A tipificação do feminicídio sob a ótica do homicídio de mulheres na comarca de Ariquemes (RO)

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16/12/2019 às 11:38
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Este estudo tem como temática a tipificação do Feminicídio sob a ótica do homicídio de mulheres na comarca de Ariquemes no ano 2015, o mesmo ano da promulgação e entrada em vigor da Lei do Feminicídio, ressaltando a sua aplicabilidade no Direito Penal Bra

Resumo: Este estudo tem como temática a tipificação do Feminicídio sob a ótica do homicídio de mulheres na comarca de Ariquemes no ano 2015, o mesmo ano da promulgação e entrada em vigor da Lei do Feminicídio, ressaltando a sua aplicabilidade no Direito Penal Brasileiro, uma vez que o tema em epígrafe é de suma relevância no cenário jurídico nacional, pois o estado de Rondônia é o oitavo estado brasileiro no ranking da violência contra mulheres em decorrência de gênero. Nas últimas décadas o homicídio de mulheres atingiu índices alarmantes em nossa sociedade, colocando o Brasil como um dos países com maior índice de violência contra mulher e a cada dia, o número de vítimas aumenta exorbitantemente. A Lei n. 13.104, de 09 de março de 2015, não veio com a priori de prevenir, pois este não é o papel do nosso Código Penal, mas sim acrescentar ao art. 121. §2º o inciso VI, bem como o §2ºA, incisos I e II, aumentando a pena descrita no §7º, incisos I, II e III, modificando também o art. 1º, inciso I da Lei n. 8.072/1990 – Lei de Crimes Hediondos; numa tentativa desesperada do Estado de punir mais severamente o autor do delito de homicídio em decorrência do gênero. Com base em pesquisa de cunho bibliográfica, qualitativa, exploratória e documental buscou-se conceituar, delimitar, conhecer e enfatizar as considerações que insurrecionaram a referida Lei, tal como as intercorrências jurídicas entre as Leis 11.340 de 2006 – Lei Maria da Penha, o Decreto-Lei 2.848/1940 – Código Penal Brasileiro, Lei 8.072/1990 – Lei de Crimes Hediondos e a Lei 13.104/2015 – Lei do Feminicídio, expondo as diferentes formas de Feminicídio, além de discorrer acerca da violência em razão do gênero na Comarca de Ariquemes. Ponderando sobre os requisitos essências para a configuração do Feminicídio, requisitos estes que implicaram e fomentaram mudanças relevantes no ordenamento jurídico pátrio, apresentando alguns casos marcantes na Comarca de Ariquemes.

Palavras-chave: Feminicídio. Violência de gênero. Lei do Feminicídio.


1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por finalidade discorrer sobre a tipificação do Feminicídio sob a ótica do homicídio de mulheres na Comarca de Ariquemes com o advento da Lei n.13.104 de 2015 – Lei do Feminicídio, que emergiu como nova qualificadora e majorante ao crime de homicídio cometido contra mulheres em decorrência do sexo feminino.

A Lei em epígrafe é o reflexo ao número alarmante de homicídios praticados contra mulheres diariamente em nosso país; país este que ainda insiste em cultivar uma sociedade regida pelo patriarcado fútil e cruel.

A Lei n. 13.104. de 09 de março de 2015 trouxe mudanças indulgentes ao Decreto-Lei n. 2.848. de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal Brasileiro) ao incluir ao art. 121. §2º o inciso VI, §2ºA e incisos I e II, §7º e incisos I, II e III ao qualificar e majorar o homicídio cometido contra mulheres quer seja no âmbito doméstico, familiar, por menosprezo ou por mera e simples razão desta ser mulher, ou seja, por discriminação quanto à condição de mulher, tentando com isso, diminuir a disparidade entre os gêneros, promovendo a igualdade e a garantia aos direitos fundamentais.

No que tange ao direito das mulheres, sabe-se que ao longo dos séculos, posterior a inúmeras lutas, algumas conquistas foram obtidas em relação ao seu corpo e seu autodomínio, vitórias ainda insignificantes se comparadas aos direitos que os homens pensam conter sobre estas, em parte isto se deve ao fato de vivermos perante uma sociedade alicerçada ao patriarcalismo; prova disto são os incalculáveis homicídios motivados única e exclusivamente em decorrência do gênero, quer dizer pelo fato de serem mulheres.

