problema para a realização dos cálculos será, certamente, encontrar a base de dados correta da incidência da contribuição previdenciária desde julho/94 ou do início da contribuição, quando posterior, diante da multiplicidade de sistemas de pessoal do serviço público federal e demais esferas de governo.

d) direito adquirido ao Benefício Especial: momento em que se aperfeiçoa o ato de opção.

 Esse é um dos pontos mais emblemáticos da questão pois, conforme se pode depreender dos ditames da Lei nº 12.618/2012, a concessão do Benefício Especial depende da avaliação dos requisitos atinentes à opção pela migração ao RPC (ou sua condicionante), a consubstanciar um processo administrativo por meio do qual o órgão de pessoal a que se subordina o servidor faz o exame de sua situação para, assim, confirmar o direito pleiteado.

O servidor, por seu turno, quando exerce a opção em caráter irrevogável e irretratável tem por direito conhecer o valor estimado do Benefício Especial que, como vantagem de incentivo, acaba por integrar o seu ato volitivo como condição de validade da própria opção feita.

Sobre o tema, a Resolução STF/MPU nº 3/2018 deixou vazar os seguintes procedimentos administrativos para constituição válida do processo de migração, a saber:

Art. 3º Apurado o valor do benefício especial, o processo respectivo será submetido à autoridade competente, conforme dispuser regulamentação interna de cada órgão do PJU, do MPU e do CNMP, para emissão da declaração contendo o valor do benefício no momento da opção.

§ 1º Emitida a declaração, o interessado será cientificado da decisão e o ato será publicado, conforme dispuser o normativo interno de cada órgão do PJU, do MPU e do CNMP, com o respectivo registro em seus assentamentos funcionais.

§ 2º O valor apurado do benefício especial será atualizado pelo mesmo índice aplicável ao benefício de aposentadoria ou pensão mantido pelo regime geral de previdência social. (Grifo nosso)

Vislumbra-se que o primeiro passo para constituição válida da opção pelo RPC (ou pela fixação do limite do RGPS) é a apuração do cálculo do Benefício Especial. Em que pese o dispositivo ser omisso com relação ao conhecimento prévio, pelo servidor, do valor do benefício, este deve ser tido como corolário da própria opção, mormente por força do caráter irrevogável e irretratável do exercício da respectiva faculdade.

Em todo caso, depreende-se do roteiro alinhado no dispositivo regulamentar acima transcrito que, feita a opção, apura-se o valor do Benefício Especial, submetendo-se o processo à homologação (decisão) da autoridade competente. Homologada a opção, é expedido o ato declaratório do exercício do direito, a conter o valor da respectiva vantagem.

Nesse diapasão, a opção e, por consequência, o Benefício Especial no valor declarado, fecham o ciclo de sua formação com a publicação do ato. O direito ao benefício se aperfeiçoa, portanto, com a publicação do ato, a funcionar como um título de crédito, submetido à atualização pelo mesmo índice aplicável aos benefícios do RGPS, a ser pago a termo certo, no momento da aposentadoria.

 A partir desse momento, portanto, o destinatário da norma passa a gozar de direito adquirido ao Benefício Especial e, como tal, fica resguardado pela imutabilidade garantida pelo Art. 5º inciso XXXVI, da Constituição da República, a exemplo do direito à aposentadoria quando satisfeitas as condições previstas na legislação de regência, vigente ao tempo da implementação dos requisitos por ela exigidos.

Em todo caso, diante da eficácia futura do direito, a ocorrer por ocasião da aposentadoria do servidor, cabe trazer à lume o disposto no Art. 6º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que assim dispõe:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.                      

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.  (Grifo nosso)

Ora, a aquisição do direito ao Benefício Especial não ocorre com a aposentadoria, mas com a opção do servidor ou membro em caráter irrevogável e irretratável. É nesse momento que o benefício ingressa no patrimônio do servidor, a exemplo do que ocorre com as regras da aposentadoria quando implementadas em momento anterior ao usufruto do benefício.

