A lei 13655/2018 e as alterações da LINDB: interpretação dos novos dispositivos artigo por artigo

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19/12/2019 às 13:00
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3) AS INOVAÇÕES DA LEI Nº 13.655/2018 E SUA APLICABILIDADE AO DIREITO TRIBUTÁRIO.

Depois da entrada em vigor da Lei nº 13.655/2018, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), acolhendo tese da Procuradoria da Fazenda Nacional, estabeleceu os seguintes julgados:

LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO - LINDB. APLICAÇÃO AO DIREITO TRIBUTÁRIO.

Apesar de se referir, em tese, a todas as leis, e para todos os ramos do Direito, a LINDB (Lei Ordinária) não pode estabelecer normas gerais para o Direito Tributário, pois a Constituição Federal, em seu art. 146, inciso III, define que esta tarefa é reservada à Lei Complementar[102].

Em outra oportunidade o CARF assim decidiu:

PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. ART. 24 DA LINDB. INAPLICABILIDADE.

Inaplicável o art. 24 da LINDB aos julgamentos no âmbito do contencioso administrativo tributário, já que não tratam da revisão de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa[103].

Esta celeuma iniciou-se no processo 19515.003515/2007-74 daquele CARF, diante da questão de ordem levantada pela Conselheira Patrícia da Silva que defendia a aplicabilidade da Lei nº 13.655/2018 ao Direito Tributário, questão de ordem esta rejeitada pela maioria do conselho[104].

Tais decisões não poderiam pecar mais na aplicação do ordenamento jurídico. Pois bem, percebem-se três questões emergentes no âmbito tributário: 1) a óbice do art. 146, III da Constituição quanto as normas gerais em matéria tributária; 2) inaplicabilidade do art. 24 da LINDB no âmbito tributário, uma vez que o julgamento no contencioso tributário não se tipifica nas hipóteses previstas no dispositivo; e 3) a natureza das inovações, notoriamente de cunho processual, estão ou não inseridas no óbice do art. 146, III da CF. Diante da importância do tema e para melhor didática, serão todos esses itens analisados separadamente.

3.1) A Lei nº 13.655/2018 e o Art. 146, inciso III da Constituição Federal

Já foi amplamente discutido neste trabalho a aplicação nacional das alterações introduzidas na LINDB pela Lei nº 13.655/2018, afetando tanto a União, quanto os Estados, o Distrito Federal e também os municípios. Assim, fácil concluir que as normas inseridas são sim normas gerais.

Nesta toada, deve ser destacado o art. 146, inciso III da Constituição Federal, com o seguinte teor:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

Resta saber: a Lei nº 13.655/2018, uma lei ordinária, portanto, pode reger nacionalmente as regras que tipifica no âmbito tributário? Sem sombra de dúvida que sim. Se assim não o fosse, os demais artigos da LINDB, anteriores às inovações introduzidas, também não seriam, o que é sabidamente é falso. Portanto, cabe destacar a doutrina de Carlos Ari Sundfeld:

Em virtude de sua generalidade, é irrelevante, para fins do art. 146 da Constituição, que a Lei de Introdução seja lei ordinária, e não lei complementar. A Constituição exige lei complementar apenas para o Congresso Nacional editar certas normas especiais de direito tributário, isto é, para dispor sobre “conflitos de competência, em matéria tributária”, para “regular as limitações constitucionais ao poder de tributar” e para aprovar “normas gerais de direito tributário”. Por óbvio, o preceito não impede a repercussão tributária de normas gerais de Direito (como a do art. 3º da Lei de Introdução), tampouco de normas de direito civil (com definições da compra e venda ou da locação, por exemplo, que concorrem na caracterização de hipóteses tributárias) e outras. O direito tributário é parte do ordenamento jurídico brasileiro, não um mundo autônomo construído com base somente em normas especificamente tributárias, constitucionais e legais[105].

O STF, em recente acórdão, decidido por unanimidade, quando analisou a constitucionalidade da retenção na fonte do imposto de renda, analisou a necessidade de lei complementar para tanto, chegando a seguinte conclusão:

“A disciplina da retenção de valores pela fonte pagadora não necessita de lei complementar, não se enquadrando no conceito de fato gerador, base de cálculo, contribuinte de tributos (CF, art. 146, a), ou mesmo obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários (CF, art. 146, b)”[106].

