As qualificações profissionais para o exercício da medicina no Brasil à luz da Constituição Federal

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Resumo:


  • A realidade da medicina no Brasil tem sido marcada por preocupações quanto à formação médica e à qualidade do exercício profissional, refletindo diretamente na saúde da população brasileira.

  • A proliferação de escolas médicas e a abertura indiscriminada de vagas têm contribuído para a deterioração da formação médica, resultando em profissionais mal preparados para atender às necessidades básicas de saúde.

  • Os sistemas de avaliação existentes revelam deficiências na formação médica, apontando para a necessidade de garantir uma formação adequada que permita aos médicos recém-formados atender com qualidade e segurança, especialmente em situações de urgência e emergência.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

IV. DO CONFLITOS JUDICIAIS PELA EXIGENCIA DE QUALIFICAÇÕES PROFISSIONAIS

O inciso XIII do artigo 5° da Constituição Federal é de norma de aplicação imediata e de eficácia contida, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF):

O art. 5º, XIII, da Constituição da República é norma de aplicação imediata e eficácia contida que pode ser restringida pela legislação infraconstitucional. Inexistindo lei regulamentando o exercício da atividade profissional dos substituídos, é livre o seu exercício. [MI 6.113 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 22-5-2014, P, DJE de 13-6-2014.]

Desta forma, se não existisse uma norma legal infraconstitucional não teríamos nenhuma limitação para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. A necessidade de impor limitações ao exercício de algum trabalho, ofício ou profissão em particular, como no caso da medicina, mediante exigência de qualificações técnicas mínimas, justifica-se pelo risco que esse exercício possa vir a causar danos a terceiros.

O próprio Colendo Supremo Tribunal Federal assim recentemente assim exarou entendimento:

O art. 5º, XIII, parte final, da CF admite a limitação do exercício dos trabalhos, ofícios ou profissões, desde que materialmente compatível com os demais preceitos do texto constitucional, em especial o valor social do trabalho (arts. 1º, IV; 6º, caput e inciso XXXII; 170, caput e inciso VIII; 186, III, 191 e 193 da CF) e a liberdade de manifestação artística (art. 5º, IX, da CF).

As limitações ao livre exercício das profissões serão legítimas apenas quando o inadequado exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a critérios de adequação e razoabilidade, o que não ocorre em relação ao exercício da profissão de músico, ausente qualquer interesse público na sua restrição. [ADPF 183, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 27-9-2019, P, DJE de 18-11-2019.] (grifei)

Da ADPF supracitada, mister salientar parte do Parecer da Procuradoria Geral da República:

Argumenta-se também que, segundo o inciso XIII do art. 5º da Constituição, o exercício de determinado ofício ou profissão somente poderia ser legitimamente limitado quando o risco de dano social dele decorrente for de tal ordem que justifique a exigência de qualificações técnicas mínimas, tal como ocorre com a medicina ou a engenharia. No caso da música, porém, não haveria qualquer risco social que pudesse justificar a restrição ao seu exercício a título profissional. (grifei)

O Senado Federal também se manifestou pela procedência do pedido da arguição, ponderando que:

(...) a restrição da atividade profissional de músico implicaria afronta (i) à liberdade de expressão artística, que remeteria, em última instância, às liberdades de opinião e de pensamento, e só encontraria restrições segundo as hipóteses do art. 220, § 3º, da CF; e (ii) também à liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão, uma vez que, como ela estaria intimamente vinculada ao princípio da dignidade humana, a restrição ao exercício de uma profissão somente será legítima se relacionada a condições de capacidade, ou seja, à necessidade de conhecimentos técnicos específicos e indispensáveis ao seu exercício seguro e satisfatório. (grifei)

Entretanto, as exigências que devem limitar em determinados casos o exercício profissional, devem estar previstas em lei em sentido formal, conforme estabelece o art. 5º, XIII da CF.

Em 15 de setembro de 2014, uma decisão da Justiça Federal do DF (TRF-1), em sede de Mandado de Segurança Individual (Processo nº 40206-85.2014.4.01.3400), em que a impetrante insurge-se contra a obrigatoriedade da titulação em especialidade médica registrada no CRM para o exercício da função de Diretor Técnico/Clínico exigida com base na determinação da Resolução CFM nº 2007/2013, julgou procedente o pedido, concedendo a segurança pleiteada, a fim de determinar à autoridade impetrada que forneça à impetrante a autorização para que o cargo de diretor técnico/clínico possa ser exercido por seu sócio proprietário, independente da comprovação de especialização médica, devendo, entretanto, cumprir todas as demais exigências.