A Lei do Feminicídio veio para punir de forma mais severa o ofendedor que não respeitando as medidas protetivas/assegurativas, previstas na Lei n.11.340/ 06 – Lei Maria da Penha, cometer o delito “homicídio” contra a mulher.

Em que pese a Lei Maria da Penha, apesar de prever medidas assegurativas às mulheres que são vítimas de violência doméstica, estabelecendo sanções rigorosas, não é errôneo afirmar que sozinha esta Lei não foi, não é e nem será capaz de evitar ou coibir o agressor de chegar ao último grau de violência, qual seja o assassinato da mulher.

Destarte que a cultura do machismo é o principal estopim para a prática da cultura do Feminicídio no Brasil e no mundo.

O estado de Rondônia ganha destaque nacional, infelizmente nesse cenário, como o oitavo colocado no ranking de homicídio de mulheres por questão de gênero e, o município de Ariquemes registrou só no ano de 2015 nove assassinatos de mulheres e uma tentativa de assassinato.

Assim, o presente estudo defende a imprescindibilidade de esgrimir as inferências advindas com a promulgação e entrada em vigor da Lei do Feminicídio no âmbito do Direito Penal Brasileiro, uma vez que desde a instauração da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – CPMI, que investigou e formulou relatórios com o retrato da situação da violência contra a mulher ante o alarmante aumento dos homicídios cometidos contra mulheres, pois somente a partir do levantamento destes dados e formulação dos relatórios expondo a fática realidade nacional de cada UFS é que o Congresso Nacional desenvolveu o Projeto de Lei 292/2013, batizado e popularmente conhecido como a Lei do Feminicídio, que passou a tipificar essa espécie de homicídio como já ocorrera em outros dezesseis países da América Latina, como um crime de teratológico que deve ser severamente punido.

O quadro da violência contra a mulher no estado de Rondônia entre os anos de 2015 a 2019, no que tange aos tipificados como homicídio, e posteriormente qualificados como feminicídios, coloca a Comarca de Ariquemes em destaque, devido ao exacerbado crescimento de homicídios consumados e de tentativas contra mulheres neste curto intervalo temporal.

Desta maneira, a justificativa para este estudo não se limitaria somente a explanar sobre as inferências da referida Lei, no entanto diante da quantidade de mulheres que diariamente sofrem alguma forma de violência qual seja em âmbito doméstico/familiar, por menosprezo ou por mera e simples razão desta ser mulher é inegável a relevância social deste estudo como mais um instrumento necessário no cenário das políticas públicas no combate a violência de gênero na Comarca de Ariquemes.

O objetivo geral tem a priori de destacar as mudanças que a Lei do Feminicídio trouxe para o Código Penal Brasileiro e demais dispositivos voltados à prevenção e proteção às mulheres, destacando os requisitos para a tipificação e enquadramento do paciente neste delito, bem como os elementos que serviram de base para a criação de uma lei específica que tivesse o viés de proteger, promover e garantir a igualdade de gênero, combatendo a violência contra a mulher, em destaque na Comarca de Ariquemes, estado de Rondônia.

Além de discorrer, delimitando e conceituando violência, formas de violência, violência de gênero, argumentar-se-á também acerca do patriarcalismo e da cultura do machismo que tendenciosamente coloca as mulheres como seres inferiores, inferiorizadas em relação ao homem; apresentando e analisando o reflexo da tipificação do feminicídio, bem como dados e gráficos com o número de mulheres assassinadas por questão de gênero no estado de Rondônia sob o enfoque da violência contra mulheres entre os anos de 2015 a 2019, examinando casos emblemáticos de tentativas e homicídios de mulheres por questão de gênero na Comarca de Ariquemes, como já mencionado.

Para lograr êxito nos objetivos propostos, dividiu-se o estudo em quatro capítulos que partiram desde o conceito e delimitação de violência a antítese amor e ódio, buscando verificar se a tipificação deste delito vem atendendo o fim para o qual foi criado.

O capítulo I, além de conceituar e delimitar violência, formas de violência, violência de gênero, também abordará e discorrerá sobre o patriarcalismo e o machismo como rastilho e meio de validação à violência de gênero.

O capítulo II focar-se-á nos marcos normativos de combate à violência de gênero tanto no cenário nacional quanto internacional.