Não obstante esse cenário, não se pode dizer que o servidor optante está imune a qualquer mudança, seja porque as regras de atualização do benefício estão sujeitas às do RGPS, seja porque, por se tratar de uma parcela de proventos acessória ao benefício concedido pelo RPPS[28], as mudanças ocorridas neste acabam por influenciar a garantia do direito, a exemplo da aplicação da penalidade de cassação da aposentadoria, sanção que já não mais comporta plausibilidade jurídica no sistema previdenciário do setor público, mormente pós-reforma de 2019, mas que continua a ser aplicada por entendimento do STF.

   Essas, em linhas gerais, essas são as principais características do Benefício Especial.

(v) O QUE FAZER SE A OPÇÃO FOI EQUIVOCADA:  DIREITO AO ARREPENDIMENTO OU VÍCIO DE CONSENTIMENTO?

Outra situação de extrema importância diz respeito ao caráter irrevogável e irretratável da opção, constante do § 8º do Art. 3º da Lei nº 12.618/2019.

Como revela a própria definição, quem faz opção pela migração do RPC o faz sem possibilidade de arrependimento em relação a situação constituída por força da aderência da cláusula de irretratabilidade e irrevogabilidade, que ora assegura a preservação do próprio sistema.

Poder-se-ia pensar na adequação, à hipótese, do direito ao arrependimento de que versa o Art. 49, do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou à domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados. (Grifo nosso)

Contudo, em sede de previdência complementar esse dispositivo é rechaçado porque a relação pactuada entre as entidades de previdência e o participante não é considerada como decorrente de uma relação de consumo, assim como não é a relação que condiciona o ingresso efetivo no sistema complementar, objeto do presente estudo. Vale confirmar:

1. A migração - pactuada em transação - do participante de um plano de benefícios para outro administrado pela mesma entidade de previdência privada, facultada até mesmo aos assistidos, ocorre em um contexto de amplo redesenho da relação contratual previdenciária, com o concurso de vontades do patrocinador, da entidade fechada de previdência complementar, por meio de seu conselho deliberativo, e autorização prévia do órgão público fiscalizador, operando-se não o resgate de contribuições, mas a transferência de reservas de um plano de benefícios para outro, geralmente no interior da mesma entidade fechada de previdência complementar. (REIS, Adacir. Curso básico de previdência complementar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 76).

2. A Súmula 289/STJ, ao prescrever que a restituição das parcelas pagas pelo participante a plano de previdência privada deve ser objeto de correção plena, por índice que recomponha a efetiva desvalorização da moeda, deixa límpido que se cuida de hipótese em que há o definitivo rompimento do participante com o vínculo contratual de previdência complementar; não se tratando de situação em que, por acordo de vontades, envolvendo concessões recíprocas, haja migração de participantes ou assistidos de plano de benefícios de previdência privada para outro plano, auferindo, em contrapartida, vantagem.

3. Em havendo transação, o exame do juiz deve se limitar à sua validade e eficácia, verificando se houve efetiva transação, se a matéria comporta disposição, se os transatores são titulares do direito do qual dispõem parcialmente, se são capazes de transigir - não podendo, sem que se proceda a esse exame, ser simplesmente desconsiderada a avença.

4. Quanto à invocação do diploma consumerista, é de se observar que "o ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor, mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com exageros" (REsp 586.316/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJe 19/03/2009). É bem de ver que suas regras, valores e princípios são voltados a conferir equilíbrio às relações contratuais, de modo que, ainda que fosse constatada alguma nulidade da transação, evidentemente implicaria o retorno ao status quo ante (em necessária observância à regra contida no art. 848 do Código Civil, que disciplina o desfazimento da transação), não podendo, em hipótese alguma, resultar em enriquecimento a nenhuma das partes.

5. Com efeito, é descabida a aplicação do Código de Defesa do Consumidor alheia às normas específicas inerentes à relação contratual de previdência privada complementar e à modalidade contratual da transação, negócio jurídico disciplinado pelo Código Civil, inclusive no tocante à disciplina peculiar para o seu desfazimento.

6. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp n. 504.022/SC, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/9/2014, DJe 30/9/2014.)

 Sob tal perspectiva, o direito ao arrependimento, na forma prevista no CDC, não serve para extinguir a relação jurídica pactuada com a opção. Nesse cotejo, não parece adequado buscar nessa figura jurídica o suporte para revogar ou cancelar a manifestação de vontade consubstanciada na opção de migrar ao RPC, pelo menos em sentido estrito.  

