O Poder Judiciário constantemente é chamado para se pronunciar sobre leis infraconstitucionais que fazem distinção entre os prazos de licença maternidade concedida às gestantes e às mães por adoção a depender da idade da criança adotada.
O artigo 227 da Constituição da República, ao estabelecer que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança o direito ao desenvolvimento digno priorizando seus direitos, traz no parágrafo sexto o seguinte:
§ 6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Numa interpretação sistemática, o artigo acima nos remete ao ECA, cujos artigos 3º e 4º da Lei 8.069/90 enumeram os princípios e direitos fundamentais aplicados a todas as crianças e adolescentes, sem distinção ou discriminações, garantindo sobretudo a convivência familiar de maneira digna.
E os artigos 5º e 6º do ECA dispõe que:
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Neste prisma, sob o aspecto moral e intelectual, a criança e o adolescente como pessoas em desenvolvimento necessitam de um lar que lhes garanta a plena integridade de um convívio digno com seus pais, razão pela qual o vínculo afetivo entre a mãe e a criança deve ser estimulado.
Para garantia desse vínculo, a norma constitucional traz no artigo 7º, inciso XVIII, direito de licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário. Igualmente, a CLT garante ao empregado o direito à licença-maternidade no artigo 392, sendo explícito que o direito é assegurado para quem adotar ou tiver guarda judicial para fins de adoção.
Essa licença dada à gestante não impede o deferimento do direito à mãe adotiva porque a lei não diferencia os filhos biológico ou por adoção, merecendo ambos proteção integral do Estado e garantia de desenvolvimento íntegro com pleno convívio familiar no período de adaptação.
Tanto a norma constitucional como a infraconstitucional assentam que os direitos dos filhos biológicos e dos adotados devem ser preservados sem discriminação.
Diante disso, o mesmo prazo concedido na licença à gestante, garantido constitucionalmente, deve ser respeitado também para a mãe adotante, sendo imperiosos destacar que qualquer prazo diferente em razão da idade da criança adotada é inconstitucional porque existe vedação expressa que impede a discriminação entre filhos biológicos e adotivos.
Não raras vezes depara-se com leis infraconstitucionais que estabelecem prazos distintos de licença-maternidade a depender da idade da criança. Ora, se o intento da norma é garantir um convívio digno do infante mediante um prazo de adaptação familiar, nada justifica a existência de prazos diferentes se a criança adotada contar com idades diferentes.
A questão que envolve o tema é a não privação do convívio familiar, devendo ser respeitado o prazo garantido pela lei, seja qual for a idade da pessoa adotada, porque a igualdade entre os filhos biológicos e adotados é uma garantia constitucional.
Não é difícil perceber que uma criança mais velha que viveu em abrigos e casas de amparo, ao ser adotada, necessita de um tempo maior de convivência com a família adotante, sendo desarrazoado a existência leis que estabelecem o contrário, ou seja, impondo aos adotados mais velhos um tempo menor de adaptação ao restringirem os prazos da licença-maternidade da mãe adotante.
O tema já foi enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal, que em repercussão geral pacificou a discussão sobre a diferenciação da licença-maternidade concedida à gestante e à adotante. Segue a ementa do Recurso Extraordinário n.º 778.889/PE:
EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. EQUIPARAÇÃO DO PRAZO DA LICENÇA-ADOTANTE AO PRAZO DE LICENÇA-GESTANTE. 1. A licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange tanto a licença gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias. Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre filhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princípio da prioridade e do interesse superior do menor. 2. As crianças adotadas constituem grupo vulnerável e fragilizado. Demandam esforço adicional da família para sua adaptação, para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas. Impossibilidade de se lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se encontram em condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente. 3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de internação compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à família adotiva. Maior é, ainda, a dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina no imaginário das famílias adotantes o desejo de reproduzir a paternidade biológica e adotar bebês. Impossibilidade de conferir proteção inferior às crianças mais velhas. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente. 4. Tutela da dignidade e da autonomia da mulher para eleger seus projetos de vida. Dever reforçado do Estado de assegurar-lhe condições para compatibilizar maternidade e profissão, em especial quando a realização da maternidade ocorre pela via da adoção, possibilitando o resgate da convivência familiar em favor de menor carente. Dívida moral do Estado para com menores vítimas da inepta política estatal de institucionalização precoce. Ônus assumido pelas famílias adotantes, que devem ser encorajadas. 5. Mutação constitucional. Alteração da realidade social e nova compreensão do alcance dos direitos do menor adotado. Avanço do significado atribuído à licença parental e à igualdade entre filhos, previstas na Constituição. Superação de antigo entendimento do STF. 6. Declaração da inconstitucionalidade do art. 210 da Lei nº 8.112/1990 e dos parágrafos 1º e 2º do artigo 3º da Resolução CJF nº 30/2008. 7. Provimento do recurso extraordinário, de forma a deferir à recorrente prazo remanescente de licença parental, a fim de que o tempo total de fruição do benefício, computado o período já gozado, corresponda a 180 dias de afastamento remunerado, correspondentes aos 120 dias de licença previstos no art. 7º, XVIII,CF, acrescidos de 60 dias de prorrogação, tal como estabelecido pela legislação em favor da mãe gestante. 8. Tese da repercussão geral: “Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada”.
Portanto, ao apreciar o Tema 782 da repercussão geral o STF fixou a seguinte tese: “Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada”.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais no julgamento da Apelação/Reexame Necessário em Mandado de Segurança 1.0000.18.098805-7/002 ocorrido em 28/11/2019 apreciou o tema reconhecendo a inconstitucionalidade de norma municipal que estabeleceu prazo inferior de licença maternidade à servidora pública adotante porque a criança tinha mais de 04 (quatro) anos de idade.
Assim, qualquer lei infraconstitucional que contraria a tese fixada deve ser revista pelos órgãos competentes, seja no âmbito do Legislativo ou por iniciativa do Poder Executivo local, já que fixar prazos distintos de licença-maternidade em função da idade do adotado é flagrantemente inconstitucional e fere o direito de igualdade entre filhos adotivos e biológicos.