Uma análise do encontro fortuito nas interceptações telefônicas

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26/12/2019 às 20:02
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O presente artigo científico tratará do fenômeno da Serendipidade, ou do denominado encontros fortuitos em sede do instituto da interceptação telefônica regulado pela da Lei nº 9.296/1996 analisando alguns dos principais posicionamentos existentes.

                                                                           

                                                                           

RESUMO:

O presente artigo científico tratará do fenômeno da Serendipidade, ou do denominado encontros fortuitos em sede do instituto da interceptação telefônica regulado pela da Lei nº 9.296/1996. O estudo irá fazer uma análise acerca dos posicionamentos existentes em face do encontro fortuito, primeiramente, será conceituada e feita uma breve análise histórica da Interceptação Telefônica como meio probatório, assim como será conceituado e demonstrado a relação daquela com o tema em que se apresenta. Em momento posterior, será apresentado a problemática do tema e suas posições doutrinárias e divergências existentes acerca do tema no direito pátrio. Por último, será realizada análise comparativa dos posicionamentos utilizados aos longos dos anos pelos Tribunais Superiores sobre o tema trazendo da mesma forma suas principais decisões jurisprudenciais e julgados recentes do fenômeno das descobertas inusitadas demonstrando as mudanças principais quanto à possibilidade de se validar ou não esta prova fortuita no processo penal brasileiro.

Palavras-chaves: Interceptação Telefônica; Encontro Fortuito de provas; Serendipidade; Descoberta fortuita de provas; Serendipidade na Interceptação telefônica.

ABSTRACT:

The present scientific article will treat the phenomenon of the Serendipidade, or of called accidental meetings in thirst of the regulated institute of the telephone interceptação it shears of the Law n. 9.296/1996. The study will be going to do an analysis about the existent doctrines in view of the accidental meeting, firstly, there will be conceptualized and done a short historical analysis of Telephone Interception like probational way, as well as it will be conceptualized and demonstrated the relation of that with the subject in which it shows up. In subsequent moment, it will be presented the problematics of the subject and his positions doctrinaire and existent divergences about the subject in the native right. For last, there will be carried out comparative analysis of the positionings used to the long ones of the years by the Superior Courts on the subject bringing likewise his main decisions jurisprudenciais and judged recent of the phenomenon of the unusual discoveries demonstrating the main changes as for the possibility to this accidental proof be validated or not in the Brazilian penal process.

Keywords: Telephone Interception; Fortuitous gathering of evidence; Serendipity; Fortuitous discovery of evidence; Serendipity in Telephone Interception.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Da interceptação telefônica; 1.1. Evolução histórica da interceptação telefônica; 1.2. Conceito de interceptação telefônica; 2. O encontro fortuito de provas por meio das interceptações telefônicas; 2.1. Conceito de encontro fortuito; 2.2. Considerações acerca da problemática do encontro fortuito; 3. Do tratamento jurídico no Direito Penal brasileiro sobre o tema; 3.1. A posição doutrinária acerca da licitude da prova por meio do encontro fortuito na interceptação telefônica; 3.2. Os entendimentos jurisprudenciais acerca da (in)validade da prova fortuita; Conclusão; Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Contemporaneamente estamos vivenciando a chamada “Era Digital”, onde a humanidade, a partir das conquistas tecnológicas, conseguiu gerar uma gama de benefícios, de uma maneira geral, contribuindo na progressiva evolução dos meios de comunicação de forma globalizada possibilitando o encurtamento das fronteiras entre os povos e tornando a vida social cada dia mais complexa.

Contudo, não há que se negar que esse avanço tecnológico trouxe também seus aspectos negativos. Com ele se oportunizou, por exemplo, que a esfera da vida privada dos indivíduos fossem facilmente invadidas sem precedentes, afetando diretamente garantias fundamentais como o direito à preservação da intimidade e à privacidade das pessoas. O cometimento de trespasses e violações à esfera íntima dos indivíduos pelo uso da tecnologia não passou despercebido, tendo se tornado nova preocupação da sociedade pós-moderna a necessidade de se proteger com mais veemência tais direitos individuais.

A partir do art.5º, inciso XII, a Carta Magna determinou a proteção da garantia da inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, telegráficas e a de dados, tendo em vista que a privacidade dos indivíduos deve ser respeitada para que os mesmos possam exercitar e desenvolver plenamente os direitos de personalidade que cada cidadão possui, que desdobra-se na defesa da honra, da imagem e da vida privada dos cidadãos.

Entretanto, quando se faz necessário, a interceptação telefônica, instrumento posto ao Estado para investigar casos de maior complexidade, entre eles os crimes de organização criminosa e os denominados crimes de “colarinho branco” foi a solução encontrada pelo legislador, com o fito de obter provas e elucidar fatos e portanto uma forma de investigação realmente capaz de combater a criminalidade.

Todavia entenda-se que os direitos fundamentais são de extrema importância, eles não possuem caráter absoluto e não são intangíveis. Exemplo disso é a relativização das garantias constitucionais de intimidade e inviolabilidade do sigilo das correspondências e telefônicas, autorizada no art.5º, inc. XII, da Constituição Federal, quando expressamente diz “salvo, no último caso”, ou seja, apenas quando se estiver diante de casos excepcionalíssimos como os de crimes de gravidade extrema, por exemplo, a corrupção.

 É necessário, nesses casos, fazer uma ‘ponderação de valores’ quando se verificar o conflito de interesses entre direitos fundamentais, devendo sempre eleger aquele que for de maior relevância entre eles. Na interceptação telefônica e, especificamente, no caso do encontro fortuito de provas, o que se observa no conflito de interesses é que, de um lado está o direito da sociedade e, de outro, o direito personalíssimo do(s) sujeito(s) investigado(s), devendo preponderar, de forma equilibrada, a opção entre os direitos do(s) investigado(s) e os direitos pro societate, que resguarda o interesse público visando a repressão à criminalidade.

O objetivo deste estudo é analisar, diante do quadro brasileiro atual, em que a corrupção, por exemplo, está na “ordem do dia”, de que maneira os direitos fundamentais estão sendo resguardados, sem que, ao mesmo tempo, deixe-se de se fazer a tão almejada justiça na busca de solução para os casos criminais em que seja necessário o uso de provas obtidas por meio da interceptação telefônica, ainda que através do encontro fortuito dessas provas.

  1. DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

  1. Evolução histórica da interceptação telefônica

Por um longo período no direito brasileiro os doutrinadores discutiram a necessidade de se regulamentar a interceptação telefônica de maneira específica e descritiva, a partir de um estatuto próprio, eis que os avanços tecnológicos trouxeram, de forma negativa, número substancial de violações aos direitos relativos à intimidade, assim como, cada vez eram mais corriqueiras as invasões de privacidade.[2]

                                                                           

Antes da Constituição Federal de 1988 o que se observava nas Constituições anteriores era a garantia de ‘modo absoluto’ da inviolabilidade das comunicações telefônicas, ou seja, esta regra não podia ser excepcionada ou ressalvada de forma alguma.