O Ministro Relator Luis Roberto Barroso, em seu voto, dissertou que:

“As normas impugnadas, de uma forma geral, tratam do momento ou da forma de recolhimento de tributos. Não se está propriamente regulamentando fato gerador, base de cálculo, contribuinte de tributos (CF, art. 146, a), ou mesmo obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários (CF, art. 146, b). Como regra, portanto, não há que se falar em reserva de lei complementar para regulamentação desta matéria”[107].

Diante da posição destacada, vislumbra-se que se considera norma geral para fins do art. 146, inciso III da Constituição Federal, as matérias circunscritas nos incisos “a” e “b” do inciso em questão, que veiculam as seguintes matérias: fato gerador, base de cálculo, contribuinte de tributos (CF, art. 146, inciso III, alínea “a”), ou mesmo obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários (CF, art. 146, inciso III, alínea “b”). Assim, matérias concernentes ao devido processo legal (ou melhor, devido processo decisório) estão a par da exigência formal de lei complementar.

Destaque-se que tal acórdão, oriundo de ação direta de constitucionalidade, configura precedente vinculante (art. 988, inciso III do CPC) e não seguir tal orientação configura erro grosseiro para os fins do art. 28 da LINDB.

Por fim, se a tese esposada pelo CARF merecer fé, no âmbito tributário não serão aplicáveis a lei de improbidade administrativa, o código penal, a lei de sonegação fiscal, a lei de crimes tributários e outras legislações ordinárias que, por sua natureza, obrigam a todas as esferas da federação, inclusive o próprio Código de Processo Civil.

Assentado o entendimento da aplicabilidade das inovações inseridas na LINDB pela Lei nº 13.655/2018, será abordada a aplicabilidade do art. 24 da LINDB aos julgamentos no âmbito do contencioso administrativo tributário.

3.2) O Art. 24 da LINDB e o contencioso tributário.

Nesta seara, comporta duas valorações: 1) a aplicabilidade do art. 24 da LINDB ao contencioso tributário; e, 2) em quais hipóteses não se aplica, admitindo a revisão com efeitos retroativos.

3.2.1) A aplicabilidade do art. 24 da LINDB ao contencioso tributário: o art. 146 do CTN e a identidade de tratamento no ordenamento jurídico.

O art. 24 da LINDB, como já tratado neste trabalho, faz referência a alteração de critérios jurídicos que importem em análise quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado.

Ora, mas essa disposição já consta do Código Tributário Nacional, conforme o texto do seu art. 146, com o seguinte teor:

Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.

Assim a posição do CARF em negar a aplicação do art. 24 da LINDB é o mesmo que negar vigência ao art. 146 do CTN. Assim, deve ser destacada mais uma vez a doutrina de Carlos Maximiliano:

“Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis”[108].

Passa-se a analisar, no entanto, o âmbito de aplicação do dispositivo, sendo cabível exceção nas hipóteses de erro de fato, com apoio na jurisprudência do STJ.

3.2.2) O art. 149, inciso VIII do CTN como exceção a regra do art. 24 da LINDB e do art. 146 do CTN.

O art. 149, inciso VIII do CTN possui a seguinte redação:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

(...)

VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;

Pois bem, a jurisprudência do STJ, em sede de recursos repetitivos, sob a relatoria lúcida do Ministro Luiz Fux, a saber:

4. Destarte, a revisão do lançamento tributário, como consectário do poder-dever de autotutela da Administração Tributária, somente pode ser exercido nas hipóteses do artigo 149, do CTN, observado o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário.

5. Assim é que a revisão do lançamento tributário por erro de fato (artigo 149, inciso VIII, do CTN) reclama o desconhecimento de sua existência ou a impossibilidade de sua comprovação à época da constituição do crédito tributário.

6. Ao revés, nas hipóteses de erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos), o ato administrativo de lançamento tributário revela-se imodificável, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no artigo 146, do CTN, segundo o qual "a modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução".

7. Nesse segmento, é que a Súmula 227/TFR consolidou o entendimento de que "a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento".

