1. Introdução
Toda a problemática do assunto consiste em saber se eventual vaga de parlamentar surgida deve ser preenchida com base na lista de suplentes pertencentes à coligação partidária ou apenas na ordem de suplentes do próprio partido político.
No intuito de obter um consenso sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal enfrentou questões correlatas como a natureza das coligações partidárias e a extensão dos seus efeitos após o pleito.
2. Vaga: Partido X Coligação
Num primeiro julgamento, ocorrido em 09 de dezembro de 2.010, o Supremo Tribunal Federal, decidiu, em Mandado de Segurança que teve como relator o Ministro Gilmar Mendes (MS 29988 MC/DF), que “[...] ocorrida a vacância, o direito de preenchimento da vaga é do partido político detentor do mandato, e não da coligação partidária, já não mais existente como pessoa jurídica”.[i]
Neste contexto, nota-se que o Plenário desta Corte decidiu, por maioria, que as coligações partidárias constituem pessoas jurídicas de natureza efêmera, cuja formação e existência ocorrem apenas em virtude de determinada eleição, desfazendo-se logo que encerrado o pleito.
Assim, resumindo, as coligações partidárias, segundo o pretório excelso, têm caráter temporário, que não se confunde com as pessoas jurídicas dos partidos que a compõem. Qualquer vaga existente pertence ao partido político, não a coligação formada apenas para a disputa do pleito.
Entretanto, apesar desta decisão e dos argumentos nela lançados, posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento e, analisando o MS 30260 MC/DF[ii], firmou entendimento no sentido de que, em caso de renúncia ou afastamento, deverá ser empossado no cargo eletivo o candidato mais votado na lista da coligação partidária.
Nesta segunda e, a meu ver, mais acertada decisão, o Supremo Tribunal Federal salientou que as coligações partidárias tratam-se de escolha livre dos partidos políticos, que deve ser respeitada no caso de eventual vacância, sob pena de se fazer tabula rasa com a decisão que aprovou sua criação.
Na verdade, portanto, conforme sintetizou o Ministro Joaquim Barbosa em seu voto: “[...] em caso de coligação não há mais que se falar em partido, porque o quociente eleitoral passa a se referir a coligação”.
Noutras palavras, o partido coligado não pode agir isoladamente no processo eleitoral, de acordo com o estabelecido no § 4º do art. 6º da Lei nº 9.504/97. Também é por essas e por outras razões, enfim, que: “Tratando-se de eleições proporcionais, e como a distribuição de cadeiras entre os partidos políticos é realizada em razão da votação por eles obtida, não se desconhece que, fora das coligações, muitas agremiações partidárias, atuando isoladamente, sequer conseguiriam eleger seus próprios candidatos, eis que incapazes, elas mesmas, de atingir o quociente eleitoral” (STF, MS 30407/DF, rel. min. Celso de Mello). Logo, sob pena de ataques ao sistema eleitoral proporcional e à vontade do eleitorado, na hipótese de vagar uma cadeira parlamentar, o ocupante da cadeira será, necessariamente, o primeiro suplente da coligação. (Acórdão de 26/9/2013 no REsp 41.662, rel. min. Laurita Vaz);
3. Conclusão
De um modo em geral, comparando as decisões e analisando suas vertentes, parece mais coerente a decisão que respeita a criação das coligações partidárias.
Isso porque, não há como considerar as coligações partidárias como meros arranjos momentâneos e circunstanciais, cujos efeitos se extinguem automaticamente após as eleições.
Sendo assim, em caso de renúncia ou afastamento, deverá ser empossado no cargo eletivo o candidato mais votado na lista da coligação partidária, sob pena de ofensa a decisão que aprovou sua criação.
