Nova Lei de Abuso de Autoridade Lei 13.869/2019 - Resumida e Descomplicada

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20/01/2020 às 17:34

Resumo:


  • A Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019) estabelece infrações penais cometidas por agentes públicos que abusam do poder atribuído.

  • As condutas tipificadas na lei abrangem diversas fases do processo penal e administrativo, além de alterações na coleta de provas.

  • A lei prevê penas de detenção, variando de 6 meses a 4 anos, e multa, aplicáveis a uma série de ações consideradas abusivas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Com a nova Lei de Abuso de Autoridade, diversos artigos surgiram, porém, nem todos direcionados a uma consulta rápida e estudos práticos para concursos públicos, o texto a seguir descomplicado e de fácil leitura serve à todos: policiais, estudantes, etc.

RESUMIDA E DESCOMPLICADA

Caros leitores, surgiu a nova Lei de Abuso de Autoridade, cujo trâmite seguiu em regime de urgência no Congresso Nacional e ao final aprovada, primordial é entender que a antiga Lei 4.898/1965 foi totalmente revogada[1] pela novel lei, já em vigor a partir de 03/01/2020.

A presente Lei não tratou apenas das questões atinentes às condutas de abuso de autoridade no sentido estrito, houve grandes alterações em outras leis, também de igual importância, como, por exemplo, a lei que cuida de Prisão Temporária – Lei 7.960/1989, Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/1990, Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – Lei 8.906/1994, Código de Processo Penal e Código Penal, os quais serão dissecados no momento oportuno.

Tendo como foco principal a nova Lei de Abuso de Autoridade, antes da análise minuciosa, como de praxe focando concursos públicos,  orientações doutrinárias, dentre outros motivos, é necessário entender sua estrutura legal, assim há: uma parte geral recheada de normas penais explicativas, o Capítulo relacionado sobre Crimes, suas condutas criminais e respectivas penas, estas sim configurando abuso de autoridade, um capítulo sobre Procedimento Processual e, por fim, o Capítulo sobre as Disposições Gerais.

Dentro deste contexto, faremos a análise em face dos Capítulos da novel Lei, começando logicamente pelas Disposições Gerais.

No presente Capítulo, os artigos legais são de fáceis entendimentos, prescrevendo o Art. 1º: “Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.”

Analisando o caput e seus parágrafos, o legislador cuidou do elemento subjetivo essencial em qualquer tipo penal, quando a lei diz que o agente público, servidor ou não, abusa do poder que lhe tenha sido atribuído, já se percebe que o dolo (intenção de praticar o crime) deverá ser provado.

Temos o art. 1°, § 1º prevendo: “As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.”

Se os crimes de abuso de autoridade somente podem ser punidos a título de dolo, não existe previsão legal de crime culposo, as dúvidas doutrinárias que surgirão, as quais certamente serão cobradas em provas são:

 É possível dolo eventual em crimes de abuso de autoridade?

O crime de Abuso de Autoridade será punível a título de dolo direto, somente?

Existe na lei elemento subjetivo específico do tipo penal ou dolo específico?

O particular poderá responder por crime de abuso de autoridade?

Em questão de ordem, entendemos, respeitando sempre opiniões em contrário, com relação à possibilidade de não admissão de dolo eventual, ou seja, aquele em que o sujeito ativo do crime mesmo sem querer efetivamente o resultado assume o risco de produzi-lo, o famoso: “que se dane o resultado vou praticar a conduta”.

Essa não possibilidade de dolo eventual em crimes de abuso de autoridade fica clara, quando o legislador define dolos específicos como veremos adiante.

Tratando especificamente da questão do dolo em abuso de autoridade, deveremos ter o seguinte raciocínio extraído da lei.

Para configurar crimes de abuso de autoridade face ao dolo direto, aquele no qual o agente prevê o resultado e o busca sem qualquer consequência, sempre deverá estar presente.

