RESUMO:A constitucionalidade do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 será o ponto central de discussão no presente artigo, o qual terá por base, fundamentalmente, os votos proferidos pelos Ministros do STF no julgamento do RE n. 635.659, com repercussão geral declarada, a partir da alegação de que o referido tipo incriminador viola a intimidade e a vida privada, direitos fundamentais individuais, e por contrariar o art. 5º, inc. X, da Constituição Federal, deve ser declarado inconstitucional. Nosso referencial teórico será o recurso em questão, sem deixar de analisar livros e artigos doutrinários sobre os assuntos.
Palavras chave: Art. 28 da Lei n. 11.343/2006. Penal. Inconstitucionalidade.
SUMÁRIO:1. Introdução. 2. Art. 28 da Lei n. 11.343/2006. 2.1 Tipo objetivo. 2.2 Tipo subjetivo. 2.3 Norma criminal em branco. 2.4 Princípio da insignificância. 3. Recurso Extraordinário n. 635.659. 3.1 Petição inicial e andamento do processo. Incidência da prescrição. 3.2 Voto do relator. 3.3 Voto do Min. Edson Fachin. 3.4 Voto do Min. Roberto Barroso. 4. “Habeas Corpus” n. 143.798. 5. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo terá por objetivo verificar a constitucionalidade, ou inconstitucionalidade, do art. 28 da Lei n. 11.343, de 23.8.2006. A análise terá por ponto de partida a apresentação do art. 28 da Lei n. 11.343/2006, visando a demonstrar o ponto central da discussão. Depois de fazer um estudo do artigo, enfrentando, inclusive, o princípio da insignificância, passaremos ao exame imediato do Recurso Extraordinário (RE) n. 635.659-SP.
Tentaremos ser objetivos, razão de utilizar muitas transcrições, haja vista que nada melhor para expor a visão dos julgadores do que evidenciar o que eles próprios expuseram.
Mais interessante é o Min. Roberto Barroso ter, no Habeas Corpus (HC) n. 143.798-SP, ter concedido liminar, não com base em jurisprudência da corte, mas com base em tendência dela.
Teremos uma única hipótese, a de que o art. 28 da Lei n. 11.343/2006 viola o princípio da subsidiariedade, bem como invade a vida privada e a intimidade do brasileiro, portanto, é inconstitucional.
2. ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006
A Lei n. 11.343/2006 dispõe:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa.
§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.
Sou deveras crítico ao transcrito art. 28. Afirmo ser inconcebível ter um crime cuja única pena a ser concretizada será advertência (podem até serem aplicadas outras penas restritivas de direito, mas cada uma das penas cominadas poderá ser aplicada isoladamente). Nesse sentido, dispõe a Lei n. 11.343/2006:
Art. 27. As penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor.
Afirmei alhures:
Insisto em dizer que o Direito Criminal não pode ser banalizado por meio da incriminação de condutas pouco relevantes. A cominação da pena de advertência, por si só, justifica o equívoco da incriminação do porte de substância entorpecente para consumo próprio, tornando-se imperiosa a sua imediata descriminalização.[1]
O cerne da discussão do RE 635.659-SP pode esbarrar em uma preliminar prejudicial do exame do mérito, que é uma causa extintiva da punibilidade em razão do tempo. Por isso passaremos à exposição do referido RE, isso logo após explicarmos rapidamente o referido tipo incriminador.
