2.DISTINÇÃO ENTRES AGENTES POLÍTICOS E AGENTES ADMINISTRATIVOS
Este capítulo tratará da especificação dos agentes políticos e administrativos, a partir da classificação anteriormente apresentada, estabelecendo-se entre elas as distinções existentes. Para que isso seja possível, tratar-se-á inicialmente da exposição dos pressupostos de escolha dos agentes políticos, apresentando a teoria que fundamenta o processo de escolha e a indicação do respectivo referencial teórico. Após isso, será analisada a classe dos agentes administrativos, discutindo-se o seu processo de investidura nos cargos e empregos públicos, bem como apresentando a teoria que embasa esse processo e o respectivo referencial teórico. Por fim, após a apresentação das teorias e dos referencias teóricos, será demonstrada a efetiva distinção dos requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro para integrar uma ou outra classe, a fim de fixar a base de sustentação para a discussão da problemática a ser realizada no capítulo seguinte.
2.1.Agentes políticos e os pressupostos de sua escolha
O agente político é uma das figuras estudadas no presente trabalho, e por isso será largamente discutido nesse momento. Como já foi comentado no capítulo anterior, são eles que detém o poder decisório sobre os rumos do Estado brasileiro e criam as estratégias políticas que tornam possível a realização da finalidade do Estado, também já comentada, que é o bem comum.
Nesse sentido, entende-se como sendo agentes políticos todos aqueles que são eleitos pelo povo para exercer um mandato, por tempo determinado, nos Poderes Executivo e Legislativo, em todos os níveis da organização político-administrativa brasileira. No Brasil, vige o regime democrático, nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal. Nestes termos, tem-se em razão da democracia que os agentes políticos são escolhidos pelo povo, de onde emana todo o poder.
Antes de adentrar nesse assunto, convém trazer a definição de democracia, por que é nela que está fundamentado todo o processo eleitoral do Brasil. Adotaremos a definição proposta por Bobbio (2004, p. 30) que afirma preliminarmente que:
[...] o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraproposta a todas as formas de governo autocrático, é a de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos.
Pode-se disso depreender, que esse conjunto de regras que se entende como democracia surge pelo fato de todos os grupo sociais estarem obrigados a tomar decisões de caráter coletivo, e essas decisões partirem sempre e necessariamente de um indivíduo específico, porque o grupo em si não toma decisão. Para que a decisão tomada seja aceita, é preciso que se tenha estabelecido quem está autorizado a tomá-la e sob quais procedimentos.
O procedimento geralmente observado é que a decisão seja tomada levando-se em conta a vontade da maioria dos que fazem parte do grupo. Este procedimento democrático, no entanto, pode se dar de forma direta ou de forma indireta. Primeiramente trataremos da democracia direta, que é a forma de processo decisório tomado pelos próprios cidadãos. São cabíveis, nesse momento, as palavras de Bobbio (2004, p.63) que afirma o seguinte:
Para que exista a democracia direta no sentido próprio da palavra, isto é, no sentido em que direto quer dizer que o indivíduo participa ele mesmo nas deliberações que lhe dizem respeito, é preciso que entre os indivíduos deliberantes e a deliberação que lhes diz respeito não exista nenhum intermediário.
Dessa forma, vige esse tipo de democracia quando todos os cidadãos dão pessoalmente sua opinião a respeito de cada assunto específico. Esse processo se dá por exemplo, quando um grupo se reúne para deliberar sobre determinado assunto, e a partir da opinião da maioria é tomada a decisão.
Essa forma de exercício da democracia é defendida por Rousseau (2002), para quem a democracia exige participação reiterada de todos, pois só assim se dá o exercício da soberania que pertence ao povo, visto que não é possível que a soberania seja representada. Para Rousseau, no sistema representativo, o povo só tem voz no momento em que elege o seu representante, após isso, a soberania passa a ser dele e não mais do povo, o governante não tem como representar a vontade de todos, porque a vontade só pode ser exercida pelo seu titular, não podendo ser representada.
No entanto, pelo fato de a democracia direta pressupor a oitiva de cada vontade em cada tomada de decisão, torna-se impossível de ser praticada de forma exclusiva atualmente, posto que os Estados são grandes, muito populosos, e sua administração envolve uma infinidade de problemas e de processos decisórios, que não permite que cada cidadão possa se posicionar a respeito de cada assunto.
Nesse sentido, no Brasil, os cidadãos podem exercer a democracia direta apenas em casos específicos de questões relevantes para a nação, já que o texto constitucional permite ao dispor inicialmente no parágrafo único do artigo 1º, in verbis, que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, nas formas estabelecidas como no artigo 14, incisos I, II e III da Carta Magna: o plebiscito[2], o referendo e a iniciativa popular[3].
Já a democracia indireta, também chamada de representativa, “significa genericamente que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade” (BOBBIO, 2004, p.56). Esse tipo de exercício da democracia é mais aplicável ao cenário atual, onde, como já foi dito anteriormente, é impossível que todos os cidadãos decidam sobre todos os problemas do país.