 Assim, a cautela acerca da opção, por força do seu caráter irrevogável e irretratável, é muito importante.

De outra banda, pode ocorrer de a opção pela migração ao RPC, assim entendida a opção pelo regime que impõe a limitação dos proventos ao teto estabelecido para os benefícios do RGPS, tenha sido realizada com a falsa percepção da realidade, vinculada ao valor do Benefício Especial (vício de consentimento por erro substancial e escusável). Exemplificando: o ato volitivo da opção deu-se por conta do valor estimado para o Benefício Especial, modificado, posteriormente, no momento da homologação da opção pela autoridade competente, a alterar o contexto em que se verificou a vantagem financeira da migração. Nesses casos, há que se admitir a invalidação da opção, por vício de consentimento, sob pena de violação ao princípio que veda o enriquecimento ilícito do Estado, haja vista que a opção foi pautada em cima de uma projeção clara e específica, posteriormente alterada diante de circunstâncias alheias ao conhecimento inicial do servidor ou membro optante[29].

Não se pode esquecer que o valor do Benefício Especial é elemento que se agrega ao ato declaratório da opção, homologado pela autoridade competente, conforme entendimento que se extrai do Art. 3º, da Resolução STF/MPU nº 3/2018, transcrito acima, de modo que a sua alteração, nessa fase, sem conhecimento ou aquiescência do servidor, deve gerar invalidação do ato, não somente por vício de consentimento, mas por vício relativo ao motivo do ato[30].

Para finalizar esse tópico, cabe trazer à lume excerto de duas recentes decisões monocráticas exaradas pelo Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ora espelham a problemática da invalidação de questões vinculadas à migração de benefícios no RPC (regime jurídico de benefícios dentro do RPC), que ora estão a demonstrar a viabilidade de nulidade do ato por vício de consentimento em situações cuja opção deu-se em caráter irrevogável e irretratável:

                                                           REsp 1830481,

No mérito, o juízo sentenciante e o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em dupla conformidade, julgaram improcedentes os pedidos, tendo em vista ter a autora optado pelo saldamento do plano com benefício definido, migrando para plano diverso.

A propósito, pontuou o acórdão recorrido (fl. 1.047 e-STJ): Sucede que, valendo-se de faculdade prevista nos arts. 58 a 67 do Regulamento Geral da ECONOMUS, a autora, em 28/07/2006, firmou "termo de adesão ao saldamento e ao Prevmais", anuindo, em caráter irretratável e irrevogável, ao beneficio saldado no valor de RS 2.518,71 (fls. 329 e 360) que, uma vez obtido com base na média dos 12 salários participação anteriores à formalização do negócio, não poderia, à evidência, ter considerado as verbas trabalhistas que apenas futuramente seriam reconhecidas em seu favor em ação própria.

A partir de então, o valor passaria por acréscimo exclusivamente de correção monetária pelo INPC até a data da elegibilidade para o benefício pleno de suplementação de aposentadoria, sendo inviável a incidência de qualquer outro acréscimo diante do quanto livremente pactuado entre as partes.

Nesse cenário, não demonstrado qualquer vício a inquinar a vontade manifestada pela autora na celebração do negócio, não há como recusar o seu conteúdo para admitir os reflexos prospectivos das horas extras sobre a base de cálculo do benefício já saldado, sob pena de grave perturbação à segurança jurídica que se espera da consumação de ato jurídico perfeito. (STJ, REsp 1830481, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, data da publicação: 05/12/2019)

                                         REsp. 1843381

Infere-se das provas amealhadas aos autos que em 1º.8.06 o autor alterou seu plano de previdência privada para o denominado PREVMAIS, aderindo ao saldamento do benefício (fls. 340). Em que pese o entendimento esposado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial Repetitivo n. 1.312.736/RS, o saldamento do benefício, em caráter irretratável e irrevogável, que fixou valor certo para o benefício do plano saldado, obsta a aludida pretensão do autor.