2.1 Tipo objetivo
Sendo um tipo composto de núcleo alternativo, o transcrito art. 28 é doutrinariamente anormal porque insere em si um elemento subjetivo. qual seja: “para consumo pessoal”. No entanto, o que interessa aqui é dizer o que está objetivamente previsto no tipo. Sobre ele ensinam Alexandre Bizzoto e Andreia Rodrigues:
.,..É um crime comissivo, por depender de um agir humano. Contém diversos núcleos do tipo, sendo classificado pela doutrina como crime de ação múltipla ou de ação variada e, como consequência a prática de qualquer uma das condutas ou de várias delas consequência a prática de qualquer uma das condutas ou de várias delas corporifica um só crime.[2]
É um tipo anormal, também, por conter elemento normativo, eis que decorre de norma em branco, exigindo o conhecimento de outra norma. Destarte, oportuna é a lição de Andrey Mendonça e Paulo de Carvalho:
Em relação aos verbos-núcleo do tipo, não houve alteração. Pune-se a conduta de quem semeia (lança sementes ao solo), cultiva (fornece elementos para se desenvolver) e faz a colheita (retira a planta do solo). Apesar da omissão do legislador, tais condutas somente serão incriminadas se praticadas sem autorização ou desacordo com determinação legal ou regulamentar (elemento normativo implícito).[3]
É um tipo que é anormal por inserir elemento subjetivo e, também, conforme transcrito, elemento normativo, eis que exigirá o conhecimento da norma regulamentar para a completa compreensão do que está nele inserido. Mas, ainda é oportuno o que escrevi alhures:
É crime comissivo (exige ação, embora possa ser praticado mediante omissão do garante), unissubjetivo (pode ser praticado por uma única pessoa, nada obstando o concurso eventual de pessoas), unissubsistente (nas modalidades transportar, guardar e trazer consigo, não admite tentativa, uma vez que a conduta típica não pode ser fracionada, sendo os atos preparatórios impuníveis), plurissubsistente (na modalidade adquirir a tentativa é punível, haja vista que a conduta pode ser fracionada), de perigo (não exige a ofensa ao objeto jurídico, bastando a ameaça a ele), doloso (exige a vontade ou o assumir o risco do resultado), de tipo anormal (o tipo contém, além de elementos objetivos – núcleo e elementos descritivos – o tipo contém elementos normativo e subjetivo), de tipo de núcleo composto (a conduta típica se caracteriza por mais de uma conduta – mais de um verbo), de tipo de núcleo alternativo (não é necessária a realização de todos os núcleos do tipo, bastando uma das condutas nele descritas) e vago (o sujeito passivo não é personificado).[4]
Não detalharemos aqui cada um dos verbos-núcleos do tipo, visto que a limitação monográfica do presente artigo, que tem em vista a apreciação que está sendo realizada pelo Plenário do STF, acerca da sua constitucionalidade.
2.2 Tipo subjetivo
Considero suficiente expus alhures, in verbis:
Diz-se que é anormal o tipo que contém elemento subjetivo ou normativo, já o disse. No caso do art. 28 da Lei n. 11.343/2006, a inserção do elemento subjetivo é expressa. Ao expor “para consumo pessoal”, a lei estabeleceu o denominado dolo específico, que é o especial fim de agir do agente expressamente inserido no tipo.
A teoria finalista nega a distinção entre dolo genérico e dolo específico, uma vez que para ela toda conduta está dirigida a um fim. No entanto, tal teoria não conseguiu criar uma denominação adequada para o dolo específico, daí os autores brasileiros, referindo-se ao dolo específico, dizem que ele é o “especial fim de agir contido no tipo”, o que não muda nada em relação à denominação tradicional. No crime em comento, “para consumo próprio” constitui o dolo específico.[5]
Independentemente da discussão sobre ser “para consumo próprio” dolo específico, é – indiscutivelmente – o elemento subjetivo do tipo. Desse modo, o tipo subjetivo é o dolo, mediante especial fim de agir: “para consumo próprio”.
2.3 Norma criminal em branco
Ainda invocando o que expus academicamente:
As normas relativas aos psicotrópicos constituem normas em branco em sentido estrito, haja vista que exigem complementação por fontes de origem diversa da incriminadora. Quem as complementa é a ANVISA, o que as torna norma em branco em sentido estrito. De outro modo, as normas em branco em sentido amplo são as complementadas por outras da mesma origem legislativa.[6]
É elementar do tipo do art. 28 em discussão, “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, o que deixa indene de dúvidas tratar de norma em branco em sentido estrito. No caso vertente, o laudo de constatação evidencia ser a substância apreendida uma daquelas proibida pela norma regulamentar (maconha).
2.4 Princípio da insignificância
O recorrente do Recurso Extraordinário n. 635.659-SP foi acusado de estar com 3 gramas de maconha em suas vestimentas. Os tribunais não admitem a incidência do princípio da insignificância, postura severamente criticada por mim. Vejamos:
Maior expectativa de vida não corresponde, necessariamente, à melhor qualidade de vida. De qualquer modo, o viciado em entorpecentes tende à invalidez, transformando-se em um problema social e, portanto, um mal público. Outrossim, a autolesão não pode constituir crime. Daí ser questionável a postura judicial que entende ser inaplicável o princípio da insignificância ao porte de substância entorpecente para consumo próprio. Ora, se o objeto jurídico é a saúde pública e se a quantidade é tão pequena que não pode sequer ofender a saúde do portador, não se pode falar em crime. Faz-se necessária a distinção entre usuário e viciado porque, por maior que seja a quantidade de psicotrópico ilícito que se destine ao uso próprio, o usuário gerará a autolesão não podendo ser considerado criminoso. Quanto à quantidade insignificante que atingiria terceiro, por não ter sequer potencial lesivo ao objeto jurídico, não pode levar à conduta típica.[7]
O recorrente do recurso extraordinário nupercitado estava preso quando a maconha foi localizada no interior da sua cela. Portanto, em face de vetores eleitos pelo STF não poderia ser reconhecido o princípio da insignificância, conforme decidiu monocraticamente o Min. Celso de Mello:
2. Consoante entendimento jurisprudencial, o ‘princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. (...) Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público’ (HC n. 84.412-0⁄SP, STF, Min. Celso de Mello, DJU 19.11.2004).[8]
Não obstante a objeção que apresento à postura dos tribunais brasileiros, acerca do princípio da insignificância, é de se reconhecer a inaplicabilidade ao caso do recorrente do referido recurso extraordinário, uma vez que um preso estar praticando crime é comportamento de elevado grau de reprovabilidade.
3. RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 635.659-SP
O Ofício n. 3.844/2009, oriundo do Centro de Detenção Provisória de Diadema, datado de 22.7.2009, retrata bem os fatos, in verbis:
Comunico a Vossa Senhoria, que na data de 21.7.2009 por volta das 18h20, o servidor Nelson Ferreira Tavares Junior RG:29.889.342-3, acompanhado pelo servidor Renato Fernando Finateli Lucena, RG: 40.513.590-7, durante procedimento praxe de Revista Blitz realizado nas dependências desta unidade prisional, vieram a lograr êxito ao encontrar no interior da cela 3 do raio 21, 1 (um) invólucro de substância aparentemente entorpecente de cor esverdeada em posse do detento FRANCISCO BENEDITO DE SOUZA, Matricula n.: 281.048-9.[9]
O laudo de constatação indica peso líquido apreendido de 3 g, com resultado positivo para maconha.[10] O Exame Químico Toxicológico Definitivo, confirmou positivamente para “canabis sativa L (maconha)”, com “presença de tetrahidrocanabinol, responsável pelos principais efeitos farmacológicos da maconha”.[11] Daí a denúncia, datada de 9.11.2009, imputando a FRANCISCO BENEDITO DE SOUZA às penas do art. 28 da Lei n. 11.343/2006,[12] a qual foi recebida pela Juíza Titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Diadema-SP, em 13.11.2009.[13]
Em audiência, em 26.2.2010, o pedido condenatório foi julgado procedente, impondo-se a pena de 2 meses de prestação de serviços à comunidade ao recorrente.[14] Na mesma data, o réu interpôs recurso.[15]
Em 18.6.2010, o Colégio Recursal do Juizado Especial Cível da Comarca de Diadema, negou provimento ao recurso, sendo que a matéria constitucional ficou devidamente prequestionada, conforme se extrai do voto do relator:
A tese de inconstitucionalidade do delito de porte de substância entorpecente não é nova. Seu questionamento já subsistia quando em vigor a Lei n. 6.368/1976, na qual o tipo penal da denúncia era o art. 16, de redação quase idêntica ao atual art. 28 da Lei n. 11.343/2006. E os julgados, de forma absoluta e reiterada rejeitam referida tese, que como em nada inova, é solucionada pela antiga jurisprudência, ora transcrita: "difusão da droga a ser evitada e da própria pessoa que utiliza a droga são razões maiores que justificam incriminação do art .16 da Lei de Tóxicos" (TJRS-Incidente de Inconstitucionalidade na AC 686062340-Rel. Milton dos Santos Martins-RJTJRS 128/33). De igual teor: RJTJRS 127/97 e 132/49.
Neste aspecto deve ser salientado que a lei não pune o vício em si próprio, uma vez que não se encontra entre as típicas descritas no art. 28 a conduta de "usar". E tal esteriliza a ofensa a liberdade individual.[16]
Valendo-se de petição datada de 9.8.2010, o recorrente interpôs o recurso extraordinário, dirigindo o pedido ao Presidente do Colégio Recursal do Juizado Especial Criminal da Comarca de Diadema-SP. Requereu-se o recebimento e o processamento do recurso e a sua remessa ao Supremo Tribunal Federal.[17]
3.1 Petição inicial e andamento do processo. Incidência da prescrição.
Assistido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o recorrente sustentou:
Ora, o acórdão proferido violou o direito fundamental de intimidade e vida privada do recorrente, assegurado no inciso X do artigo 5º da Constituição da República, uma vez que condenou o recorrente por porte de drogas para uso próprio, assim consideradas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS n. 344/1998, e que determinam dependência física e psíquica, consistentes em maconha, fazendo-o sem autorização e em desacordo com a determinação legal e regulamentar.[18]
Conforme já se expôs, a matéria constitucional foi prequestionada, constando expressamente do acórdão recorrido. O recurso transcende a discussão da violação da intimidade e da vida privada, visto que chega ao exame dos princípios da ofensividade e da isonomia, in verbis:
Assim, apenas transformar aquele que tem a droga e tão-somente para uso próprio em agente causador de perigo à incolumidade pública, como se fosse um potencial traficante, implica frontal violação do princípio da ofensividade, dogma garantista previsto no inciso XXXV do artigo 50 da Constituição Federal.
