Ausência legal de exigência de grau de escolaridade para concorrer a cargos eletivos na contramão do princípio da eficiência administrativa

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30/12/2019 às 17:00
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RESUMO:Esta pesquisa, em linhas gerais, visa analisar a ausência legal de exigência de grau de escolaridade para concorrer a cargos eletivos como um fator que está na contramão da aplicabilidade do princípio da eficiência administrativa. Nesse contexto, surgem as seguintes indagações: o candidato alfabetizado, mas que não possua não possui qualificação técnica, tem capacidade para administrar ou legislar e, através do exercício de sua função, atender de maneira eficiente a coletividade e as necessidades políticas do Estado brasileiro? É possível haver uma administração eficiente quando o administrador é menos instruído e menos qualificado que os administrados? Para que fosse possível responder tais perguntas, foram estudadas a origem do Estado e do seu poder, partindo em seguida ao estudo da organização administrativa brasileira, para então se chegar aos agentes públicos e suas classificações. Após isso, foi fundamental o estudo das teorias que embasam o processo seletivo dos agentes administrativos e dos agentes políticos. Percebeu-se que a teoria sobre a democracia apresentada, tomando-se Bobbio como referencial teórico é quem fundamenta o processo de escolha dos agentes políticos. Por outro lado, o processo seletivo dos agentes administrativos é sedimentado na teoria da burocracia, apresentada neste trabalho sob a ótica de Weber, sendo este, portanto, o segundo referencial teórico. Por fim, tratou-se especificamente da ausência de normas que fixem e exijam grau de escolaridade para concorrer a cargos eletivos no Brasil, como um fator que vai de encontro ao princípio da eficiência administrativa, estabelecendo-se as discussões pertinentes.

Palavras-chave: Escolaridade. Agente. Político. Eficiência. Administração.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO.. 1.    FUNÇÃO ADMINISTRATIVA DO ESTADO E SEUS ELEMENTOS SUBJETIVOS 1.1.     A origem do Estado e a Teoria da Separação dos Poderes. 1.2.     Organização Administrativa Brasileira e seus Princípios Norteadores. 1.3.     Agentes Públicos e sua Classificação. 2.    DISTINÇÃO ENTRES AGENTES POLÍTICOS E AGENTES ADMINISTRATIVOS . 2.1.     Agentes políticos e os pressupostos de sua escolha. 2.1.1 Dos Direitos Políticos: capacidade eleitoral ativa e passiva. 2.2.     Agentes administrativos e o processo de investidura em cargo ou emprego público . 2.3.     A distinção de requisitos para ser agente administrativo ou agente político. 3.    AUSÊNCIA LEGAL DE EXIGÊNCIA DE GRAU DE ESCOLARIDADE PARA CONCORRER A CARGOS ELETIVOS NA CONTRAMÃO DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA  . 3.1.     Princípio da eficiência e sua aplicabilidade concreta na administração.3.2.     Análise do Princípio da eficiência quanto ao agente público. 3.3.     A duvidosa qualidade do possível analfabeto funcional para ser administrador da coisa pública  . 3.4.     A ofensa ao princípio da eficiência advindo da eleição de um administrador menos qualificado que seus administrados. CONCLUSÃO.. REFERÊNCIAS. 


INTRODUÇÃO

Ao observar os rumos da política e da sociedade brasileira, é comum se deparar com problemas graves que os Municípios, Estados e até mesmo a União enfrentam em consequência da má administração da máquina pública. Em momentos de reflexão é possível perceber que a má administração nem sempre é fruto unicamente da corrupção que estampa os noticiários diariamente, nascendo, às vezes, da incapacidade dos gestores decorrente em parte da falta de formação escolar adequada. A partir dessas observações e da vontade de ver as coisas mudarem para melhor na administração pública, nasce a ideia de refletir sobre o tema-problema e contribuir para sua resolução.

O poder que emana do povo e é depositado nas mãos de um representante, se este não tiver capacidade intelectual de exercê-lo, seus atos representarão um verdadeiro perigo ao funcionamento dos serviços públicos. É da má administração que surgem a fome, a miséria, a situação caótica da saúde e do ensino público. A Carta Magna deve ser a primeira a abraçar e garantir os interesses da coletividade, não podendo em seu texto existir brechas de consequências tão drásticas para o interesse e o bem comum como é o caso da inexigibilidade aqui estudada.

Nesse diapasão, o presente trabalho visa, em linhas gerais, a refletir sobre a ausência legal de exigência de grau de escolaridade como condição de elegibilidade para os candidatos a cargos eletivos dos Poderes Executivo e Legislativo no Brasil, bem como relacionar essa inexigibilidade à aplicabilidade do princípio da eficiência administrativa, buscando compreender se essa é uma das causas de haver administrações insatisfatórias e administradores ou legisladores despreparados, que não atingem a função precípua para a qual foram escolhidos, como representantes do povo, que é organizar a coisa pública e fazê-la funcionar, em prol o bem comum. Além disso, o presente trabalho se propõe a complementar os estudos acerca do problema que reside no fato de a Lei Maior não exigir que os pleiteantes a representantes do povo tenham um grau de escolaridade e preparo intelectual pelo menos igual ao dos servidores públicos que estes irão chefiar.

Nesse sentido, a Constituição Federal em seu art. 14, ao falar sobre o exercício dos direitos políticos, apresenta, no parágrafo 3º do referido artigo, o rol das condições de elegibilidade para cargos eletivos dos poderes executivo e judiciário, elencando como tais a nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos públicos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral, filiação partidária e idade, porém abstendo-se de elencar o grau de escolaridade que o indivíduo que pretende se tornar representante do povo precisa ter.

Embora o parágrafo 4º do artigo supracitado apresente a tímida vedação de elegibilidade aos inalistáveis e aos analfabetos, é do conhecimento de todos que um indivíduo apenas alfabetizado pode enfrentar sérias dificuldades ao exercer funções de legislador ou administrador da máquina pública ao lidar com elaboração, aplicação de leis, gestão, contabilidade, e uma diversidade de capacidades que são necessárias ao desempenho diário de tais funções.