Já o capítulo III, tratar-se-á exclusivamente do termo feminicídio, da tipificação do feminicídio, partindo da formação da CPMI ao Projeto de Lei 292/2013 até a promulgação e entrada em vigor da Lei n. 13.104. de 09 de março de 2015, descrevendo os requisitos tipificadores para o enquadramento neste delito e a competência para julgar os crimes de Feminicídio.

Por fim, no capítulo IV, buscar-se-á de forma clara e sucinta expor dados relativos ao homicídio de mulheres por questão de gênero na Comarca de Ariquemes, apresentando de forma qualitativa tabelas, gráficos e imagens com dados referentes a tentativas e homicídios consumados de mulheres na Comarca de Ariquemes e , ainda a apresentação e explanação de cinco casos emblemáticos que cominaram em uma tentativa e quatro homicídios por questão de gênero na Comarca de Ariquemes e o trato dispensado a estes casos pelo sistema judiciário ariquemense.

Assim, o presente estudo manterá a priori de aferir as consequências aplicadas ao sujeito enquadrado nesta nova forma de homicídio qualificado.


2. VIOLÊNCIA DE GÊNERO

A violência é tão antiga, que remota ao surgimento da própria humanidade; tão antiga quanto o bem e o mal, céu e terra. Sendo o primeiro relato de violência descrito na Bíblia Sagrada, quando num ato de inveja e fúria, Caim mata seu irmão Abel, sendo posteriormente amaldiçoado por Deus.

E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou.

E disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?

E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra.

E agora maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue do teu irmão.

Quando lavrares a terra, não te dará mais a sua força; fugitivo e vagabundo serás na terra (BÍBLIA, Gênesis 4:8-12, p.6).

Rios (2010, p.534) assim, define o termo violência:

Violência. Sf. 1. Qualidade ou caráter do que é violento. 2. Abuso da força. 3. Tirania, opressão. 4. Veemência. 5. Ação violenta. 6. Constrangimento físico ou moral. 7. Qualquer força empregada contra vontade, liberdade ou resistência de pessoa ou coisa; coação. Ant.: brandura.

Já Muchembled (2014) define violência como uma palavra com sua origem etimológica no latim “vis” que resulta no uso da força, da robustez, configurando o autor como um sujeito de índole neurástica e animalesca que, fazendo uso brutal da força, obriga, coage, impele outrem a submeter-se aos seus ensejos, dominando-a física e psicologicamente.

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“Surgida no início do século XIII, a palavra violência, que deriva do latim vis, designando força ou vigor, caracteriza um ser humano de carácter irascível e brutal. Define também uma relação de força que visa submeter ou constranger o outro. Nos séculos seguintes, a civilização ocidental concedeu-lhe um lugar fundamental, fosse para denunciar vivamente os seus excessos, e declarando-a ilegítima ao recordar que a lei divina proíbe matar outro homem, ou para lhe dar papel positivo eminente e caracterizá-la como legítima, para validar a ação do cavaleiro, o qual verte o seu sangue para defender a viva ou o órfão, ou tornar lícitas as guerras justas conduzidas pelos reis cristãos contra infiéis, desordeiros e inimigos do príncipe” (Muchembled, 2014, p.15 apud ABDO, 2016, p. 76).

Silva (2017) enfatiza que o termo violência está entrelaçado a vida em sociedade, fazendo parte da essência humana, da relação de convívio em grupo, sendo evidente que se vivêssemos de forma individualizada esta não existiria.

Jesus (2015) reforça que a violência é mais do que um fato meramente social que não se restringe a cor, etnia, religião, nacionalidade ou situação socioeconômica, estando em constantes mudanças e recebendo a cada dia novos conceitos e novas tipificações de condutas que não eram e que passam a ser consideradas violentas, mas, ambas mantém uma conceito comum de que violência ou conduta violenta sempre será a violação da integridade de outrem, quer de forma física quer de forma psicológica, moral ou sexual.

Para o autor supracitado a violência é o constranger, é o obrigar o outro a submeter-se as suas vontades, é o agir brutalmente de modo a coagir o outro, é mais que uma transgressão de princípios, é a dominação através da força, do medo.

Quanto ao termo gênero, este define as analogias entre o masculino e o feminino, onde os seres pertencentes ao grupo masculino buscam inúmeras formas de consubstanciação de submissão e coação aos seres do grupo feminino, pois dentro da cultura machista do patriarcalismo a mulher deve ocupar um lugar de máximo servilismo ao homem.