[i] LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. PREENCHIMENTO DE VAGA DECORRENTE DE RENÚNCIA A MANDATO PARLAMENTAR. PARTIDO POLÍTICO. COLIGAÇÃO PARTIDÁRIA. Questão constitucional consistente em saber se a vaga decorrente de renúncia a mandato parlamentar deve ser preenchida com base na lista de suplentes pertencentes à coligação partidária ou apenas na ordem de suplentes do próprio partido político ao qual pertencia o parlamentar renunciante. 1. A jurisprudência, tanto do Tribunal Superior Eleitoral (Consulta 1.398), como do Supremo Tribunal Federal (Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604), é firme no sentido de que o mandato parlamentar conquistado no sistema eleitoral proporcional também pertence ao partido político. 2. [...]. 3. Aplicados para a solução da controvérsia posta no presente mandado de segurança, esses entendimentos também levam à conclusão de que a vaga deixada em razão de renúncia ao mandato pertence ao partido político, mesmo que tal partido a tenha conquistado num regime eleitoral de coligação partidária. Ocorrida a vacância, o direito de preenchimento da vaga é do partido político detentor do mandato, e não da coligação partidária, já não mais existente como pessoa jurídica. 4. [...]. 5. [...]. 6. Liminar deferida, por maioria de votos. (MS 29988, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. 09.12.2010) (grifei).
[ii] MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. SUPLENTES DE DEPUTADO FEDERAL. ORDEM DE PRECEDÊCIA FIXADA EM RAZÃO DA COLIGAÇÃO PARTIDÁRIA OU DO PARTIDO POLÍTICO. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS. Relatório 1. [...] 2. [...] .3. Na assentada de 9.12.2010, no julgamento da medida liminar requerida no Mandado de Segurança n. 29.988, Relator o Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal assentou que, no sistema eleitoral proporcional, os mandatos parlamentares conquistados pertencem aos partidos políticos, não às coligação formadas por eles para a disputa do pleito. Nesse sentido, consta do sítio deste Supremo Tribunal a seguinte notícia:"Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) concederam liminar em Mandado de Segurança (MS 29988) impetrado pela Comissão Executiva do Diretório Nacional do PMDB e determinaram que a vaga decorrente da renúncia do deputado Natan Donadon (PMDB-RO), ocorrida no último dia 27 de outubro, seja ocupada pela primeira suplente do partido, Raquel Duarte Carvalho. Por maioria de votos, os ministros do STF entenderam que a vaga deve ser ocupada pelo primeiro suplente do partido e não da coligação. Após negar a pretensão do PMDB, presidente da Câmara convocou para assumir a vaga decorrente da renúncia o primeiro suplente da Coligação 'Rondônia Mais Humana' (PP, PMDB, PHS, PMN, PSDB e PT do B), Agnaldo Muniz. O partido impetrou então este mandato de segurança no STF para impugnar o ato do presidente da Câmara. Ao STF, o PMDB informou que o deputado Agnaldo Muniz não integra mais o PP, partido pelo qual concorreu em 2006, figurando atualmente como suplente do PSC, agremiação pela qual concorreu ao cargo de senador nas últimas eleições.O relator, ministro Gilmar Mendes, optou por levar ao exame do Plenário o pedido de liminar, em razão da proximidade do fim da atual Legislatura e da importância da questão constitucional suscitada. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a tese do PMDB 'é extremamente plausível'. Em primeiro lugar porque a jurisprudência, tanto do TSE quando do STF, é firme no sentido de que o mandato parlamentar conquistado no sistema eleitoral proporcional pertence ao partido. Em segundo lugar porque a formação de coligação é uma faculdade atribuída aos partidos políticos para disputa do pleito, tendo caráter temporário e restrito ao processo eleitoral.Acompanharam o voto do ministro relator, os ministros Março Aurélio, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso ".4. Ao examinar caso análogo ao presente, o Ministro Presidente decidiu:"No julgamento da liminar no MS nº 29.988 (Rel. Min. GILMAR MENDES, j. 09.12.2010), a Corte consolidou o entendimento de que o mandato parlamentar conquistado no sistema eleitoral proporcional pertence ao partido político, uma vez que as coligações partidárias são pessoas jurídicas constituídas temporariamente para determinada eleição, desfazendo-se tão logo encerrado o pleito.Tal postura foi firmada no julgamento dos MS nº 26.602 (Rel. Min. EROS GRAU, DJe de 27.10.2008) , nº 26.603 (Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe de 19.12.2008), nº 26.604 (Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 03.10.2008) e nº 27.938 (Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJe 30.04.2010), ao analisarem o tema da fidelidade partidária. No MS nº 29.988, em cuja decisão o impetrante fundamenta o pedido, discutiu-se se a vaga decorrente da renúncia ao cargo de Deputado Federal pertence ao primeiro suplente da coligação partidária ou ao primeiro suplente do partido político do Deputado Federal renunciante. O Plenário desta Corte decidiu, por maioria, que as coligações partidárias constituem pessoas jurídicas de natureza efêmera, por deixarem de existir tão logo encerradas as eleições, e que o mandato parlamentar conquistado no sistema eleitoral proporcional pertence ao partido político (...) Naquele e neste casos, o Presidente da Câmara dos Deputados, ao indeferir requerimento de posse do suplente partidário, invocou necessidade de observância da lista de suplência encaminhada pela Justiça Eleitoral. Mas, sobre tal argumento, o Ministro Relator advertiu: há de se estabelecer uma nítida diferença entre a hipótese de preenchimento de vaga oriunda de renúncia ao mandato parlamentar (...) e a outra hipótese, diversa, do cumprimento de ordem da Justiça Eleitoral para o preenchimento de vaga originada de conduta de parlamentar trânsfuga. Nesta última hipótese, de fato, caberá ao Presidente da Câmara dar cumprimento à ordem judicial da Justiça Eleitoral, tal como consta no ofício que lhe foi enviado, seguindo a lista de suplência ali verificada. Eventual impugnação ao ato de posse de suplentes deverá ser realizada mediante a contestação da própria lista de suplência perante a Justiça Eleitoral, em caso de infidelidade partidária. Na primeira hipótese, no entanto, é dever da autoridade máxima da Câmara dos Deputados averiguar a forma correta de preenchimento da vaga. Tenho, neste juízo prévio e sumário, que o presente caso se acomoda à primeira hipótese considerada pelo Ministro Relator daqueloutro mandamus. Não se trata, aqui, de renúncia parlamentar, nem de transmigração partidária, mas de licença concedida pela Câmara ao Deputado Pedro Novaes para assumir o cargo de Ministro de Estado. Donde aparece claro que a hipótese não é de cumprimento de ordem da Justiça Eleitoral, nem, pois, de lhe atender à consequente lista de suplência, mas apenas de preencher vaga aberta em virtude de licença, à luz da jurisprudência desta Corte. Demonstrada está, assim, a razoabilidade jurídica da pretensão, cuja urgência advém da proximidade mesma do termo da legislatura atual. 3. Pelo exposto, defiro o pedido liminar, para que o Presidente da Câmara dos Deputados proceda à imediata posse do impetrante no cargo de Deputado Federal, vago pela licença do Deputado Pedro Novaes" (Mandado de Segurança n. 30.249/DF).5. Na espécie vertente, a plausibilidade dos argumentos expendidos na inicial evidencia o relevante fundamento, a conduzir ao deferimento da medida liminar. Os documentos juntados aos autos pelo Impetrante tornam verossímeis as alegações de que Alexandre Aguiar Cardoso (PSB) pode não assumir o cargo de Deputado Federal, em virtude de sua manutenção como Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro, e que a vaga eventualmente deixada por ele pode vir a ser preenchida por candidato de outro partido político. Acrescente-se a isso que a cerimônia de posse dos Deputados Federais eleitos para a 54ª Legislatura está marcada para a data de hoje e que a Câmara dos Deputados logo iniciará os procedimentos para convocação de suplentes para preencher os cargos que permanecerem vagos em razão de licenças ou renúncias dos candidatos eleitos, o que patenteia a urgência da medida pleiteada nesta ação. 6. Cumpre registrar, por fim, que o Impetrante deixou de indicar Carlos Alberto Lopes e o Partido da Mobilização Nacional -PMN como litisconsortes passivos desta ação. Contudo, há de se lhes dar ciência da presente impetração, porque, se acolhido o pedido formulado na petição inicial, estes perderão o direito de precedência na ocupação de eventual vaga de deputado federal pela Coligação "Frente de Mobilização Socialista", motivo pelo qual devem integrar a lide na qualidade de litisconsortes passivos em virtude do interesse jurídico no desfecho deste processo, sob pena de ineficácia da decisão a ser proferida (art. 24 da Lei n. 12.016/09, c/c art. 47 do Código de Processo Civil). 7. [...]. (MS 30260 DF, Rel.(a) Min.Carmem Lúcia, julg. 01.02.2011)