Somam-se ao dolo direto outros cinco dolos específicos, previstos na Lei, conforme o parágrafo primeiro, com finalidades específicas de:

  1. prejudicar outrem;
  2. beneficiar a si mesmo;
  3. beneficiar a terceiro;
  4. por mero capricho ;
  5. satisfação pessoal.

Numa análise rápida e prática vejamos, como exemplo, a configuração do crime previsto no Art. 21: “Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem mantém, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).”

Para que o sujeito ativo seja punido por esse crime de abuso de autoridade, deverá estar provado que agiu com dolo direto (intenção de praticar o crime), além disso, deverá estar presente pelo menos um dolo específico, ou seja, manteve os presos de ambos os sexos na mesma cela intencionalmente (dolo direto) com finalidade de: prejudicar outrem, beneficiar a si mesmo, beneficiar a terceiro, por mero capricho ou satisfação pessoal.

Confabulado a conduta criminal o autor da conduta certamente será punido.

Analisando o Art. 1º, § 2º esta estampado: “A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.”

Conforme bem lembra o mestre Márcio André Lopes Cavalcante: “O objetivo deste dispositivo foi o de evitar aquilo que Rui Barbosa chamou de “crime de hermenêutica”, ocorre quando o operador do Direito (em especial o magistrado) é responsabilizado criminalmente pelo simples fato de sua intepretação ter sido considerada errada pelo Tribunal revisor. (grifo nosso)

O tema não é novo e, como dito, Rui Barbosa, há muitos anos, já condenava as tentativas de se criar o “crime de hermenêutica”[2]

Podemos concluir, caso haja divergência na interpretação da lei ou na avaliação dos fatos e provas, o legislador deixa claro não configurar crime de abuso de autoridade.”

Em apartado, é preciso uma observação, não é apenas o Magistrado que avalia os fatos e interpreta a lei, nessa mesma guinada, o Delegado de Polícia o faz quando decide por uma prisão em flagrante ou instauração de inquérito policial, ou o Membro do Ministério Público ao ofertar uma denúncia.

Ora se estamos falando de dolo (elemento subjetivo do crime), essencial para configuração da conduta na teoria finalista do crime, faz parte a um dos substratos do crime, qual seja, o fato típico, deverá sempre estar presente[3].

Assim, podemos considerar que a natureza jurídica trazida pelo legislador, com relação ao crime de hermenêutica, há de ser causa  excludente da tipicidade penal (fato atípico).

Adiante analisaremos o Capítulo II o qual cuida dos Sujeitos do Crime.

“Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a:

I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;

II - membros do Poder Legislativo;

III - membros do Poder Executivo;

IV - membros do Poder Judiciário;

V - membros do Ministério Público;

VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas.

Parágrafo único.  Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo.”

Dentro da leitura do artigo percebe-se que os crimes previstos na Lei 13.869/2019, são todos considerados crimes próprios[4], aqueles que demandam uma qualidade especial do sujeito ativo, no caso ser agente público, assim, não é qualquer pessoa, em tese, que responderá por crime de abuso de autoridade, deverá ser agente público conforme definição legal.

Há uma percepção no caput do Art. 2º de uma norma penal explicativa, as quais servem para esclarecer o conteúdo de outras normas, no caso, definindo quem será agente público.

Já nos seus incisos traz um rol exemplificativo, e caso a caso deverá ser analisado se o sujeito ativo se enquadra na definição legal.

Fechando o tema sujeitos ativos nos crimes de abuso de autoridade, faltou responder a última pergunta aventada: O particular poderá praticar crime de abuso de autoridade?

Considerando igual tema na lei anteriormente revogada, é perfeitamente possível que o particular também responda por crime de abuso de autoridade, porém, algumas observações deverão ser esclarecidas, por se tratar de uma exceção.

Nessa condição, os mestres Rogério Sanches e Rogério Greco esclarecem sem deixar margem de dúvidas: “Essa condição especial, por óbvio, não impede o concurso de pessoas, mesmo de indivíduos estranhos aos quadros da Administração, ex vi do disposto no art. 30 do CP, salientando-se apenas que deve a condição pessoal do autor ingressar na esfera de conhecimento do concorrente.”[5]  [6]

Portanto, basta saber que o agente público poderá ser ajudado por um particular na prática de crimes de abuso de autoridade, desde que, o particular tenha o dolo específico da prática do crime, ainda, saiba que seu coautor é agente público.