Compete-nos ressaltar que gênero é distinto de sexo, conforme esclarece Dias (2015, p. 49):

A distinção entre sexo e gênero é iniciativa. Sexo está ligado a condição biológica do homem e da mulher, perceptível quando do nascimento pelas características genitais. Gênero é uma construção social, que identifica papéis sociais de natureza cultural, e que levam a aquisição da masculinidade e da feminilidade.

Gênero está interligado as nossas construções culturais, ou seja, o gênero é uma determinação estipulada, definida e aceita pela sociedade que, além da definição do gênero, também determina e dita os papéis adequados aos indivíduos pertencentes a cada grupo, sendo o gênero masculino – “homem” o dominante sobre o gênero feminino – “mulher” numa constante relação de poder entre dominantes e dominados.

Scott (1995, p. 88) assim afirma:

[...] o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder. Seria melhor dizer: o gênero é um campo primário no interior do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado. O gênero não é o único campo, mas ele parece ter sido uma forma persistente e recorrente de possibilitar a significação do poder [...]

Para a autora supracitada o gênero é uma definição social, utilizado como instrumento para determinar o subordinante e o subordinado, no caso do gênero, a nossa própria construção social coloca os indivíduos do gênero masculino como subordinantes e os indivíduos do gênero feminino como subordinados.

Oliveira, Costa e Sousa (2015, p. 27) asseguram que:

A dominação do masculino sobre o feminino abrange aspectos culturais, psicológicos, morais e também sexuais. Sua origem é remota, imensurável no tempo e se projeta nas mais variadas estruturas sociais, desde as atividades produtivas, baseadas na divisão sexual do trabalho, até nas atividades reprodutivas, correspondentes aos papéis do homem e da mulher na reprodução humana. Ser masculino e/ou ser feminino não é uma condição meramente natural, tão pouco aleatória, mas uma construção sociocultural.

Para os referidos autores a sociedade impõe quesitos de superioridade entre homens e mulheres exaltando o patriarcalismo, que é visto e entendido, erroneamente, pela sociedade como legitimação à violência contra mulheres.

2. 1. PATRIARCADO: A LEGITIMAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Segundo Bandeira (2013), a cultura do patriarcado independe de nacionalidade, etnia, grau de instrução ou classe social, é um fenômeno perverso de dominação do homem sobre a mulher.

Lins (2007, p. 37) assim já discorria acerca do patriarcado:

O patriarcado é um sistema autoritário tão bem-sucedido que se sustenta porque as pessoas subordinadas ajudam a estimular a subordinação. Ideias novas são geralmente desqualificadas e tentativas de modificação dos costumes são rejeitadas explicitamente, inclusive pelas próprias mulheres, que, mesmo oprimidas, clamam pela manutenção de valores conservadores.

Para a referida autora o patriarcado existe desde os primórdios da humanidade, tendo sempre a figura do pai como o dominador e a descendência, somente a partir da linhagem masculina, evidenciando a inferioridade feminina e consequentemente sua relação de subordinação à figura masculina.

O patriarcado é uma organização social baseada no poder do pai, e a descendência e parentesco seguem a linha masculina. As mulheres são consideradas inferiores aos homens e, por conseguinte, subordinadas à sua dominação. Esse sistema se instalou há aproximadamente cinco mil anos por todo o mundo (LINS, 2007, p. 35).

Menezes (2015) arrazoa que ao homem sempre foi concedido o papel de protetor e também provedor do lar e da família e à mulher foi delegado o papel, a ideia de ser frágil e de necessitar sempre da proteção do homem, mesmo ante todas as mudanças e lutas femininas, na atualidade, ainda é comum cultuar a ideia da inferiorização da mulher perante o homem.

A própria sociedade é responsável por proteger a agressividade masculina, ao respeitar sua virilidade e construir uma crença de sua superioridade. O homem ainda é tomado como dono do corpo e da vontade da mulher. [...] Portanto, o patriarcado legitima a violência contra a mulher, uma vez que é sustentado pela própria sociedade, partindo de uma construção universal e histórica da superioridade masculina, em que, muitas vezes, a própria mulher inferioriza-se por achá-lo natural (MENEZES, 2015, p. 21/22).