8. A distinção entre o "erro de fato" (que autoriza a revisão do lançamento) e o "erro de direito" (hipótese que inviabiliza a revisão) é enfrentada pela doutrina, verbis: "Enquanto o 'erro de fato' é um problema intranormativo, um desajuste interno na estrutura do enunciado, o 'erro de direito' é vício de feição internormativa, um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta. ([109])

No mesmo sentido: AREsp 1546766 / SP – Rel. Min. Herman Benjamin – Julgamento em 03/10/2019; REsp 1816775 / SP - Rel. Min. Herman Benjamin – Julgamento em: 20/08/2019; REsp 1809141 / SP - Rel. Min. Herman Benjamin – Julgamento em: 25/06/2019 AgRg no AREsp 785635/RJ – Rel. Min. Humberto Martins – Julgamento em: 19/11/2015.

A doutrina de Leandro Paulsen, citando Ricardo Lobo Torres, ensina:

“’A possibilidade de se rever o lançamento em que houve erro de fato ou vícios como a simulação, a fraude ou a falta funcional não oferece dificuldade. Proclama-a unanimemente a doutrina e a admite explicitamente o CTN (art. 149). A única ressalva, aí, prende-se à exigência de o erro de fato só vir a ser conhecido pela autoridade fiscal após o lançamento primitivo. Como diz o CTN (art. 149, VIII), ‘quando deve ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior’. Mas se a autoridade lançadora conhecida em toda a sua inteireza os fatos, o erro será de direito, ou de valoração jurídica do fato, e, portanto, imutável o lançamento. O contribuinte que forneceu os elementos e prestou as declarações corretamente está protegido contra a mudança na interpretação daqueles fatos’ (TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da proteção da confiança do contribuinte. RFDT 06/09, dez. 2003)”[110].

Assim, o fundo do direito não é se o art. 24 da LINDB e seu irmão siamês no CTN, o art. 146, sejam aplicáveis ao contencioso tributário, mas sim quando se aplicam. A solução reside na ocorrência, ou não, do erro de fato, quando, na data do lançamento anterior, o fisco desconhecia a situação fática declarada. Se se o fisco conhecia o fato e altera o critério, somente poderá aplicar tal revisão com efeitos ex nunc.

3.3) As normas da Lei nº 13.655/2018 e seu alcance ao processo administrativo fiscal.

Primeiramente, cabe uma breve dissertação sobre a doutrina do diálogo das fontes, uma vez que a celeuma criada sobre a aplicabilidade das normas instituídas pela Lei nº 13.655/2018 perpassa, necessariamente, pela leitura dessa doutrina.

3.3.1) O diálogo das fontes e a correlação entre as disposições da Lei nº 13.655/2018 e o processo administrativo em âmbito fiscal.

A Teoria do Diálogo das Fontes é uma doutrina criada por Erick Jayme e incorporado no Brasil pela autora Cláudia Lima Marques, que defende uma interpretação sistematizadora do Direito, em promoção de um diálogo (uma comunicação) entre suas fontes, valendo a seguinte transcrição do manuscrito de Cláudia Lima Marques, citada por Flávio Tartuce:

“Segundo Erik Jayme, as características da cultura pós-moderna no direito seriam o pluralismo, a comunicação, a narração, o que Jayme denomina de ‘le retour des sentiments’, sendo o Leitmotiv da pósmodernidade a valorização dos direitos humanos. Para Jayme, o direito como parte da cultura dos povos muda com a crise da pós-modernidade. O pluralismo manifesta-se na multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a descodificação ou a implosão dos sistemas genéricos normativos (‘Zersplieterung’), manifesta-se no pluralismo de sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam da proteção do meio ambiente, na pluralidade de agentes ativos de uma mesma relação, como os fornecedores que se organizam em cadeia e em relações extremamente despersonalizadas. Pluralismo também na filosofia aceita atualmente, onde o diálogo é que legitima o consenso, onde os valores e princípios têm sempre uma dupla função, o ‘double coding’, e onde os valores são muitas vezes antinômicos. Pluralismo nos direitos assegurados, nos direitos à diferença e ao tratamento diferenciado aos privilégios dos ‘espaços de excelência’ (JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne. Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye, 1995, II, Kluwer, Haia, p. 36 e ss.)”[111].

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A jurisprudência do STJ também já se debruçou sobre a Teoria do Diálogo das Fontes, com os seguintes acórdãos:

O Direito deve ser compreendido, em metáfora às ciências da natureza, como um sistema de vasos comunicantes, ou de diálogo das fontes (Erik Jayme), que permita a sua interpretação de forma holística. Deve-se buscar, sempre, evitar antinomias, ofensivas que são aos princípios da isonomia e da segurança jurídica, bem como ao próprio ideal humano de Justiça[112].