Além disso, o art. 37 da Constituição Federal prevê cinco princípios expressos para a Administração Pública, que devem orientar toda a atividade dos agentes públicos, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. No presente trabalho, foi estudado com maior amplitude o princípio da eficiência, e a possibilidade de sua aplicação aos agentes públicos, em especial aos agentes políticos, pois são eles que detém poder decisório e que realmente administram o aparelho estatal.

Ante o exposto, faz-se uma indagação que, ao longo da pesquisa monográfica pretende-se responder: o candidato alfabetizado, mas que não possua sequer o ensino fundamental concluído, possui capacidade para administrar ou legislar e, através do exercício de sua função, atender de maneira eficiente a coletividade e as necessidades políticas do Estado brasileiro? É possível haver uma administração eficiente quando o administrador é menos instruído e menos qualificado que os administrados?

Para que fosse possível responder tais perguntas, foram estudadas as teorias que embasam o processo seletivo dos agentes administrativos, que são quem compõem a parte operacional da organização administrativa brasileira, e dos agentes políticos, que detém o poder decisório. Percebeu-se que a teoria que da democracia apresentada tomando-se Bobbio como referencial teórico é quem fundamenta o processo de escolha dos agentes políticos. Por outro lado, o processo seletivo dos agentes administrativos é sedimentado na teoria da burocracia, apresentada neste trabalho sob a ótica de Weber, sendo este, portanto, o segundo referencial teórico.

No que tange ao desenvolvimento desta pesquisa, foi utilizado o método indutivo de conhecimento, pois ela foi desenvolvida a partir de constatações particulares sobre o problema jurídico observado, qual seja, a ausência legal de exigência de grau de escolaridade como condição de elegibilidade para os candidatos a representantes do povo, visando a alcançar uma teoria geral capaz de demonstrar que isso precisa ser solucionado, e acrescentado à Constituição Federal.

Foi utilizada, na tentativa de demonstrar e solucionar o problema, bibliografia impressa, acessível nas bibliotecas da Faculdade de Integração do Sertão e da Universidade Federal Rural de Pernambuco – Unidade Acadêmica de Serra Talhada, como fonte de pesquisa dos conhecimentos teóricos que contribuíram para o tema aqui investigado. De forma complementar, porém não menos importante, foi utilizada bibliografia virtual disponível na internet. Assim, a pesquisa desenvolvida foi, quanto aos objetivos, exploratória, proporcionando maior familiaridade com o problema através da pesquisa bibliográfica. Por fim, o trabalho foi dividido em três capítulos da seguinte forma:

O primeiro capítulo tratará das bases do presente trabalho monográfico, sem as quais não é possível entender seu objeto de estudo. Inicialmente, será explicitada a figura do Estado e sua legitimidade, bem como uma das faces do poder que lhe é decorrente a qual denomina-se função de administrar. Na continuidade, será abordado sua organização administrativa, a fim de compreender como se compõe o aparelhamento administrativo do Estado, e em seguida, tratará de forma específica da função administrativa do Estado brasileiro com análise dos princípios que lhe são basilares. E, por fim, tratar-se-á dos agentes públicos e suas classificações.

Já o segundo capítulo tratará da especificação dos agentes políticos e administrativos, a partir da classificação anteriormente apresentada, estabelecendo-se entre elas as distinções existentes. Inicialmente exporá os pressupostos de escolha dos agentes políticos, apresentando a teoria que fundamenta o processo de escolha e a indicação do respectivo referencial teórico. Após isso, será analisada a classe dos agentes administrativos, discutindo-se o seu processo de investidura nos cargos e empregos públicos, bem como apresentando a teoria que embasa esse processo e o respectivo referencial teórico. Por fim, após a apresentação das teorias e dos referencias teóricos, será demonstrada a efetiva distinção dos requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro para integrar uma ou outra classe, a fim de fixar a base de sustentação para a discussão da problemática a ser realizada no capítulo seguinte.

Por fim, o terceiro capítulo tratará de forma específica da ausência de normas que fixem e exijam grau de escolaridade para concorrer a cargos eletivos no Brasil, como um fator que vai de encontro ao princípio da eficiência administrativa. Inicialmente se discutirá a respeito da concreta aplicabilidade do princípio da eficiência na Administração Pública, para que se possa em seguida analisar tal princípio no que tange aos agentes públicos. Tratar-se-á ainda da duvidosa qualidade de um possível analfabeto funcional eleito para administrar a coisa pública, bem como da ofensa ao princípio da eficiência decorrente da eleição de um administrador menos qualificado que seus administrados, finalizando-se assim as discussões do presente trabalho.


1.FUNÇÃO ADMINISTRATIVA DO ESTADO E SEUS ELEMENTOS SUBJETIVOS

Este capítulo tratará das bases do presente trabalho monográfico, sem as quais não é possível entender seu objeto de estudo. Inicialmente, será explicitada a figura do Estado e sua legitimidade, bem como uma das faces do poder que lhe é decorrente a qual denomina-se função de administrar. Na continuidade, será abordado sua organização administrativa, a fim de compreender como se compõe o aparelhamento administrativo do Estado, e em seguida, tratará de forma específica da função administrativa no Estado brasileiro com análise dos princípios que lhe são basilares. E, por fim, tratar-se-á dos agentes públicos e suas classificações.

A origem do Estado e a Teoria da Separação dos Poderes

Em primeiro lugar é imprescindível entender que para se falar em Administração Pública deve-se antes buscar a sua fonte, que é o Estado. É do poder estatal que decorre a função de administrar, objeto do presente estudo, sendo sua compreensão um ponto importante para que se possa entender o que será discutido.

Inicialmente, observa-se que a doutrina apresenta diferentes teorias para o surgimento do Estado. Alguns acreditavam que ele sempre existiu, para outros o estado seria uma invenção humana, decorrente de certas necessidades, como será a seguir demonstrado.

Para Aristóteles (2006), o homem é um animal político pois vivia na pólis, cidade, sempre em conjunto e harmonia com os outros homens, obedecendo a costumes e regras de convivência que surgiam naturalmente com a interação e que ninguém era capaz de viver sozinho, uns dependiam dos outros para tudo. Logo, a vida política era a vida em conjunto com os outros, a sociedade existiria naturalmente, como resultado da necessidade de convivência destes. Dessa forma, essa sociedade que sempre existiu se confundiria com o Estado.

