A PREJUDICIALIDADE DAS AÇÕES COGNITIVAS E A SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

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16/01/2020 às 18:19
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Trata das hipóteses de suspensão do processo de execução pela pendência de ações de conhecimento, inclusive ação rescisória e da aplicação do artigo 313, inciso V, do CPC ao processo de execução.

Sumário: 1) Delimitando o Tema. 2) O fundamento constitucional da busca da eficácia do processo executivo e suas condicionantes;. 3) A suspensão do processo de execução. 4) Ações cognitivas e sua influência no processo de execução. 5) A questão da Ação Rescisória   6) Da inaplicabilidade do artigo 313, inciso V, do CPC, ao processo de execução. 7) Conclusões.


Delimitando o tema

A presente abordagem tem por objeto a questão da suspensão do processo de execução na pendência e por conta de ações cognitivas.

A despeito da disciplina clara da lei, têm-se visto certas deturpações hermenêuticas, de modo a se dar maior elastério as hipóteses de suspensão do processo de execução, contradizendo a tendência de busca de celeridade do processo civil.

Esta situação implica no enfraquecimento da eficiência do processo civil e na repristinação de uma visão que representa exatamente aquilo que o novo CPC veio para modificar.

A premissa fundamental para compreensão do tema é conceber a tutela executiva como uma fase fundamental do processo civil, figurando em par de igualdade ao processo de conhecimento em importância.

Por diversas razões históricas, o processo civil de inspiração romano-canônica, vigente na Europa continental e na América Latina, apresenta exacerbada tendência de focar na tutela cognitiva.

O acertamento da relação jurídica mediante uma sentença é perseguido como escopo magno da tutela jurisdicional, o que acaba obnubilando a percepção de que toda vez que envolvido conteúdo obrigacional (maioria dos casos, aliás), é mister, além da declaração do direito e de seu sancionamento[1], a produção de alterações concretas na realidade empírica.

Por outras palavras, o atual contexto tem por conseqüência uma marcante preponderância do conteúdo obrigacional nas relações jurídicas, o que dá azo a sentenças de natureza condenatória, as quais, via de regra, dimanam atuação executiva do Estado através de uma execução forçada, ou esta resulta do trato negocial, diretamente através de títulos executivos extrajudiciais[2].

Mas esta realidade ainda não está sedimentada na práxis de operação e ensino do Direito. Ao processo de execução ainda se reserva um papel secundário, olvidando-se que ele é elemento fundamental ao atingimento dos escopos do processo na maioria dos casos e que podem ser sintetizados na pacificação social mediante reposição do equilíbrio e do status quo determinado pela lei material.    

Ninguém ingressa, em regra, com ação judicial (excetuada as ações declaratórias) somente para obter uma sentença[3]. A parte persegue um bem da vida, uma vantagem concreta, a corporificação de um direito material, e isso demanda execução, atuação real do Estado na esfera de direitos do devedor, toda vez que o devedor não cumpre tempestivamente a obrigação. É isso que precisa ser compreendido. A tutela almejada só se completa com esta execução.

À medida em que abdicamos da ritualística pura, que marca, de forma ancestral e exacerbada, o ensino do Direito e a praxe judiciária, e compreendemos o processo como um serviço público, e a partir de suas finalidades últimas e concretas, percebemos que a efetiva satisfação do direito material encetado em decisão judicial é tão ou mais importante que seu acertamento e declaração nesta mesma decisão.[4]

Tudo quanto se pensa e se concebe para aprimorar a eficácia da atividade jurisdicional enquanto serviço público relevante, deve ser pensado e concebido em condições de igualdade entre as tutelas cognitiva (declaração, acertamento e sancionamento) e executiva (concretização do direito material obrigacional).

A meu ver, parte da deturpação hermenêutica e da postura ainda obtusa de alguns operadores em relação ao processo de execução e a principiologia que a sociedade moderna e suas demandas exige que lhe ilumine e conduza, decorre desta percepção míope, que foca no acertamento e esquece que ele é só uma fase em muitos casos.

É preciso que transcendamos esta visão difundida e arcaica incrustada na práxis do ensino e aplicação do Direito para que as verdadeiras necessidades, condicionantes e questões relacionadas despontem com clareza.