Passando para o Art. 3º tem-se que: “Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.

§ 1ºSerá admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

§ 2º A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado da data em que se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.

Também muito claro o artigo definindo que todos os crimes são de ação penal pública incondicionada, e caso o Membro do Ministério Público não promova a ação penal no prazo legal, dentro da norma processual penal surge a hipótese de ação penal privada subsidiária da pública com início do prazo ao se esgotar o prazo para oferecimento da denúncia.

Vale lembrar a previsão constitucional estampada no artigo 5º da Constituição Federal, inciso LIX “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”, bem como, a previsão legal prevista no Código Penal, Art. 100 “A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. § 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.”, e por fim, o prescrito no Código de Processo Penal: “Art. 29 Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

 

CAPÍTULO DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO E DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

 

Apartado em duas seções.

Na Seção I cuida dos efeitos da condenação no artigo 4º, como segue:

Art. 4º São efeitos da condenação:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos;

II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos;

III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública.

Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença. (grifo nosso)

Com relação ao inciso I, o qual cuida da obrigação de reparar o dano, perceba que a vítima (ofendido) tem requerer o ressarcimento do prejuízo.

 Resta o raciocínio, caso a vítima não requeira no momento oportuno, deverá ingressar com ação cível de reparação de danos, considerando a sentença penal condenatória com trânsito em julgado, como título executivo na esfera cível.

Não se pode deixar de mencionar a previsão do artigo Art. 387 do Código de Processo Penal, análogo a este artigo previsto na Lei de Abuso de Autoridade, porém, na Lei Processual – art. 387 se estampa: “O juiz, ao proferir sentença condenatória: IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.”

Talvez cheguemos a conclusão óbvia, na norma processual penal não é necessário requerimento da vítima para reparação de dano, já na lei em comento sim, como resolver?

Trata-se de aparente conflito de normas vigentes, resolvendo-se rapidamente pelo princípio da especialidade, ou seja, na reparação de danos causada por crime de abuso de autoridade será necessário requerimento (pedido) expresso da vítima, já em outras hipóteses, o juiz poderá fixar o valor da indenização independentemente de requerimento do ofendido.

Com relação aos outros efeitos da condenação a lei é clara, no sentido de não serem automáticos, ademais, ser condicionado à reincidência específica em crime de abuso de autoridade.

 

Seção II da Lei 13.869/2019 houve a previsão Das Penas Restritivas de Direitos, nos seguintes termos:

 

“Art. 5º As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas nesta Lei são:

I - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;

II - suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens;

III - (VETADO).

Parágrafo único. As penas restritivas de direitos podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.” (grifo nosso)

Sabemos que o tema penas restritivas de direito não é novo em nosso ordenamento jurídico, haja vista, nosso Código Penal no artigo 43 e seguintes regular inteiramente a matéria.

Como de praxe, o Código Penal trouxe normas específicas para a substituição de pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, devendo ser trata como uma regra geral para essa prática.

O alerta ocorre em virtude das penas previstas na Lei 13.869/2019, perceba que há apenas a previsão de pena de 6 meses a 2 anos, e multa ou a pena de 1 a 4 anos, e multa.

Nosso legislador adotou um critério de crimes graves, aqueles geralmente cometidos com violência ou grave ameaça, terá uma punição em abstrata mais severa, ou seja, detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Já no critério de crimes menos graves, praticados sem violência ou grave ameaça, a previsão em abstrata da pena será de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Em qualquer hipótese poderá haver o benefício de penas alternativas, face às condições previstas no Código Penal, e principalmente, um tema muito cobrado em provas, reincidente em crime doloso não tem direito ao benefício de penas alternativas, bem como, as condutas praticas com violência ou grave ameaça. (art. 44, I e II, C.P.).[7]

 

Capítulo expondo sobre as SANÇÕES DE NATUREZA CIVIL E ADMINISTRATIVA

 

 “Art. 6º As penas previstas nesta Lei serão aplicadas independentemente das sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis.