Ademais, não se pode negar a força vinculante do referido negócio, eis que celebrado por pessoa maior e capaz. Ainda que assim não fosse, a anulação reclamaria a demonstração de vício, sequer aventado pelo autor, cujo prazo de reconhecimento de há muito expirou, nos termos do artigo 178 do Código Civil. (STJ, REsp. 1843381, Relator PAULO DE TARSO SANSEVERINO, data da publicação: 03/12/2019)

Faz-se importante deixar claro que a situação, objeto do presente ensaio, embora cuide de opção sui generis - pois não se trata de migração dentro do RPC, mas de uma opção intermediária entre os sistemas RPPS e RPC - está jungida, de toda sorte, à mudança de regime a que estava subordinado o servidor, haja vista a adesão à limitação ao teto de benefícios do RGPS, antes inexistente.

Outras alterativas, vinculadas à própria formalização do ato de declaração sob a leitura do processo administrativo, enquanto encadeamento de atos exigidos para a consecução do ato final, poderiam ser trazidas à baila para buscar eventuais formas de invalidação diante da presença de vícios quanto ao objeto, motivo, forma e finalidade, mas se deixará para outra oportunidade. Nesse momento, basta a alusão aos principais aspectos a serem observados com relação ao Benefício Especial. O que se fez.

(VI)  CONCLUSÃO

No momento em que a Previdência Social perde a sua essência protetiva diante da última onda de reforma patrocinada pela Emenda Constitucional nº 103/2019, o Regime de Previdência Complementar é visto como uma saída para quem pode arcar com o ônus dessa migração, mormente os agentes públicos, cujo regime especial foi praticamente dizimado,  a sobrar apenas histórias de transição e direitos adquiridos.

Nesse cenário, a insegurança quanto às interpretações a serem e que estão a ser conferidas às questões objeto de preocupação dos destinatários do Art. 3º, inciso II, da Lei nº 12.618/2012, então apresentadas na contextualização do presente ensaio, são efetivamente reais. Aliás, a migração é uma decisão importante na vida de qualquer segurado, seja ele filiado ao RPPS, seja do RGPS, haja vista a complexidade da regência e flexibilidade das normas que regem os Planos de Benefícios respectivos.

Nesse sentido, o entendimento do sistema complementar trazido pela Lei nº 12.618/2012 e a leitura atenta dos seus dispositivos são elementos essenciais para se chegar a uma interpretação adequada, contudo, ainda assim, as normas ali contidas suscitam dúvidas, quiçá diante da criação de um benefício especial extravagante ao sistema.

É evidente que a criação do benefício especial teve por finalidade fomentar a migração em grande escala. Porém, situar essa vantagem dentro do sistema é ação de coragem interpretativa, principalmente porque nem o legislador parece ter acreditado na sua sina, haja vista a inexistência de projeção financeira ou previsão de sua execução orçamentária por meio de dotação específica, fato que pode gerar problemas futuros em nível de disponibilidade orçamentária e financeira dos órgãos responsáveis pelo pagamento.

Sob tal perspectiva, as linhas do presente estudo vêm trazer novos olhares sobre o sistema. Sim, novos olhares porque muito do que aqui se falou vai de encontro ao que está sendo enfocado em nível oficial, como se disse alhures. Mas são avalições jurídicas que seguem o roteiro dos fundamentos sobre os sistemas previdenciários como um todo, até porque o Regime Complementar não nasceu com a Lei nº 12.618/2012. É um sistema que já convive há algum tempo no regime brasileiro.

   É isso. Está posto o debate.   

 

 

Sobre a autora
Maria Lucia Miranda Alvares

Advogada do Escritório ACG - Advogados, Pós-Graduada em Direito Administrativo/UFPA, autora do livro Regime Próprio de Previdência Social (Editora NDJ) e do Blog Direito Público em Rede, colaboradora de revistas jurídicas na área do Direito Administrativo. Palestrante, instrutora e conteudista de cursos na área do Direito Administrativo. Exerceu por mais de 15 anos o cargo de Assessora Jurídico-Administrativa da Presidência do TRT 8ª Região, onde também ocupou os cargos de Diretora do Serviço de Desenvolvimento de Recursos Humanos e Diretora da Secretaria de Auditoria e Controle Interno. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Eneida de Moraes (GEPEM).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O texto foi elaborado para lançar luzes às dúvidas que estão a ser suscitadas quanto à aplicabilidade do RPC na União depois da data final para migração (CNJ e STF), inclusive no que tange às formas possíveis de desfazimento da opção diante da constatação de vício de vontade ou arrependimento.

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