Além disso, a criminalização do porte para uso próprio também viola o princípio constitucional da igualdade, pois há flagrante 'distinção de tratamento penal (drogas ilícitas) e não-penal (drogas lícitas) para usuários de diferentes substâncias, tendo ambas potencialidade de determinar dependência física e psíquica.[19]
A discussão está afeita ao respeito à diferença, sendo que o direito a ser diferente é consequência do princípio da dignidade, conforme consta das razões do recurso extraordinário:
E não se olvide, ainda, que a criminalização do porte de drogas para uso pessoal afronta o respeito à diferença, corolário princípio da dignidade, albergado Constituição Federal e por inúmeros internacionais de Direitos ratificados pelo Brasil.
Com efeito, a criminalização do porte de substância entorpecente dá uma bofetada no respeito ao ser diferente, invadindo a opção mora do indivíduo. Há uma nítida reprovação a quem não segue o padrão imposto. Há uma espécie de eliminação social dos que não são iguais. (...). Cabe ao ser humano, desde que não interfira nos desígnios de terceiros e os lesione, de maneira individual, escolher e traçar os caminhos que mais lhe convém. Ao se reprovar o uso criminalizando o porte, a sociedade invade seara que não é constitucionalmente sua.[20]
Com fulcro nos princípios constitucionais mencionados, o recorrente requer a sua absolvição por atipicidade da conduta (Código de Processo Penal, art. 386, inc. III).
O recurso foi autuado, em 22.2.2011, e, em 1.3.2011, foi distribuído ao Min. Gilmar Mendes. Em 26.4.2011 foi ofertada vista à Procuradoria-Geral da República, para parecer, a qual restituiu os autos, com parecer, em 1.6.2011.[21]
Foram cadastrados 12 amici curiae, ocorre que, em 19.8.2015, foram deferidas sustentações orais a 16 amici curiae. Também, em 9.12.2011, no Plenário Virtual, houve decisão pela existência de repercussão geral. Sobre tal incidente, não se manifestaram os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Cármem Lúcia.[22]
Em 2015, o processo já contava com 8 volumes físicos, sendo interessante notar que a Turma Recursal Criminal de Belo Horizonte encaminhou diversas decisões de sobrestamento de processos, em face de estar aguardando a decisão do STF.
O relator votou no dia 20.8.2015, ocasião em que o Min. Edson Fachin pediu vista. Em 31.8.2015, ele devolveu os autos para julgamento. Então, em 10.9.2015, os Min. Edson Fachin e Roberto Barroso votaram. Foi quando o Min. Teori Zavascki pediu vista.
A morte do Min. Teori Zavascki, em 19.1.2017, sendo sucedido pelo Min. Alexandre de Moraes, fez com que fosse determinada a remessas a ele, em 6.9.2017. No dia 23.11.2018, os autos foram devolvidos para julgamento. Por isso, a Presidência do STF, em 18.12.2018, incluiu no calendário para julgamento no dia 5.6.2019, mas foi excluído do calendário, em 30.5.2019.
No dia 14.6.2019, o processo foi reincluído no calendário, para julgamento no dia 6.11.2019. Ocorre que, devido ao início julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) n. 43, 44 e 54, que coloca em discussão o art. 283 do Código de Processo Penal, novamente, em 28.10.2019, o processo foi excluído do calendário de julgamento, a fim de permitir a conclusão do julgamento daquelas ADC’s.
Os fatos já contam com mais de 10 anos, tendo sido interrompida a prescrição com a sentença condenatória (Código Penal, art. inc. IV). O acórdão que confirmou a sentença condenatória não interrompe a prescrição e, mesmo que interrompesse, ele foi proferido a mais de 9 anos. Desse modo, observe-se o que dispõe a Lei n. 11.343/2006:
Art. 30. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do Código Penal.