A partir daí, poderemos nos lançar à avaliação dos diferentes aspectos da influência das ações cognitivas em relação ao processo de execução com uma visão que, percebendo a finalidade real do processo como objeto, desborde de práticas e visões repetidas irreflexivamente como verdades inquestionáveis, e que nos conduzem a posturas e soluções equivocadas, que acabam por sabotar a efetividade da tutela jurisdicional.[5]


2) O fundamento constitucional da busca da eficácia do processo executivo e suas condicionantes

Pouca gente percebe, mas a tutela jurisdicional eficiente e eficaz tem foro constitucional, encontrando previsão em dois incisos do artigo 5º, da CF/88. É um direito constitucional de todo e qualquer cidadão.

O primeiro deles é o inciso XXXV, que alberga o princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional.  A sua redação diz muito menos do que na verdade ele representa. Menciona que a “lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Na verdade, dita redação é fruto daquilo que mencionei alhures, ou seja, uma visão míope e focada no processo de conhecimento. De fato, extrai-se da tímida redação do dispositivo a ilação de que somente a “apreciação” em relação a ameaças ou lesões a um direito material estaria abrangida como direito fundamental. Disso se pode concluir que bastaria a mera emissão de um comando judicial ensejando a “apreciação” (declaração e ou sancionamento) da questão e bastaria. É rematado equivoco.

A rigor, o que deveria constar do dispositivo é que “o Estado, através do poder judiciário, assegurará medidas que evitem lesão ou ameaça a direito.” A inafastabilidade é de intervenção e atuação, em sentido amplo, (não só de controle) do Poder Judiciário, e não tem apenas um sentido negativo, mas é, antes de tudo, a imposição de um dever de atuar, não só de “apreciar”. Por outras palavras, este dispositivo cria para o Estado o dever de constituir um sistema de prestação de tutela jurisdicional que impeça que lesões ou ameaças a direito se concretizem, sistema, este, que deve suprir todas as atividades e medidas necessárias à efetiva realização dos direitos.

Com isso quero dizer que o inciso XXXV impõe ao Estado o dever não só de proferir sentença, “apreciando” lesão ou ameaça a direito e promovendo a declaração do direito e o acertamento e sancionamento (quando necessário), mas também de realizar atividades executivas na realidade empírica a fim de materializar estes direitos na forma da lei e concretamente[6]. O direito subjetivo constitucional criado é não só a obter a declaração e acertamento do direito subjetivo, mas à transformação da realidade de forma a concretizá-lo. Isso se faz através do processo de execução, que regula antes de mais nada, a atividade intrusiva do Estado na esfera de direitos do devedor.  

De outro lado, o artigo 5º, inciso LXXVIII, da CF/88, consagrou a celeridade da tutela jurisdicional como um valor constitucional e um direito subjetivo. Diz o dispositivo que a “todos são assegurados a razoável duração do processo e meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Processo aqui é cognitivo ou de execução, sem distinção.

Isso se torna induvidoso ao verificamos o teor do artigo 4º do CPC, quando afirma que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Disso tudo se extraem duas condicionantes. Primeiro, a atividade jurisdicional deve, para cumprir seus escopos, providenciar não somente atividades de declaração e acertamento de relações jurídicas, mas também meios de efetivação concreta dos direitos, com atividades materiais na realidade, o que se faz através do processo de execução. Segundo, a atividade como um todo, incluída a satisfação do direito subjetivo lesionado ou ameaçado, deve ocorrer em tempo razoável.

Também se extrai um princípio, qual seja, qualquer suspensão da tramitação de processo, seja de conhecimento, seja de execução, é medida excepcional, que deve ser tomada somente dentro das estritas hipóteses legais e de forma justificada, sob pena de comprometimento do valor da celeridade processual, que é em si um direito subjetivo da parte[7].   


A suspensão do processo de execução

A partir dos apontamentos supra, verificamos que suspender processo é medida excepcional, pois pode fazer periclitar a eficiência da tutela jurisdicional, seja cognitiva, seja executiva, assim entendida como tutela efetiva[8] e célere[9]. Suspensão é exceção, é um mal. Uma vez iniciado processo, o Estado tem o dever de apresentar uma tutela célere, dever este que hoje é extensivo as partes, que devem colaborar para tanto, a teor do artigo 6º, do CPC. 