A democracia representativa foi defendida por Mill (1968). Ao apresentar seus argumentos a respeito do tema, ele demonstra que o governo despótico diminui os cidadãos, no sentido de que os torna semelhantes a máquinas, que não precisam pensar, apenas agem de forma mecânica obedecendo a comandos. Já no governo democrático, que é mais adequado quando é representativo, o cidadão é exaltado, é um ser pensante que vai ser constantemente estimulado a se preocupar com os rumos do seu Estado.
Cabe trazer, in verbis, as considerações de Mill a respeito do tema:
A partir de todas essas considerações, torna-se evidente que o único governo que pode satisfazer plenamente todas as exigências do Estado social é aquele no qual todo o povo participa; que toda a participação, mesmo na menor das funções públicas, é útil; que a participação deverá ser, em toda parte, tão ampla quanto o permitir o grau de desenvolvimento da comunidade; e que não se pode, em última instância, aspirar por nada menor do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano do Estado. Mas como, nas comunidades que excedem as proporções de um pequeno vilarejo, é impossível a participação pessoal de todos, a não ser numa parcela muito pequena dos negócios públicos, o tipo ideal de um governo perfeito só pode ser o representativo. (Grifos nossos) (MILL, 1968 in WEFFORT, 2006, pag. 223)
Percebe-se, diante do trecho apresentado que Mill defendia como essencial a participação política de todos, e apresenta como justificativa por considerar o sistema representativo melhor que o direto, o fato de, diante do tamanho dos Estados, ser impossível a participação pessoal de cada cidadão.
Ademais outras considerações feitas pelo autor, antes de se chegar à conclusão que foi apresentada acima, também são pertinentes ao presente trabalho e consistem em uma justificativa idealizada por ele defendendo que a democracia, exercida através da participação política de cada indivíduo, é um processo de instrução para o cidadão, visto que ao ter em suas mãos a missão de decidir sobre o rumo de seu Estado, participando ativamente das funções públicas, se torna um homem educado.
Ou seja, a participação política deveria ser estendida a todos não só pelo fato de ser melhor para o funcionamento da coisa pública, mas também por consistir em um instrumento que estimula o lado intelectual e o lado moral de cada cidadão, que se livrará das amarras das preocupações individualistas e passará a se preocupar com o bem de todos.
A democracia, nesse caso, é vista como um verdadeiro instrumento de libertação do povo, levando-se em conta o fato de que a democracia direta se mostra impossível de ser tomada como única forma de participação, por não conseguir abarcar as escolhas de todos, deve ter seu ápice na representação.
Já Bobbio (2004), ao tratar da distinção entre as duas formas de democracia, defende que ambas são muito importantes e que se complementam, devendo ser estabelecido entre elas um justo meio, como a melhor forma de exercício do poder pelo povo.
Bobbio (2004) considera que, na democracia representativa, o representante político eleito pelo povo não é um mero delegado pois, se assim fosse, o representante seria apenas um porta voz do povo, sem liberdade para tomar decisões e seu mandato poderia ser revogado pela vontade de qualquer dos mandatários. O representante político é, na verdade, um fiduciário, pois tem liberdade para agir em nome dos representados, usando de seu próprio discernimento para isso e não sendo um mero porta voz.
Assim, dado o caráter da representação como o de defender os interesses gerais e levada em consideração a liberdade que os eleitos têm para exercer esse poder que lhes é conferido, acaba por surgir um problema no sistema da democracia puramente representativa, exposto nos seguintes termos:
Nas eleições políticas, nas quais funciona o sistema representativo, um operário comunista não vota no operário não-comunista mas vota num comunista mesmo se não operário. O que quer dizer que a solidariedade de partido e, portanto, a visão dos interesses gerais é mais forte que a solidariedade de categoria e, portanto, a consideração dos interesses particulares. Uma consequência do sistema é que, como afirmei pouco atrás, os representantes — na medida em que não são representantes de categoria mas, por assim dizer, representantes dos interesses gerais — terminam por constituir uma categoria à parte, a dos políticos de profissão, isto é, daqueles que, para me expressar com a eficientíssima definição de Max Weber, não vivem apenas para a política mas vivem da política. (Grifo nosso) (BOBBIO, 2004, p.60)
Esse comentário considera que pelo fato de o representante estar revestido pela cobertura da representação dos interesses gerais, o singular cidadão que deu seu voto não tem poder de cobrar uma ou outra atitude específica do representante, já que representante não é responsável por nada perante cada um dos eleitores e sim dos interesses gerais da sociedade.
Assim, se o eleito não tiver a reponsabilidade e o discernimento necessário para exercer sua missão perante seus eleitores, haverá grandes possiblidades de fazer prevalecer sua vontade pessoal, tornando a política um meio de vida e afastando-se da real missão de fazer prevalecer o bem comum.