É vetusta a jurisprudência do STF, no sentido qui non potest condemnare, non potest absolver. Nesse sentido:
EMENTA: DIREITO PENAL. CONFIGURADA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, NÃO HÁ COMO O ÓRGÃO REVISOR APRECIAR MATÉRIA RELATIVA À INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO CONDENATÓRIO OU A INOCÊNCIA DOS RÉUS: QUI NON POTEST CONDEMNARE, NON POTEST ABSOLVERE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DECLARADA. RECURSO CRIMINAL PREJUDICADO.[23]
Veremos que o Min. Edson Fachin limita o alcance do seu voto à maconha porque se trata de controle difuso de constitucionalidade, portanto, vinculado ao caso concreto. Se é assim, deveria o STF se atentar para a impossibilidade de declarar a inconstitucionalidade do art. 28, ante o caso concreto, eis que já está extinta a punibilidade, sendo impossível absolver o recorrente.
O maior escopo do processo é a pacificação social. Apresento os fundamentos da prescrição em um livro (falta de interesse de agir; segurança jurídica; desaparecimento dos efeitos do delito e esquecimento dos fatos; desnecessidade da pena; e dificuldade para apuração dos fatos),[24] os quais são compatíveis com a ideia de pacificação social sem a intervenção jurídico-criminal. De todo modo, a situação nos deixa em dúvida, haja vista que a declaração de repercussão geral estabilizará a matéria de forma mais adequada do que simplesmente extinguir o processo pela prescrição.
3.2 Voto do relator
Conforme exposto, o Min. Gilmar Mendes, relator do recurso extraordinário, votou, em 20.8.2015. O seu voto pela inconstitucionalidade do art. 28 da Lei n. 11.343/2006, sem limitar o alcance da decisão à maconha. O STF apresentou o seu voto da seguinte maneira:
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral reconhecida, votou pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), que define como crime a porte de drogas para uso pessoal. Segundo o entendimento adotado pelo ministro, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos. Destacou também que se trata de uma punição desproporcional do usuário, ineficaz no combate às drogas, além de infligir o direito constitucional à personalidade.
Em seu voto, o relator declarou a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas sem redução de texto, de forma a preservar a aplicação na esfera administrativa e cível das sanções previstas para o usuário, como advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento em curso educativo. Segundo seu entendimento, os efeitos não penais das disposições do artigo 28 devem continuar em vigor como medida de transição, enquanto não se estabelecem novas regras para a prevenção e combate ao uso de drogas.
O ministro ainda estabeleceu que, nos casos de flagrante por tráfico de drogas, a fim de dar validade à prisão preventiva, será necessária a apresentação imediata do autor à presença do juiz. Essa medida seria necessária a fim de evitar que usuários sejam presos preventivamente por tráfico sem provas suficientes, atribuindo ao juiz a função de analisar as circunstâncias do ato e avaliar a configuração da hipótese de uso ou de tráfico.
Em seu voto, o ministro deu provimento ao recurso apresentado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo e absolveu o réu por atipicidade da conduta. No caso, que deverá servir de parâmetro para os demais processos sobre a matéria, trata-se de um detento flagrado com a posse de três gramas de maconha.
Descriminalização e legalização
O relator destacou em seu voto que a descriminalização do uso não significa a legalização ou liberalização da droga, que continua a ser repreendida por medidas legislativas sem natureza penal, assentando que podem haver outras medidas adequadas para lidar com o problema. Cita ainda diversos países que adotaram legislações que optaram por não criminalizar o uso, havendo ainda casos em que a decisão foi tomada pela Suprema Corte, como na Colômbia, em 1994, e na Argentina, em 2009.
Quanto à opção tomada pelo legislador brasileiro na Lei 11.343/2006, que retirou do ordenamento a previsão da pena de privação de liberdade, a manutenção do uso como tipo penal acaba tendo ainda assim efeitos nocivos para o usuário e para a política de drogas.
“Apesar do abrandamento das consequências penais da posse de drogas para consumo pessoal, a mera previsão da conduta como infração de natureza penal tem resultado em crescente estigmatização, neutralizando, com isso, os objetivos expressamente definidos no sistema nacional de políticas sobre drogas, em relação a usuários e dependentes, em sintonia com políticas de redução de danos e prevenção de riscos.”
Dano coletivo e privado
Para declarar a inconstitucionalidade da previsão do artigo 28 da lei, o ministro vê que a norma possui vícios de desproporcionalidade, uma vez que dados indicam que em países em que o consumo foi descriminalizado, não houve aumento significativo do uso. Isso porque, entre os fatores que levam o indivíduo ao consumo de drogas, a criminalização seria um fator de pouca relevância.