Na decisão, o douto juiz sentenciante adota Parecer do MPF como fundamento da sentença:

“(...)

A controvérsia posta em juízo versa acerca da pretensa impossibilidade de fixação, por vias infralegais (in casu, Resolução n° 2007/2013/CFM), da necessidade de titulação de especialização médica, para a ocupação de cargo de direção e de chefia de pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos.

Sabe-se que o livre de exercício de profissão compõe o rol das liberdades públicas constitucionais e, conforme redação do inciso XIII do artigo 5° do texto constitucional, admite conformações designadas pelo legislador ordinário. Inexistem, no entanto, referências à delegação direta à autoridade administrativa, da incumbência de edição de regramentos limitadores do exercício da medicina. Dessa feita, recorre-se, portanto, à lei 3268/57 para o deslinde da controvérsia posta a julgamento.

O artigo 17 da lei supracitada enuncia que "os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade". A interpretação literal do dispositivo aponta para possibilidade de exercício da medicina, em qualquer de suas especialidades, desde que validamente diplomados e inscritos nos correspondentes Conselhos Regionais. Efetivamente, a titulação de especialista não é condição para o exercício legal da atividade médica e, por via de consequência, não pode ser imposta, por ato normativo infralegal, a esse fim.

O enunciado supramencionado não impõe, ao exercício da medicina, qualquer requisito que exceda a diplomação do interessado e sua inscrição na entidade de fiscalização. Ademais, urge salientar que o mesmo dispositivo não autoriza a intervenção na autonomia organizacional de pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviços médicos -como chancelado pelo ato normativo combatido, o que, ao fim e ao cabo, finda por obstaculizar o exercício da medicina.

Ademais, de relevar-se o despropósito e a desproporcionalidade da condicionante em julgamento. É que se exige, para a assunção de cargos diretivos em pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos, especialidade médica, independente de sua espécie ou de seu ramo, aludindo-se unicamente ao seu reconhecimento pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como pressuposto de aceitação.

No caso, o Conselho referido não exige especialidade médica para a prática da medicina, mas o exige para a assunção de cargo administrativo em clínica médica (!). E tal, sem qualquer suporte legal.

De ver-se, então, que o administrador, sob a pretensão de exercício do poder normativo, atuou de modo a criar regras e a inovar no ordenamento, à revelia, por óbvio, de manifestação do legislador ordinário. Fê-lo, ainda, insta reiterar, de forma desproporcional, uma vez que a condição fixada, por sua genericidade, em nada se adéqua aos fins pretensamente colimados. isto posto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL manifesta-se pela concessão da segurança. “(grifos originais)

O processo ainda tramita no TRF-1 em sede de recurso de apelação, aguardando o voto do Relator.

Mais recentemente, em 18.04.2018, Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF3), em recurso de Apelação Cível nº 0000004-62.2016.4.03.6109/SP, contra decisão da Justiça Federal de Piracicaba – SP em sede de Mandado de Segurança Individual, entendeu que a Resolução nº 2007/2013 do Conselho Federal de Medicina não poderia estabelecer a necessidade de titulação de especialização médica para ocupação de função de Diretor Técnico/Clínico. A norma do Conselho Federal de Medicina estabelece a exigência de título de especialista para ocupar o cargo de diretor técnico, supervisor, coordenador, chefe ou responsável médico dos serviços assistenciais especializados, o que inclui os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMTs). Segue parte da ementa do acordão abaixo:

"EMENTA DO ACÓRDÃO: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. RESOLUÇÃO Nº 2007/2013 DO CFM. EXIGÊNCIA DE TITULAÇÃO DE ESPECIALIZAÇÃO MÉDICA PARA OCUPAÇÃO DE FUNÇÃO DE DIRETOR TÉCNICO/CLÍNICO. IMPOSSIBILIDADE. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (…)

IV – No mérito, pertine salientar que o cerne da questão consiste em verificar se a Resolução nº 2007/2013 do Conselho Federal de Medicina poderia estabelecer a necessidade de titulação de especialização médica para ocupação de função de Diretor Técnico/Clínico. Pela Resolução do CFM n. 2007/2013: o título de especialista é obrigatório para ocupar cargo de diretor técnico de serviços médicos de uma única especialidade. No entanto, a Lei 3.268/1957 afirma em seu art. 17 que “os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.”