No caso do processo de execução, tal princípio é ainda mais pertinente, porque temos ou uma sentença ou um documento ao qual é dada força executiva, em ambos os casos havendo prévia exigência de condições que asseguram presunção relativa de certeza, exigibilidade e liquidez.

No caso de um título judicial, houve cognição, plena e exauriente, dando certeza da relação jurídica e de seus lindes. No caso do titulo extrajudicial, há um documento com requisitos e condições que lhe revestem de presunção relativa, de forma que, em ambos os casos, somente motivos de sobeja gravidade podem obstar a marcha da atividade executiva neles lastreada.

Todavia, não era isso o que se notava na legislação pretérita. No regime do CPC de 1973, o processo de execução acabava por favorecer o devedor, pois a regra era os embargos terem efeito suspensivo, pouco importando o seu teor. O processo era de fato um solo fértil para a chicana, para o retardo e para a protelação. 

O devedor lograva criar um quadro de dano colateral ao credor pela demora do processo, de forma que o tempo se tornava moeda de troca para redução do devido, forçando-se acordos ou se protelando processo até uma situação de insolvência. O devedor lograva assegurar anos sem ter de fato de ver a responsabilidade patrimonial realizar-se sobre si.[10]

Hoje, mudada a legislação, laivos desta mentalidade ainda se fazem sentir em detrimento de uma tutela comprometida com resultados concretos, efetivos e céleres, os quais demandam uma mentalidade nova, onde o princípio de que o processo de execução se move a bem do credor (art. 797, do CPC), é de fato considerado, e, embora assegurados ao devedor o devido processo legal e a ampla defesa, não se descura da sua situação de sujeição patrimonial (art. 789, do CPC).[11]  

A suspensão do processo de execução pode se dar por motivos internos ou externos. As hipóteses estão elencadas no artigo 921 do CPC e somente uma delas tem inconcussa relação com outro processo (inciso II). É a hipótese dos embargos recebidos com efeito suspensivo (art. 919, parágrafo primeiro, do CPC).

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Há, porém, a hipótese do inciso I, que se reporta aos artigos 313 e 315 do CPC, onde alguns dirão haver hipótese de suspensão com motivação externa, no caso prejudicialidade externa de ação de conhecimento, invocando, para tanto, o artigo 313, inciso V, do CPC.

Sob abrigo desta argumentação, postulam suspensão do processo de execução pela simples pendência de ação cognitiva que questione o titulo. 

É preciso salientar que quando estamos diante de um título executivo judicial, haverá ensanchas a uma fase de cumprimento de sentença que poderá ser atacada por uma impugnação à fase de cumprimento de sentença.

A impugnação à fase de cumprimento de sentença (art. 523 do CPC) embora se assemelhe aos embargos à execução, não se trata de processo autônomo, mas de um incidente, ainda mesmo quando processada em autos separados.

De qualquer sorte, é bom considerar que ela não tem efeito suspensivo automático podendo este ser deferido se: a) Houver garantia do juízo. b) Os fundamentos forem relevantes. c) O prosseguimento da execução “manifestamente” suscetível de “causar grave dano de difícil ou incerta reparação”.

É fácil ver que os requisitos dos itens “b” e “c” caracterizam verdadeiro caso de tutela provisória, como adiante veremos no caso dos embargos à execução e ações ordinárias. 

Há, porém, um caso em que execução de titulo judicial poderá ser atacada por ação ordinária. É a hipótese da ação rescisória, onde pode ser pedida tutela provisória liminar para sustar a execução.

É uma situação sui generis, pois temos uma tutela provisória de cognição sumária tentando obliterar a execução de uma decisão tomada a conta de tutela plena e exauriente, o que enseja questões de solução espinhosa e discutível, abaixo vistas.

Nos demais casos, quando falamos na pendência de ações cognitivas como óbice ao prosseguimento do processo de execução, estamos falando de execução de título extrajudicial.  


Ações cognitivas e sua influência no processo de execução

As ações voltadas a atacar a execução podem ser típicas ou atípicas. O caso de ação típica reside nos embargos à execução. As ações atípicas são ações ordinárias com causa de pedir voltada a atingir o título e os requisitos da sua exequibilidade.