A menção à comunicação telefônica só veio realmente aparecer depois da Constituição de 1946[3] nas Constituições de 1967 em seu art.150, §9º[4] e na Constituição de 1969 (Emenda nº1/67), através do art.153, §9º[5], garantindo de forma absoluta a ‘inviolabilidade das comunicações telegráficas e telefônicas’.[6]

           

No início desta fase para formulação das normas aplicáveis ao tema Ada Pellegrini Grinover promoveu um estudo e conseguiu firmar entendimento de que o sigilo poderia ser relativizado tendo apenas uma característica aparente de ser absoluto, e portanto, cabendo ser excepcionado com base no art.57 da Lei nº4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações) que dizia que não se caracterizaria violação ao sigilo de telecomunicação se houvesse tido previamente comunicação ao juiz competente por meio de intimação ou requisição.[7]

           

Após fixação desse posicionamento por Ada Pellegrini o dispositivo foi questionado de sua constitucionalidade. Entendia-se que a garantia de sigilo das telecomunicações estava sendo assegurada sem existir quaisquer ressalvas, e que, portanto não havia qualquer fundamento amparado pela Constituição desta requisição judicial. [8]

Entrando em vigor a Constituição de 1988 remodelou-se o entendimento que até então se tinha sobre a matéria através do disposto no art.5º, XII, da CF/88, tratando a possibilidade de excepcionar a quebra do sigilo apenas se houvesse pré-existência de autorização por ordem judicial com fim de investigação criminal ou instrução processual penal.

Entretanto, a expressão existente no artigo [...] nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer [...]”[9] criou um obstáculo, sendo esse a necessidade de existência de regulamentação legal específica para tornar possível tal garantia ser excepcionada, uma vez que a Constituição de 1988 não recepcionou o Código Brasileiro de Telecomunicações.

        

Através da decisão do Supremo Tribunal Federal no HC nº73.351-4/SP, reafirmou-se a não recepção da referida norma pela Carta Magna vigente, como também ficou determinado que não haveria autorização para se interceptar até que houvesse elaboração de lei específica sobre a matéria.

Em 1996 finalmente foi editada a Lei nº9.296/96 (Lei de Interceptações telefônicas), regularizando o disposto no art.5º, XII e definindo os requisitos legais para que seja autorizado o uso da interceptação de comunicações telefônicas como meio válido de prova processual. Observe-se que todas as interceptações feitas antes desta lei foram consideras ilícitas.[10]

 1.2. Conceito de Interceptação Telefônica

Embora o presente artigo tenha como foco principal as descobertas fortuitas, é necessário que se faça uma análise probatória da Interceptação Telefônica sob a perspectiva dos encontros fortuitos demonstrando o cenário que possibilita a ocorrência do fenômeno da Serendipidade.

  Para que se entenda o conceito de ‘Interceptação Telefônica’ devemos primeiramente observar que a palavra interceptação possui o sentido de “interceptar”, ou seja, trata-se daquela situação em que, durante uma conversa entre duas pessoas, uma terceira pessoa distinta daqueles que se comunicam, se intromete ou interfere na conversação daquelas duas, de forma a tomar conhecimento do assunto que é tratado pelos interlocutores.

 O ilustre doutrinador Renato Brasileiro de Lima conceitua que:

Sob o ponto de vista da lei 9.296/96, interceptar uma comunicação telefônica não quer dizer interrompê-la, impedi-la, detê-la ou cortá-la. A expressão deve ser compreendida como o ato de captar a comunicação telefônica alheia, tendo conhecimento do conteúdo de tal comunicação. É da essência da interceptação a participação de um terceiro, que passa a ter ciência do conteúdo de uma comunicação telefônica alheia.[11]

A interceptação telefônica como meio probatório válido, que o art.5º, inciso XII, da Constituição Federal e a Lei 9.296/96 ressalva, corresponde especificamente a duas modalidades: a primeira é Interceptação telefônica stricto sensu, que entende-se por ser aquela: “[...]realizada por alguém sem autorização de qualquer dos interlocutores para a escuta e eventual gravação de sua conversa, e com desconhecimentos deles”[12]; e a segunda seria a chamada escuta telefônica, entendida como “[...] captação da comunicação telefônica por terceiro, com o conhecimento de um dos comunicadores e desconhecimento do outro”[13].

Diferente das modalidades supracitadas, existem outras formas de captação que não são aplicadas pela lei 9.296/96, e portanto, não devem ser confundidas com as duas modalidades descritas acimas, são elas: a gravação clandestina (telefônica ou ambiental), que ocorre entre dois comunicadores, sendo que um deles grava a conversa sem anuência do outro, é a chamada ‘autogravação’; a interceptação ambiental entendida como “[...] captação de uma comunicação no próprio ambiente dela, por um terceiro, sem conhecimento dos comunicadores”[14] ou a escuta ambiental, entendida como “[...] captação de uma comunicação, no ambiente dela, feita por terceiro, com o consentimento de um dos comunicadores”[15].

Sendo assim, entende a jurisprudência majoritária, que a interceptação telefônica como medida investigativa excepcional e submissa a Lei 9.296/96, só será entendida como meio legal de prova, em sede processual, quando a medida aplicada for via interceptação telefônica estrito senso ou escuta telefônica.[16]

Dito isso, a interceptação telefônica deve observar também outros requisitos específicos existentes na Lei de Interceptações Telefônicas para ser considerada meio válido de prova, são os pressupostos formais e materiais que se encontram na Lei 9.296/96 conforme se elucidará abaixo.

Será a interceptação telefônica medida legal para a apuração de crimes quando observados, primeiramente, que autorização judicial esteja devidamente fundamentada e com base no Princípio da Proporcionalidade, conforme dita o Parágrafo único do art. 1º da referida lei, entendendo-se como medida excepcional em casos de extrema gravidade e analisando-se através da proporcionalidade, quando da colisão entre direitos fundamentais em que, excepcionalmente, permite-se que um direito fundamental seja sacrificado em prol de um direito fundamental de maior importância; depois disso, verificar o disposto no art.2º, Parágrafo Único, que a decisão judicial deve observar: a) quanto aos fatos criminosos, que sejam descritos de forma clara a situação objeto da investigação; e b) relativa aos sujeitos passivos, que se faça a indicação e qualificação de quem se quer investigar[17].

De acordo com Valdinei Cordeiro Coimbra[18], o art. 2º da referida lei determina que também deverá levar em conta, além do que já foi dito acima: 1) a existência de indícios de autoria ou participação em infração penal; 2) inexistência de outro meio de prova disponível além da interceptação telefônica e; 3) deverá o crime ser punido com pena de reclusão (o reconhecimento deste último é controvertido e será discutido mais adiante).

Portanto, feita a delimitação e explanação dos principais requisitos que fundamentam uma Interceptação Telefônica como meio probatório válido para a persecução processual penal, será feito, a seguir, a análise do encontro fortuito de provas no processo penal por meio da interceptação telefônica.

2. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DO ENCONTRO FORTUITO NAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS

  1.   Conceito do Encontro Fortuito

Através do deferimento legalmente autorizado de uma Interceptação Telefônica é possível que durante o curso da diligência apareçam, de maneira inusitada e ao acaso, prática de delito diverso daquele que foi precipuamente autorizado pela lei como objeto principal da medida cautelar. E através da obtenção destes novos informes relevantes, descobrem-se fortuitamente novas pessoas ou novos fatos que nem eram o alvo da diligência perquirida inicialmente. A doutrina chamou tal fenômeno de encontro fortuito, descobertas casuais ou acidentais, ou como Luiz Flávio Gomes[19] descreve, calcado na doutrina inglesa, Serendipidade, palavra originada do livro Os três príncipes de Serendip, do escritor inglês Horace Walpole, em 1754. A partir do conto entende-se como “serendipity” ocasião em que, saindo em busca de uma coisa determinada, encontram-se outras, por vezes mais valiosas e interessantes do que se buscava originalmente de maneira casual e inusitada.