A Primeira Seção do STJ, na sistemática dos recursos repetitivos, já se posicionou:

Com efeito, consoante a Teoria do Diálogo das Fontes, as normas gerais mais benéficas supervenientes preferem à norma especial (concebida para conferir tratamento privilegiado a determinada categoria), a fim de preservar a coerência do sistema normativo[113].

Então, aplicando tal teoria, a Lei nº 13.655/2018, que pretende fomentar a segurança jurídica, é uma norma genérica posterior que adaptou o processo em geral às normas constitucionais, inaugurando o que foi denominado pela doutrina e jurisprudência como o princípio do “devido processo legal decisório”, não só pode quanto deve ser observado pela autoridade administrativa no processo administrativo fiscal, quando adaptável a realidade do processo administrativo.

Feita essa abordagem, passa-se a estudar a aplicabilidade da Lei nº 13.655/2018 como norma genérica, supra legal, de natureza processual de ordem pública.

3.3.2) A alterações inseridas na LINDB pela Lei nº 13.655/2018 e sua observação obrigatória no processo administrativo fiscal.

Quando da entrada em vigor no novo CPC, muito se discutiu sobre a aplicação de normas processuais de caráter geral, cujo espectro hermenêutico pode ser aplicado ao presente tema.

Com a entrada em vigência do novo código, seu art. 15 determinou:

Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

Interpretando este dispositivo legal, o doutrinador Humberto Theodoro Junior leciona:

“Cabe ao Código de Processo Civil não apenas disciplinar a jurisdição civil, mas também funcionar como a principal fonte do direito processual no ordenamento jurídico brasileiro. Toca, pois, ao estatuto civil o papel de fonte de preenchimento de todas as lacunas dos outros diplomas processuais”[114].

Deve ser mencionada a lição de Carolina Tupinambá, sobre as técnicas de interpretações, com a mitigação da preferência ao critério da especialidade pura a simples, a saber:

A aplicação supletiva e subsidiária determinada pelo art. 15, portanto, importa admitir, em prol da efetividade como fim unitário do direito processual, que a regulamentação do novo CPC colmatará lacunas normativas, ontológicas e axiológicas das demais legislações especiais de índole processual, as quais não se acomodarão com interpretações isoladas ou apegadas à eventual reputação de autonomia de seus respectivos ramos de processo. Doravante, a partir da literalidade do art. 15 do Código, a construção de soluções de aparentes antinomias do ordenamento do direito processual como um todo não se desvendará exclusivamente pelo critério de especialidade[115].

Sobre a aplicabilidade do Novo CPC aos processos administrativos, lúcida a doutrina de Egon Bockmann Moreira:

“Quanto aos processos administrativos instalados depois do dia 18 de março de 2016, é certo o dever de aplicação do CPC/2015, nos termos de seu art. 15, para todos os efeitos de direito. Desde então, não há processo administrativo dissociado das normas positivadas no Novo Código.

O que permite firmar a seguinte posição: não se faz necessária a edição de regulamento administrativo que porventura discipline a aplicação do CPC/2015 aos processos administrativos. A incidência é ope legis: decorre imediatamente da lei. O princípio da legalidade determina que a Administração Pública deve cumprir, ex officio, os arts. 14 e 15 do Novo CPC — e, em decorrência, aplicar todos os demais preceitos do Código que sejam compatíveis com a lógica do processo administrativo”[116].

Assim, a incidência do CPC aos processos administrativos fiscais opera-se ope legis, ou seja, independe de regulamentação pelo ente federado que o aplicar.

O CARF já se manifestou sobre a aplicabilidade do CPC ao processo administrativo fiscal, quando tal norma geral contribuir para a sistematização desse subsistema, sem subtrair o substrato essencial preconizado pela Constituição no Capítulo “Do Sistema Tributário Nacional”. Válida a transcrição:

No subsistema especial do processo administrativo fiscal só há uma lacuna de ordem processual a ser colmatada pelo julgador pela analogia, com a aplicação de instituto do CPC, quando houver uma incompletude indesejável ou insatisfatória no referido subsistema[117].

