A necessidade de um exame nacional de avaliação do médico no Brasil (ENAM)

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III. EXAME DE PROFICIENCIA EM OUTRAS PROFISSÕES

O diploma obtido no exterior para ter validade no Brasil precisa passar por processo de revalidação, nos termos da legislação vigente, conforme exigência da Lei n. 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) que estabelece:

Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular.

§ 1° - Os diplomas expedidos pelas universidades serão por elas próprias registrados, e aqueles conferidos por instituições não universitárias serão registrados em universidades indicadas pelo Conselho Nacional de Educação.

§ 2° - Os diplomas de graduação expedidos por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades públicas que tenham curso do mesmo nível e área ou equivalente, respeitando-se os- acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação.

Importante salientar que não se deve confundir e menos equiparar exame de revalidação de diploma obtido no exterior com exame de proficiência para registro em órgão fiscalizador do exercício profissional e obtenção de licença para o exercício profissional. Isto porque:

1. A revalidação de um diploma expedido no exterior tem por objetivo cumprir com a exigência do § 2°, art. 4º da Lei nº 9.394/96 e dar validade nacional a um diploma que foi expedido por universidade estrangeira. Essa regra, portanto, vale para qualquer profissão independente de exigência de avaliação para registro e inscrição no Conselho Fiscalizador do exercício profissional.

2. O Exame de Proficiência realizado por Conselho Fiscalizador, tem por objetivo cumprir exigência de legislação específica quando houver, e visa aferir conhecimentos e habilidades mínimas para obter uma licença para o exercício profissional. Esta regra valerá quando a lei assim o exigir.

Na advocacia, a habilitação de advogado estrangeiro para atuação no Brasil segue o disposto no art. 8º, c/c com § 2º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) que prevê que o estrangeiro não graduado no Brasil que pretende aqui, atuar, deverá preencher os seguintes requisitos:

  • Prova do título de graduação, obtido em instituição estrangeira, devidamente revalidado.
  • Possuir Capacidade Civil;
  • Aprovação em Exame de Ordem;
  • Não exercer atividade incompatível com a advocacia;
  • Idoneidade moral;
  • Prestar compromisso perante o Conselho.

Quanto à validação do título de bacharel Sérgio Ferraz em parecer sobre Exercício da Advocacia no Brasil por profissional estrangeiro, esclarece[9]:

“Nossa Lei básica não foi omissa no particular: o estrangeiro, e mesmo o brasileiro, graduados em Direito fora do Brasil, podem inscrever-se na OAB (e, pois, podem ter livre acesso ao exercício da profissão em nosso país), após revalidarem seu diploma (Estatuto, art. 8º, § 2º).A revalidação é um procedimento administrativo, que não é realizado pela OAB: as universidades, a tanto autorizadas pelo Ministério da Educação, examinam o conteúdo do curso jurídico concluído no exterior, confrontam-no com as exigências mínimas legalmente postas aos cursos jurídicos no Brasil, detectam equivalências e, se cabível e/ou necessário, determinam ao requerente a complementação reputada imprescindível (ou, pelo contrário, reconhecem o diploma, sem mais exigências), com a subsequente prestação de provas. Conquanto esse processo de revalidação seja razoavelmente objetivo, em seu desenrolar as peculiaridades das grades curriculares universitárias e a delonga normal das tramitações, inseridas no conceito autonomia universitária, frequentemente lhe imprimem uma duração excessiva, até de anos, mesmo. De toda sorte, não há fechamento, na lei brasileira, a que advogado, diplomado no exterior, aqui venha a exercer a profissão."(grifei)

Observe-se que no caso da advocacia a Lei claramente distingue e admite exigências separadas de avaliação para revalidação de título e para inscrição nos quadros da Ordem da OAB, sendo ambos processos independentes quanto à sua realização e tramitação.