Além das denominações descritas acima, Luiz Flávio Gomes ainda cita mais outras, dizendo o seguinte:

A doutrina denomina esse fenômeno de “encontro fortuito” (hallazgos fortuitos) ou descubrimientos casuales ou descubrimientos acidentales ou, como se diz na Alemanha, Zufallsfunden. Damásio E. de Jesus ainda menciona: conhecimento fortuito de outro crime, novação do objeto da interceptação ou resultado diverso do pretendido[20].

Verifica-se que a Teoria da prova fortuita pode ser presenciada nas seguintes situações: a) durante a persecução investigativa direcionada à algum crime ou sujeito específico, a autoridade investigativa toma conhecimento de outros fatos delitivos distintos do que se buscava originalmente; b) pode ser possível que ao longo da interceptação em busca de fatos comprobatórios contra determinado suspeito de um crime descubra-se inusitadamente outros sujeitos que estão envolvidos na prática daquele crime tornando o rol de criminosos maior; e c) independente das situações descritas pode acontecer que a autoridade policial no cumprimento de uma diligência concernente a uma infração seja feita casualmente uma descoberta de prova(s) fortuita(s) que digam respeito à outro delito, que não tinha como se prever com o andamento normal da investigação[21]. É fato novo e totalmente desvinculado do pedido inicial do feito, ou seja, sujeito/crime distinto do autorizado precipuamente pela ordem judicial. A título exemplificativo podemos narrar o caso em que a autoridade titular da interceptação acaba tomando ciência no decorrer da investigação de que uma terceira pessoa estranha havia cometido um crime diferente daquele que tinha sido autorizado judicialmente como objeto de investigação para interceptação.[22]

  1.   Considerações acerca da problemática do encontro fortuito

A partir da entrada em vigor da Carta Magna de 1988, o constituinte originário flexibilizou a possibilidade de se relativizar o direito fundamental do sigilo das comunicações telefônicas através da aplicação subsidiária do princípio da proporcionalidade. A aplicação deste princípio é fundamental para ponderar os bens jurídicos em conflito quando se estiver fazendo a análise de caso concreto, e que portanto, caso seja necessário, se autoriza que os juízes invadam ou não a esferade direitos individuais (como o de privacidade e intimidade), através do instrumento da interceptação telefônica, conforme os ditames da lei 9296/96, tendo em vista que, na sua escolha, ele deve ponderar qual bem jurídico é mais relevante, de forma que o equilíbrio dessas garantias sempre tentem alcançar o ideal de justiça e harmonia que o Estado democrático de direito visa em observância da ordem jurídica vigente.

No tocante ao ponto principal deste trabalho o fenômeno da serendipidade, é certamente a questão mais controvertida e propensa a dúvidas em matéria de interceptação das comunicações telefônicas, pois o legislador que editou a Lei n. 9.296/96 não regulamentou acerca da possibilidade de se validar ou não a prova fortuita obtida pela autoridade policial quando a mesma realiza a diligência de investigação por via da interceptação telefônica e que por um acaso toma conhecimento da ocorrência infracional de novos fatos criminosos ou de terceiros estranhos ao fato que inicialmente se investigava.[23]

Sendo assim, em face do silêncio da lei quanto ao valor probante do encontro fortuito no processo penal brasileiro, a questão foi sendo solucionada pela doutrina e pela jurisprudência, conforme a necessidade de julgar os casos em que se evidenciasse o encontro fortuito. Não obstante a existência de posição majoritária e precedentes normativos dos tribunais superiores no Brasil, que tendem a seguir uma mesma linha de raciocínio, a rediscussão sobre o tema nos últimos anos veio à tona em face das problemáticas e do contexto social atual do país como, por exemplo, o caso da “Lava Jato”. Portanto, verifica-se a reanálise pelos Tribunais Superiores e pela doutrina acerca da validade ou não da obtenção fortuita destas novas informações no processo penal.[24]

Citando uma hipótese, a título exemplificativo, para demonstrar a problemática discutida acerca do tema, temos um seguinte caso: imaginando-se que a partir de uma interceptação telefônica determinada pela autoridade judicial, preenchendo-se os requisitos legais da lei para investigar um determinado sujeito suspeito de cometer crime de homicídio, e, durante o desenvolver da interceptação telefônica, descobre-se casualmente a prática de um crime de sequestro. Pergunta-se: De que forma o nosso ordenamento jurídico fará seu juízo de valor quanto ao fato fortuitamente encontrado? Será possível considerar tal prova inesperada como válida ou terá que ser removida do processo por ser considerada uma prova ilícita? Poderá a gravação obtida na interceptação telefônica ser utilizada como prova deste novo fato descoberto fortuitamente? A lei de interceptação telefônica é silente quanto à tal fenômeno.

Na busca de solucionar tal lacuna a doutrina e jurisprudência pátria apresentam diversos entendimentos sobre o tema, como será visto mais adiante[25], tendo como ajuda assistencial na criação de suas teses as demais legislações internacionais que do assunto.

  1. DO TRATAMENTO JURÍDICO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO SOBRE O TEMA
     

3.1. A posição doutrinária acerca da licitude da prova por meio do encontro fortuito na interceptação telefônica

É pacífico tanto para a jurisprudência quanto para a doutrina o pleno reconhecimento desse fenômeno em sede criminal, tendo sido originalmente denominado pelos doutrinadores brasileiros de “encontro fortuito ou casual de provas”, assim como entendido por “Serendipidade” pela jurisprudência, em especial pelo Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com o Informativo n.º 539 do Superior Tribunal de Justiça correspondente ao HC 282.096/SP, julgado pelo Ministro Sebastião Reis Junior, que explica a Teoria da Serendipidade[26]:

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          

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[...] Com efeito, pode ocorrer o que se chama de fenômeno da serendipidade, que consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação. (Grifo nosso)[27].