Assim, as disposições inseridas pela Lei nº 13.655/2018 devem ser ponderadas para que o sistema constitucional tributário seja preservado. De início, afirma-se que os artigos 20, 21, 22, 23 e 30 não poderão ser recusados pelo julgador administrativo fiscal porque o princípio da segurança e da certeza jurídica são cânones constitucionais. Sobre a segurança jurídica, válida a dissertação de Roberto Barroso:

“A ideia de segurança jurídica envolve três planos: o institucional, o objetivo e o subjetivo. Do ponto de vista institucional, a segurança refere-se à existência de instituições estatais dotadas de poder e de garantias, aptas a fazer funcionar o Estado de direito, impondo a supremacia da lei e sujeitando-se a ela. Do ponto de vista objetivo, a segurança refere-se à anterioridade das normas jurídicas em relação às situações às quais se dirigem, à estabilidade do Direito, que deve ter como traço geral a permanência e continuidade das normas e a não retroatividade das leis, que não deverão produzir efeitos retrospectivos para colher direitos subjetivos já constituídos. E, do ponto de vista subjetivo, a segurança jurídica refere-se à proteção da confiança do administrado, impondo à Administração o dever de agir com coerência, lealdade e respeitando as legítimas expectativas do administrado. Essa ideia, sobretudo no campo das relações obrigacionais e contratuais, compreende também a boa-fé objetiva, a lisura do comportamento, a vedação do locupletamento”[118].

Ora, os dispositivos destacados consubstanciam, nos termos da doutrina, no ponto de vista subjetivo da segurança jurídica e a negação de vigência no âmbito fiscal ofende o Princípio do Estado Democrático de Direito.

Já foi dissertado neste trabalho sobre o art. 24 da LINDB e seu irmão siamês, o art. 146 do CTN. Assim, negar vigência ao primeiro é negar vigência ao segundo e por consequência ao sistema constitucional tributário.

Já o art. 29 da LINDB é uma manifestação de transparência e, se utilizado com oportunidade e consciência, contribuirá para a ótima aplicação do art. 48, §1º, inciso I da Lei de Responsabilidade Fiscal[119].

No que concerne aos artigos 26 e 27 da LINDB existem algumas condicionantes que necessitam ser estudados e, para tanto, abriremos novo subtópico.

3.3.3) Os artigos 26 e 27 da LINDB no âmbito fiscal

Ambos os artigos 26 e 27 da LINDB, no âmbito fiscal sofrem a limitação do princípio da legalidade estrita, uma vez que existem limitações à transação, segundo o teor do art. 171 do Código Tributário Nacional (CTN), com o seguinte teor:

Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.

Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.

Ao interpretar esse dispositivo do CTN, Luis Eduardo Schoueri disserta:

“A aplicação do instituto da transação em matéria tributária exige cautela. Afinal, uma das partes da relação é o Fisco e sua pretensão – o crédito tributário – não pode ser objeto de uma renúncia. Deve-se ter em mente que a atividade da autoridade administrativa é obrigatória, à luz do art. 142 do Código Tributário Nacional. Ao mesmo tempo, não se pode negar que não é interesse sequer do Fisco que uma disputa judicial fique se arrastando por anos, entulhando os tribunais e prorrogando indefinidamente o eventual recebimento do crédito tributário. Daí por que o art. 171 do Código Tributário Nacional, ao tratar da transação, prevê a necessidade de uma lei, que deverá impor condições para que uma transação seja possível. Tem-se, aqui, uma conciliação entre, de um lado, o Princípio da Legalidade, que exige a presença de uma lei para que se dê a transação e, de outro, o interesse público, que muitas vezes será mais bem atendido se forem encurtadas as demandas judiciais, por meio da transação”[120].

Com efeito, a disposição do art. 171 do CTN não sofreu derrogação pelos artigos 26 e 27 da LINDB, uma vez que se relacionam com a constituição do crédito tributário, essa matéria sim reservada a lei complementar, nos termos do art. 146, inciso III, alínea “b” da CF.

Portanto, ausente lei que autorize a autoridade fiscal a estabelecer compromisso, nas hipóteses em que afetem a obrigatoriedade do lançamento tributário.

Especificamente no que concerne ao art. 27 da LINDB, deve ser observado o art. 170-A do CTN, a saber:

Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.

Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.

Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. 

Assim, no que concerne a compensação, alguns alertas devem ser ressaltados: 1) depende de lei específica; 2) para créditos vincendos, dependerá, além da previsão legal, a apuração do montante devido, não podendo cominar redução de juros que a taxa de 1% ao mês entre a data do vencimento e a compensação; e 3) uma vez contestada a execução fiscal em que se cobra dívida tributária, a compensação por benefícios ou prejuízos é vedada pelo CTN.

