O instituto da estabilização da tutela antecipada antecedente de urgência foi proposto pelo legislador ao Código de processo civil de 2015 como ferramenta de celeridade da tutela jurisdicional. Conforme colocado pela professora Flávia Pereira Hill no artigo “O regime da estabilização da tutela antecipada”, a possibilidade da estabilização da tutela ocorre na hipótese de requerimento antecipado e de urgência, quando permitido ao magistrado proferir decisão sem promover a participação da parte demandada. Isto posto, impera destacar os escritos do renomado Leonardo Greco- em seu livro Instituição do processo Civil- sobre o princípio do contraditório, defendendo que ninguém pode ser atingido por uma decisão judicial sem ter tido ampla possibilidade de influenciar na formação de convencimento para a tomada de decisão; denominando tal fenômeno do contraditório como princípio político de participação democrática. Isto posto, abre-se o desafio para a compatibilização entre os institutos da estabilização da tutela e o contraditório participativo.
Como exposto pela mestre, a estabilização da tutela pode produzir sérias consequências para o demandado, caso este não promova nenhuma insurgência contra o deferimento da tutela proposta. Dito isto, salientando que a hipótese de cabimento da estabilização somente se opera na tutela antecedente, não sendo possível a sua aplicação na tutela incidental, na opção de interpretação extensiva pelo magistrado e aplicação do instituto na tutela incidental a intimação do réu é indispensável, sob pena de ferir o contraditório e a ampla defesa.
Neste ponto, dispõe o jurisconsulto que o contraditório consiste na adequada e tempestiva notificação dos atos processuais praticados, de modo que possibilite ampla possibilidade ao demandado para impugnar e contrariar os atos produzidos. Em idêntico sentido entende a professora Flávia Hill ao dizer que é proibido ao magistrado considerar estabilizada a tutela incidental sem cientificar anteriormente o réu sobre a possibilidade de estabilização, uma vez que o dispositivo legal não lhe precede a exigência de tal ato na esfera incidental.
Em continuação, aponta que também é inaplicável a estabilização da tutela antecipada de evidência, estando previsto o instituto apenas no cenário da tutela de urgência, seja o deferimento de forma liminar ou após a citação do réu; devendo este ser intimado da decisão podendo então obstar a estabilização da tutela.
Quanto a possibilidade de insurgência do réu, o legislador dispôs no artigo 304 do CPC que deverá ser promovida através da interposição de recurso, o que se desencadeou em discussões doutrinários acerca da interpretação ampliada do termo recurso.
Sobre tal ponto, compreende a professora Flávia que a admissão da contestação ou petição avulsa prestigiaria a economia processual, tendo como complementação deste raciocínio o ditame do Professor Leonardo Greco assenta ser pressuposto do contraditório a adoção de todas as providências úteis a defesa dos interesses do demandado.
Ainda sobre o tema, de modo a garantir a segurança jurídica, a economia processual e o contraditório participativo, considera a professora a interposição do recurso de embargos de declaração com a finalidade de se insurgir contra a estabilização.
Outra discussão sobre as medidas de insurgência contra a estabilização da tutela é relativo ao juízo positivo de admissibilidade do recurso, filiando- se a mestre à corrente doutrinária que defende somente não haver a estabilização no caso de inadmissão do recurso de agravo por intempestividade; considerando que a inadequação da via eleita também se mostra inapta a obstar a estabilização.
Além disso, defende não ser operada a estabilização no caso de réu citado ou intimado por edital ou hora certa, preso ou incapaz sem representante ou em conflito com este; seguindo plenamente o que dispõe Greco sobre o corolário do contraditório participativo de que todos os contrainteressados têm o direito de intervir no processo e exercer amplamente as prerrogativas inerentes ao direito de defesa e que preservem o direito de discutir os efeitos da decisão que tenha sido produzida sem a sua plena participação.Concluindo-se, com a conjugação do entendimento de ambos os mestres, que não pode haver a estabilização se o demandado estava incapacitado de intervir no processo, sob pena que vilipendiar o princípio constitucional do contraditório.
Em consequência da estabilização da tutela, o juiz deverá prolatar sentença de extinção do processo, não havendo menção quanto a existência ou não da análise do mérito. O parágrafo 6º do artigo 304, prevê que a decisão estabilizada não faz coisa julgada material, o que significa dizer que não houve a resolução do mérito, até porque a coisa julgada material pressupõe cognição exauriente e a estabilização ocorre em cognição sumário, ou seja, sem a fase instrutória. Por outro lado, a estabilização possui efeito mais denso do que a coisa julgada formal, a qual permite a discussão da matéria em outra ação; tendo em vista que na estabilização a decisão não será rediscutida.