 A interceptação telefônica só servirá como prova lícita se preencher os requisitos determinados no artigo 2º, parágrafo único da lei 9.296/96, devendo conter:

[...]a decisão judicial a) descrição com clareza da situação objeto da investigação; b) indicação e qualificação dos investigados (dos sujeitos passivos). Fala-se em parte objetiva (fática) e subjetiva (pessoas) da medida cautelar.[28]

A problemática originalmente discutida pela doutrina é quando se verificar durante a persecução da interceptação telefônica a ciência de “[...]fatos novos (não objeto da autorização judicial) ou nomes novos (não indicados pelo magistrado) [...]”[29], ou seja, descoberta de outros fatos criminalmente relevantes que se diferem do “objeto original da investigação”, seria possível admitir a validade de tais provas fortuitas? Ou seja, seria possível que a autorização pertencente ao fato inicialmente investigado abarcasse também aqueles outros fatos ou pessoas fortuitamente encontrados ao longo da diligência?[30]

A respeito das posições doutrinarias no direito brasileiro Souza e Arruda dispõe em seu artigo comentário de Madeira, e sintetiza os entendimentos da seguinte forma:

Acerca disso, leciona Madeira (2016, p.271) que existem, basicamente, três posições:

  1. Não deve ser admitida a utilização desta prova nova descoberta por acaso ou fortuitamente, pois a restrição da intimidade é medida que deve ser efetivada e tomada de maneira limitada vez que restringe direito fundamental e não possui respaldo legal;
  2. Somente pode ser utilizada como prova se houver conexão com o fato investigado – sendo esta a posição adotada pelo STF e pelo STJ.
  3. Sempre poderá ser utilizada como prova a descoberta apresentada na medida em que foi restringida de maneira lícita a intimidade da pessoa, ou seja, se foi restringida de maneira lícita, não se pode ignorar a descoberta realizada, de maneira que pode ser utilizada como prova. [31]

Numa primeira análise, temos os doutrinadores mais radicais, que julgam pela impossibilidade de aplicação do uso do encontro fortuito como elemento probatório numa interceptação telefônica que tenha por finalidade um objeto diverso daquele encontrado. Nesse sentido, entendem que toda prova fortuita será inadmissível e ilícita, uma vez que há nulidade em sua origem, já que o objeto da investigação deve ser específico e claro, indicando e qualificando as pessoas a serem investigadas. Partilham desse entendimento Damásio E. de Jesus, Camargo Aranha, Aury Lopes Junior[32], Alfonso Serrano Maíllo[33] fundamentam-se estritamente pelo que dispõe a letra fria do texto na lei 9.296/96, visto que aceitar este tipo de prova seria o mesmo que tentar violar a própria lei.

Na mesma linha de pensamento Camargo expõe que:

A prova obtida pela interceptação deve corresponder ao fundamento apresentado e que serviu de base para a autorização judicial. Fora de tal hipótese, estar-se-ia usando de uma prova ilícita quanto ao modo em que colhida, porque fugiu dos preceitos legais que exigem um pedido com fundamentação certa, contra pessoa determinada, e que, como tal, serviu de base à autorização judicial concedida. Estar-se-ia burlando a própria fundamentação da autorização judicial.[34]

Em suma, essa corrente doutrinária considera que estes terceiros fortuitamente encontrados pelo fenômeno da serendipidade teriam seus direitos fundamentais violados caso fosse aceita esta prova fortuita, pois que não estão inclusos na autorização judicial prévia da interceptação e que, portanto, a utilização do produto dessa interceptação em face desses novos fatos e pessoas é o mesmo que violar o princípio da especialidade da prova que vincula apenas o objeto incialmente autorizado.

Referente ao princípio da especialidade da prova, Aury Lopes Jr. dispõe:

Trata-se de uma vinculação causal, em que a autorização judicial para a obtenção da prova naturalmente vincula a utilização naquele processo (e em relação àquele caso penal), sendo assim, ao mesmo tempo, vinculada e vinculante.

Essa decisão, ao mesmo tempo em que está vinculada ao pedido (imposição do sistema acusatório), é vinculante em relação ao material colhido, pois a busca e apreensão, interceptação telefônica, quebra do sigilo bancário, fiscal etc., está restrita à apuração daquele crime que ensejou a decisão judicial.[35]

Em oposição ao entendimento acima, qual seja, a inadmissibilidade de toda prova obtida a partir do encontro fortuito nas interceptações telefônicas, hodiernamente, a doutrina majoritária e os Tribunais Superiores, possuem uma postura positiva em admitir o encontro fortuito como prova válida quando verificada algumas condições que serão analisadas mais à frente.

Antes de analisarmos os critérios de valoração utilizados para admitir o uso dos conhecimentos fortuitos, é preciso, primeiramente, esclarecer um ponto relevante, que é relativo à verificação do “animus da autoridade policial” em utilizar a interceptação telefônica, que, a depender disto, este meio probatório poderá ser lícito ou não. Em outras palavras, significa dizer que, não deverá ser considerado válida a prova obtida fortuitamente por meio de interceptação telefônica caracterizada pelo desvio de finalidade.

Sendo assim, quando for verificado que a autoridade policial utilizou a interceptação telefônica para investigar fatos ou pessoas diversas daquelas expressamente admitidas por ordem judicial, tendo em vista a utilização deste instrumento para aparentar uma ação legal mas com objetivo de satisfazer interesses pessoais, a prova fortuita obtida é inválida, devendo, portanto, ser admitida apenas quando descaracterizado o desvio de finalidade[36].

Entendido o campo de validade da interceptação telefônica lícita, passaremos à discussão do posicionamento doutrinário que defende a validade do encontro fortuito quando se identificar a existência do “critério de conexão”. Reconhecem a validade, nesse sentido, os autores Vicente Greco Filho, Luiz Flávio Gomes, Lênio Luiz Streck e Renato Brasileiro[37].

No ponto de vista desses autores, em regra, as provas obtidas por meio das descobertas casuais por via da interceptação telefônica autorizada judicialmente só poderão ser utilizadas para fundamentar o processo de eventual condenação em face do autor do crime fortuitamente encontrado quando houver a demonstração da existência de “nexo/congruência entre os dois crimes”, quais sejam, aquele em face do sujeito que está sendo investigado e aquele do fato delitivo fortuitamente encontrado[38].

Além disso, baseando-se por este “critério de conexão”, a doutrina também vem classificando este tema em serendipidade (ou encontro fortuito) de “primeiro” ou “segundo grau”, através da apuração do grau de conexão existente entre o novo fato (a descoberta inusitada) e aquele investigado inicialmente.[39] Segundo Geordan[40] será de primeiro grau quando for encontro fortuito de fatos conexos e de segundo grau quando for encontro fortuito de fatos não conexos, caracterizando-se em mera notitia criminis.

Entende-se como primeiro grau os casos em que os fatos fortuitamente encontrados tiverem conexão com o objeto da investigação, ou seja, quando se tratar de crimes conexos conforme dita o artigo 76 do Código de Processo Penal[41]. Além disso, entra nesta classificação o encontro fortuito que indicar outro(s) agente(s) envolvido(s) no crime em investigação, caracterizando continência por cumulação subjetiva prevista no artigo 77, inciso I do Código de Processo Civil[42].

            Corroborando tal raciocínio, entendem pela admissibilidade da prova fortuita nas hipóteses em que se evidenciarem a relação de conexão e continência, os ilustres doutrinadores Rogério Sanches e Luiz Flávio Gomes:

Se o fato objeto do “encontro fortuito” é conexo ou tem relação de continência (concurso formal) com o fato investigado, é válida a interceptação telefônica como meio probatório, inclusive quanto ao fato extra descoberto. Essa prova deve ser valorada pelo juiz. Exemplo: autorização dada para a investigação de um tráfico de entorpecente; descobre-se fortuitamente um homicídio, em conexão teleológica. De outra parte, se se descobre o envolvimento de outra pessoa no crime investigado (de tal forma a caracterizar a continência do art. 77), também é válido tal meio probatório. Nessas duas hipóteses, em suma, a transcrição final da captação feita vale legitimamente como meio probatório e serve para afetar (“enervar”) o princípio da presunção de inocência [43].