Por outro lado, Bobbio (2004) também visualiza que a democracia puramente direta é impraticável atualmente pelo fato de ser impossível todo o povo de um Estado, se reunir para deliberar a respeito de cada assunto, como já foi apresentado anteriormente.
Diante desse impasse, ele se posiciona da seguinte forma:
[...] entre a forma extrema de democracia representativa e a forma extrema de democracia direta existe um continuum de formas intermediárias, um sistema de democracia integral as pode conter todas, cada uma delas em conformidade com as diversas situações e as diversas exigências, e isto porque são perfeitamente compatíveis entre si, posto que apropriadas a diversas situações e a diversas exigências. Isto implica que, de fato, democracia representativa e direta não são dois sistemas alternativos (no sentido de que onde existe uma não pode existir a outra), mas são dois sistemas que se podem integrar reciprocamente. Com uma fórmula sintética, pode-se dizer que num sistema de democracia integral as duas formas de democracia são ambas necessárias, mas não são, consideradas em si mesmas suficientes. (BOBBIO, 2004, p. 65)
Assim, Bobbio chega à conclusão que as democracias direta e indireta não são, em suas formas puras, suficientes, tampouco devem representar alternativas que se excluem. Na verdade, as formas de democracia direta e indireta são coisas que se complementam e o exercício das duas em um justo meio, situação a que o autor se refere como sistema de democracia integral, é a forma mais aprimorada de expressão do poder do povo.
Neste momento, após feitas essas considerações gerais a respeito das duas formas de exercício da democracia, convém expor que no Brasil, o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal dispõe que o povo brasileiro pode exercer seu poder das duas formas: através dos representantes eleitos ou diretamente, após preenchidas as condições estabelecidas no artigo 14 que serão objeto de análise da próxima subseção, sendo vigente, portanto, uma democracia semidireta.
Vale, entretanto, ressaltar que a representação é a forma democrática mais usual no Brasil, onde as pessoas são chamadas a escolher seus representantes a cada dois anos, alternando-se a escolha da representação local em um processo com a escolha da representação a nível de estado e de país em outro processo. Por sua vez, a democracia direta é exercida apenas quando a população é chamada a decidir sobre determinado assunto tangente ao interesse de todos, mas não é pertinente para o presente trabalho por não estar relacionada à escolha do agente político.
Diante do exposto, então, percebe-se que a democracia é a teoria sobre a qual está fundamentado todo o processo de escolha dos representantes políticos no Brasil. No presente trabalho, será tomada como referencial teórico, no tocante aos pressupostos de escolha dos agentes políticos, o entendimento de Bobbio, haja vista que o autor defende a democracia semidireta como o melhor exercício desta, sendo esta ideia adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Assim, o exercício da democracia semidireta, no Brasil é garantido pelos direitos políticos, que serão adiante analisados.
2.1.1 Dos Direitos Políticos: capacidade eleitoral ativa e passiva
Antes de adentrar no estudo dos direitos políticos, é necessário entender que para existir democracia é essencial que os indivíduos, sejam os que vão escolher os representantes, sejam os que vão representar e tomar as decisões, tenham liberdade para pensar e escolher. Assim, foi em consequência do consentimento dado pelo Estado para o exercício das liberdades fundamentais consistentes nos direitos civis, que nasceram naturalmente os direitos políticos como uma concretização do exercício da democracia, e que serão neste momento analisados.
A esse respeito, Silva (2006) considera que o regime representativo necessitava de técnicas para efetivar a escolha dos representantes do povo. A princípio, essas técnicas eram aplicadas de forma empírica e com o passar do tempo foram se transformando em regras, posteriormente positivadas pelo Direito. “Assim, o direito democrático de participação do povo no governo, por seus representantes, acabou exigindo a formação de um conjunto de normas legais permanentes, que recebeu a denominação de ‘direitos políticos’” (SILVA, 2006, p. 211). Ou seja, a liberdade de participação implicou naturalmente no direito de escolha, que foi positivado, tornando-se norma jurídica.
Desse modo, no Brasil, os direitos políticos, ao tempo de seu nascimento, não tinham a atual configuração que possuem hoje, pois, com o passar dos tempos as regras foram sendo aprimoradas a fim de atender aos anseios sociais e políticos de cada época.
Na primeira Constituição brasileira, datada de 1824, quando o Brasil ainda era um império, as eleições eram indiretas e censitárias, e o direito ao voto só era concedido aos homens livres, sendo excluídos os escravos, as mulheres, os índios e os pobres pois era levado em consideração a classe econômica do homem, fosse para ser eleitor ou candidato.
Em seguida, a Constituição republicana de 1891 trouxe mudanças significativas para a sociedade Brasileira, instituiu a forma federativa para o estado e a forma republicana para o governo, bem como trazia uma amplificação dos direitos políticos decorrente da abolição da escravatura. Esta Constituição considerava como eleitores todos os homens que tivessem 21 anos de idade ou mais, sem distinção de classe social, mas ainda excluía do processo eleitoral as mulheres, os mendigos e os analfabetos.
