A Justiça Eleitoral e o juízo de garantias

30/12/2019 às 10:04
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Após a sanção da Lei nº 13.964/2019 que, dentre outras providências, institui a figura do juízo de garantias no direito brasileiro, a Justiça Eleitoral se vê diante do desafio da implementação deste instrumento garantidor em suas ações de natureza penal

Recentemente, foi sancionada a Lei nº 13.964/2019 que, dentre outros pontos inovadores, trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a figura do juízo de garantias, “responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário” (art. 3º-B, CPP).

Embora objeto de controvérsias e alvo de discussões acerca das motivações políticas da aprovação e sanção do texto legal, a verdade é que o juízo de garantias se coaduna com o sistema acusatório, cuja raiz, no processo penal brasileiro, é constitucional.

Tal figura, presente em diversos sistemas penais estrangeiros, embora não esteja prevista expressamente em tratados internacionais de direitos humanos, nos parece em plena consonância com o quanto previsto no art. 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao prever a figura de um juízo distinto para apreciação da acusação penal em relação àquele competente para o controle da legalidade da investigação criminal, preservando, portanto, a sua independência e imparcialidade.

Tendo em vista que o juízo de garantias tem competência para todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo (art. 3º-C, CPP), sua implementação interessa não apenas à Justiça Comum (Estadual e Federal), mas também à Justiça Eleitoral, competente para processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos (art. 35, II, Código Eleitoral). A atuação da Justiça Eleitoral em matéria penal foi reforçada por recente decisão do STF no Inquérito 4435, em que o Plenário, por maioria apertada, reafirmou a competência daquela justiça especializada para julgamento de crimes comuns conexos aos eleitorais.

Ocorre que a Justiça Eleitoral não dispõe de um quadro próprio de juízes singulares, contando com a atuação de magistrados da Justiça Estadual designados pelo respectivo Tribunal Regional Eleitoral. Embora exista pleito antigo pela designação de magistrados da Justiça Federal para atuação na Justiça Eleitoral, o Plenário do TSE negou, em novembro recente, pedido da AJUFE (Associação dos Juízes Federais) no sentido de possibilitar a atuação de juízes federais na jurisdição eleitoral singular.

A Justiça Eleitoral se vê, agora, com o desafio de implementar o juízo de garantias, sobretudo nas Zonas Eleitorais correspondentes às comarcas de jurisdição plena, em que, normalmente, o juiz eleitoral é o único juiz do lugar. A questão é menos problemática para os municípios que comportam mais de uma zona eleitoral, em que resolução administrativa do respectivo Tribunal poderá designar juízo eleitoral com competência para o juízo de garantias distinto daquele competente para processar e julgar as ações penais eleitorais.

No que diz com as zonas correspondentes às comarcas de jurisdição plena, uma solução possível é a designação de juízos de garantias responsáveis por mais de uma zona eleitoral, agrupando-se por região geográfica. Uma segunda possibilidade, é a distribuição cruzada do juízo de garantias entre zonas eleitorais contíguas. Por fim, vislumbra-se a possibilidade de designação de juízes eleitorais de zonas das capitais e cidades de maior porte (geralmente abrangidas por mais de uma zona eleitoral), que não tenham competência para o juízo de garantias daquele município, para exercer o juízo de garantia das zonas eleitorais de menor porte, cujo volume processual, em regra, não importará em demanda excessiva. Esta última medida seria possível com a utilização do inquérito eletrônico.

Em suma, o juízo de garantias é possivelmente o maior avanço, desde o advento do Código de Processo Penal, de 1941, rumo a um processo penal garantista e democrático no Brasil. É certo que os tribunais, inclusive os eleitorais, adequarão sua organização judiciária para dar efetividade a esse importante instrumento.

Referências:

BRASIL. Código De Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 27 dez. 2019.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 27 dez. 2019.

BRASIL. Lei nº 13.964/2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em: 27 dez. 2019.

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Sobre o autor
Igor Araujo

Bacharel em Direto, Pós em Direito Público, Servidor do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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