Parágrafo único. As notícias de crimes previstos nesta Lei que descreverem falta funcional serão informadas à autoridade competente com vistas à apuração.

Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal, não se podendo mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas no juízo criminal.

Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.”

Apenas o cuidado em provas ao estampado no artigo 8º, caso o juízo penal reconheça que a agente público agiu dentro das causas de exclusão da ilicitude penal, prevista no artigo 23 do Código Penal[8], não será responsabilizado em qualquer esfera administrativa, civil ou penal.

Porém, caso tenha se excedido nas excludentes de ilicitude poderá ser punido.

 

                           CRIMES DE ABUSO DE AUTORIDADE

 

Passado as observações com relação à parte geral, cuidaremos agora das condutas previstas como crimes na nova lei de abuso de autoridade.

Para uma melhor compreensão, analisaremos os crimes não de forma sequencial, artigo por artigo, será dividido em pilares comuns, o que de fato melhora o entendimento e a lógica da lei.

Como funciona então esta divisão?

O legislador tentou abarcar condutas abusivas de autoridade em vários momentos e setores da administração pública, tem-se assim:

 

  1. EXCESSOS PRATICADOS DURANTE A FASE  INVESTIGATIVA;

 

  1.  EXCESSOS PRATICADOS DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL;

 

  1. ALTERAÇÕES NA COLHEITA DE PROVAS.

 

De antemão, não é demais lembrar que já tratamos sobre dolo nos crimes de abuso de autoridade, além da classificação dos crimes, portanto, principalmente em provas, não podemos esquecer:

 

  1. Todos os crimes serão punidos configurado o dolo direto, com adição de um dos dolos específicos previstos na lei, quais sejam, especial intenção de prejudicar outrem, beneficiar a si mesmo, beneficiar a terceiro, por mero capricho ou satisfação pessoal;
  2. Todos são considerados crimes próprios e de ação penal pública incondicionada;
  3. Não há previsão legal de crime culposo na lei de abuso de autoridade
  4. Todos os crimes são apenados com detenção.

 

Dentro desse contexto, não será discorrido sobre eventuais inconstitucionalidades na lei, para melhor aprofundamento, sugiro a leitura do excelente e esclarecedor trabalho dos colegas também Delegados de Polícia do Estado de São Paulo: Filipe de Morais e Arnaldo Rocha Júnior.[9]

Seguindo nossa ordem, começaremos pelos crimes relacionados aos excessos praticados durante a fase da investigação, porém, a depender do tipo penal, a análise será conjunta com outros excessos.

Com certeza ao final perceberão que a maioria gritante de condutas abusivas na lei estão relacionadas aos excessos praticados durante a fase investigativa, o porquê disso é óbvio, basta lembrar o estrago trazido pela operação lava jato e a condenação de pessoas antes consideradas intocáveis.

Art. 9º “Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:   

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de:

I - relaxar a prisão manifestamente ilegal;

II - substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível;

III - deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.’

Seu caput é direcionado não apenas ao juiz, mas a qualquer autoridade pública com atribuição ou competência para decidir sobre a privação ou não da liberdade de alguém.

Lembrando que a pessoa pode ser presa nas hipóteses de flagrante delito, prisão temporária, prisão preventiva ou prisão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.[10]

Já o § único é direcionado a autoridade judiciária, gerando  excessos praticados durante a instrução processual.

Fica o entendimento, quem assim decidir sobre qualquer dessas possibilidades de prisão será considerada a autoridade coatora, bem como, cada Autoridade Pública possui atribuições ou competências previstas em lei.

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Art. 10.  Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Analisando friamente para hipóteses em concursos públicos o legislador proibiu a condução coercitiva descabida ou sem prévia intimação da testemunha ou investigado.