Já a Constituição Federal de 1934, instituiu o voto secreto e obrigatório para os maiores de 18 anos, inclusive para as mulheres, mantendo a proibição do voto apenas aos mendigos e analfabetos. Em 1937 foi outorgada a Constituição do Estado Novo que instituía a eleição indireta para o cargo de Presidente da República, tendo sido retomada a eleição direta na Constituição de 1946 e, em seguida, novamente estabelecida a forma indireta com A Constituição de 1967, marcada pelo regime militar.
O direito de voto em sua configuração atual somente foi instituído em 1988 com a Constituição Cidadã. Os direitos políticos estão dispostos no Capítulo IV da Lei Maior, têm início no artigo 14, dispondo que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos.”
O sufrágio é “um direito público subjetivo, de natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar da organização e da atividade do poder estatal” (FAYT, 1963, p.7 e 21 apud SILVA, 2006, p. 214), em suma, consiste no direito de votar e ser votado. De acordo com Silva (2006, p.214), o sufrágio “constitui a instituição fundamental da democracia representativa, e é pelo seu exercício que o eleitorado – instrumento técnico do povo – outorga legitimidade aos governantes”. Ou seja, o sufrágio é o direito de escolher o representante, que é exercido por meio do voto.
É importante ressaltar o caráter de universalidade do sufrágio que repousa no fato de todos os nacionais poderem ser eleitores, não se estabelecendo distinções de nenhum tipo, desde que preencham alguns requisitos básicos que serão adiante explicitados.
No § 1º do artigo 14 do texto constitucional, estabelece-se que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos e facultativos para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os que estão na faixa etária de maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. No § 2º do referido artigo, dispõe-se que “não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos”.
Desse modo, observa-se que estão dispostos nesses dois parágrafos do artigo 14 da constituição os requisitos para o exercício do direito ao sufrágio, que de acordo com Silva (2006, p.215) consistem num duplo condicionamento: “(a) um de fundo, porque precisa preencher os requisitos de nacionalidade, idade e capacidade; (b) outro de forma porque precisa alistar-se eleitor e, assim, tornar-se titular do direito de sufrágio”. No entanto, esse duplo condicionamento não foi estabelecido sem critérios, seu objetivo é que aqueles que possam exercer o direito supracitado sejam pessoas que possuam capacidade de discernimento para escolher seu representante, auferida através do critério da idade, estabelecido pelo Código Civil, e nacionalidade brasileira.
No que se refere as proibições de alistamento como eleitor objetivam proteger a democracia: primeiramente porque soberania do país pertence ao povo nacional, logo os estrangeiros não têm direito a interferir na escolha dos representantes do Brasil; e segundo porque os conscritos, enquanto prestam o serviço militar obrigatório, estão diretamente subordinados ao poder da União, e poderiam ser lesados em sua liberdade de escolha.
Por outro lado, o alistamento e o voto, são obrigatórios aos maiores de dezoito anos, porque estes teoricamente reúnem plenas condições de discernimento, e por isso, passam a ter não só o direito, mas uma verdadeira obrigação de contribuir com a escolha dos agentes que vão representar a nação. Já os analfabetos, os maiores de 70 anos, e os maiores de 16 e menores de 18 anos, embora não sejam obrigados a se alistar como eleitores, possuem o direto subjetivo ao sufrágio e não estão impedidos de exercê-lo, possuem essa faculdade, bastando que preencham os requisitos gerais já comentados e realizem o alistamento.
Além da obrigatoriedade do alistamento, a Carta Magna estabelece a obrigatoriedade do voto, que segundo Silva (2006, p.219) é apenas uma obrigatoriedade formal, que não fere o caráter de liberdade do voto. É cabível trazer suas palavras a respeito do tema:
Convém entender bem o sentido da obrigatoriedade do voto, prevista no citado dispositivo constitucional, para conciliar essa exigência com a concepção de liberdade do voto. Aquela obrigatoriedade não impõe ao eleitor o dever jurídico de emitir necessariamente o seu voto. Significa apenas que ele deverá comparecer à sua seção eleitoral e depositar sua cédula de votação na urna, assinando a folha individual de votação. Pouco importa se ele votou ou não votou, considerando o voto não o simples depósito da urna, mas a efetiva escolha de representante, dentre os candidatos registrados. A rigor, o chamado voto em branco não é voto. Mas, com ele, o eleitor cumpre seu dever jurídico, sem cumprir o seu dever social e político, porque não desempenha a função instrumental da soberania popular, que lhe incumbia naquele ato. (SILVA, 2006, p.219)
Dessa forma, entende-se que a obrigatoriedade ao voto, disposta no texto constitucional, é apenas um dever jurídico, que se refere à obrigação que o eleitor tem de comparecer à seção eleitoral. Quando se infringe esse dever jurídico de comparecimento, o eleitor será submetido as sanções de multa e privação de alguns direitos dependentes dos diretos políticos, como por exemplo o direito de tomar posse em um cargo público.