Convém destacar a doutrina de Eduardo Sabbag sobre o tema:

A compensação tributária, delineada nos arts. 170 e 170-A do CTN, representa uma forma indireta (por via de lei) de extinção do crédito tributário, realizada pelo encontro de contas de créditos e débitos. Ver STJ: REsp 1.240.038/PR-2014.

A compensação não pode ser realizada por mera iniciativa do contribuinte, pois depende de lei que a autorize, mais, especificamente, de uma autorização do Poder Executivo (com apoio naquela lei para sua aplicação).

O contribuinte não pode verificar a certeza e liquidez de seu crédito sem a homologação do Poder Executivo ou do Poder Judiciário. Logo, nos lançamentos por homologação, ele pode fazer a compensação de seus créditos informando-os na DCTF – Declaração de Contribuições e Tributos Federais, mas necessita esperar pela posterior confirmação (homologação) do Fisco.

Com o advento da LC 104/2001, que trouxe o art. 170-A, a compensação exige trânsito em julgado da sentença autorizadora, ficando afastada a realização de compensação por liminar em Mandado de Segurança ou por meio de tutela antecipada, o que veio a ser referendado pelas Súmulas 212 e 213 do STJ.

Atente-se que o art. 170-A do CTN apenas é aplicável aos casos em que o contribuinte já realizou o pagamento de determinado tributo, que entende indevido pela invalidade da lei que o instituiu. Por isso, a compensação neste caso é vedada.

Estando a lei ainda em vigor, é preciso o ajuizamento da ação, além do trânsito em julgado de decisão que lhe seja favorável para que se operacionalize a compensação. De outro lado, se já existir declaração da inconstitucionalidade da lei pelo STF, Resolução do Senado a respeito ou se tratar de mero erro de cálculo, entendemos que o dispositivo não há de ser aplicado, sendo permitida a compensação[121].

Pois bem, é oportuna a posição de Sabbag quanto a relativização do art. 170-A do CTN nas hipóteses de ação de inconstitucionalidade julgada procedente pelo STF, suspensão da lei por Resolução do Senado e nas hipóteses de erro de cálculo, pois nestes casos ou não existe mais análise de mérito ou a evidência dos fatos é restrita operações aritméticas, que dispensam até o seguimento do processo, salvo se houver valor remanescente a ser executado que seguirá, sem prejuízo da validade da Certidão de Dívida Ativa.

Sobre a hipótese de ações de inconstitucionalidade e os reflexos de ofício, vale destacar a Tese do Tema 249 STJ, a saber:

"O prosseguimento da execução fiscal (pelo valor remanescente daquele constante do lançamento tributário ou do ato de formalização do contribuinte fundado em legislação posteriormente declarada inconstitucional em sede de controle difuso) revela-se forçoso em face da suficiência da liquidação do título executivo, consubstanciado na sentença proferida nos embargos à execução, que reconheceu o excesso cobrado pelo Fisco, sobressaindo a higidez do ato de constituição do crédito tributário, o que, a fortiori, dispensa a emenda ou substituição da certidão de dívida ativa (CDA)"[122].

Na mesma linha as hipóteses de erro de cálculo:

“A Primeira Seção, ao julgar o REsp 1.115.501/SP, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux e de acordo com o procedimento dos recursos repetitivos de que trata o art. 543-C do CPC, decidiu que o prosseguimento da execução fiscal (pelo valor remanescente daquele constante do lançamento tributário ou do ato de formalização do contribuinte) revela-se forçoso em face da suficiência da liquidação do título executivo, consubstanciado na sentença proferida nos embargos à execução, que reconheceu o excesso cobrado pelo Fisco, sobressaindo a higidez do ato de constituição do crédito tributário, o que, a fortiori, dispensa a emenda ou substituição da Certidão de Dívida Ativa - CDA (DJe de 30.11.2010). Com efeito, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, em se tratando de revisão do lançamento, pelo Poder Judiciário, que acarrete a exclusão de parcela indevida da base de cálculo do tributo, o excesso de execução não implica a decretação da nulidade do título executivo extrajudicial, mas tão-somente a redução do montante ao valor tido como devido, quando o valor remanescente puder ser apurado por simples cálculos aritméticos, como no caso concreto”[123].