O uso de drogas, em seu entendimento, é conduta que coloca em risco a pessoa do usuário, não cabendo associar a ele o dano coletivo possivelmente causado à saúde e segurança públicas. “Ainda que o usuário adquira as drogas mediante o contato com o traficante, não se pode imputar a ele os malefícios coletivos decorrentes da atividade ilícita. Esses efeitos estão muito afastados da conduta em si do usuário. A ligação é excessivamente remota para atribuir a ela efeitos criminais”, afirma.
Direito de personalidade
Por fim, o ministro entende que a criminalização acaba interferindo no direito de construção da personalidade dos usuários, principalmente os jovens, mais sujeitos à rotulação imposta pelo tipo penal, classificados como criminosos por uma conduta que, se tanto, implica apenas autolesão.
“Tenho que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional, por atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o direito ao desenvolvimento da personalidade em suas várias manifestações, de forma, portanto, claramente desproporcional”, afirma.
Ações do CNJ
O voto propôs também que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) seja acionado para diligenciar, em articulação com Tribunais de Justiça, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde e Conselho Nacional do Ministério Público os encaminhamentos necessários à aplicação dos dispositivos do artigo 28 em procedimento cível. Também cabe ao CNJ, segundo o relator, articular estratégias preventivas e de recuperação de usuários com os serviços de prevenção. O CNJ também deve, em seis meses, regulamentar, a apresentação imediata do preso em flagrante por tráfico ao juiz, e apresentar relatórios semestrais com providências tomadas e resultados obtidos.[25]
O voto do relator traz solução adequada ao controle concentrado de constitucionalidade, mais própria do controle de inconstitucionalidade por omissão, propondo, inclusive a normatização para aplicação administrativa das sanções cominadas na lei.
O Min. Gilmar Mendes passou pela discussão aberta por Luiz Flávio Gomes et alii, visto que este autor, partindo do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei n. 3.914, de 9.12.1941), afirmou que, como não reclusão, detenção ou prisão simples cominada no art. 28 em discussão, houve descriminalização do porte de psicotrópico para consumo pessoal.[26]
A posição esposada pelo relator foi a defendida por Alexandre Bizzotto e Andréia Rodrigues dizem que houve despenalização da conduta.[27] Esta é a posição do STF e pelo Superior Tribunal de Justiça. Este último tribunal sequer admite a incidência de reincidência. Observe-se:
PROCESSO |
HC 453.437-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, por unanimidade, julgado em 4.10.2018, DJe 15.10.2018 |
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RAMO DO DIREITO |
DIREITO PENAL |
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TEMA |
Tráfico de entorpecentes. Condenação anterior pelo delito do artigo 28 da Lei de Drogas. Caracterização da reincidência. Desproporcionalidade. |
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DESTAQUE |
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Condenações anteriores pelo delito do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 não são aptas a gerar reincidência. |
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INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR |
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Inicialmente cumpre salientar que consoante o posicionamento firmado pela Suprema Corte, na questão de ordem no RE 430.105/RJ, sabe-se que a conduta de porte de substância entorpecente para consumo próprio, prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, foi apenas despenalizada mas não descriminalizada, em outras palavras, não houve abolitio criminis. Contudo, ainda que a conduta tipificada no art. 28 da Lei n. 11.343/2006 tenha sido despenalizada e não descriminalizada, essa conduta é punida apenas com "advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo". Além disso, não existe a possibilidade de converter essas penas em privativas de liberdade em caso de descumprimento. Cabe ressaltar que as condenações anteriores por contravenções penais não são aptas a gerar reincidência, tendo em vista o que dispõe o art. 63 do Código Penal, que apenas se refere a crimes anteriores. E, se as contravenções penais, puníveis com pena de prisão simples, não geram reincidência, mostra-se desproporcional o delito do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 configurar reincidência, tendo em vista que nem é punível com pena privativa de liberdade. Ademais, a Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.672.654/SP, da relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21.8.2018, proferiu julgado nesse mesmo sentido.[28] |
Ao contrário, afirmo:
No âmbito internacional, a Resolução n. 45/110 da Assembleia Geral das Nações Unidas estabelece as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não-Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio), o que foi decidido na 68ª Sessão Plenária, de 14.12.1990, marcando a vontade de evitar a pena privativa de liberdade e fomentar a busca de caminhos menos onerosos e mais eficazes que a prisão.