Por outro lado, Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã, apresenta uma forma diferente de ver o comportamento do homem em sociedade e do surgimento do Estado. Para o filósofo, embora os homens fossem naturalmente iguais, seja quanto às faculdades do corpo ou quanto as do espírito, essa igualdade os faria sentir um enorme desprazer na companhia uns dos outros, pelo fato de cada um querer ser visto pelo outro com o valor que vê em si mesmo e não suportar que o outro não lhe atribua esse mesmo grau de valor, acabando por causar-lhe dano. Esses sentimentos de subestimação e desprezo causariam um incômodo grande o suficiente para levar os homens a destruir uns aos outros.

Dessa forma, na ausência do poder estatal, as pessoas viveriam em um estado natural, movidos e controlados unicamente pelas paixões, instintos que fariam com que não conseguissem conviver em paz, tornando-se uma guerra constante de todos contra todos na defesa de seus interesses particulares. Partindo de tais constatações, o filósofo entendeu que o Estado teria surgido pela necessidade humana de segurança, a partir de um contrato social, onde todos abririam mão de sua liberdade natural, do poder sobre todas as suas coisas em prol da criação de um poder que pudesse garantir o respeito mútuo em prol de uma vida pacifica e segura em sociedade.

Por fim, Hobbes (2008, p.148), conceituou o Estado como “uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurara paz e a defesa comuns.” Esse contrato, seria de submissão, onde o grande Leviatã, o Estado teria total poder sobre todos.

Por sua vez, John Locke, algum tempo depois de Hobbes também se dispôs a estudar o Estado e acabou por compactuar com a teoria contratualista, porém partiu de concepções distintas a respeito do comportamento humano na ausência do poder estatal e chegou a um outro elemento legitimador do poder, como será demonstrado a seguir.

Para Locke, o estado de natureza não seria um estado de guerra como defendia Hobbes, mas sim um estado de liberdade e igualdade, onde os indivíduos, mesmo sem um poder organizado, possuiriam a capacidade de viver em harmonia, desfrutando de suas propriedades e sendo donos de sua força de trabalho. A sociedade idealizada por Locke só estaria ameaçada quando houvesse violação à propriedade alheia, pois se todos eram livres, não deviam ser julgados uns pelos outros, de forma possivelmente parcial, fazendo surgir um estado de guerra entre os envolvidos.

Segundo Locke, surgia nessa situação, a necessidade de haver lei, julgador imparcial e força coercitiva para solucionar os conflitos, e esta naturalmente levaria os homens a se unirem por livre e espontânea vontade de estabelecerem um contrato social, com o intuito de assegurar a propriedade e se proteger de agressões externas, como pode ser constatado em seus escritos a seguir expostos:

Sendo todos os homens, como já foi dito, naturalmente livres, iguais e independentes, ninguém pode ser privado dessa condição nem colocado sob o poder político de outrem sem o seu próprio consentimento. A única maneira pela qual uma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade natural e revestir-se dos elos da sociedade civil e concordando com outros homens em juntar-se e unir-se em uma comunidade, para viverem confortável, segura e pacificamente uns com os outros, num gozo seguro de suas propriedades e com maior segurança contra aqueles que dela não fazem parte. (LOCKE, 2005, p. 468).

Assim, estaria feita a passagem do estado de natureza para a sociedade civil, onde o poder Estatal protegeria os direitos da comunidade, em especial o de propriedade, ficando demonstrada a teoria de Locke para o surgimento do Estado.

Resta salientar, de acordo com entendimento de Weffort (2006), que há diferença entre os contratos sociais de Locke e de Hobbes. Segundo o autor enquanto em Hobbes, os homens firmam entre si um pacto de submissão pois trocam sua liberdade pela proteção Estatal, em Locke o contrato social é um pacto de consentimento, onde os indivíduos se dispõem livremente a instituir o Estado visando a preservar direitos que já possuíam.

Ainda sobre a origem do Estado, merece destaque as considerações de Rousseau, que entendeu que no estado de natureza as pessoas não conviviam em paz por conta do egoísmo natural do ser humano e, fundados na vontade de preservar suas propriedades estabeleceram o pacto, sintetizado no seguinte recorte de sua obra:

Esse ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos da assembleia, e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político [...] Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado (ROUSSEAU, 2002, p. 33-34 – grifos do autor).           

Nessas palavras, percebe-se que o filósofo contratualista ora estudado chegou a mesma noção de formação estatal que os anteriormente apresentados, com a peculiaridade de que, para ser justo, o contrato deveria ser fundado na democracia, onde prevalecesse realmente a vontade a proteção de todos, sem exceção. Ressalta-se que, neste momento, são suficientes suas colocações apresentadas a respeito do contrato social, sendo que sua explanação a respeito da democracia será apresentada adiante, em momento oportuno.

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Enfim, as teorias apresentadas demonstram a criação do Estado como um ente fictício, que detém legitimidade, doada pela vontade dos contraentes do pacto social, e o poder de representação da comunidade.

Esta ideia evoluiu ao longo do tempo, chegando ao conceito atual de Estado que, formulado sob o ponto de vista jurídico, é o mais adequado ao presente trabalho. Esse conceito visualiza o Estado através de três elementos que o constituem, quais sejam: povo, território e governo, como sendo “um ordenamento jurídico destinado a exercer o poder soberano sobre um dado território, ao qual estão necessariamente subordinados os sujeitos a ele pertencentes’ (MORTATI, 1969, p.23 apud BOBBIO, 2005, p.94)

Dessa forma, o ente Estado se confunde com o seu ordenamento jurídico que será criado e aplicado pelo governo, em um determinado território e para o povo que ali vive e subordinará a todos. Este conceito descreve a figura do Estado de Direito, onde todos se subordinam às leis, inclusive o próprio governo que as cria.

Nesse sentido, pode-se entender que o poder do governo dentro do Estado é um elemento de força indiscutível, visto que é a nascente do ordenamento jurídico ao qual todo o povo estará subordinado. Esse poder fez nascer a inquietação dos estudiosos, muito antes da sistematização desse conceito moderno de Estado, teóricos passaram a estudar o modo como era exercido este poder, tendo se destacado a teoria proposta por Montesquieu.