Para a referida autora essa cultura machista, propagada, alimentada e difundida erroneamente pela sociedade que concede ao homem plenos poderes sobre a figura da mulher, seja pelo uso da força física, seja pela dominação psicológica.

Violence against women is not confined to any particular political or economic system, but is prevalent in every society in the world. It cuts across boundaries of wealth, race and culture. The power structures within society which perpetuate violence against women are deep-rooted and intransigent. The experience or threat of violence inhibits women everywhere from fully exercising and enjoying their human rights (VIOLENCE AGAINST WOMEN: GLOBAL HUMAN RIGHT SCANDAL – SUMARY - Amnistía Internacional, 2004)1.

E essa concessão de poderes que acaba por tornar legítima a violência contra as mulheres, pois a sociedade, além de negligente, sustenta e legitima o patriarcado, por entender ser natural que haja de fato superioridade masculina sobre a feminina.

2.2. OS TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A violência contra a mulher é uma das principais formas de violação dos direitos humanos e do princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade de direitos é uma afronta exacerba a nossa Carta Magna e demais dispositivos legais.

“La violencia contra las mujeres es la mayor atrocidad cometida en contra de los Derechos Humanos en nuestros tiempos. Desde que nacen hasta que mueren, tanto en tiempo de paz como en la guerra, las mujeres se enfrentan a la discriminación y a la violencia del Estado, la comunidad y la familia.” (Amnistía Internacional, 2004)2.

A violência contra mulher é o ápice da monstruosidade do homem que é visto e atua como ser dominante sobre estas.

De fato, há diversas formas de violência que são praticadas diariamente contra as mulheres e com o advento da Lei n. 11.340. de 07 de agosto de 2006 em seu Capítulo II, estas foram elencadas no art. 7º , rol exemplificativo, que assim alude:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Para Lins (2007) a partir da delimitação do que é violência de gênero é possível adentrar no universo das violências misóginas, expondo e delimitando os tipos de violências a que as mulheres são sujeitadas diariamente.

2.2.1. Violência física

A definição de violência física, segundo a OMS é o uso excessivo da força, ou seja, o uso do poder sobre o outro, no caso em questão do homem sobre a mulher. É quando o homem usa o poder de sua força física ou usa qualquer outro meio ou instrumento para provocar na mulher lesões, seja por meio de socos e pontapés, tapas, empurrões, mordidas, esganaduras, cissuras ou danos corporais mais severos como fraturas.

Violência é o uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações (OMS, 2002, p.5).

Menezes (2015) enfatiza que para classificar a lesão como física não se faz necessário que o agressor provoque na vítima hematomas visíveis, uma vez que a agressão física se configura no mero e exclusivo uso da força física contra a integridade ao corpo da mulher, pois isso por si só já representa uma “vis corporalis” 3 .

Ressalta-se que nem sempre a agressão se inicia de forma física, em muitos casos o agressor começa com a violência moral e psicológica e que só posteriormente evolui para a agressão à integridade física.

2.2.2. Violência psicológica

A legislação brasileira incorporou a violência moral e psicológica “vis compulsiva” a partir de uma convenção realizada na capital do estado do Pará, como mais uma hipótese de violência, uma vez que restou comprovada que esta é em muitos casos o início das agressões físicas.

A violência psicológica não estava prevista na legislação pátria, sendo incorporadas as hipóteses de violência na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará (MANZINI e VELTER, 2016, p.2).

Para as autoras supracitadas a violência psicológica corresponde a qualquer ato que provoque na mulher prejuízo, limitação inibição ou coação emocional, com a finalidade genérica de minguar a sua autoestima, degradando ou de forma dissimulada conter suas crenças, suas ideologias e principalmente alterando o seu comportamento mediante agressões verbais, humilhação pública ou privada ou manipulando-a por intermédio de vigilância constante, impossibilitando a vítima de ter qualquer qualidade de vida.

Ainda segundo as autoras a violência psicológica provoca inúmeros danos físicos e neuropsicológicos, tais como úlceras, gastrites nervosas, transtornos de ansiedade, depressão, ataques de pânico, entre outros e que podem levar a vítima ao suicídio.

Dias (2007) enfatiza que a violência psicológica é mais um retrato da desigualdade entre gêneros, sendo mais frequente do que se imagina, porém ainda é a menos denunciada, pois em inúmeras vezes a mulher se quer percebe que está sendo vítima de um tipo de agressão.