A pena restritiva de Direito constitui efetiva pena, a qual, nos termos do CP, é autônoma (art. 44, caput). Na época da edição da Lei n. 3.914/1941, não se falava em pena restritiva de direito. Esta era concebida, no CP, como “pena acessória” (art. 67). A pena restritiva de direito, como a única possível, deve ser a regra, abandonando-se a cultura de que a prisão é a panaceia para todos os males.[29]
Diante do que já se expôs, verifica-se que, não obstante a jurisprudência se oriente no sentido de que o art. 28 da Lei n. 11.343/2006 descreve crime e não comine pena, o RE 635.659-SP e o voto do relator, pela inconstitucionalidade do referido preceito legal, só se justificarão se o porte de psicotrópico para consumo pessoal for crime punível.
3.3 Voto do Min. Edson Fachin
O Min. Edson Fachin, após o pedido de vista, devolveu o processo em prazo razoável para continuação do julgamento, sendo que, em seu voto, tentou se limitar ao caso concreto, expondo:
Não obstante, quando se está diante de um tema de natureza penal, é prudente judiciosa autocontenção da Corte, pois a atuação fora dos limites circunstanciais do caso pode conduzir a intervenções judiciais desproporcionais, seja sob o ponto de vista do regime das liberdades, seja sob o ponto de vista da proteção social insuficiente.
Assim sendo, em virtude da complexidade inerente ao problema jurídico que está sob a análise do Supremo Tribunal Federal no presente recurso extraordinário, propõe-se estrita observância às balizas fáticas e jurídicas do caso concreto para a atuação da Corte em seara tão sensível: a definição sobre a constitucionalidade, ou não, da criminalização do porte unicamente de maconha para uso próprio em face de direitos fundamentais como a liberdade, autonomia e privacidade.
É a este caso e à substância objeto do presente recurso (maconha), portanto, que me concentrarei.[30]
Para o Ministro Edson Fachin, o julgamento deverá ficar adstrito ao caso concreto. Ora, se é assim, o julgamento não pode continuar, eis que a prescrição concretizada é uma questão preliminar, prejudicial do exame do mérito, o que impossibilita a conclusão do voto, assim exposta:
Diante do exposto, voto pelo provimento parcial do recurso nos seguintes termos, para:
(i) Declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343, sem redução de texto, específica para situação que, tal como se deu no caso concreto, apresente conduta que descrita no tipo legal tiver exclusivamente como objeto material a droga aqui em pauta;
(ii) Manter, nos termos da atual legislação e regulamento, a proibição inclusive do uso e do porte para consumo pessoal de todas as demais drogas ilícitas;
(iii) Manter a tipificação criminal das condutas relacionadas à produção e à comercialização da droga objeto do presente recurso (maconha) e concomitantemente declarar neste ato a inconstitucionalidade progressiva dessa tipificação das condutas relacionadas à produção e à comercialização da droga objeto do presente recurso (maconha) até que sobrevenha a devida regulamentação legislativa, permanecendo nesse ínterim hígidas as tipificações constantes do título IV, especialmente criminais do art. 33, e dispositivos conexos da Lei 11.343;
(iv) Declarar como atribuição legislativa o estabelecimento de quantidades mínimas que sirvam de parâmetro para diferenciar usuário e traficante, e determinar aos órgãos do Poder Executivo, nominados neste voto (SENAD e CNPCP), aos quais incumbem a elaboração e a execução de políticas públicas sobre drogas, que exerçam suas competências e até que sobrevenha a legislação específica, emitam, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da data deste julgamento, provisórios parâmetros diferenciadores indicativos para serem considerados iuris tantum no caso concreto;
(v) Absolver o recorrente por atipicidade da conduta, nos termos do art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal.
(vi) E por derradeiro, em face do interesse público relevante, por entender necessária, inclusive no âmbito do STF, a manutenção e ampliação do debate com pessoas e entidades portadoras de experiência e autoridade nesta matéria, propor ao Plenário, nos termos do inciso V do artigo 7º do RISTF, a criação de um Observatório Judicial sobre Drogas na forma de comissão temporária, a ser designada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, para o fim de, à luz do inciso III do artigo 30 do RISTF, acompanhar os efeitos da deliberação deste Tribunal neste caso, especialmente em relação à diferenciação entre usuário e traficante, e à necessária regulamentação, bem como auscultar instituições, estudiosos, pesquisadores, cientistas, médicos, psiquiatras, psicólogos, comunidades terapêuticas, representantes de órgãos governamentais, membros de comunidades tradicionais, entidades de todas as crenças, entre outros, e apresentar relato na forma de subsídio e sistematização.[31]
Veja-se que limitar à maconha e determinar que a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) e ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) uma adequada política antipsicotrópicos, que respeite à proporcionalidade concreta dos danos, em 90 dias, constitui contradictio in terminis, uma vez que a conclusão tende ao controle abstrato de constitucionalidade.