Os embargos à execução constituem ação cognitiva autônoma, que apresenta conexão com a execução[12], com causa de pedir vinculada, e eficácia constitutiva negativa (ou desconstitutiva) ou declaratória. Pode se voltar diretamente contra o título ou a aspectos de natureza processual, sejam relacionados ao exercício do direito de ação (condições da ação da execução) ou aspectos de pressupostos processuais. Seu processamento é em autos autônomos, que podem ou não ser apensos.

A previsão de suspensão da execução por ajuizamento de embargos encontra-se nos artigos 921, inciso II, e 919, §1º, do CPC.

Os embargos, hoje, não tem efeito suspensivo automático. A suspensão da execução pela agregação deste efeito estará condicionada aos requisitos do §1º, do artigo 919, vale dizer, presença de pedido da parte executada, dos requisitos da tutela provisória, e de garantia do juízo. A decisão respectiva é proferida nos embargos e somente depois na execução[13].

A primeira série de questionamentos que pode surgir e ter de ser solvida no caso de pedido de efeito suspensivo concerne à garantia do juízo, quando cabível, e que tem direta relação com a penhora. 

Já a segunda série, que diz com a aferição dos requisitos da tutela provisória, notadamente a “probabilidade do direito” ou a plausibilidade da alegação, ocorrerá em conformidade à causa de pedir invocada, sendo que, no caso dos embargos, o fundamento jurídico é vinculado ou específico, pois o artigo 917 elenca os que podem ser utilizados. 

A “inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação” (art. 917, inciso I, do CPC), diz respeito a casos onde a execução ou está lastreada em documento que não é titulo executivo, ou em título nulo; ou a obrigação não é exigível, seja porque não vencida, seja porque falta condição para tanto, como ocorre no caso do artigo 476 do CC, ou na ausência de implementação de uma condição ou termo. O CPC, porém, qualifica as hipóteses do artigo 476 do CC e da falta de implemento de condição como excesso de execução. Obviamente houve um erro (um dos muitos do CPC) de redação e conceito nisso, pois isso somente poderia ser qualificado como excesso de execução se for parcialmente afetado o objeto dela.

De fato, falar em excesso é admitir que há uma parte da obrigação em execução devida e que parte da execução está se dando para além do que é correto ou de forma diversa. Faltando o cumprimento de obrigação a cargo do credor/exequente ou não se tendo implementado condição que afeta a totalidade da execução não há excesso, há e inexequibilidade ou inexigibilidade total. Por outras palavras, excesso é, por lógica, sempre parcial. 

 Enquanto que a inexequibilidade do título no mais das vezes não carecerá de prova ou a terá na via documental, a inexigibilidade poderá demandar dilação probatória, podendo ser solicitada justificação prévia em caso de prova testemunhal se prova pré-constituída não houver. 

A “penhora incorreta ou avaliação errônea” (art. 917, inciso II) dizem respeito a casos de impenhorabilidade ou de avaliação notoriamente equivocada. A avaliação raramente é incontroversa. Para que tal alegação lastreie pedido de suspensão, deve vir acompanhada de indicação correta do preço por perícia, ou indicação de profissional ou por preços cotados em mercado. A discrepância deve ser significativa e um bom parâmetro do o percentual jurisprudencial usado para caracterização do valor venal.  

No caso do “excesso de execução ou cumulação indevida de execuções” (art. 917, inciso III) o embargante tem que indicar precisamente o excesso e sua causa, havendo, no caso de execução de valor, obrigação processual de indicar o quanto do excesso, sob pena de inépcia (art. 917, parágrafos 3º e 4º). Isso ocorre com apresentação de cálculo com indicação exata das origens das divergências de valor. No caso de obrigação de entrega de coisa, a divergência que caracteriza o excesso pode dizer respeito à espécie do que entregar (qualidade, por exemplo), o que demandará prova pré-constituída documental, como v. g laudos técnicos. O mesmo raciocínio vale para obrigações de fazer e de não fazer; A questão pode surgir quanto ao objeto preciso, ou seja, o que deve ser feito ou não deve, quais suas características?

As hipóteses de excesso estão descritas no parágrafo 2º do artigo 917 do CPC, de redação assaz fraca e misturando coisas diversas.