Isto posto, a cientificação das partes quanto ao deferimento da tutela reputa- se de extrema importância. Primeiro, para garantir ao réu o direito de se manifestar em descontentamento a perpetuação da decisão e segundo, ao autor que deverá promover o aditamento da inicial com a exposição do pedido principal, sob pena de extinção do processo.
Sobre este aspecto, há discussão quanto a cronologia e efeitos das providências a serem adotadas pelo réu e pela parte autora. Como bem abordado no artigo da professora Flávia, Humberto Theodoro Jr entende que o demandado somente deve ser intimado após ao aditamento da inicial, isto porque não havendo tal providência o processo será extinto, não havendo a necessidade de manifestação do réu, que deverá de ser intimado apenas sobre extinção do processo.
Em contrapartida, a mestre entende que deve haver a cientificação das partes de forma concomitante, sugerindo que o magistrado ao deferir o prazo para o aditamento se utilize de prazo maior que o estipulado para o recurso de agravo de instrumento a ser interposto pelo réu. Deste modo, ultrapassado o prazo de interposição do recurso sem o seu manejo estará estabilizada a decisão sem a necessidade do aditamento. Greco, corroborando com o posicionamento acima exposto, fala sobre a necessidade de diálogo humano que permita a flexibilização pelo juiz dos prazos e oportunidades para assegurar a mais ampla influência das partes na formação da decisão judicial.
Outro ponto trazido pela professora é quanto ao deferimento parcial da tutela antecedente não ser passível de estabilização, posto que será necessário prosseguimento do feito para a cognição exauriente da parte indeferida; sendo- em observância a economia processual julgado todo o pleito autoral de forma exaustiva, com atuação participativa de todas as partes.
Ademais, como salientado pela mestra, havendo o deferimento da tutela, há a chance da parte autora optar pelo prosseguimento do processo em cognição exauriente, comunicando ao juízo tal interesse. Neste caso o processo seguirá seu trâmite natural com a fase probatória e a participação efetiva das partes.
Aqui, lembro o que disse o jurisconsulto Leonardo Greco, em menção ao artigo 6º do Código de Processo Civil, na íntegra: o contraditório ganhou uma projeção humanitária muito grande, sendo, provavelmente, o princípio mais importante do processo. Ele é um megaprincípio que, na verdade, abrange vários outros e, nos dias atuais, não se satisfaz apenas com uma audiência formal das partes, que é a comunicação às partes dos atos do processo, mas deve ser efetivamente um instrumento de participação eficaz das partes o processo de formação intelectual das decisões e de cooperação entre todos os sujeitos do processo.
O trecho mencionado ratifica o que a autora do artigo retrata acerca do direito da parte autora de ação com o intuito de obter um provimento jurisdicional revestido do instituto da coisa julgada material, estando disponível a parte autora participação efetiva no processo de forma a conduzi-lo a seu exaurimento final, não obstante o prestigio da celeridade despontada pela legislação processual.
Após a estabilização da tutela é concedido às partes o direito de rever, reformar ou invalidar a decisão estabilização através de ação autônoma no período de dois anos a contar da cientificação da estabilização; devendo a parte interessada desarquivar os autos da decisão estabilizada de jeito a instruir a ação autônoma. No texto escrito pela Flávia Hill, há o apontamento de entendimento no sentido de que o autor da ação autônoma deve apresentar argumentos e provas não dispostos no processo originário. Isto é, garantia do
p rincípio do contraditório participativo em cognição exauriente, a partir da reconstrução dos fatos principais através da fase probatória, auxiliando o juízo a proferir uma decisão justa.
Como concluído pela professora Flávia, cabe aos processualistas ponderar entre o valor da celeridade e as garantias processuais, como contraditório participativo, ampla defesa e segurança jurídica. Em mesmo dilema Leonardo Greco traz a questão: conceder liminares, suprimindo o contraditório ou sujeitar o autor à perda efetiva de um direito?
Entendo necessária a construção e a atuação dos operadores dos direitos de forma consciente com o seu dever de cooperação para a garantia de um processo célere, porém comprometido com o desfecho justo da tutela jurisdicional. Em resposta ao dilema trazido pelo mestre Greco, uma tutela de urgência não satisfeita acarreta a perda de um direito fático real e por consequência a produção de uma tutela falha. Garantir a efetividade máxima da tutela de urgência de forma célere, entregando ao demandado a possibilidade de oposição e reversão desta decisão, a meu ver, foi uma excelente estratégia do legislador.