Por outro lado, considerando que o voto é livre e secreto, o cidadão tem o direito de fazer a escolha que quiser, inclusive o direito de não escolher ninguém para representante. O ato de escolher alguém, consiste no poder social e político que todos os indivíduos têm perante a comunidade, mas que não representa uma imposição, já ele tem a liberdade de não usar o seu poder, nem gera nenhuma sanção quando não exercido.
Feitas essas considerações sobre os pressupostos de escolha dos agentes políticos, bem como a respeito do exercício dos direitos políticos passivos pelos eleitores, passa-se a análise das condições para o exercício dos diretos políticos ativos, ou condições de elegibilidade.
A elegibilidade é a capacidade de ser eleito, que é adquirida mediante preenchimento de certas condições estabelecidas na Constituição Federal. Silva (2006, p. 224) apresenta o seguinte conceito:
Consiste, pois, a elegibilidade no direito de postular a designação pelos eleitores a um mandato político no Legislativo ou Executivo. Numa democracia a elegibilidade deve tender à universalidade, tanto quanto o direito de alistar-se eleitor. Suas limitações não deverão prejudicar a livre escolha dos eleitores, mas ser ditadas apenas por considerações práticas, isentas de qualquer condicionamento político, econômico, social ou cultural.
Assim, embora consistente em condições, as limitações da elegibilidade não estabelecem distinções de qualquer caráter pessoal, e sim apenas de caráter prático, que visam a selecionar os que podem concorrer a mandato eletivo, porque no regime democrático, a elegibilidade deve ter caráter universal, decorrente do direito ao sufrágio, que possui esse caráter.
As condições de elegibilidade estão estabelecidas no § 3º, do artigo 14 da Constituição Federal, consistentes especificamente no preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição, filiação partidária e as idades mínimas para cada cargo político dos poderes Executivo e Legislativo.
Quanto à nacionalidade brasileira, essa condição existe porque o sufrágio é um direito decorrente da soberania do povo brasileiro, dentro do território nacional, não sendo estendida aos estrangeiros a participação no processo eleitoral pátrio. Cabe ressaltar, entretanto, que tanto os direitos políticos ativos quanto os passivos são concedidos aos brasileiros naturalizados, excetuando-se apenas a exigência da condição de brasileiro nato para os candidatos a presidente e vice-presidente da República.
Já as condições do pleno exercício dos direitos políticos e do alistamento eleitoral existem por um motivo lógico: aquele que pretende ser eleito precisa no mínimo obedecer aos requisitos de ser eleitor, ou seja, para que possa ser escolhido como representante, deve ter pelo menos a capacidade de escolher, e cumprir seu dever de cidadão. É importante apresentar a informação que, de acordo com o artigo 15 da Constituição Federal, a perda dos direitos políticos se dará nos casos de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado, incapacidade civil absoluta, condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII, e improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
No que tange a condição de o candidato ter o domicílio eleitoral na circunscrição em que está se candidatando, decorre da preocupação que o representante seja uma pessoa da comunidade que vai representar, pois precisa ser legitimado por ela, e ter real interesse em fazer melhorar a situação da referida comunidade através de uma administração comprometida. Isso impede, por exemplo, a eleição de forasteiros, que buscam unicamente status ou buscam viver da política usufruindo do dinheiro público, e conseguem ser eleitos por terem uma boa condição econômica e conquistar a simpatia do povo, mas que por não ter nenhum vínculo com a comunidade, não tem também nenhuma pretensão de contribuir com o seu desenvolvimento.
Quanto à condição da filiação partidária, ela existe porque no Brasil é adotado o sistema partidarista que proíbe a possibilidade de candidaturas avulsas, ou seja, o candidato deve ser obrigatoriamente filiado a algum partido político inscrito na justiça eleitoral.
Por fim, a condição de se ter idades mínimas de trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador, trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e dezoito anos para Vereador se justifica pela necessidade de que o candidato tenha experiência de vida suficiente para exercer as responsabilidades do cargo político. Por esse motivo, quanto maior o nível de responsabilidade exigido pelo cargo, maior a idade mínima que se precisa ter para concorrer ao respectivo mandato.
Além da necessidade de atender às condições supracitadas, o candidato não pode incorrer em nenhuma das inelegibilidades dispostas nos parágrafos 4º e 7º do referido artigo 14, que dispõem in verbis:
Art.14. [...]
[...] § 4º São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.
[...] § 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.
Essas inelegibilidades consistem no impedimento de o indivíduo de ter o direito de ser votado, ou seja, na ausência da capacidade eleitoral passiva, condição de impedimento do exercício passível da cidadania. Como se pode depreender do próprio texto constitucional, em seu artigo 14, § 9º, as inelegibilidades têm a finalidade de “proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”
Importante ressaltar, que no presente trabalho só será discutida a inelegibilidade dos analfabetos, por ser a única pertinente ao tema-problema. Nesse sentido, expõe-se que não existe uma definição legal do que seja uma pessoa analfabeta, o que causa uma grande discussão a respeito dessa causa de inelegibilidade: a Carta Magna diz que são inelegíveis os analfabetos, mas nenhuma lei define quem é analfabeto.