Segundo Montesquieu (2005), o poder do Estado não poderia ser concentrado nas mãos de uma só pessoa, pois esta pessoa teria a força de um opressor e certamente cometeria arbitrariedades, tolhendo a liberdade do povo. Em seu texto, ele expõe que:

Quando se reúne na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistratura, o Poder Legislativo e o Poder Executivo, não existe liberdade; porque pode-se temer que o próprio monarca, ou o próprio senado, faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.

Também não existe liberdade, se o poder de julgar não estiver separado do Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o juiz seria legislador. Se estivesse unida ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.

Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo de principais, ou de nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as pendências entre os particulares. (MONTESQUIEU, 2005, p. 168)

Assim, o poder deveria ser dividido de forma tripartite, estabelecendo-se entre eles um equilíbrio e de forma que um não exercesse supremacia sobre o outro, formando o conhecido sistema de freios e contrapesos. Esse sistema garantiria a existência da democracia, pois a partir dele seria possível que o povo fizesse, por meio dos representantes, o que não fosse possível fazer por si mesmo.

Neste sentido, Montesquieu propunha que o Poder Executivo deveria ter o direito de frear as ações do Legislativo para que este não se tornasse despótico, pois como tinha a atribuição de fazer as leis, poderia atribuir-se todo o poder e aniquilar os outros Poderes. Em contrapartida, o Poder Legislativo teria a faculdade e o direito de examinar o modo como as leis elaboradas por ele estavam sendo executadas, não podendo, entretanto, em regra julgar a conduta ou a pessoa responsável pela execução. Já o Poder Judiciário, era considerado por Montesquieu (2005, p. 175) um poder nulo, e os juízes não “seriam mais do que a boca que pronuncia as palavras da lei”, mas detinha o poder de julgar de forma imparcial.

Percebe-se que nesse sistema, não havia uma exata separação dos poderes, como ficou conhecida a Teoria, e sim uma coabitação equilibrada entre eles, havendo interferências recíprocas sem, contudo, adentrar substancialmente na função do outro. Essa interação entre os poderes é entendida pela doutrina atual como o fato de que além de cada Poder exercer sua função típica, para a qual está designado, quais sejam: função administrativa, legislativa e jurisdicional, em algumas situações acaba desempenhado de forma atípica as funções dos outros.

A partir das interpretações dessa Teoria proposta por Montesquieu, é possível entender uma das faces do poder Estatal, qual seja a sua função administrativa, seja ela exercida de forma típica ou atípica, como será adiante explicitado.

Segundo Carvalho Filho (2014.), a função administrativa pode ser definida considerando-se diversos critérios: o critério subjetivo levaria em conta a sujeito da função, o objetivo material considera o conteúdo da atividade e o objetivo formal que explica a função pelo prisma do regime jurídico em que ela está situada. No entanto, ele considera como mais relevante o critério material, que examina o conteúdo da atividade, independente do Poder que ela provenha.

Assim, para Carvalho Filho (2014, p. 4-5), a despeito do Poder que a esteja realizando, a função administrativa consiste em “aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacente à ordem constitucional e legal, sob o regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica”. Essa atividade seria de gestão dos interesses da coletividade em todas as suas dimensões.

Da mesma forma entende Cunha Junior ao tratar dos critérios de identificação da função administrativa do Estado, chegando a considerar como inaceitável o critério subjetivo por não existir correspondência entre um determinado sujeito e uma determinada função, podendo cada função ser exercida por outro Poder de forma atípica. Assim, Cunha Junior (2011, p.32) entende que, independentemente de quem a exerça, “a função é administrativa quando destinada a atender, por meio da execução dos atos legislativos e de maneira direta e imediata, o interesse da coletividade.”

Já Meirelles, não analisa as funções pelo prisma de critérios, apenas admite que todos os Poderes acabam exercendo todas as funções, de forma típica e atípica e que a função administrativa, precípua do Poder Executivo, consiste na “conversão da lei em ato individual e concreto” (2013, p.62). Meirelles chega, inclusive, a fazer uma crítica às expressões “separação dos poderes” e “divisão dos poderes”, para ele não há que se falar em divisão, porque esses Poderes estão em constante e plena interação, não havendo, consequentemente, que se falar em critérios de identificação de função, já que todos acabariam exercendo as três funções.

Nesse diapasão, Di Pietro (2014) traz à baila uma interessante contribuição: ao tratar das funções do Estado, ela considera que existe paralelamente à executiva a função política ou de governo. Dessa forma, além do desdobramento do Poder Estatal nas três conhecidas funções (legislativa, executiva e jurisdicional), existiria uma quarta função que é a política, muito relacionada ao Poder Executivo, e, portanto, associada à função executiva, mas distinta dela.

Ao fazer a distinção, Di Pietro (2014, p.51) explica que a função executiva aplica leis ao caso concreto “mediante atos concretos voltados para a realização dos fins estatais, de satisfação das necessidades coletivas.”  Essa função executiva, agora chamada por ela de função administrativa “compreende o serviço público, a intervenção, o fomento e a polícia, enquanto a função política compreende as atividades colegislativas e de direção. Um exemplo de atividade colegislativa se dá quando o representante do Executivo convoca extraordinariamente o Congresso Nacional, nomeia Comissões Parlamentares de Inquérito, declara guerra ou paz em seu estado, entre outros atos.

Porém, a autora expressa que “não há uma separação precisa entre os dois tipos de função. Sob o ponto de vista do conteúdo (aspecto material), não se distinguem, pois em ambas as hipóteses há aplicação concreta da lei” (2014, p.52). Dessa forma, a função política seria exercida pelo Poder Executivo, no exercício da função administrativa.

Demonstrados os conceitos de função administrativa do Estado apresentados pela doutrina, passa-se a demonstrar a Administração Pública e a forma como está organizada sob o prisma do ordenamento jurídico brasileiro.

Organização Administrativa Brasileira e seus Princípios Norteadores

Inicialmente, é cabível apresentar o conceito de Administração Pública. Meirelles estabelece sob diferentes aspectos de análise um conceito global, para ele a Administração Pública:

Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para a consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização dos serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. (Grifo nosso) (MEIRELLES, 2013, p.66).