Nesses dois critérios podemos observar situações novas e diversas daquelas em que se funda o objeto autorizador da interceptação, entretanto, mesmo que tais situações não estejam delimitadas na autorização judicial, entende a maioria da doutrina e os Tribunais Superiores que havendo conexão e continência, é possível a análise da prova deste novo fato ou da descoberta de coautores ou partícipes e consequente utilização processual destas descobertas inusitadas até porque

O renomado penalista Renato Brasileiro cita, inclusive, a visão atual do Superior Tribunal de Justiça como “[...] lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de interceptação de ligações telefônicas de terceiro não mencionado na autorização judicial de escuta, desde que relacionada com o fato criminoso objeto da investigação”[44]  

Além dos critérios de conexão e continência, através de uma perspectiva mais ampla, há o entendimento pela doutrina quanto a admissibilidade da prova fortuita em face do “concurso de crimes”. Nesta hipótese, verifica-se a validade dessa prova fortuita em relação a toda descoberta de crime(s) praticado(s) pelo mesmo sujeito passivo indicado na autorização judicial. Contudo, é imprescindível, nesses casos, identificar no concurso material, se há, entre o fato novo (apenas aqueles que forem relevantes penalmente) e o fato criminoso, objeto original autorizativo à existência de uma relação de conexão entre os mesmos.

           

            Nesse diapasão, necessário se faz destacar o doutrinador Vicente Greco Filho,[45] que adota a postura elencada acima, sendo assim, crê que “serão válidas, ainda que as pessoas não estejam elencadas no pedido ou na ordem, sendo a única condição que elas tenham envolvimento com o crime investigado”[46], e assim admite a validade de novos crimes desconexos com aquele discriminado na autorização judicial.

Entretanto, o autor acima faz apenas uma limitação para validar o uso destes novos fatos, que é a condição delimitada no inciso III do art.2º, da Lei 9.296/96, sendo essencial que esta(s) nova(s) descoberta(s) trate-se de crime(s) apenado(s) por reclusão. Em seu livro, conclui este pensamento, dizendo:

[...] por exemplo, se, investigando-se tráfico de drogas, verifica-se a participação em sequestro. Poderia a gravação feita ser utilizada como prova desses fatos? Entendemos que sim, desde que a infração possa ser ensejadora de interceptação, ou seja, não se encontre entre as proibições do art.2º e desde que seja fato relacionado com o primeiro, ensejando concurso de crimes, continência ou conexão[47].  

De forma adversa e restrita, Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel apenas entendem como lícita as provas obtidas casualmente na interceptação quando forem conexas (ou continentes) e com pena de reclusão, assim como a lei determina, in verbis:

Com a devida vênia, utilizar uma interceptação telefônica como prova num crime punido com detenção significa flagrante violação ao texto legal em análise. Trata-se de prova inválida. Pela lei a interceptação só vale nos crimes punidos com reclusão. Não se pode, pois, fazer interceptação extensiva do texto legal para considerar que se o delito punido com detenção ou a contravenção é conexo com o delito para o qual foi autorizada a interceptação a prova então será válida para todas as infrações. Não há nada na presente lei que permita tal interpretação.[48]

Em contrapartida, o entendimento aludido, o qual vincula a licitude da prova fortuita apenas aos crimes punidos com pena de reclusão, será visto mais adiante, em tópico próprio, já que os Tribunais Superiores não se limitam a validar o uso da prova fortuita da mesma forma que os doutrinadores acima, pois, partem do pressuposto de que o encontro fortuito de crimes punidos com detenção ou contravenção penal também são aceitos.

Feita a delimitação da serendipidade de primeiro grau, deverá ser entendido por encontro fortuito ou serendipidade de segundo grau, [49] Nessa lógica, Nestor Távora aponta que:

[...] a constatação de provas ou fontes de provas alusivas à crime diverso do objeto das investigações e que não guarda relação de conexão ou de continência com aquele que é objeto da apuração (razão do deferimento da interceptação telefônica, por exemplo).[50]

Entretanto, não podemos afirmar que, quando o fato não for conexo ou quando versar sobre terceiro estranho, não terá nenhuma serventia, valerá como “fonte de prova”. A partir destas informações poderá ser desenvolvida nova investigação, ou seja, servirá como notitia criminis, e a partir dela pode até ocorrer de eventualmente, caso se torne necessário pela autoridade investigativa, que seja aberta uma nova interceptação telefônica, independente, para que se investigue este caso especifico.

Outra corrente doutrinária existente no Brasil sobre este tema, seguida pelos doutrinadores Paulo Rangel, Fernando Capez, Eugênio Pacelli, Guilherme Madeira e Norberto Avena, [51] entende pela admissibilidade de quaisquer provas fortuitas obtidas por meio de uma interceptação telefônica autorizada judicialmente, ou seja, que tenha sido realizada de forma lícita. Como define Guilherme “se houve restrição lícita à privacidade, pouco importa se há conexão ou não com o fato investigado, deve ser permitida a utilização deste elemento como prova”[52].

Eugênio Pacelli[53], da mesma forma, entende que o encontro fortuito será válido em razão da gravidade deste delito e por mais que esta prova fortuita seja de crime apenado por detenção, tal fato não terá relevância e nem viola as regras da lei 9.296/96, pois a exigência quanto à crime apenado por reclusão já foi cumprida anteriormente quando o juiz autorizou a realização da diligência investigativa.

Para os doutrinadores dessa corrente a validade deverá ser sempre atribuída caso haja a constatação de que a interceptação telefônica foi executada conforme os ditames da lei, sendo plenamente lícita. Sendo assim, eventualmente, caso os resultados obtidos fortuitamente por ela demonstrem um achado possuidor de aspectos como gravidade deste fato na esfera penal e a transparência de incontestável perigo social patente neste delito, tais fatos deverão sempre ser observados a partir da perspectiva em que tal achado fortuito é válido, pelo simples fato de ser uma consequência natural da investigação plenamente autorizada em momento pretérito.

Por esta razão, não há que se falar em violação à ordem jurídica, e muito menos discutir acerca da relativização dos direitos fundamentais em face deste novo fato, em razão de que o direito ao sigilo das comunicações já foi excetuado por ordem judicial anterior.[54]

Nesse sentido, Rangel[55], afirma que “os fatos fortuitamente conseguidos sempre servirão como prova, independentemente de ligação com o crime anterior ou mesmo de ser a infração descoberta, por acaso, passível de interceptação”. Sendo assim, poderá o fato descoberto por via de interceptação lícita ser válido como prova mesmo nos casos em que ele seja totalmente desconexo com aquele que autorizou a medida investigativa, como também, independe se tal infração descoberta seja crime punido por reclusão ou não.