No âmbito do direito eleitoral, existem a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 que institui o Código Eleitoral, a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 conhecida como Lei das Eleições, a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 conhecida como Lei de Inelegibilidades, sendo todos elas diplomas legais permanentes. Dentre elas, o Código Eleitoral e a Lei das eleições nada dispõem a respeito dos candidatos analfabetos, restringindo-se a tratar apenas dos eleitores dessa condição. Já a Lei das Inelegibilidades apenas expõe timidamente no seu art. 1º, I, “a”[4] que são inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos, repetindo o disposto na Constituição Federal sem, contudo, trazer nenhuma outra informação sobre o assunto.
A única disposição legal a respeito do tema foi encontrada na Resolução nº 23.405/2014 do Tribunal Superior Eleitoral, que é uma legislação temporária e dispõe sobre a escolha e o registro de candidatos nas Eleições de 2014, sendo alterada em cada ano eleitoral. A referida Resolução, em seu art. 27[5], IV, estabelece como requisito para registro da candidatura que o candidato apresente comprovante de escolaridade, mas não fixa grau mínimo, e no § 4º do artigo supracitado dispõe que na falta desta comprovação, a exigência de alfabetização do candidato poderá ser suprida por declaração de próprio punho ou deve ser aferida por outros meios, desde que individual e reservadamente. A efetiva discussão desse ponto será travada no próximo capítulo, sendo suficiente, neste momento as considerações expostas.
Em ato continuo passa-se agora à análise do processo de investidura dos agentes administrativos nos cargos e empregos públicos, com exposição da teoria que serve de base a esse processo, a qual servirá de referencial teórico, e das normas jurídicas brasileiras que regulamentam a referida investidura.
Agentes administrativos e o processo de investidura em cargo ou emprego público
Os agentes administrativos, como já foi exposto anteriormente, integram a parte operacional da Administração Pública, se vinculam ao Estado por relação profissional, e estão sujeitos à hierarquia funcional e ao regime jurídico da entidade a que servem. Ocupam essa categoria os servidores públicos concursados, os exercentes de cargo ou emprego em comissão e os servidores temporários. Porém, considerando o teor da discussão do presente trabalho, serão considerados aqui apenas os servidores concursados, que podem ser ocupantes de cargo ou de emprego público, pois os servidores temporários e os comissionados passam por processo seletivo diferente quanto ao ingresso nos cargos, sendo estes últimos escolhidos livremente pelos agentes políticos, portanto não passam pelos pressupostos de escolha aqui estudados, não sendo alvos da presente discussão.
A Constituição Federal, em seu artigo 37, I, estabelece que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”. Silva (2006, p. 337-338) entende que “assumir uma dessas posições corresponde a ter acesso à função administrativa, para desempenhar uma atividade ou prestar serviços à Administração”. Nesse contexto, visualiza-se a importância de os agentes administrativos preencherem alguns requisitos como condição de investidura, pois eles terão em mãos parte da função administrativa, ou executiva, do Estado.
No que tange a esses requisitos, o inciso II, do mesmo artigo dispõe-se que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego. Nesse sentido, Silva (2006) fala na acessibilidade aos cargos públicos como um princípio baseado em mérito, como se pode constatar no seguinte trecho:
O princípio da acessibilidade aos cargos e empregos públicos visa essencialmente a realizar o princípio do mérito, que se apura mediante investidura por concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza ou a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei [...]. (SILVA, 2006, p.337)
Esse mérito a que o autor se refere, que deve ser apurado pelo concurso público, consiste essencialmente em capacidade intelectual e qualificação profissional. Esse modelo de seleção baseado em mérito tem suas bases na teoria da burocracia elaborada por Weber, segundo a qual a eficiência da administração depende de uma estrutura organizada, com funções bem definidas, e funcionários capacitados escolhidos mediante critérios racionais de avaliação e classificação, que sejam totalmente impessoais.
Weber ao dispor sobre as características do modelo burocrático coloca que:
A burocracia moderna opera do seguinte modo específico: I. Existe o princípio de setores jurisdicionais estáveis e oficiais organizados, em geral, normativamente, ou seja, mediante leis ou ordenamentos administrativos. 1. As atividades normais exigidas pelos objetivos da estrutura governada burocraticamente dividem-se de forma estável como deveres oficiais. 2. A autoridade que dá as ordens necessárias para a alternância desses deveres é distribuída de forma estável e rigorosamente delimitada por normas referentes aos meios coativos, físicos, sacerdotais ou de outra espécie, do qual podem dispor os funcionários. 3. O cumprimento normal e continuado desses deveres, bem como o exercício dos direitos correspondentes, é assegurado por um sistema de normas; somente podem prestar serviços aquelas pessoas que, segundo as regras gerais, estão qualificadas para tanto. (WEBER, 2015, p. 9)
Assim, entende-se que os três elementos citados por Weber constituem um sistema organizado em que a autoridade burocrática age na administração da estrutura, obedecendo a leis e regulamento pré-existentes, e só nos limites dessas normas podem controlar a atividade dos subordinados. Os deveres dos funcionários e o modo de cumprimento desses deveres também são regulamentados por normas, e somente poderão receber a incumbência de prestar os serviços as pessoas consideradas qualificadas para isso.