Ele explica que esse aparelhamento estatal brasileiro é formado por entidades políticas e administrativas classificadas em entidades estatais, entidades autárquicas, fundacionais, empresariais e paraestatais, órgãos e agentes públicos, que serão adiante explicitados.

Por sua vez, Di Pietro (2014) entende que há dois sentidos em que se costuma usar a expressão Administração Pública, quais sejam: o sentido subjetivo, também chamado de formal ou orgânico e o objetivo, também chamado de material ou funcional, segundo os quais o termo Administração designa coisas diferentes.

De acordo com a referida autora, Administração Pública em sentido subjetivo “designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos, incumbidos de exercer umas das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa” (DI PIETRO, 2014, p.50). Assim, no sentido subjetivo a Administração Pública se confunde com os próprios entese sujeitos que compõem o aparelhamento estatal.

Já no sentido objetivo, “ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo” (DI PIETRO, 2014, p.50). Porém, não nos deteremos no estudo do sentido objetivo da Administração, por não ser pertinente ao seu tema-problema. Dessa forma, nos dedicaremos agora a estudar os entes que compõe a Administração Pública.

Nesse sentido, a lei confere a função administrativa do Estado aos órgãos que integram as pessoas jurídicas políticas, sendo eles a União, Estados Municípios e Distrito Federal, esses órgãos compõem a Administração Direta do Estado. Em algumas ocasiões, porém, a lei confere essa atividade administrativa a pessoas jurídicas de direito público ou privado que a executarão de forma indireta e compõem a Administração Indireta do Estado (DI PIETRO, 2014).

Para Meirelles (2014), essas divisões decorrem da vastidão do território, do tamanho da população e dos problemas administrativos que esses dois fatores causam, sendo a Administração Direta uma descentralização territorial das atribuições político-administrativas e a Administração Indireta uma descentralização institucional das funções públicas, de cunho meramente administrativo.

No Brasil, a organização da Administração Direta está disposta no artigo 1º da Constituição Federal, compreendendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, porém em pacto federativo indissolúvel, constituindo-se em Estado Democrático de Direito. Cada um desses entes federativos, pautado pela autonomia terá o poder estatal nos limites que lhes foram atribuídos pela Lei Maior.

Está também positivada a enumeração dos entes que compõe a Administração Pública brasileira no artigo 4º do Decreto-lei nº 200, de 1967. Esse artigo estabelece que a Administração direta é constituída pelos serviços que integram a estrutura da Presidência da República e dos Ministérios, e expõe que a Administração indireta compreende as autarquias, empresas públicas, sociedade de economia mista e fundações públicas. Além desses, foi incluído, pela Lei 11.107 de 2005, como componente da Administração indireta o consórcio público.

Nesse diapasão, se faz mister trazer a observação de Meirelles (2014, p.840), ao dispor que “a Administração Pública não é propriamente constituída de serviços, mas, sim, de órgãos a serviço do Estado, na gestão de bens e interesses qualificados da comunidade.” Seguindo esta linha de organização, se são os órgãos públicos que realizam os serviços do Estado, é importante buscarmos também o seu conceito e modo de funcionamento.

Assim, conforme Meirelles (2014, p.69), órgãos públicos “são centros de competência instituídos para o desempenho das funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertencem”. Esses órgãos são integrantes da Administração Direta e Indireta e, embora não possuam personalidade jurídica, possuem capacidade para exercer direitos e adquirir deveres. “Assim, os órgãos do Estado são o próprio Estado compartimentado em centros de competência, destinados ao melhor desempenho das funções Estatais” (2014, p.71).

Esses órgãos, como foi dito acima, exercem sua vontade por meio dos agentes públicos, que consequentemente exercem a vontade do Estado e da Administração. Desta forma, levando-se em consideração o fato de que em todo esse escalonamento são os agentes os únicos dotados de vontade psíquica, nada se moveria sem eles. Maior atenção será dada ao estudo dos agentes posteriormente, mas antes disso convém expor algumas considerações.

Se todo o aparelhamento estatal é movido pelos agentes públicos, são eles que realizam a finalidade da Administração Pública, que segundo Meirelles é sempre o bem da coletividade. Neste sentido, para o autor:

Os fins da administração pública resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada. Toda atividade do administrador público deve ser orientada para esse objetivo. Se dele o administrador se afasta ou desvia, trai o mandato de que está investido, porque a comunidade não institui a Administração senão como meio de atingir o bem-estar social. (MEIRELLES, 2013, p.88).

Assim, as ações dos Agentes, pois o administrador público também está incluído na categoria de agentes, devem realizar os serviços do Estado visando ao bem comum. Ademais, na conformidade do ordenamento jurídico brasileiro, o agente não tem liberdade para alcançar estes fins por quaisquer meios, os meios são regulamentados e, por determinação da Constituição Federal, devem ser sempre guiados pelos Princípios da Administração Pública.

Os princípios da administração pública, dispostos no artigo 37 da Carta Magna, são regras de observância obrigatória pela administração direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou seja, são a base de sustentação da atividade administrativa do Estado brasileiro em todas as suas esferas. Os referidos princípios são os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

De acordo com Carvalho (2015, p.61), “o princípio da legalidade decorre da existência do Estado de Direito, como uma Pessoa Jurídica responsável por criar o direito, no entanto, submissa ao ordenamento jurídico por ela mesmo criado e aplicável a todos os cidadãos”. Ou seja, o princípio da legalidade tem o condão de vincular toda atividade estatal aos ditames da lei, pois embora o ente fictício Estado seja detentor de poder sobre todos, a partir do momento que ele possui um ordenamento jurídico, até mesmo sua própria atuação passará a ser submissa ao que a lei manda, para que não haja arbitrariedades.

 Nesse sentido, ao tratar do princípio da legalidade, Meirelles (2014, p.90), reforçando a importância de controle da atividade estatal supracitada, expõe que:

A legalidade, como princípio de administração (CF, art.37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não pode se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

Assim, entende-se que todos os atos do agente público, no exercício de sua atividade, devem estar pautados na lei e nos limites que ela fixa. Enquanto o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, o agente público só pode fazer o que a lei expressamente autoriza, evitando-se assim a ocorrência de quaisquer arbitrariedades por parte do poder estatal.