V- Trata-se da chamada “permissão legal” que os médicos possuem para o exercício da medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades. No mesmo sentido, assim já se posicionou o próprio CFM em diversas oportunidades.

VI – Se a Lei 3.268/1957 e o próprio CFM entendem que qualquer médico devidamente registrado em seu CRM está apto para o exercício da medicina em qualquer de seus ramos ou especialidades, não há razão para proibi-lo do exercício da direção técnica. A competência de alterar uma lei é do poder legislativo, e não dos conselhos profissionais. O art. 17 da Lei 3268/57, dispõe que qualquer médico (ainda que não tenha título de especialista) poder ser um diretor técnico de um serviço médico.

VII – Quando a resolução afronta a lei não há como considerá-la, uma vez que é uma norma inferior (resolução) querendo contrariar uma norma superior (lei).”

A decisão colegiada do TRF-3, veio confirmar decisão de primeira instancia que em sede de liminar de liminar de fevereiro de 2016 (confirmada em sentença de outubro de 2016) assim se manifestou:

Mandado de Segurança. Processo n. 0000004-62.2016.4.03.6109

[…]

O inciso XII do artigo 5° da Constituição Federal assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais exigidas por lei.

Depreende-se do texto constitucional que as limitações ao exercício da medicina devem ser estabelecidas por lei, não existindo possibilidade de delegação direta à autoridade administrativa.

Dispõe o artigo 17 da Lei 3268/57 que: “ Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.”

Por sua vez, o artigo 18 da referida lei prevê que: “Aos profissionais registrados de acordo com esta lei será entregue uma carteira profissional que os habitará ao exercício da medicina em todo País.”

Infere-se que a titulação de especialista não é condição para o exercício da atividade médica nos termos da lei e, portanto, à resolução do Conselho Federal de Medicina, por se tratar de norma inferior, incumbe apenas explicitá-la e complementá-la.

Nessa linha intelectiva, conclui-se que o administrador não pode criar regras e inovar no ordenamento, devendo cingir-se ao tratado na legislação ordinária vigente.

Posto isto, DEFIRO O PEDIDO LIMINAR a fim de determinar às autoridades impetradas que autorizem que o cargo de Chefe/Coordenador/Diretor Técnico/Clínico do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho-SESMT ou de qualquer outra Unidade de Saúde do Poder Público Municipal possa ser exercido por um dos médicas regularmente inscritos junto ao Conselho Regional de Medicina, pertencentes à Municipalidade impetrante.

Notifiquem-se as autoridades impetradas para que prestem as informações no prazo legal.

Dê-se ciência ao Conselho Regional de Medicina e Conselho Federal de Medicina.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Piracicaba, 03/02/2016.”

A decisão do TRF-3 foi objeto de Recurso Especial no STJ (RESP nº 1.826.727 – SP, julgado em 10.09.2019) não conhecido, eis que, embora a parte recorrente alegue violação da legislação federal, o deslinde da controvérsia passa pela análise da Resolução 2007/2013 do Conselho Federal de Medicina. Segundo a decisão prolatada, o STJ já firmou entendimento de que não lhe cabe, na via especial, a análise de contrariedade a ato normativo secundário, tais como Resoluções, Portarias, Regimentos, Instruções Normativas e Circulares, bem como a Súmulas dos Tribunais, por não se equipararem ao conceito de lei federal.

Muito comum, editais de concurso público incluírem exigências de títulos de especialidade e outras qualificações para a posse e o exercício efetivo do cargo, sem, no entanto, haver qualquer previsão destas exigências nas leis complementares das respectivas entidades, o que põe em dúvida a legalidade desta cobrança, chegando o Poder Judiciário a ser provocado através de ações mandamentais ou anulatórias.

Conforme dispõe o art. 37, caput, da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:      

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (grifei)

Assim, a exigência de titulação de especialista deveria estar prevista em lei em sentido estrito para que pudesse ser incluído em edital de concurso, pois a própria Constituição Federal garante a todos a acessibilidade aos cargos públicos, desde que preenchidos os requisitos previstos em Lei.