A seguir, serão analisadas algumas manifestações jurisprudenciais.

3.3.4) Manifestações jurisprudenciais.

A jurisprudência já aplicou o art. 24 em causas tributárias e também no executivo fiscal, uma vez que se verifica:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA INTERPOSTA DENTRO DO BIÊNIO LEGAL. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ART. 103 DA LEI 8.213/1991. PRAZO DECADENCIAL. INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA NA ÉPOCA EM QUE PROFERIDA A DECISÃO RESCINDENDA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSITIVO DE LEI NÃO CONFIGURADA. É INCABÍVEL AÇÃO RESCISÓRIA BALIZADA NA MODIFICAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DE NORMA FEDERAL. APLICABILIDADE DA SÚMULA 343/STF, RATIFICADA PELO PLENÁRIO DO STF NO JULGAMENTO DO RE 590.809/RS. PEDIDO RESCISÓRIO DO INSS IMPROCEDENTE[124].

O Min. Og Fernandes, em seu Voto-Revisão, estabeleceu a correlação entre a tese do voto do relator e o novel art. 24, parágrafo único da LINDB, dissertando da seguinte forma:

Esses fundamentos, além de alinhados à jurisprudência deste Superior Tribunal e à do Supremo Tribunal Federal, estão em conformidade com o que dispõe o art. 24, parágrafo único, da LINDB, que aqui se transcreve:

Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público[125].

O STJ utilizou o art. 24 da LINDB para negar ação rescisória por violação a literal disposição de lei, em face de que a coisa julgada foi produzida em meio a controvérsia anterior nos tribunais, fixando-se tese contrária, posteriormente, contrária a posição anterior. Mesmo nessa hipótese, em causas tributárias (o Direito Previdenciário também ostenta a natureza tributária) o art. 24 da LINDB foi vetor de fundamentação.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul estabeleceu a correlação do princípio do tempus regit actum e o art. 24 da LINDB em âmbito obrigatoriedade de inclusão em programa de recuperação fiscal, mesmo após a sua perda de vigência, a saber:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO FISCAL. INCLUSÃO NO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL – REFIS 2018. POSSIBILIDADE. Hipótese em que a parte executada comprovou o preenchimento dos requisitos previstos no art. 2º da Lei Municipal n. 4.423/2018, responsável por instituir o Programa de Recuperação Fiscal no Município de Encantado. Crédito fiscal de origem não tributária, constituído em data anterior a 31 de dezembro de 2017, cujo pedido de inclusão foi formulado diretamente ao juízo em que tramita o feito executivo, durante o período de vigência da lei local. Aplicação do princípio do tempus regit actum. Art. 24 da LINDB. Decisão reformada para autorizar a inclusão do crédito fiscal no Programa REFIS/2018. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO[126].

A Exma. Desembargadora Relatora dissertou em seu voto:

Conforme bem pontuado na petição recursal, o fato de a lei não estar mais em vigor na época em que analisado o pedido não afasta a sua aplicação, tendo em vista a aplicação do princípio do tempus regit actum.

A respeito do tema, dispõe o art. 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/42):

Art. 24.  A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018).

A execução fiscal, por outro lado, tem como finalidade a satisfação de crédito constituído pela Fazenda Pública e a parte executada está disposta a adimplir com a dívida nas condições previstas na legislação municipal vigente à época do requerimento. Não pode agora, transcorrido pouco mais de um ano, o ente público furtar-se de cumprir legislação mais benéfica ao contribuinte promulgada por ele mesmo, com o intuito de regularizar a situação fiscal de seus devedores. Aliás, o transcurso desse lapso temporal apenas ocorreu por culpa da própria parte exequente que não se manifestou, quando intimada, acerca do pedido formulado pela executada e também pela morosidade do próprio Poder Judiciário que postergou a definição acerca de qual legislação a ser aplicável para o parcelamento do crédito fiscal.

Feitas todas essas considerações, é possível concluir o presente trabalho, oferecendo uma sugestão hermenêutica para uma satisfatória aplicação das inovações introduzidas pela Lei nº 13.655/2018.

Sobre o autor
Olsen Henrique Bocchi

Advogado militante na área de direito empresarial e posgraduando em direito pelo INBRAPE — Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Sócio-Econômicos em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB Subseccional Londrina-PR.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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