Além disso, o princípio da legalidade legitima a indisponibilidade do interesse público por parte do administrador, já que, nas palavras de Carvalho (2015, p.62), “sua atuação fica dependendo da autorização do titular do interesse público (que é o povo), responsável pela elaboração das leis, por meio de seus representantes legitimamente escolhidos. ” Dessa forma, conclui-se que o referido princípio serve para garantir, pela vinculação da atuação estatal, o fim último do Estado que é a coabitação do interesse do povo, pautada no bem comum.

No que tange ao princípio da impessoalidade, significa que embora se tenha dito que o agente é o único componente do aparelhamento estatal que tem vontade psíquica, por que é a única pessoa física da organização, ele deve agir sempre expressando a vontade da Administração e nunca a sua vontade pessoal. Essa vontade da Administração será sempre o interesse público, logo, o agente deve praticar os atos visando sempre seu fim legal.

A esse respeito, Carvalho (2015, p.65) explicita que

Este princípio se traduz na ideia de que a atuação do agente público deve-se pautar pela busca dos interesses da coletividade, não visando a beneficiar ou prejudicar ninguém em especial, ou seja, a norma prega a não discriminação das condutas administrativas não devem ter como mote a pessoa que será atingida pelo seu ato.

Dessa forma, o referido princípio tem o condão de pregar a imparcialidade da atuação administrativa, de forma que a atuação do agente não pode estar pautada por discriminação entre os destinatários dos atos, seja para lhes beneficiar ou lhes prejudicar. Ou seja, a atividade administrativa não deve ter o interesse de atingir ninguém em particular, e sim o de fazer valer a vontade e o bem de todos.

O terceiro princípio disposto no texto constitucional é o da moralidade administrativa que é diferente da moralidade comum, de forma que “o agente não terá que distinguir apenas entre o legal e o ilegal, o justo ou injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. ” (HAURIOU, 1926, p. 197 e ss. apud MEIRELLES, 2014, p. 91-92).

Este princípio está intimamente ligado com a atuação honesta do agente público e o consequente afastamento da corrupção que tanto prejudica o bom andamento da administração pública. Nessa linha de pensamento, da mesma forma, percebemos que este princípio tem ligação com o princípio da legalidade, visto que “o ato administrativo não deve obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto. ” (MEIRELLES, 2014, p.92).

No entanto, Di Pietro (2014) entende que deve se tratar a moralidade como um princípio autônomo, pois uma lei pode ser imoral e da mesma forma a moralidade pode ultrapassar o âmbito das leis, assim atuar em consonância com a moralidade nem sempre significa respeitar o princípio da legalidade. Há assim que se ter cautela na averiguação da moralidade, a referida autora sustenta que para essa apreciação a lei prevê o cabimento da Ação Popular, com fulcro no art. 5º, LXXIII[1] da Constituição Federal.

Seguindo-se a ordem, a Carta Magna faz menção ao princípio da publicidade que dá caráter obrigatoriamente público aos atos praticados pelos agentes, ressalvadas algumas hipóteses de sigilo previstas na Constituição. Essa publicidade, na visão de Meirelles (2014, p.98) “não é elemento formativo do ato, é requisito de eficácia e moralidade”, assim, os atos irregulares não podem ser convalidados pela publicidade, nem esta pode ser dispensada quando o ato for regular.

Sobre a finalidade deste princípio, Carvalho (2015, p.69) explana que:

Com efeito, pode-se estipular que a principal finalidade do princípio da publicidade é o conhecimento público acerca das atividades praticadas no exercício da função administrativa. Em um Estado Democrático de Direito, não se pode admitir que assuntos da Administração que são do interesse de todos sejam ocultados. A publicidade tem grande abrangência, não só pela divulgação oficial mas também para conhecimento e fiscalização interna de seus agentes.

Assim, este princípio é muito importante para a sociedade por permitir a fiscalização da Administração Pública por qualquer cidadão, servindo como meio de controle da atuação dos agentes públicos e garantindo, dessa forma, mais uma vez que a vontade do povo, transmitida ao Estado através da legitimação do seu poder, seja feita e fiscalizada.

O quinto e último princípio expresso na Constituição é o da eficiência, ele tem importância ímpar para o presente trabalho. Esse princípio, segundo Meirelles (2014, p.102):

[..]exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.

Assim, entende-se que o princípio da eficiência demonstra o descontentamento do povo com a simples aplicação dos outros, exigindo que o modo de aplicação seja o melhor, o mais célere, o que possa trazer melhores resultados à sociedade.

Ao tratar dele, Di Pietro (2014) considera que ele possui dois aspectos: o primeiro é o modo de atuação do agente público, deste se espera desempenho pessoal bom o suficiente para alcançar os melhores resultados para a administração. O segundo aspecto em que deve ser considerado é em relação ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração Pública que deve também ter por objetivo uma melhor prestação dos serviços públicos. Ela acrescenta, oportunamente, que o princípio da eficiência deve ser cumprido nos limites da legalidade. Ressalta-se que esse princípio será discutido com maior especificidade em momento posterior no presente trabalho, por isso nesse momento é suficiente o que foi explicitado.

É importante frisar que os doutrinadores apresentam outros princípios que não estão explícitos na Constituição Federal, mas que estão em outros diplomas legais do ordenamento brasileiro. Porém, para o estudo que aqui está sendo desenvolvido, é suficiente nos determos em entender os princípios expostos.

Assim, considerando que foi tratado, no presente trabalho, do que era cabível a respeito da organização administrativa brasileira, passaremos a tratar agora dos agentes públicos e suas classificações, pois é na atuação deles que o problema do presente trabalho vem à tona, necessitando de um estudo sobre cada um deles para, a partir disso, se estabelecerem as discussões posteriormente.

Agentes Públicos e sua Classificação

Como já foi dito anteriormente, os agentes públicos são as pessoas físicas incumbidas de desempenhar as funções do Estado. A expressão agente público é bastante ampla, de forma que a doutrina ao estabelecer um conceito demonstra que o gênero é composto por várias subdivisões.