A esse propósito, faz-se mister trazer à colação o entendimento de Fernando Capez quanto ao alcance da autorização da interceptação telefônica:

[...] Embora a questão suscite divergências na doutrina, entendemos que a ordem de quebra do sigilo vale não apenas para o crime objeto do pedido, mas também para quaisquer outros que vierem a ser desvendados no curso da comunicação, pois a autoridade não pode adivinhar tudo o que está por vir. Se a interceptação foi autorizada judicialmente, ela é lícita e, como tal, captará licitamente toda a conversa. Não há nenhum problema.[56]

 Ainda nessa lógica de validar prova fortuita desconexa, Geraldo Prado deixa clara posição mais restritiva e mediana no sentido de que, se o crime descoberto por meio da interceptação telefônica for caso de punição com reclusão, cuja ação penal seja pública incondicionada, a prova derivada do encontro fortuito é válida, mesmo sem haver conexão ou continência com o crime objeto da investigação.[57]

Da mesma forma Cabette se posiciona favoravelmente ao uso desta prova casual, ainda que não conexa com o crime objeto da interceptação, fazendo a mesma ressalva limitativa aos crimes não proibidos pela Lei 9296/96 de interceptação. Em suas palavras: 

No entanto, sendo apenas admissível o encontro fortuito para os crimes que são passíveis de interceptação, excluídos os demais, tal manobra ilegal não teria razão de ser. Senão vejamos: se o crime cuja apuração se pretende for grave e admitir por isso a interceptação, não há porque maquiar o pedido ou a ordem. Certamente a ocorrência de um encontro fortuito será realmente autentica, pois em caso contrário, a autorização ou o pedido teriam se referido naturalmente ao crime que se pretendia apurar. Se, em outra situação, se pretender simular um pedido ou autorização para um crime grave, visando na verdade um de menor monta, não haverá perigo de burla da lei, pois independente de ser um autêntico encontro fortuito ou uma manobra artificiosa, a prova será inválida pela simples razão de a infração não admitir o meio de prova.[58]

Portanto, ante o exposto, constata-se que a doutrina brasileira não é consensual ao tratar da possibilidade de se validar ou não tais provas fortuitas em sede processual penal. Isto posto, será feito no próximo item uma análise evolutiva da perspectiva dos Tribunais Pátrios como também uma análise dos entendimentos doutrinários quanto a suas jurisprudências.

3.2. Os entendimentos jurisprudenciais acerca da (in)validade da prova fortuita.

Assim, como não há na doutrina um posicionamento uníssono quanto ao aproveitamento das provas derivadas das descobertas casuais, o mesmo será evidenciado em face da jurisprudência pátria, conforme será demonstrado a seguir.

O entendimento pelos Tribunais Superiores quanto a matéria prescinde de tratamento semelhante entre eles. As decisões julgadas atualmente pelos tribunais, como será visto adiante, remodelaram seus entendimentos clássicos sobre o assunto e a tendência é que os critérios para validar este tipo de prova sejam ampliados e flexibilizados tendo em vista o grande foco social em tentar combater a criminalidade organizada ou macroeconômica no país.

De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores é visto, de forma quase integral e unânime, o posicionamento favorável da admissibilidade da prova fortuita obtida (em face de novo delito ou em face do achado de novo criminoso) por meio da interceptação das comunicações telefônicas. Originalmente, o entendimento clássico destas Cortes para validar o encontro fortuito diz respeito aquela hipótese já relatada no item anterior, também seguida majoritariamente pela doutrina, mormente, sobre aquela que fala da existência de conexão ou continência com o objeto da investigação original com o fato descoberto acidentalmente para que seja aceitável como prova.[59]

Desse modo, o Supremo Tribunal de Justiça decidia conforme se comprova no julgamento feito pela relatora Ministra Laurita Vaz no HC 33.553/CE abaixo transcrita:

[...] É lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de interceptação de ligações telefônicas de terceiro não mencionado na autorização judicial de escuta, desde que relacionada com o fato criminoso objeto da investigação. (Grifo nosso) [60]

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça tem utilizado a denominação “fenômeno da serendipidade” para identificar estas descobertas fortuitas, conforme aduzido no teor que abaixo se transcreve:

1. A interceptação telefônica vale não apenas para o crime ou indiciado objeto do pedido, mas também para outros crimes ou pessoas, até então não identificados, que vierem a se relacionar com as práticas ilícitas. A autoridade policial ao formular o pedido de representação pela quebra do sigilo telefônico não pode antecipar ou adivinhar tudo o que está por vir. Desse modo, se a escuta foi autorizada judicialmente, ela é lícita e, como tal, captará licitamente toda a conversa. 2. Durante a interceptação das conversas telefônicas, pode a autoridade policial divisar novos fatos, diversos daqueles que ensejaram o pedido de quebra do sigilo. Esses novos fatos, por sua vez, podem envolver terceiros inicialmente não investigados, mas que guardam relação com o sujeito objeto inicial do monitoramento. Fenômeno da serendipidade. [...] (Grifo nosso)[61]

E ainda:

[...] FATO DELITUOSO DESCOBERTO A PARTIR DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA EM RELAÇÃO A TERCEIRO. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS (SERENDIPIDADE) [...] Consta do v. acórdão reprochado que a descoberta da dinâmica delitiva em relação aos pacientes originou-se a partir da interceptação telefônica autorizada para investigar um terceiro. IV - Na linha da jurisprudência desta eg. Corte, entende-se por encontro fortuito de provas (serendipidade) a possibilidade de utilização de prova obtida a partir da interceptação telefônica autorizada para investigar fato delituoso de terceiro, desde que haja relação com o fato objeto da investigação. [...] (Grifo nosso)[62]

Nesse contexto, urge trazer à baila o entendimento inicial do Supremo Tribunal Federal quanto ao assunto. A primeira declaração em reconhecer os encontros fortuitos pela Suprema Corte foi através do julgamento da “Operação Anaconda” (HC 84.224, Rel. p/ Acórdão Min. Joaquim Barbosa, 2ª T., j. 27.2.2007) possibilitando a validade da prova descoberta casualmente quando identificado o critério acima descrito pelo STJ.[63]

Através do julgamento do HC nº116.179/DF, a Suprema Corte reafirmou a sua posição em validar a prova fortuita para crime diverso pelo critério da conexão tendo por base a mesma postura do STJ, no HC 300684/RS supracitado. Com base no teor deste Habeas Corpus, decidiu pela negativa de provimento do seu HC abaixo transcrito:

 [...] 2. Durante a interceptação das conversas telefônicas, pode a autoridade policial divisar novos fatos, diversos daqueles que ensejaram o pedido de quebra do sigilo. Esses novos fatos, por sua vez, podem envolver terceiros inicialmente não investigados, mas que guardam relação com o sujeito objeto inicial do monitoramento. Fenômeno da serendipidade. (Grifo nosso)[64]

Conforme foi visto, a partir do conteúdo normativo da Lei 9.296/96 é possível afirmar que só poderá ser objeto de interceptação aqueles crimes punidos com pena de reclusão. Em face dessa determinação pergunta-se: o que irá acontecer nos casos em que os delitos encontrados fortuitamente forem punidos com pena de detenção ou contravenção penal?