Dessa forma, de acordo com o modelo burocrático Weberiano, essa verificação da qualidade dos funcionários deve ser feita mediante algum critério impessoal, para que através do melhor funcionário se possa obter a melhor eficiência no serviço prestado, como pré-requisito de acesso ao cargo, como se pode contatar no trecho exposto a seguir:
A ocupação de um cargo é uma “profissão”. Isto é óbvio, primeiro, na exigência de um curso de preparação estritamente fixado, o qual reclama a plena capacidade de trabalho durante um longo período, e nas provas específicas que são um requisito prévio para o emprego. Além disso, a posição do funcionário tem natureza de dever. Isto opera do seguinte modo quanto à estrutura interna das suas relações; legalmente e de fato, a ocupação de um cargo não é vista como uma fonte de rendas a explorar, como foi o normal na Idade Média e, frequentemente, até o início de uma época recente. Tampouco a ocupação de um cargo é considerada como um intercâmbio habitual de serviços por um equivalente salarial, como ocorre com os contratos livres de trabalho. O acesso a um cargo, incluídos os da economia privada, considera-se como a aceitação de um dever particular de fidelidade à administração, em troca de uma existência segura. Para o caráter específico da moderna fidelidade a um cargo é essencial o fato de que, no tipo puro, o cargo não determine uma relação com uma pessoa, como a fé do vassalo ou o discípulo nas relações de autoridade feudal ou patrimonial. A lealdade moderna adere-se a finalidades impessoais e funcionais. (Grifos nossos) (WEBER, 2015, p. 13)
Como se observa, pela teoria da burocracia, a ocupação de um cargo tem um caráter profissional que se distancia da simples fonte de auferir renda ou de trocar a força de trabalho por um salário, implicando numa verdadeira missão de fidelidade perante à Administração. Essa fidelidade, entretanto, como se pode perceber nos grifos do trecho acima, não consiste em uma ligação pessoal entre a autoridade burocrática e o subordinado, e sim na eficiência no exercício das funções do cargo.
Por esse motivo, o ocupante do cargo deve ter qualificação profissional obtida em um curso de preparação estritamente fixado bem como deve passar por provas específicas como requisito prévio para ser admitido, ou seja, o mérito necessário para ocupar um cargo não reside em nenhum tipo de qualidade pessoal, e sim em qualidades estritamente profissionais, que podem ser medidas por critérios racionais de seleção.
Pode-se perceber pelos trechos expostos, que esse modelo proposto na teoria de Weber é o modelo seguido pelo ordenamento jurídico brasileiro na escolha dos agentes administrativos, em primeiro lugar pelo fato de ser exigida a aprovação em provas específicas como requisito de acessibilidade ao cargo, que é o concurso público, e em segundo lugar pela exigência de qualificação técnica como requisito para admissão no cargo, ou seja, não basta ser aprovado no concurso, é necessário que se tenha uma qualificação técnica, cujo grau é fixado em lei, para garantir a eficiência no exercício da função.
Assim, por ser a teoria da burocracia, que visualiza a meritocracia como justificativa para a necessidade do concurso público, o fundamento que embasa o processo de seleção do agente administrativo no Brasil, no presente trabalho será o adotado Weber, seu idealizador, como referencial teórico no que diz respeito aos pressupostos de investidura desse grupo de agentes nos cargos e empregos públicos que, conforme demonstrado, são bem distintos dos pressupostos de escolha dos agentes políticos e, portanto, embasados nessa segunda teoria apresentada.
Além do modelo de processo seletivo dos agentes administrativos, decorre da teoria da burocracia a necessidade de avaliação de desempenho do agente, que visa a verificar racionalmente a sua eficiência na realização das funções, como determinante para sua permanência ou não na titularidade do cargo.
No ordenamento jurídico brasileiro, essa avaliação de desempenho tanto é requisito para aquisição de estabilidade no cargo público, quanto para manutenção dessa estabilidade, e está disposta nos parágrafos 1º, III e 4º do texto constitucional. O referido § 4º dispõe , in verbisque “como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade”, após essa aquisição, a eficiência deve ser mantida, pois será objeto de avaliação constante, constituindo sua ausência em uma causa de perda de cargo, conforme dispõe, in verbis o § 1º, complementado pelo seu inciso III: “O servidor público estável só perderá o cargo: [...] mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.”