Por conceito do gênero agente público, Carvalho (2015, p. 748) expõe que “qualquer pessoa que age em nome do Estado é agente público, independentemente do vínculo jurídico, ainda que atue sem remuneração e transitoriamente.” Ou seja, quando a pessoa desempenha qualquer função perante a sociedade incumbida ou autorizada pelo Estado, ele é, ao menos naquele momento, agente público. Nesse sentido, Meirelles (2014) explica que esse desempenho pode se dar de forma definitiva ou transitória, onde o agente titulariza um cargo que pertence ao órgão público, e nesse cargo desempenha funções ou, em situações específicas, o agente exerce funções sem titularizar cargo.

Vale salientar que titularizar um cargo não significa ser dono dele, tampouco das funções que exerce, não estando o sujeito vinculado ao exercício da função estatal. A esse respeito, é cabível trazer, in verbis¸ o entendimento de Meirelles (2014, p.77), para dar respaldo a nossa afirmação:

A regra é a atribuição de funções múltiplas e genéricas ao órgão, as quais são repartidas especificamente entre os cargos, ou individualmente entre os agentes de função sem cargo. Em qualquer hipótese, porém, o cargo ou a função pertence ao Estado, e não ao agente que o exerce, razão pela qual o Estado pode suprimir ou alterar cargos e funções sem nenhuma ofensa aos direitos de seus titulares, como podem desaparecer os titulares sem extinção dos cargos ou funções.

Desse ensinamento, é possível depreender que o agente é investido no cargo para exercer a função dando vida à vontade da administração, sem ser possuidor dessa vontade e sim um mero executor dentro dos limites legais. Estabelece-se, assim, um escalonamento da organização da Administração Pública Brasileira que tem fim no agente público, seguindo, de acordo com Meirelles (2014, p.77) a seguinte ordem: “poder, órgão, função, competência, cargo e agente”. Esse escalonamento já foi estudado pontualmente no presente trabalho, restando apenas o estudo do agente público.

Convém, inicialmente, entender que o termo agente público é um gênero, que se divide em cinco categorias diferentes: agentes políticos, agentes administrativos, agentes honoríficos, agentes delegados e agentes credenciados (MEIRELLES, 2014, p.77). Já Mello (2013), considera que se acrescenta à divisão apresentada a espécie servidores públicos, da mesma forma existem inúmeras classificações diferentes entre os doutrinadores.

 No entanto, é importante deixar claro que para o presente trabalho foi considerado como mais pertinente o entendimento de Meirelles a respeito das subdivisões do gênero agente público, por isso sua opinião será mais exposta, do que a de outros doutrinadores da área. Ademais, cabe ressaltar que esta classificação doutrinária não é o foco principal do presente trabalho, embora seja importante, uma vez que necessitar-se-á da conceituação para a discussão da problemática apresentada. Dessa forma, inicia-se neste momento a apresentação de cada espécie.

A primeira espécie exposta por Meirelles (2014) é a dos agentes políticos que, segundo ele, “são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. ” (MEIRELLES, 2014, p78). Se enquadram nessa espécie, na visão de Meirelles, os chefes do Poder Executivo, os membros do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público, os ministros e conselheiros dos Tribunais de Contas, representantes diplomáticos e demais autoridades que atuem desempenhando atribuições semelhantes, que não se encaixam no quadro do serviço público.

O autor entende que esses agentes têm plena liberdade funcional, conferida por lei, pelo fato de agirem conduzindo os negócios públicos, equiparando-se à liberdade conferida aos magistrados em seus julgamentos, tendo inclusive, isenção de responsabilização civil por erros em suas atuações, excetuando-se apenas os casos de culpa, má-fé ou abuso de poder.

Já Carvalho Filho (2014, p. 594-595), por sua vez, ao tratar dos agentes políticos considera que “como regra, sua investidura se dá através de eleição, que lhes confere o direito à um mandato, e os mandatos eletivos caracterizam-se pela transitoriedade do exercício das funções, como deflui dos postulados básicos das teoria democrática e republicana.” Dessa forma, o referido autor difere do entendimento de Meirelles quanto aos integrantes da espécie dos agentes políticos, pois para ele, só são integrantes desse grupo os chefes do Executivo, seus auxiliares que seriam os ministros e secretários e os membros do Poder Legislativo.

Carvalho Filho dispõe, como justificativa de não considerar como agentes políticos os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, que:

Ninguém discute a importância do papel que tais agentes desempenham no cenário nacional, mas, ao contrário do que ocorre com os legítimos agentes políticos, cuja função é transitória e política, sua vinculação ao estado tem caráter profissional e de permanência e os cargos que ocupam não resultam de processo eletivo, e sim, como regra, de nomeação decorrente de aprovação em concurso público. Não interferem diretamente nos objetivos políticos, como fazem os verdadeiros agentes políticos. Assim, sua fisionomia jurídica se distancia bastante da que caracteriza esses últimos. (CARVALHO FILHO, 2014, p. 595)

Dessa forma, o referido autor entende como mais apropriado inserir esses servidores na categoria genérica de servidores públicos e não de agentes políticos. Da mesma ideia corroboram Di Pietro e Mello. Essa ideia também será a considerada no presente trabalho, que ao tratar de agentes políticos considerará como tais os que exercem função política decorrente de processo eletivo.

No que tange a esses agentes, conclui-se, assim, que são os que ditam os rumos da Administração Pública na prática, pois são eles que detêm poder decisório, poder de mando e são livres para tomar essas decisões, não estão no nível operacional pois não executam ordens ou cumprem obrigações pré-estabelecidas. São, desta forma, de extrema importância para o bom funcionamento da Administração Pública, já que está em suas mãos o poder do Estado.

Em seguida, Meirelles (2014, p. 81) conceitua agentes administrativos como sendo “todos aqueles que se vinculam ao Estado ou às suas entidades autárquicas e fundacionais por relações profissionais, sujeitos à hierarquia funcional e ao regime jurídico determinado pela entidade estatal a que servem.” Esses agentes se vinculam ao Estado em regra por nomeação e excepcionalmente por contrato de trabalho. Integram essa espécie, de acordo com o artigo 37, I, II e V da Constituição Federal, os ocupantes de cargo ou emprego público aprovado em concurso, servidores públicos concursados, os exercentes de cargo ou emprego em comissão e os servidores temporários.