No campo da jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal (STF) possui entendimento firmado no sentido de que exigências previstas somente em edital de concurso importa em ofensa constitucional. Vejamos:

CONCURSO PÚBLICO. QUALIFICAÇÃO. EXERCÍCIO PROFISSIONAL

A exigência de especificidade, no âmbito da qualificação, para a feitura de concurso público não contraria o disposto no inciso XIII do art. 5º da CF, desde que prevista em lei e consentânea com os diplomas regedores do exercício profissional. [MS 21.733, rel. min. Marco Aurélio, j. 9-2-1994, P, DJ de 8-4-1994.] (grifei)

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA ESPECÍFICA PREVISTA APENAS EM EDITAL: IMPOSSIBILIDADE.

1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que é necessário lei formal para exigência específica para aprovação em concurso público. 2. Existência de fundamento inatacado suficiente, per se, para a manutenção da decisão agravada. Incidência da Súmula STF 283. Precedentes 3. Agravo regimental improvido. (STF, AI 704142 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 28/09/2010, DJe-200 DIVULG 21-10-2010 PUBLIC 22-10-2010 EMENT VOL-02420-07 PP-01363)

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No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE PROFESSOR NÍVEL 3. PÓS-GRADUAÇÃO. EXIGÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL.

1. Trata-se de recurso ordinário em que se discute a ilegalidade do Edital nº 002/GDRH/SEAD/2010 ao exigir diploma de pós-graduação em área de tecnologias ou informática, para o cargo de Professor Nível 3 - Multimídias integradas - da Secretaria de Estado da Educação de Rondônia, uma vez que a lei da educação estadual - Lei Complementar nº 420/2008 - prevê apenas a exigência de diploma em ensino superior.

[...]

4. Comparando-se o texto da Lei Complementar Estadual n° 420/2008 e o edital do certame, verifica-se que a exigência de Pós-Graduação não encontra previsão na legislação estadual, não podendo ser cobrada para a admissão no referido cargo.

5. Recurso ordinário provido. (STJ, RMS 33478/RO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 01/04/2013)

No campo dos Tribunais Regionais, o entendimento não é diferente, a exemplo do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 1ª REGIÃO, in verbis:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APELAÇÃO. CARGO DE ENFERMEIRA - ESPECIALISTA EM CARDIOVASCULAR. NOMEAÇÃO E POSSE. APRESENTAÇÃO DE CERTIFICADO DE RESIDÊNCIA OU CERTIFICADO DE ESPECIALISTA. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. ILEGALIDADE.  1. Aduz a impetrante que dos 06 (seis) candidatos aprovados e classificados para o cargo de Enfermeiro - Especialista em Enfermagem cardiovascular, apenas dois tomaram posse no cargo, pois apresentaram os requisitos exigidos no subitem 2.1 do edital. 

2. Ademais, assevera a apelante que os requisitos constantes do subitem 2.1 do edital foram editados com base na autonomia constitucional das universidades (art. 207 da CF), em razão de necessidade em área específica do Hospital Universitário, para a qual o enfermeiro sem a especialização exigida não está apto.

3. De início, insta ressaltar que não estando prevista em lei, afigura-se indevida a inclusão de exigência de apresentação de comprovante de residência em enfermagem Cardiovascular em instituição credenciada ou título de especialista em enfermagem cardiovascular pela Sociedade Brasileira de Enfermagem Cardiovascular, como condição para o exercício do Cargo de Enfermeiro, mormente quando, in casu, o candidato comprovou que tem curso Superior em Enfermagem. 

4. Note-se que a Constituição Federal determina que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros, na forma da lei (art. 37, I, da CF).  5. Com efeito, cumpre observar que no Estado de Direito, só quem pode inovar criando direito e impondo obrigação é a lei, em virtude do princípio da legalidade.  6. Apelação não provida. (TRF-1, AMS 0003390-58.2006.4.01.3700 / MA, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL AVIO MOZAR JOSE FERRAZ DE NOVAES, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.171 de 07/11/2008)

Entretanto, em sentido oposto, também encontramos jurisprudência admitindo a exigência de titulação de especialista para o cargo médico:

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO. TÍTULO DE ESPECIALISTA OU RESIDÊNCIA MÉDICA. REQUISITO PREVISTO NO EDITAL DO CERTAME. NÃO-COMPROVAÇÃO.