A cumulação indevida diz respeito à inviabilidade por divergência de partes ou de forma de execução prevista para cada modalidade obrigacional. Não se podem cumular em um mesmo processo ritos diferentes[14]. A suspensão ocorrerá até que o exeqüente opte por uma das execuções.

A retenção por benfeitorias úteis ou necessárias (art. 917, inciso IV) demandará prova técnica, documental ou até testemunhal, esta última a ser produzida em justificação prévia.

A incompetência do juízo suspenderá o processo até ser estabelecido o juízo competente, sem prejuízo da possibilidade de convalidação dos atos já praticados. A questão não demanda em regra apresentação de prova e se houver esta necessidade, será documental[15].

Por fim, o inciso VI do art. 917, afirma que poderá ser aduzido em embargos qualquer matéria que seria lícito ao embargante invocar em ação de conhecimento. Ora, com a devida vênia, tal inciso abarca todos os demais anteriores. Trata-se de uma repetição verdadeiramente inútil[16].

Em cada uma destas hipóteses, em fazendo a alegação e em havendo pertinência, terá o embargante de dar fundamento de probabilidade ao direito alegado (art. 300) ou caracterizar a evidência (art. 311), adiante vistos. 

No caso de ações cognitivas ordinárias, cuja tipologia mais comum é a das ações anulatórias lato sensu[17], a suspensão da execução decorrerá da concessão da tutela de urgência ou de evidência (requisitos comuns aos embargos à execução), que são espécies do gênero tutela provisória.

As ações ordinárias irão voltar-se diretamente a atacar aspectos relativos à existência, validade e eficácia do título, não abarcando aspectos relativos ao exercício do direito de ação ou pressupostos processuais do processo de execução. Disso se infere que tem espectro mais limitado que os embargos à execução.

Todavia, apresentam a vantagem de não haver necessidade legal de segurança do juízo da execução para que liminar seja concedida suspendendo o processo executivo. Isso não impede que tal requisito seja exigido, até por uma questão de paridade com os embargos[18]. No caso da tutela de urgência, a segurança do juízo executivo mediante penhora pode ser exigida com respaldo no artigo 300, parágrafo primeiro, do CPC, como contra-cautela.

A tutela de urgência pressupõe indicação e comprovação pelo postulante, autor da ação anulatória ou embargos, de elementos que evidenciem probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo de conhecimento.

A probabilidade do direito dirá com a causa de pedir invocada especificamente, seja no caso de ação ordinária, seja embargos (ex vi dos artigos 917 e 919, § 1º, do CPC).

Esta probabilidade surge da conjunção de dois elementos. O primeiro são os fatos, dos quais se deverá apresentar prova pré-constituída, cuja forma mais evidente é a documental. Esta prova poderá ser bilateral ou unilateral, sendo à segunda atribuído menor valor probante por razões óbvias.

No caso de necessidade de prova testemunhal, pode ser pedida audiência de justificação prévia[19], conforme faculta o artigo 300, §2º, do CPC.

O segundo elemento diz com o enquadramento legal dos fatos em um fundamento jurídico viável. 

Como se nota facilmente, estes elementos nada mais são do que a causa de pedir da ação de conhecimento. Pode-se, portanto, afirmar, que o embasamento da tutela provisória de urgência nada mais consiste do que respaldar a causa de pedir da própria ação com provas que ab initio fornecem, aplicada a lógica, relativo grau de segurança ao julgador. Por outras palavras, nada mais é do que se antecipar a fase de instrução.

Indo adiante, se pode afirmar que o quadro fático-probatório que legitima a concessão da tutela de urgência é idêntico ao que legitimaria a procedência do pedido se o julgamento fosse feito no momento da sua avaliação e se o contraditório não fosse imprescindível.

A par disso, ainda é necessária comprovação de que a não concessão da tutela e a continuidade do processo executivo irá implicar prejuízo ao resultado útil do processo cognitivo ou embargos.

O resultado almejado pela ação cognitiva é obstar, no todo ou em parte, o processo de execução. Desta forma, se o processo de execução chegasse ao seu escopo pela invasão estatal da esfera de direitos do devedor se poderia afirmar que o resultado útil do processo cognitivo que ataca a execução estaria comprometido.