Entende-se, assim, que os agentes administrativos representam a parte operacional do poder do Estado, suas funções são concretamente a realização dos serviços e, por isso, estão sempre mais próximos do povo que os agentes políticos costumam estar. Nesse sentido, Meirelles (2014, p.81) ainda acrescenta que:

Os agentes administrativos não são membros do poder do estado, nem o representam, nem exercem atribuições políticas ou governamentais; são unicamente servidores públicos, com maior ou menor hierarquia, encargos e responsabilidade profissionais dentro do órgão ou da entidade a que servem, conforme o cargo, emprego ou a função em que estejam investidos.

Assim, a autoridade e a responsabilidade do agente administrativo é limitada ao necessário ao exercício de sua função, sem que tenha poder político nem decisório. Consequentemente, esses agentes apenas respondem por culpa quando causam danos à Administração ou a terceiros no exercício de suas funções.

Mais uma vez Carvalho Filho apresenta entendimento divergente do de Meirelles, no sentido que considera mais adequada a nomenclatura servidores públicos para designar espécie que aquele chama de agentes administrativos. Segundo Carvalho Filho:

São denominados por uns de agentes administrativos, mas a expressão não é adequada, porque diz menos do que o sentido que se devem emprestar à expressão servidores públicos. Na realidade, existem muitos servidores públicos que desempenham funções diversas da função administrativa do Estado.  (CARVALHO FILHO, 2014, p. 597)

No entanto, a despeito da plausível justificativa apresentada pelo autor, consideraremos nesse trabalho monográfico a nomenclatura apresentada por Meireles, por entendermos que o termo servidores públicos não engloba a categoria dos empregados públicos, que é citada como distinta da categoria dos servidores na própria Constituição Federal. O termo agentes administrativos engloba melhor as duas categorias.

A terceira espécie de agentes da ordem anteriormente apresentada é a dos agentes honoríficos. Esses agentes não são servidores públicos, não titularizam cargo nem possuem emprego público, apenas exercem momentaneamente uma função pública, com o objetivo de colaborar com o funcionamento do Estado. Meirelles os conceitua da seguinte forma:

Agentes honoríficos são cidadãos convocados, designados ou nomeados para prestar, transitoriamente, determinados serviços ao Estado, em razão de sua condição cívica, de sua honorabilidade ou de sua notória capacidade profissional, mas sem qualquer vínculo empregatício ou estatutário e, normalmente, sem remuneração. (MEIRELLES, 2014, p.82)

Diante desse conceito, é possível vislumbrar que esses agentes são escolhidos pela sua conduta de cidadão honrado para colaborar transitoriamente com o Estado, podendo ser citados como exemplo os que trabalham para a justiça eleitoral como mesários nas eleições, o corpo de jurados do Tribunal do Júri, entre outros. Em razão da transitoriedade da função realizada e do caráter de colaboração com o Estado, essas pessoas não recebem remuneração, mas percebem uma ajuda de custo para suprir as despesas que tiveram em razão da realização da função.

A espécie seguinte é a dos agentes delegados, estes constituem um grupo bastante diferenciado em relação aos anteriormente apresentados, pelo fato de realizarem por conta própria as atividades delegadas pelo Estado, assumindo quaisquer riscos que delas decorram. O conceito doutrinário apresentado para essa espécie de agentes públicos dispões que:

Agentes delegados são particulares – pessoas físicas ou jurídicas, que não se enquadram na acepção própria de agentes públicos – que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. (MEIRELLES, 2014, p.83).

Assim, entende-se que esses agentes não são servidores nem empregados públicos, nem representantes do Estado, são uma diferenciada classe de colaboradores da Administração Pública. As atividades exercidas por essa classe de agentes públicos são sempre de interesse coletivo, mas, por agirem em nome próprio, estão sujeitos a responsabilização civil e criminal quando causarem danos a terceiros, tendo o Estado apenas responsabilidade subsidiária. Estão nessa categoria os concessionários de obras e serviços públicos, os leiloeiros, os titulares de serviços notariais e de registro, entre outros que exerçam as atividades acima descritas.

A última subespécie proposta é a dos agentes credenciados que “são os que recebem a incumbência da Administração para representá-la em determinado ato ou praticar certa atividade específica, mediante remuneração do Poder Público credenciante” (MEIRELLES, 2014, p.84).

 Pouco se tem a dizer a respeito desse grupo, mas pode-se perceber que eles são considerados por alguns autores como Cunha Junior (2011) e Mello (2009) como aqueles contratados por meio de contrato de locação civil para realizar algum trabalho, como por exemplo um advogado contratado para fazer uma sustentação oral perante um Tribunal. Entretanto, dessa ideia discorda Carvalho Filho (2014), pois considera que uma contratação civil não traduz uma relação de trabalho, por isso os contratados nesses casos não devem ser considerados como agentes públicos. A esse respeito, é importante ressaltar que não nos posicionaremos por não ser a subespécie dos agentes delegados uma categoria importante para o presente trabalho.

Feitas essas considerações, é possível entender toda a relação lógica que legitima o Estado, seu poder e modo de funcionamento, e concluir que o Estado não existe sem o povo que o legitima, nem o povo consegue se manter sem o Estado que organiza suas vidas, há entre eles um pacto que traduz a união dos interesses para possibilitar uma vida confortável em comum. Para que funcione, é necessário todo um aparelhamento escalonado em ordem decrescente nos elementos poder, órgão, função, competência, cargo e agente, para funcionar em prol do bem comum.

Entendemos também que os agentes públicos dão vida a vontade do Estado e, portanto, são de extrema importância para o funcionamento de todo o sistema que foi demonstrado. Se um agente tem pouca qualidade profissional e não é capaz de desempenhar bem suas tarefas profissionais estará colocando em risco a vontade e o funcionamento estatal ao exercê-la de modo temerário. Logo, ele precisa ser muito bem selecionado, para que possa garantir o bom funcionamento do aparelhamento estatal.

Assim, diante de tudo que foi exposto, podemos iniciar o estudo mais aprofundado das duas subespécies que serão objeto de confronto quanto aos requisitos e pressupostos para o provimento dos cargos que se enquadram em ambas as categorias, neste trabalho monográfico, quais sejam a dos agentes políticos e a dos agentes administrativos, para em seguida estabelecerem-se as discussões sobre elas.           

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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