V. DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO
Trata-se, da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. É um princípio implícito e embora não se encontre no texto constitucional, é decorrente das instituições adotadas no Brasil. Estabelece que toda atuação Estatal deve ser pautada pelo interesse público, cuja determinação deve ser extraída da constituição e das leis. Decorre dele a ideia de que, havendo qualquer conflito entre o interesse público e o particular, prevalece o público, sendo respeitado os direitos e garantias individuais expressos na CF, e os que dela são decorrentes.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é inerente a qualquer sociedade, sendo “a própria condição de sua existência” [19]. Deste modo, podemos inferir que o princípio em comento é um pressuposto lógico do convívio social.
Ainda, sua presença, conforme os dizeres de Maria Sylvia Di Pietro, está tanto no momento da elaboração da lei, quanto no momento de sua execução pela Administração Pública. Nas sabias palavras desta ilustre doutrinadora[20]:
“O princípio da supremacia do interesse público, também chamado de princípio da finalidade pública, está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação.”. (grifei)
Para Di Pietro, todas as normas de direito público têm a função específica de resguardar interesses públicos, mesmo que reflexamente protejam direitos individuais[21].Firme na premissa de que a Constituição da República de 1988 está em sintonia com as conquistas do Estado Social, Di Pietro entende que a defesa do interesse público corresponde ao próprio fim estatal. Por essa razão, o ordenamento constitucional contemplaria inúmeras hipóteses em que os direitos individuais cedem diante do interesse público[22].
Deste modo, constatamos que, por força deste princípio, existindo conflito entre interesse público e particular, deverá prevalecer o primeiro; todavia, devem ser respeitados os direitos e garantias individuais expressos ou decorrentes da Constituição. Nesse sentido, sendo o direito a exercício profissional um direito individual (art. 5º, XIII da CF), o mesmo está, como expresso na própria Lei Maior, sujeito às qualificações que a Lei estabelecer. Desta forma, o Poder Legislativo, ao estabelecer, por lei a possibilidade de exigir qualificações técnicas especiais quando assim demandar, estará o fazendo inspirado pelo Princípio da Supremacia do Interesse Público, e estará cumprindo fielmente o que determina a Constituição Federal.
VI. CONCLUSÕES
Considerando o anteriormente exposto, com fulcro no estabelecido na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional existente e, considerando o enorme risco que a saúde da população brasileira corre, diante de uma ausência de uma legislação formal que permita estabelecer exigências de qualificações técnicas mínimas para o correto exercício da medicina no Brasil, além do diploma de médico e da inscrição nos respectivo Conselho Regional de Medicina, urge uma mudança na Lei nº Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina e dá outras providências, estabelecendo claramente que:
1. O exercício da medicina em cargos, empregos e funções, anunciados ou divulgados como sendo de especialidade devidamente reconhecida, somente será permitido ao médico detentor do correspondente diploma de especialidade, devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.
2. Será permitida a exigência de cursos de cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abrangidos pelo art. 44, III da Lei nº 9.394/1996, quando o exercício da medicina em cargos, empregos e funções demandar conhecimentos e habilidades específicos.
3. Será permitida a exigência de diploma de especialidade devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina da jurisdição do local da atividade, para o exercício de cargos ou funções de chefias, supervisão, coordenação e direção de serviços médicos especializados.
Notas
[1] https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Revista&id=159
[2] Resolução CFM nº 1.666, de 7 de maio de 2003, que nova redação do Anexo II da Resolução CFM nº 1.634/2002.
[3] Resolução CFM nº 2.149 de 22.07.2016 publicada no DOU em 03.08.2016, que homologou a Portaria CME nº 02/2016 que aprova a relação de especialidades e áreas de atuação médicas.
[4] Resolução CFM nº 2.221, de 23 de novembro de 2018, que homologa a Portaria CME nº 1/2018, que atualiza a relação de especialidades e áreas de atuação médicas aprovadas pela Comissão Mista de Especialidades.
[5] Resolução CFM nº 1451 de 10 de março de 1995 [publicada no Diário Oficial da União em 17.03.95 - Seção I - Página 3666]
[6] Segue na Portaria em menção, quadro contendo a lista de matérias com carga horaria, teórica e prática que devem cumprir para habilitação e certificação obrigatória no atendimento das urgências e emergências.
[7] Resolução CFM nº 2.077/14. Dispõe sobre a normatização do funcionamento dos Serviços Hospitalares de Urgência e Emergência, bem como do dimensionamento da equipe médica e do sistema de trabalho.
[8] Resolução CFM nº 2.079/14. Dispõe sobre a normatização do funcionamento das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) 24h e congêneres, bem como do dimensionamento da equipe médica e do sistema de trabalho nessas unidades.
[9] Resolução Cremesp nº 17 de 06 de novembro de 2007. Define a estrutura e funcionamento da Unidades de Terapia Intensiva.
[10] RDC Anvisa nº 07 de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências.
[11] Portaria GM/MS nº 890 de 31 de março de 2017. Institui o cuidado progressivo ao paciente crítico ou grave com os critérios de elegibilidade para admissão e alta, de classificação e de habilitação de leitos de Terapia Intensiva adulto, pediátrico, UCO, queimados e Cuidados Intermediários adulto e pediátrico no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.
[12]https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=27509:2018-03-21-19-29-36&catid=3
[13]https://digital.hospitalar.com/pt-br/mercado-neg%C3%B3cios/demografia-m%C3%A9dica-2018-veja-os-principais-resultados
[14] https://amb.org.br/noticias/moratoria-na-abertura-de-escolas-medicas-2/
[15]https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=28522:2019-11-29-21-20-20&catid=3
[16]https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=28295:2019-06-13-22-20-27&catid=3
[17] https://veja.abril.com.br/brasil/mec-estuda-rever-suspensao-para-criacao-de-novos-cursos-de-medicina/
[18] http://www.portalmedico.org.br/jornal/Jornais2002/Com_mista/fr_jornal.htm
[19] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p.99
[20] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
[21] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005, p. 68-69.
[22] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O princípio da Supremacia do Interesse Público: Sobrevivência diante dos ideais do Neoliberalismo. In: PIETRO, Maria Sylvia Zanella di; RIBEIRO, Carlos Vinicius Alves (coords.). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 95-97.