O crime acima esta diretamente relacionado ao Art. 26 do C.P.P. “Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. (Vide ADPF 395)(Vide ADPF 444)

Parágrafo único.  O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352, no que Ihe for aplicável.”

A pergunta é: caso haja decretação de condução coercitiva nestes termos esteja relacionados à vítima[11] ou perito[12] haverá abuso de autoridade?

Como estamos em direito penal cuja proibição da analogia não resta dúvidas, portanto, poderá até haver uma infração administrativa, porém, criminalmente jamais.

Soma-se ao fato do próprio S.T.F. decidir recentemente sobre condução coercitiva - STF. Plenário. ADPF 395/DF e ADPF 444/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 13 e 14/6/2018 (Info 906).

Aproveitando o ensejo, uma consideração pessoal é de rigor, nossa Constituição Federal prescreve: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Ao Judiciário cabe julgar e o Legislativo legislar, como a recente lei cuidou da hipótese de condução coercitiva regulamentando a matéria sendo crime, somente: for manifestamente descabido ou sem prévia intimação, óbvio que a condução coercitiva devidamente fundamentada e imprescindível ou após prévia intimação, não poderá configurar crime.

Conclusão: sem querer, suponho, o legislador regulamentou a matéria condução coercitiva, caindo por terra a decisão do plenário do S.T.F trazida na ADPF 395/DF, com relação ao interrogatório ocorrido na fase investigativa ou processual.

Art. 12.  Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem:

I - deixa de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou;

II - deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada;

III - deixa de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas;

IV - prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal.

Há previsão de diversos direitos constitucionais e caso sejam desrespeitados, configurado estará crime de abuso de autoridade.

O lembrete é: caso alguém seja preso, imediatamente o juiz, a família ou alguém indicado pelo preso deverão ser informados prontamente.

Art. 13.  Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:

I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;

II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;

III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.

Percebe-se uma modalidade especial de constrangimento ilegal trazida pela lei de abuso de autoridade.

Sempre lembrando que ao sujeito ativo é necessário dolo direto e pelo menos um dolo específico a fim de constranger o preso ou detido, além do fato de estar configurado violência ou grave ameaça.

O cuidado está em obrigar o custodiado a produzir prova contra si mesmo, mediante violência e grave ameaça, o que de fato trará divergências ao previsto no artigo 1º, inciso – I da Lei de Tortura – Lei 9.455/1997.

“Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;”

Por exemplo, obrigar o detido dentro de uma delegacia de polícia a confessar um crime mediante grave ameaça, de agora em diante, será crime de abuso de autoridade ou crime de tortura?

Talvez a melhor resposta esteja nas palavras de ROGÉRIO SANCHES e ROGÉRIO GRECO: “Estas formas de abuso de autoridade não se confundem com as modalidades do delito de tortura, em que pese a linha fina dividindo umas e outras. As condutas na Lei de Tortura são mais intensas, causando na vítima maior sofrimento (físico ou mental). A análise do caso concreto certamente auxiliará o intérprete na definição correta e justa tipificação.”[13]

Art. 15.  Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório:

I - de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou

II - de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público, sem a presença de seu patrono.

Talvez o mais complicado dos crimes envolvendo investigação criminal no aspecto prático, no caput constranger a depor “sob ameaça de prisão”.

A forma do crime possui uma ação vinculada “ameaça de prisão”.

Reportamo-nos ao previsto no artigo 207 do CPP:

“São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.”

Vários são os exemplos de pessoas que em razão da função, ministério, ofício ou profissão não são obrigados a testemunharem (depor).

Assim, temos: parlamentares, advogados, padres, jornalistas, psicólogos. Os parlamentares possuem imunidades processuais nas Constituição Federal e Estaduais, advogados são protegidos pelo Estatuto da O.A.B., aos padres pelo direito canônico, já os profissionais liberais vinculados aos seus respectivos códigos de ética, os quais, similarmente, se encontram no mesmo sentido de não serem obrigados a depor sobre fatos que tomaram conhecimento no exercício da profissão, ministério, etc.