1. O edital é a lei do concurso, fixando normas garantidoras da isonomia de tratamento e igualdade de condições de ingresso no serviço público.

2. Em concurso para o cargo de Médico da Rede Pública de Saúde, existe pertinência lógica entre as atribuições do cargo pretendido e a exigência de que os candidatos optassem por uma área de especialização em que deveriam ter residência médica ou título de especialista, ambos no campo escolhido.

3. Tendo em vista que o candidato não demonstrou preencher os requisitos exigidos em edital, inviável a posse no cargo de Médico/Medicina Intensiva.

4. Recurso especial provido. (STJ, REsp Nº 1109505 / RJ, Min. JORGE MUSSI, 5ª. Turma, j. 21.05.2009).

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA MÉDICO ESPECIALISTA EM MEDICINA DO TRABALHO. EXIGÊNCIA DE ESPECIALIZAÇÃO NA ÁREA. AUSÊNCIA DE CERTIFICADO. REQUISITO NÃO CUMPRIDO.

1. Trata-se de mandado de segurança impetrado na origem contra atos dos Secretários de Estado de Saúde e de Planejamento e Gestão que negaram a posse a candidato em concurso público na Carreira Médica do Quadro do Distrito Federal, no cargo de Médico do Trabalho, uma vez que não detinha certificado de conclusão de curso de pós-graduação Latu Sensu em Medicina do Trabalho.

2. O item 3.1, letra "f", do Edital nº 03/2010 do concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro reserva para o cargo de médico, ao estabelecer os requisitos básicos para a investidura no cargo, exige "diploma, devidamente registrado, de conclusão de curso de graduação de nível superior em medicina, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério de Educação, registro no Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Certificado de Residência Médica na especialidade de opção ou Certificado de Curso de Especialização na opção em que concorre".

3. No presente caso, à época da posse, embora o impetrante possuísse o diploma de graduação e o registro no Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, ainda não havia concluído o curso de especialização em Medicina do Trabalho, requisito exigido para a investidura no cargo pretendido. O impetrante exibiu documento emitido pela Sociedade Nacional de Educação, Ciência e Tecnologia de Maringá/PR declarando que ele estava matriculado e cursava a pós-graduação em Medicina do Trabalho, tendo cumprido 84,38% da carga horária total do curso e apresentado o artigo científico exigido para a sua aprovação, conforme as exigências da instituição de ensino, com nota 9,8.

4. A posse do candidato aprovado em concurso público está relacionada ao cumprimento dos requisitos necessários para o exercício do cargo. Portanto, sem a conclusão do curso e a apresentação do respectivo Certificado de conclusão da pós-graduação em Medicina do Trabalho, não se pode afirmar que o impetrante tenha cumprido com todas as exigências necessárias para a obtenção do título de especialista e, consequentemente, que tenha cumprido todos os requisitos previstos no edital do certame para o cargo de Médico da Carreira Médica do Quadro de Pessoal do Distrito Federal, especialidade Médico do Trabalho, não podendo se falar em abuso ou ilegalidade por parte das autoridades coatoras.

5. Recurso ordinário não provido. (STJ, RMS 38857 / DF; Min. MAURO CAMPBELL MARQUES; 2ª. Turma, j. 18.06.2013).

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DISPOSITIVO DA LEI DE LICITAÇÕES. IMPERTINÊNCIA TEMÁTICA. SÚMULA 284/STF. OFENSA AO ART. 30, I E II, DA CF/1988. ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. INVASÃO DA COMPETÊNCIA DO STF. CARGO DE MÉDICO PERITO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. EXIGÊNCIA DE RESIDÊNCIA MÉDICA E/OU TÍTULO DE ESPECIALIZAÇÃO. PREVISÃO EDITALÍCIA. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL E DA DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. NÃO VIOLAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

1. Cinge-se a controvérsia à possibilidade da exigência, prevista no edital, de apresentação de certificado de residência médica e/ou título de especialista para posse no cargo de Perito Médico a Previdência Social.

(...)

4. O edital que rege concurso público poderá exigir do candidato formação específica para a área escolhida, porquanto a Administração é livre para estabelecer as bases do concurso e os critérios de julgamento, desde que respeitada a igualdade entre os concorrentes, devendo selecionar profissionais adequados ao cargo público em questão, atendendo, assim, aos princípios da moralidade, eficiência e interesse público.