Conforme é visto pela jurisprudência esta hipótese dentro de encontro fortuito é um dos casos onde há bastante divergência entre os tribunais superiores, entretanto, conforme dispõe Flávio, “a jurisprudência brasileira vem se posicionando no sentido da admissibilidade da prova, desde que haja conexão entre as infrações.”[65]

Primeiramente, o Supremo Tribunal Federal entendia que apenas se aceitaria a prova descoberta pela serendipidade quando este novo crime, além de conexo com o crime ensejador da investigação telefônica autorizada, fosse também apurado com pena de reclusão. Entretanto, a posição atual da corte suprema é no sentido de se aceitar também a prova fortuita que seja crime punido por detenção ou ainda quando tratar-se de espécie de contravenção penal, argumentando Pacelli, que:

[...]a conexão entre os fatos e os crimes justificaria a licitude e o aproveitamento da prova, mesmo envolvendo crimes punidos com detenção, para os quais, inicialmente, por vedação legal (art.2º, III, Lei 9296/96), a interceptação não seria admitida (HC nº83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim, informativo nº361). E, posteriormente: HC nº 102.394, Rel. Min. Cármen Lúcia. [66]

Nesse sentido, conforme se comprova pelo julgado abaixo transcrito, o Ministro Joaquim Barbosa dispõe que a aceitação da prova fortuita de crime apenado por detenção não viola o direito fundamental ao sigilo das comunicações e portanto é plenamente válida e eficaz:

[...]O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção.[...] (Grifo nosso)[67]

E ainda, originalmente, o STJ se manifestava no mesmo sentido dos julgados da Corte Suprema, conforme se depreende pelo julgado abaixo transcrito:

RHC. [...]INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. [...]DELITOS APENADOS COM DETENÇÃO. LICITUDE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS.

[...] XII. Se, no curso da escuta telefônica - deferida para a apuração de delitos punidos exclusivamente com reclusão - são descobertos outros crimes conexos com aqueles, punidos com detenção, não há porque excluí-los da denúncia, diante da possibilidade de existirem outras provas hábeis a embasar eventual condenação. [...] (Grifo nosso)[68]

Em relação a esses julgados, cabe ressaltar que esta posição adotado pelos Tribunais Superiores é bastante criticada pela parte legalista da nossa doutrina pátria, pois que, mesmo tendo os crimes fortuitamente descobertos presença do critério de conexão com o fato inicialmente investigado, se esses novos delitos forem punidos com detenção, não poderiam, por exemplo, analisando-se tais casos de forma isolada, serem passíveis de autorização judicial para que houvesse investigação por meio da interceptação telefônica. Entretanto, esta prova, ainda assim, tem sido aceita pelos tribunais superiores conforme foi visto.

Luiz Flávio Gomes é um dos autores que se opõe em face das posições tomadas por esses tribunais. Em seu livro dispõe que a validade destas provas fortuitas devem observar as normas da Lei 9.296/96, só podendo ser aceitas quando presente o critério de conexão e for crime punido com reclusão. [69]

Outra ponto relevante dentro da matéria de serendipidade é da ocorrência da “prática futura de crime”. Trata-se daquela hipótese em que, através das escutas telefônicas, a autoridade policial toma conhecimento, durante a investigação, de notícias fortuitas referentes a um crime que ainda será praticado futuramente.

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o tratamento jurídico que aplica o critério de conexão para validar a prova fortuita só deverá ser utilizada quando o delito se referir a crimes passados, ao passo que, a ciência relativa a crime futuro não se exige a demonstração desta conexão com objeto da investigação, tendo apenas como critério valorativo a análise da legalidade do meio probatório em que foi utilizado para que se descobrisse esta informação da prática futura de crime.[70]

A jurisprudência que trata da matéria é alusiva ao seguinte caso: durante a interceptação realizada pela autoridade policial, pode-se concluir que a direção tomada na investigação era referente a pessoa estranha ao sujeito descrito na ordem judicial pertinente. Ocorre que, durante a diligência investigativa, foi descoberto que uma quadrilha planejava futuramente praticar um assalto a bancos. Em face disto o ministro Felix Fischer julgou expondo as seguintes razões:

I - Em princípio, havendo o encontro fortuito de notícia daprática futura’ de conduta delituosa, durante a realização de interceptação telefônica devidamente autorizada pela autoridade competente, NÃO se deve exigir a demonstração da conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, a uma, porque a própria Lei nº 9.296/96 não a exige, a duas, pois o Estado não pode se quedar inerte diante da ciência de que um crime vai ser praticado e, a três, tendo em vista que se por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a intimidade de alguém, o fez com respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova se consolidou lícita.

II - A discussão a respeito da conexão entre o fato investigado e o fato encontrado fortuitamente se coloca em se tratando de infração penalpretérita’, porquanto no que concerne as infrações futuras o cerne da controvérsia se dará quanto a licitude ou não do meio de prova utilizado e a partir do qual se tomou conhecimento de tal conduta criminosa. Habeas corpus denegado. (Grifo nosso)[71]   

            Dito isso, há, no entanto, a necessidade de se esclarecer o ponto de maior relevância na matéria: “o tratamento dos conhecimentos fortuitos desconexos com o objeto da autorização judicial da interceptação telefônica”. A admissibilidade ou não da descoberta fortuita deste tipo de prova é o tópico mais discutido, como também, aquele mais controvertido entre os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.

            Originalmente, os julgados jurisprudências acerca do tema nos Tribunais Superiores só entendiam pela admissibilidade da prova fortuita quando se observasse obrigatoriamente a presença do critério da conexão, conforme comprova-se pelo julgado do STJ (HC nº 144.137/ES),[72] entretanto, hodiernamente, há um novo entendimento sobre tais provas. De acordo com estes novos julgados jurisprudenciais as decisões se fundamentam no sentido de se aceitar a colheita de prova fortuita mesmo nas hipóteses em que não há conexão entre os crimes.[73]

           

            Esta matéria refere-se à ‘serendipidade de segundo grau’, hipótese já examinada em item anterior do capítulo, que é aquele em que o crime fortuitamente descoberto não possui qualquer conexão ou continência com o objeto da investigação.[74]

Nessa linha, a doutrina também denomina este fato penalmente relevante descoberto durante a investigação de ‘notitia criminis’, e também de ‘fonte de prova’. De acordo com Aury:

[...]sem negar a possibilidade de que a prova obtida a partir do desvio casual sirva como starter da investigação do novo crime (se preferir, como notícia-crime, sendo assim uma “fonte de prova”, mas não como “prova”). Não será “a” prova, mas um elemento indiciário para o início da investigação, de modo que nova investigação pode ser instaurada e novas buscas, interceptações etc. podem ser adotadas. Mas a prova desse crime deve ser constituída de forma autônoma.[75]

No mesmo sentido entende Luiz Flávio:

A terceira pessoa pode ser tanto quem se comunicou com o investigado quanto quem utilizou a linha telefônica, embora não fosse o investigado. Esse encontro fortuito vale apenas como uma notitia criminis. É inadmissível como meio probatório, por se tratar de prova ilícita se utilizada na mesma investigação ou processo. [...] É fundamental que o juiz seja de imediato cientificado. E se for o caso de abertura de uma nova investigação, urge a formulação do pedido respectivo, para que o juiz possa aferir sua competência, proporcionalidade, pertinência de uma nova interceptação telefônica etc. Não se trata de prova ilícita ou prova ilícita derivada. De se observar que a origem da descoberta (fortuita) está dentro de uma interceptação lícita. Por isso, o encontro fortuito vale como uma legítima notitia criminis. [76]

Em um dos primeiros julgados tratando da aplicação da prova fortuita como notitia criminis, o STF entendia da mesma forma elencada pela doutrina supracitada conforme se comprova abaixo:

HABEAS CORPUS. [...] OPERAÇÃO "ANACONDA". [...] ANÁLISE DA PRÁTICA DE OUTROS CRIMES NA INSTRUÇÃO CRIMINAL. IMPOSSIBILIDADE. [...] 5. Legalidade do deferimento de diligências requeridas no bojo da denúncia, para o fim de apurar a possível prática de outros crimes, além daqueles narrados na denúncia. Estreita ligação entre os fatos apurados na ação penal de origem e aqueles averiguados na "Operação Anaconda". Caso legítimo de "descoberta fortuita" em investigação criminal. Razoabilidade. [...] 7. De todo modo, resta claro que os outros crimes não narrados na denúncia não poderão ser julgados na ação penal de origem, pois em relação aos mesmos não houve qualquer acusação, nem pôde o paciente se defender na oportunidade que lhe foi oferecida. 8. Ordem parcialmente concedida, apenas para garantir o desentranhamento dos documentos destinados a provar fatos em tese criminosos diversos daqueles narrados na denúncia, podendo, contudo, servir de lastro probatório para o oferecimento de outra ação penal. (Grifo nosso)[77]

E ainda, inicialmente, também era entendida a prova fortuita desconexa como notitia criminis pelo STJ, como se vê no julgado do ano de 2012 pelo HC 144.374/ES[78] e no HC 189.735, quando da “operação Turquia”, entendendo o Ministro Jorge Mussi que é “perfeitamente possível que, diante da notícia da prática de novos crimes em interceptações telefônicas autorizadas em determinado procedimento criminal, a autoridade policial inicie investigação para apura-los, não havendo que se cogitar de ilicitude”[79].

Como foi dito, o entendimento acerca da necessidade ou não do critério de conexão para validar a colheita de provas fortuitas foi evoluindo na jurisprudência. Conforme se comprova em decisão recentemente julgada no ano de 2015 pelo STJ na ação penal nº690 pelo Tribunal de Justiça de Tocantins, o Ministro João Otávio de Noronha, entendeu pelo adoção de posicionamento favorável à admissão de todas as provas obtidas por meio de encontro fortuitos lícitos, nesse sentido:  

A interceptação telefônica vale não apenas para o crime investigado inicialmente mas também para outros até então não identificados que se relacionem, de alguma forma, com as pessoas que sofrem a interceptação. Nessa hipótese, deve-se iniciar investigação à parte para apurar os fatos novos, exatamente como foi feito.[80]

Durante a investigação de um caso acerca do uso de moedas falsas que estava sendo realizada pelo Juízo Federal de primeiro grau, casualmente foram descobertas provas de que desembargadores estariam vendendo decisões judiciais a partir das escutas telefônicas. Neste caso, fortuitamente foram descobertos sujeitos e fatos totalmente desconexos com o objeto originalmente investigado. Tendo em vista o foro privilegiado das autoridades a investigação foi remetida ao Egrégio do STJ, e dando continuidade aos procedimentos o ministro João Noronha, ao final, deu seu veredicto entendendo que as provas fortuitas colhidas pelo juízo de primeira instância deveriam ser admitidas como provas lícitas e utilizadas em julgamento e, portanto, não cabendo interpretá-las como ilegais ou inconstitucionais apenas com base no fundamento de que o objeto da interceptação era acerca de fato pretérito e não futuro. [81]

CONCLUSÃO

Para o sistema processual brasileiro a validade dessas provas encontradas casualmente ainda é objeto de bastante divergência, e mais do que isso, a orientação dos novos entendimentos jurisprudenciais sobre o tema assim como dos doutrinadores mais recentes estão se encaminhando cada vez mais na direção de se validar estas provas quando do encontro fortuito em sede de interceptação telefônica.

As teses outrora utilizadas pela jurisprudência e pela doutrina para se delimitar as hipóteses e requisitos em que ocorrerão as circunstâncias em que esse meio probatório servirão para fins de imputação penal no processo estão passando por mudança.

Como foi dito acima os tribunais tinham como parâmetro para se validar esses fatos descoberto fortuitamente o critério da conexão ou continência com a investigação original, quando a infração descoberta for de crime pretérito ou futuro, apenado com pena de reclusão, com base no rol estabelecido pela lei específica. Entretanto já não se pode mais afirmar que nem a conexão, nem os crimes pretéritos ou futuros e punidos apenas por reclusão serão único critério para se admitir a validade da teoria da serendipidade.

O que tem sido visto e evidenciado pelos novos julgamentos pelos tribunais, é em se possibilitar cada vez mais pelos Tribunais Superiores à ampliação dos critérios de validade deste meio de prova, não se restringindo apenas àqueles requisitos como a existência do critério de conexão entendidos anteriormente pela doutrina majoritária como determinantes para admissibilidade desta prova.

Conforme foi visto com a Ação Penal nº 690/TO julgada em 2015 pelo Min. João Noronha, a Corte Especial do STJ se posicionou de forma inovadora, permitindo o uso da prova fortuita descoberta desconexa, ou seja, o Tribunal passou a aceitar este tipo de prova sem exigir para tanto aquele critério de conexão com o objeto que ora possibilitou a quebra do sigilo como era vistos nos julgados anteriores. Desta forma, é possível que o encontro fortuito seja caracterizado como prova lícita em face de qualquer terceiro estranho que venha a se relacionar com os investigados, sendo dispensável que essas novas pessoas estejam inclusas naquele rol que autoriza a quebra do sigilo por decisão judicial, tendo em vista que estes fatos encontrados casualmente são penalmente relevantes.

Tendo em vista a lacuna legal existente e, em meio ao contexto social em que o pais vive atualmente, a rediscussão da abordagem do tema em questão é muito bem vinda e necessária, uma vez que tal assunto passa também pela garantia da segurança dos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal.

Todavia, da mesma maneira que é de suma importância que tais crimes praticados pelas organizações criminosas contra a ordem financeira sejam suprimidos com afinco, por outro lado não podemos permitir que se faça justiça a qualquer custo.

O encontro fortuito, obtido a partir da medida excepcional da interceptação telefônica, só deverá ser considerada como uma fonte de prova legítima, quando for aplicado em prol de um real interesse “pro societates”, sem permitir seu uso banal que possibilite, consequentemente, a violação indiscriminada dos direitos fundamentais dos indivíduos.

O aplicador do direito deve agir com ponderação e em harmonia buscando o respeito e defesa dos valores dispostos de um Estado Democrático de Direito, devendo realizar sempre que possível uma interpretação sistemática, e nunca limitar-se a interpretação isolada e fria da lei específica, devendo, desta forma, legislar e aplicar o direito conforme a realidade social que se visualiza a partir da complexidade de suas relações como um bem jurídico maior.

Portanto, tendo em vista os requisitos e posições já afirmadas em sede de serendipidade, devemos olhar para além da posição majoritária e de precedentes normativos já estabelecidos pelos Tribunais Superiores no Brasil, buscando a partir da tentativa de seguir um mesmo raciocínio, se pode afirmar que a reanálise pelos Tribunais Superiores e pela doutrina acerca da validade ou não da obtenção fortuita destas novas informações no processo penal é de suma importância tendo em vista o alcance da justiça no âmbito de nossa sociedade.

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Artigo apresentado a orientadora Professora Ana Gabriela como requisito parcial para conclusão do curso de graduação em Direito.

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