No tangente às referidas avaliações de desempenho, como condição para a aquisição ou manutenção da estabilidade do agente administrativo, Silva (2006) esclarece que a disposição legal que exige a realização por comissão específica para esse fim existe para garantir a impossibilidade de julgamento subjetivo que possa depender da simpatia ou antipatia do chefe, ou seja, assegurando, dessa forma, que sejam seguidos critérios técnicos de apuração da conveniência de confirmação no serviço.
Além de tudo que foi exposto, há ainda a exigência da capacitação para os agentes administrativos, estabelecida no art. 39, §2º da Constituição Federal, consistente na participação de cursos oferecidos por escolas de formação mantidas pela União, Estados e Distrito Federal. Este dispositivo constitucional estabelece, in verbis que:
Art. 39. [...]
§ 2º A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados.
Percebe-se, pela leitura do dispositivo, que a exigência da capacitação como requisito para promoção na carreira dos servidores reforça ainda mais a necessidade da formação técnica e profissional exigida dos mesmos, já que aqueles que não se capacitarem não poderão progredir no cargo, tendo tolhidas as possibilidades de promoção na carreira profissional.
Feitas essas considerações, conclui-se que o processo de seleção dos agentes administrativos é complexo, envolve várias etapas que visam a selecionar e manter, de forma totalmente objetiva e impessoal, no serviço público apenas o os indivíduos qualificados e capazes de exercer sua função com máxima eficiência. Posto isso, parte-se agora à análise das distinções dos requisitos exigidos para ser agente político e para ser agente administrativo no Brasil.
A distinção de requisitos para ser agente administrativo ou agente político
Após terem sido apresentadas as diferentes teorias que fundamentam a seleção dos agentes políticos e dos agentes administrativos no Brasil, parte-se à análise e confronto do requisito de escolaridade/formação, aos quais cada grupo precisa obedecer para conseguir efetivamente ingressar na categoria.
Nesse campo, verifica-se que os critérios de seleção dos agentes administrativos diferem muito do modelo de escolha dos agentes políticos, já que este é baseado na democracia traduzida na vontade do povo sem estabelecer critérios de qualificação que o agente deve atender, enquanto a seleção dos agentes administrativos é baseada na escolha do mais capacitado e melhor qualificado.
A afirmação acima, tem como base a comparação que pode ser feita entre o que dispõe a Resolução nº 23.405/2014 do Tribunal Superior Eleitoral, em seu art. 27, IV estabelece como requisito para registro da candidatura que o candidato apresente comprovante de escolaridade, mas não fixa grau mínimo e diz no inciso § 4º do artigo supracitado que na falta desta comprovação, a exigência de alfabetização do candidato deve ser aferida por outros meios, desde que individual e reservadamente. Enquanto que, a nível de exemplo, tem-se na Lei 8.112/90, no que se refere aos agentes administrativos federais, em seu artigo 5º a exigência de nível de escolaridade para o exercício do cargo, de acordo com a complexidade do mesmo.
Vislumbra-se que o requisito exigido pela lei 8.112/90, juntamente com o requisito constitucional da exigência de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, visa a selecionar os candidatos que possuam as melhores capacidades intelectuais, através de um processo seletivo com caráter de concorrência e verdadeira disputa, bem como formação escolar adequada e em nível considerado suficiente para o exercício eficiente das funções.
Quando se coloca em confronto, percebe-se que os requisitos para concorrer a cargo político restringem-se, como dispõe Silva (2006. p. 224) a “condições práticas, isentas de qualquer condicionamento político, econômico, social ou cultural” bem como isentas de condicionamentos de capacidade intelectual e formação escolar, enquanto que os requisitos de investidura em cargo ou emprego público, excluídos os comprobatórios de deveres jurídicos e capacidades civis e laborais, são primordialmente focados na seleção do mais inteligente, do mais capacitado, do mais qualificado intelectualmente.
Dessa forma, percebe-se uma grande distinção entre as categorias de agentes públicos quanto à atenção dada à capacidade intelectual e à formação escolar, que revela-se como um problema: enquanto dos agentes administrativos que executarão apenas atividades de cunho operacional é exigida exaustivamente a comprovação de qualificação intelectual como requisito de investidura, dos agentes políticos que têm o papel de decidir os rumos do país, detêm o poder de mando, têm o dever de chefiar os agentes e, portanto, compõem a classe pensante dos agentes públicos, não é exigido sequer um nível mínimo de escolaridade, bastando apenas que comprovem por quaisquer meios que não são analfabetos.
Assim, após demonstrada a devida distinção entre os agentes políticos e os agentes administrativos, estabelecida por meio das exposições dos pressupostos de escolha dos agentes políticos, do processo de investidura dos agentes administrativos nos cargos e empregos públicos e da específica distinção dos requisitos exigidos para integrar uma ou outra classe, é possível finalizar este capítulo, para estabelecer, no capítulo seguinte, a efetiva discussão a respeito do tema-problema apresentado.