Mesmo estando adstrito ao caso concreto, depois da incidência da prescrição da pretensão punitiva, o Min. Edson Fachin votou no sentido de absolver o recorrente com fulcro no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal, o que constitui uma contradictio in adjedicto, uma vez que se olvida da própria jurisprudência do tribunal, firme no sentido de que não “podendo condenar, não pode absolver”.
Reitera-se que o Min. Edson Fachin, caso pretendesse se cingir ao caso concreto, deveria ter verificado preliminarmente a concretização da prescrição, mas seu voto transcende para abarcar situações em abstrato. Com efeito, vê-se uma resistência à extensão do voto a outros psicotrópicos e ao mesmo tempo uma abertura para discutir e, quiçá, descriminalizar o porte para consumo próprio.
3.4 Voto do Min. Roberto Barroso
O Min. Roberto Barroso proferiu voto eloquente, mas preocupante porque disse ter sido conservador para ter chance de conquistar a maioria no Plenário do STF.[32] Data venia, Juiz não é parte e não deve decidir segundo o que pensa, mas segundo os ditames do Direito.[33]
Tratando do âmbito da vida privada, o Min. Roberto Barroso questionou se há maior gravidade naquele que fuma um “baseado” antes de dormir, a fim de relaxar, em relação àquele que toma uma garrafa de Whisky. Essa uma questão importante, trazida frequentemente por Maria Lúcia Karan, acerca da proporcionalidade na política de combate a psicotrópicos. Essa arbitrariedade na escolha daquilo que deve ser proibido é o tema central a se debater, conforme ensina a professora nupercitada:
Daí se extrai o conteúdo do princípio da exigência de ofensividade da conduta proibida, que, além de se vincular ao postulado da proporcionalidade, extraído do aspecto material da cláusula do devido processo legal, também claramente se vincula ao próprio princípio da legalidade, dada a sólida relação deste com o princípio das liberdades iguais.
Partindo da violação ao princípio da isonomia e à exigência de ofensividade da conduta proibida, as convenções internacionais e leis nacionais que discriminatoriamente criminalizam a produção, o comércio e o consumo das arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas, ainda vão mais além. À medida que cresce o tom repressor, multiplicam-se regras que, estabelecendo especial rigor penal e processual contra condutas relacionadas àquelas substâncias proibidas, sob a falaciosa alegação de que tais ilegitimamente criminalizadas condutas não poderiam ser controladas por meios regulares, reiteram e ampliam a contrariedade a princípios garantidores inscritos nas declarações internacionais de direitos humanos e constituições democráticas.[34]
Juiz não é parte, nem Advogado da parte. A sua decisão deve ser imparcial e, uma visão de colegiado, permitirá votar vencido. Isso será melhor do que “dar um pequeno passo ao homem” que vota. Por isso, a desproporção não pode ser vinculada unicamente à maconha. Esqueceram-se que o “lança perfume” é proibido?
O Min. Roberto Barroso, em sua exposição, de forma eloquente, em apresentação oral do seu voto, destacou o caso concreto (3 g de maconha), para questionar sobre o porquê de ser a conduta de “fumar um baseado” mais grave à saúde pública do que ingerir whisky até desmaiar. Daí entender que a criminalização da maconha viola o princípio da proporcionalidade e que há franca violação à vida privada da pessoa humana.
Vê-se que os três Ministros que votaram mencionaram o princípio da ofensividade, isso porque a concepção moderna do Direito Criminal busca esclarecer que só pode ser crime aquela conduta que ofende o referido princípio. Este, conforme ensina Luiz Flávio Gomes, é primordial, cumprindo dupla função, a saber: a) político-criminal (dirigida ao legislador, que está obrigado a só descrever tipos penais ofensivos a bens jurídicos); b) dogmática e interpretativa (dirigida ao intérprete e ao aplicador da lei, que deve verificar se a conduta concreta afetou ou não o bem jurídico).
O princípio da ofensividade tem relação mais próxima com a necessidade do aplicador da lei verificar se o bem jurídico foi afetado, pois ele se traduz em uma ideia de um Direito Criminal “do bem jurídico”.[35] Nesse sentido caminha a doutrina de Roxin, que sustenta “que o legislador não possui competência para, em absoluto, castigar pela sua imoralidade condutas não lesivas a bens jurídicos”.[36]
Tratando dos usos da maconha, do álcool, do cigarro convencional etc. podem até ser imorais, mas não podem ser criminalizados por representará confundir direito e moral.