5. A exigência de especialidade feita no edital do certame está consentânea com as funções precípuas a serem exercidas pelo perito médico do INSS, com os ditames normativos e constitucionais, bem como com a realidade social.

6. Os concorrentes aceitaram as normas e exigências contidas no edital do certame quando se inscreveram no concurso público, não podendo agora, negada a sua posse por ausência de requisito expressamente exigido, requerer tratamento diferenciado, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia.

7. A jurisprudência do STJ é no sentido de que o edital é a lei do concurso, pois suas regras vinculam tanto a Administração quanto os candidatos. Assim, o procedimento do concurso público fica resguardado pelo princípio da vinculação ao edital.

8. Não demonstração de violação a direito líquido e certo.

9. Recurso Especial parcialmente provido. (STJ, REsp 1384439/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 16/12/2014)

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO - ORTOPEDIA E TRAUMATOLOGIA.  EDITAL. OMISSÃO. ESPECIALIZAÇÃO. NECESSIDADE. ART. 17 DA LEI N. 3.268/1957. REQUISITO TÁCITO. LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

1. Verifica-se, pela leitura do edital do certame, que não se exigia, no ponto 2.1.2 do edital que trata dos requisitos para o concurso, à época da investidura no cargo, a apresentação do título, certidões ou comprovantes de especialidade para a área para qual concorreu o recorrente quando se apresentou este para tomar posse como Médico ortopedista e traumatologista da SES/DF, por ter sido aprovado no processo seletivo. Ocorre que a referida previsão editalícia refere-se ao cargo de "médico", exigindo-se, como requisito para provimento, a graduação em medicina e registro no Conselho de Classe. Porém, ao se referir às vagas especificamente ofertadas, o edital descreve as especialidades médicas a serem providas, sendo certo que a titulação é requisito imperativo para o exercício do cargo.

2. A especialização para a área para qual concorreu no certame trata-se de quesito óbvio, uma vez que a Secretaria de Saúde visava a contratação de especialistas para preencher as vagas ofertadas, pois, de outra forma, não teria feito distinção entre as especialidades e o número de vagas destinadas a cada uma delas, bastando ter colocado "MÉDICO", como já dito pelo Tribunal a quo.

3. O concurso em questão está sendo realizado para contratação de médicos públicos, com especialidade, dentre outras, de médico ortopedista e traumatologista, e o eventual reconhecimento, em juízo, do direito de um médico a exercer tal especialidade não pode ocorrer sem a segurança de que a população será atendida por profissional qualificado. A segurança no atendimento médico, no caso, decorre, consequentemente, de um título que comprove a especialidade exigida.

4. A vasta gama de especialidades médicas existentes e as diversas elencadas no edital do concurso, cada qual com número de vagas respectivo, só reforçam que a omissão editalícia ao descrever os requisitos exigidos (item 2.1.2 do edital), por si só, não assegura qualquer direito líquido e certo de um "médico" concorrer a áreas médicas que exigem especialização determinada, uma vez que as especialidades médicas exigem titulação para o exercício do cargo.

É o que prevê o art 17 da Lei nº 3.268/1957: "Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade".

5. Não é possível a posse de candidato, aprovado em concurso público, no cargo de médico ortopedista e traumatologista, quando não apresentado certificado de conclusão do curso de especialista, residência ou pós-graduação na referida área, visto que a exigência encontra respaldo na Lei 3.268/1957, recepcionada pela Constituição Federal, que atribui ao Conselho Federal de Medicina a função de julgar e disciplinar a classe médica, vinculando o exercício da medicina em seus ramos ou especialidades ao prévio registro dos títulos, diplomas, certificados ou cartas no MEC e da inscrição no conselho profissional, não se havendo falar em violação ao artigo 17 da lei mencionada.

6. Recurso especial não provido. (STJ, REsp Nº 1040039 / DF, Min. REYNALDO     SOARES DA FONSECA, 5ª. Turma, j. 30.06.2015).

Sobre os autores
Alejandro Enrique Barba Rodas

Médico. Especialista em Medicina Intensiva. Assistente técnico.

Diana Fontes de Barba

Advogada. Especialista em Direito Médico e Hospitalar. Barros, Barba & Cerqueira. Advocacia e Consultoria jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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