A partir desta premissa, o prejuízo estaria sempre presente potencialmente, estaria in re ipsa. O prosseguimento da execução sempre comprometeria a ação cognitiva, no todo ou em parte. 

Mas ai surge a pergunta: por que motivo se deve priorizar o direito do devedor em detrimento do credor que tem a seu favor título executivo? Por que o credor exeqüente tem de suportar a inadimplência enquanto tramita o processo de execução e a ação que seja movida contra ele e os prejuízos daí advindos?

Não há motivos plausíveis, sob o ponto de vista da lógica e do sistema processual, para se priorizar a pretensão do devedor sic e simpliciter.

Outrossim, prejuízo sempre haverá ao devedor por conta de uma execução contra si movida, mas este prejuízo nada mais é do que um ato que visa repor o equilíbrio de uma relação jurídica. De fato, a sua esfera de direitos é invadida, mas isso ocorre para afastar a mora em que ele, em tese, incidiu a qual causou prejuízo ao credor. Cuida-se de um prejuízo legítimo que afasta um ilegítimo. Ele, devedor, esta em posição de relativa sujeição patrimonial.

Desta forma, quando falamos em prejuízo para o efeito de aferir a presença dos requisitos da tutela de urgência em ação que ataque uma execução ou seu título, devemos fazer isso em cotejo com o primeiro requisito, ou seja, com a plausibilidade da pretensão.

Em síntese, sempre há prejuízo ao devedor com o prosseguimento da execução na visão deste. Mas o prejuízo que autoriza a concessão da tutela provisória para sustar o andamento da execução é aquele que resulta de uma situação onde a pretensão do autor ou embargante seja extremamente plausível.

A evidência da probabilidade de lograr êxito em atacar a execução é que demonstra o prejuízo que deve ser considerado.  Quando o julgador verificar que a pretensão tem grande probabilidade, o prejuízo do devedor passa a preponderar sobre o do credor.[20]

Também podem ocorrer situações de prejuízo excepcional e transcendente da esfera de direitos do devedor e que podem caracterizar este requisito. Seria o exemplo de uma execução cuja penhora poderá comprometer a funcionalidade de uma empresa ou o cumprimento de obrigações trabalhistas de seus funcionários. Mas também neste caso ainda se há de ter alegação plausível como motivação do pedido de sustação e o autor da ação ordinária ou embargos não está isento de provar a excepcionalidade e gravidade do prejuízo que alega 

Já no caso da tutela provisória de evidência, parecem ser aplicáveis ao caso de ação anulatória ou embargos à execução os incisos II e III do artigo 311 do CPC.

O primeiro caso diz respeito a fatos comprováveis com documentos e presença de tese jurídica que conte com súmula ou julgamento de caso com repercussão geral.

O segundo diz com presença de prova documental dos fatos que seja considerada suficiente, e o réu, no caso o exeqüente ou embargado, não logre opor prova capaz de gerar dúvida razoável.  Seria, o caso, por exemplo, de o devedor que ajuíza embargos ou ação anulatória apresentar instrumento de quitação ou novação que prejudicasse o titulo e o exeqüente réu ou embargado não apontasse causa de invalidade plausível.  

No caso de tutela de evidência, não há necessidade de alegação e comprovação de prejuízo pelo devedor executado. Mas como se nota, para sua caracterização na segunda hipótese, é mister primeiro a manifestação do réu ou embargado (que é o exeqüente).

Fora estas hipóteses, o credor tem a seu favor título executivo e ao devedor, se vitorioso, caberá o solve et repete.[21]

Por conseguinte, verificamos que, seja em caso de ação ordinária, seja de embargos, a suspensão de uma execução que é atacada por estes meios, carecerá de segurança do juízo (exigida como contra-cautela no caso de tutela de urgência) e da presença dos requisitos da tutela provisória, seja para deferir liminar na ação ordinária, seja para atribuir efeito suspensivo aos embargos. A única exceção que poderá ser feita à segurança do juízo diz respeito a tutela de evidência no caso de ação ordinária. 

Não concedida liminar, ou recebidos embargos com efeito suspensivo, a execução é definitiva (a de titulo extrajudicial sempre é)[22] e vai até o fim, nada impedindo a satisfação do direito do credor.

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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