Assevera-se que a prática da violência psicológica contra a mulher acarreta não somente danos psicológicos, mas também físicos que podem se tornar irreparáveis, com sequelas irreversíveis, pois ao sofrer os constantes abalos emocionais depreciativos coercitivos a mulher reduzir-se-á a uma condição de completa inferioridade, de onde não conseguirá sair sem ajuda e acompanhamento especializado.

2.2.3. Violência sexual

No que tange a violência sexual esta deve ser compreendida como coação/intimidação do homem ao obrigar a mulher no âmbito doméstico familiar a ter consigo relação ou qualquer outro ato de conotação sexual.

Buzzi (2014, p. 19) assim discorre acerca da violência sexual:

[...] Ação que obriga o indivíduo a manter contato sexual (seja físico ou verbal), ou a participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidações, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual também o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros. Este tipo de violência é frequentemente cometido pelo próprio marido/companheiro da vítima.

A autora afirma que essas violências são reflexo da identidade de gênero e por isso é tão perpetrada e sem limitação, uma vez que não faz distinção de cor, etnia, religião ou classe social, é uma agressão mera e simplesmente ao gênero.

Cunha (2007) acentua que desde os primórdios da humanidade – durante todo percurso evolucionário da raça humana, a mulher sempre foi e ainda é vista e vislumbrada como um objeto que pertence ao homem, isto é, como algo de sua propriedade, estando legitimado a decidir acerca da vida e morte da mulher, e na visão de que a sexualidade se respalda nesta mesma supremacia.

Segundo a autora a violência sexual no âmbito doméstico/familiar conjugal está pautada no patriarcalismo autoritário de que a mulher tem um débito conjugal e deve saciar os anseios do homem, independentemente de sua vontade ou consentimento e é em decorrência desta cultura errônea de que a mulher deve cumprir com suas “obrigações conjugais” que as mesmas se sujeitam a tal prática, pois em inúmeros casos a própria vítima é levada a acreditar ser essa sua obrigação.

2.2.4. Violência patrimonial

Os arts. 181. e 182 do Código Penal Brasileiro de 1943 apresenta a definição e sanção dos delitos contra o patrimônio, seja o dano, apropriação indébita, furto, roubo, entre outros.

Na esfera da violência doméstica/ familiar, a violência patrimonial é mais um instrumento utilizado pelo homem para atingir, intimidar ou coagir a mulher física e psicologicamente.

Fernandes (2015) define a violência patrimonial como uma conduta realizada pelo homem que, ultrapassa os limites da violência física e se alicerça na violação dos direitos patrimoniais da mulher.

Cunha e Pinto (2015) afirmam que a violência patrimonial deve ser compreendida como a subtração ou assolação fracionária ou de itens e valores pertencentes à mulher, tais como objetos de trabalho, subtração dos documentos pessoais e bancários ou outros recursos econômicos, impedindo que a mesma possa se quer realizar ou atender suas necessidades básicas.

Para os aludidos autores é relevante destacar que esta modalidade de violência contra a mulher, dificilmente se apresentará apartada da violência física, sendo reconhecida como mais um dos meios de agressão física e psicológica contra a mulher.

O art. 7º, inciso IV da Lei Maria da Penha aduz que a violência patrimonial se configura com qualquer conduta do homem que tenha por finalidade reter, obstar, subtrair total ou parcialmente objetos, bens, valores e documentos pertencentes à mulher, restará configurada a violência patrimonial.

2.2.5. Violência moral

O art. 7º da Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha discorre, como já mencionado, as formas de violência doméstica/ familiar contra a mulher, entre outras, em seu inciso V traz a definição acerca da violência moral “a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Alves (2014, p. 26) define a violência moral “como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”. Segundo a autora a violência moral é a ofensa a honra da mulher, sendo tipificado somente como violência moral se ocorrer no âmbito doméstico/ familiar, ou seja, em decorrência de vínculo entre o homem (agressor) e a mulher (ofendida).

Já para Menezes (2015) a violência moral é uma ofensa a autoestima da mulher que acaba por ser exposta pública ou reservadamente a ofensas, xingamentos, insultos e difamação, bem como a críticas mentirosas que a denigrem e a expõe perante a sociedade, familiares e amigos, provocando seu silêncio e sua inércia ante o agressor.

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