Na Contabilidade, a Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010, alterou o art. 6º do Decreto-lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, para determinar que os contadores e os técnicos em contabilidade precisam da aprovação em Exame de Suficiência para habilitarem-se ao exercício profissional. Delegou essa competência ao Conselho Federal de Contabilidade:

Art. 6º São atribuições do Conselho Federal de Contabilidade:

f) regular acerca dos princípios contábeis, do Exame de Suficiência, do cadastro de qualificação técnica e dos programas de educação continuada; e editar Normas Brasileiras de Contabilidade de natureza técnica e profissional.                       (Incluído pela Lei nº 12.249, de 2010) (grifei)

Da mesma forma não se confundem as duas avaliações conforme orienta o Conselho Federal de Contabilidade[10]:

Pergunta: Qual o procedimento para que um profissional com formação no exterior requeira seu registro no Brasil?

Resposta: Para se registrar no Brasil, além de atender as exigências dispostas na Resolução CFC n.° 1.554/2018, o profissional deverá, caso o diploma seja de uma instituição de ensino estrangeira, validar em uma universidade pública brasileira que tenha curso do mesmo nível e área equivalente. Para obter essa validação o requerente terá que atender as exigências da universidade brasileira, tais como tradução do diploma para a língua portuguesa, adequação da grade curricular, etc.

Informamos ainda que, para obter o registro, há necessidade também de ser aprovado no Exame de Suficiência.

A legislação citada encontra-se disponível em nosso site, no endereço eletrônico  www.cfc.org.br. (grifei)


IV. COMO FUNCIONA EM OUTROS PAÍSES

Nos Estados Unidos da América, por exemplo, a licença para o exercício da Medicina é obtida somente após a aprovação do United States Medical Licensing Examination (Exame de Licenciamento Médico nos Estados Unidos), mais conhecido como USMLE. É um exame de múltiplas (3) etapas pelo qual o médico é obrigado a passar antes de ser autorizado a praticar medicina nos Estados Unidos.

No Canadá, o graduado deve ser aprovado nas duas fases do Medical Council of Canada Qualifying Examination (MCCQE) e completar de maneira satisfatória doze meses de curso de pós-graduação. Na Alemanha, são aplicadas três provas, em períodos distintos, durante o curso de Medicina.

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No Chile, os graduados devem ser aprovados no Exame Único Nacional de Conocimientos de Medicina (EUNACON), com prova teórica e prática. É um exame teórico e prático da medicina geral que é aplicado a todos os graduados das diferentes escolas médicas do Chile e aos médicos qualificados no exterior que desejam praticar no território nacional. O exame começou a funcionar em 2009 como um substituto para o Exame Médico Nacional (EMN) anterior, que existiu entre 2003 e 2008.

Na Inglaterra, os médicos são avaliados pelo prazo de um ano para obter a certificação e novos exames são repetidos a cada cinco anos pela General Medical Council (GMC) Tais iniciativas conferem maior segurança aos pacientes, por garantir que apenas profissionais que comprovem habilidades e conhecimentos requeridos para o exercício profissional da Medicina poderão atuar na assistência à saúde. O Exame na Inglaterra tem como lema: “ajudamos a proteger os pacientes e a melhorar a educação e a prática médica no Reino Unido, apoiando estudantes, médicos, educadores e profissionais de saúde”.


V. DA ACEITAÇÃO DO ENAM PELA SOCIEDADE BRASILEIRA

Importante salientar que, durante o XIII Encontro Nacional de Entidades Médicas, realizado dias 26 e 27 de junho de 2018 realizado em Brasília e que reuniu delegados do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira, da Associação Nacional dos Médicos Residentes, da Federação Nacional dos Médicos e da Federação Médica Brasileira (FMB), foi discutida e posta em votação a obrigatoriedade de um Exame Nacional de Proficiência em Medicina. Durante votação, 85% dos 150 delegados que participaram se manifestaram a favor. Entre o total de inscritos para o Exame do Cremesp de 2017, 83,2% responderam que acreditam que a prova deveria ser obrigatória para recém-formados em Medicina no Estado de São Paulo[11]. A Ordem de Advogados do Brasil (OAB) também tem dado seu apoio e parecer favorável sobre a importância da realização de um Exame de Proficiência em Medicina[12].


VI. DOS EXAMES FACULTATIVOS JÁ REALIZADOS NO BRASIL

No Estado de São Paulo, Exame de Proficiência em Medicina é realizado desde 1990 pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), instituído por Resolução e realizado através de Edital, e é aplicado a alunos do 6º ano e recém-formados de escolas médicas do Estado de São Paulo. O Exame, adota o modelo de prova teórica composta por questões de múltipla escolha, com duração de até cinco horas – abrangendo diversas áreas da medicina previamente determinadas. No início de 2018, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) divulgou os resultados da prova realizada por recém-formados em Medicina em 2017. Resultados apontaram que mais da metade dos recém-formados em escolas médicas do Estado de São Paulo foram aprovados na avaliação. De um total de 2.636 egressos de cursos de Medicina que participaram do Exame, em 2017, 64,6% – ou 1.702 – acertaram mais de 60% das 120 questões da prova, porcentagem que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) considera mínima para a aprovação. Os outros 35,4% - ou 934 participantes - acertaram menos de 60% das questões[13]. Entretanto, as respostas também chamaram atenção por mostrar que boa parte dos profissionais não estava apta para diagnosticar e administrar a conduta terapêutica adequada de casos médicos básicos e problemas de saúde frequentes. Dos 2.636 médicos que realizaram o teste, 88% não souberam interpretar o resultado de um exame de mamografia, 78% erraram o diagnóstico laboratorial de diabetes, 60% não apresentaram conhecimento suficiente sobre doenças parasitárias e 40% não souberam fazer a suspeita de um caso de apendicite aguda, conforme informou o levantamento apresentado pelo conselho[14]. No Exame do Cremesp de 2018, cujos resultados foram divulgados pelo Cremesp em setembro de 2018[15], a semelhança de 2017, mais da metade dos alunos do 6º ano e recém-formados de escolas médicas do Estado de São Paulo foi aprovada na avaliação. O Exame de 2018 teve recorde de inscrição e de participação entre todas as edições, com 4.690 inscritos (30% a mais em relação a 2017) e 3.174 participantes do Estado de São Paulo, dos quais 61,8% – ou 1.961 – acertaram mais de 60% das 120 questões da prova, porcentagem que o Cremesp considera mínima para a aprovação. Os outros 38,2% – ou 1.213 participantes – acertaram menos de 60% das questões. Além disso, a edição contou com a participação de todas as escolas médicas do Estado de São Paulo. Entretanto, no Exame do Cremesp de 2018, muitos dos recém-formados demonstraram não saber interpretar exames para diagnosticar e administrar a conduta terapêutica adequada em casos médicos básicos, e problemas de saúde frequentes. A seguir, alguns exemplos de questões com altos índices de erro: 86% erraram a abordagem inicial para atendimento a paciente vítima de acidente de trânsito; 69% não souberam as diretrizes para aferição da pressão arterial; 68% não acertaram a conduta para paciente com infarto no miocárdio; 65% erraram o quadro laboratorial do diabetes mellitus descompensado; 59% não informaram corretamente o período de transmissão da gripe; 44% não souberam identificar o agente causador e um dos principais transmissores da Doença de Chagas[16].

O primeiro Exame de Egressos realizado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego), aplicado no mês de dezembro na capital, teve aprovação de cerca de 90%. O exame contou com adesão de menos de 10% dos médicos recém-formados no Estado, o que representa um total de 18 profissionais. Destes, apenas dois obtiveram resultado insuficientes. Participaram do exame, formandos e recém-formados das goianas Universidade Federal de Goiás, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, UniEvangélica e Universidade de Rio Verde e ainda da Faculdade de Medicina de Campos (Campos dos Goytacazes/RJ), Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (Campo Grande/MS), Instituto Master Presidente Antônio Carlos (Araguari/MG), Centro Universitário São Lucas (Porto Velho/RO) e Unirg (Gurupi/TO). Com 100 questões objetivas, o exame aplicado neste último fim de semana pelo Cremego abrangeu as áreas essenciais da medicina, com ênfase em conteúdos considerados imprescindíveis ao bom exercício profissional. Foram aprovados os candidatos que acertaram, pelo menos, 60% das questões[17].

Sobre os autores
Alejandro Enrique Barba Rodas

MEDICO INTENSIVISTA QUE ATUA COMO ASSISTENTE TECNICO

Diana Fontes de Barba

Advogada. Especialista em Direito Médico e Hospitalar. Barros, Barba & Cerqueira. Advocacia e Consultoria jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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