O legislador no parágrafo do crime em tela cuidou do interrogatório, assim como o depoimento de testemunha, pode ocorrer na fase investigativa ou judicial.

Dessa feita, será abusiva a conduta do agente público quando interrogar (indiciado ou acusado), o qual se expressou em ficar silente ou explicitou veemente estar assistida por defensor técnico (advogado ou defensor público).

A complicação ocorre ao interrogatório em sede de inquérito policial no qual o indiciado exige a presença de um defensor público, com todo respeito, como Delegado de Polícia de carreira, acho quase impossível comparecer um Defensor Público numa Distrital quando assim forem acionados, tendo em vista, o baixo número de Defensores Públicos para atenderem ao Estado inteiro 24 horas por dia, como assim atendem os Delegados de Polícia.

Art. 16.  Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso por ocasião de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem, como responsável por interrogatório em sede de procedimento investigatório de infração penal, deixa de identificar-se ao preso ou atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função.

Artigo que não demanda muitos comentários pela clara exposição do legislador, porém, de encontro ao estampado no art. 5º, LXIV da C.F.: “o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;”

Outrossim, na conduta “deixar de identicar-se” demanda uma clara situação de conduta omissiva por parte do agente público responsável, configurando uma hipótese na teoria do Direito Penal de crime omissivo próprio[14].

Art. 17.  (VETADO).

Art. 18.  Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Para entender melhor a intenção do legislador nessa novatio legis incriminadora[15], deve-se prestar atenção na espinha dorsal: “submeter o preso a interrogatório policial”.

Claramente crime comissivo punindo condutas durante a fase inquisitorial, como únicas duas exceções de interrogatório no período noturno autorizado pela lei:

1)interrogatório daquele o qual foi preso em flagrante delito;

2)nas seguintes condições que não seja prisão em flagrante delito:

        A) estar o preso assistido por defensor técnico (advogado ou defensor público) E;

       B)consentir em prestar declarações.

Perceba o quanto é complicado a segunda hipótese de interrogatório fora a hipótese de flagrante delito, não basta o preso estar assistido por advogado ou defensor público, terá que consentir (aceitar) ser interrogado naquele momento.

Em breve análises sobre prisões preprocessuais ou prisões provisórias há: prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva todas podendo ser submetidas a interrogatório policial.

Na prisão em flagrante o Art. 302 do C.P.P. diz: 

Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Já a prisão preventiva no mesmo corpo legislativo, porém, no Art. 311.  Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. 

Por fim a prisão temporária colacionada na Lei 7.960/89 tem no seu

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

A breve análise possui uma lógica, imagine a situação em sede de Polícia Judiciária: o autor de um roubo seguido de morte (latrocínio) é capturado dias depois na posse do bem subtraído e a arma do crime, ato contínuo ao feito, é reconhecido, sem nenhuma dúvida, por uma testemunha ocular do fato criminoso.

Excluindo de plano a hipótese de flagrante delito, em tese, poderá haver representação pelo Delegado de Polícia para que a Autoridade Judiciária aceite o pedido de representação, em virtude de uma prisão temporária ou preventiva, e conceda, respectivo mandado de prisão.

Certamente será indiciado[16] pela prática do crime, e consequentemente, o Delegado de Polícia em algum momento representará dentro de sua convicção jurídica por este ato legal.

A problemática do crime: o autor do latrocínio foi preso (capturado) durante a madrugada, como representar por estes atos: prisão preventiva ou prisão temporária, caso o suspeito não tenha advogado, outrossim, não consentiu em falar (ser interrogado)?

Lembrando, caso haja interrogatório nesse período será crime de abuso de autoridade.

Sinceramente, não se sabe como as Autoridades Judiciárias e Membros do Ministério Público entenderão se é possível conceder mandado de prisão em face de uma representação pelo Delegado de Polícia, nesta hipótese (preso), sem estar acostado aos autos o interrogatório policial.

Trata-se de peça essencial para o indiciamento[17], bem como, haverá grande possibilidade desta representação ser rechaçada por falta de um ato formal de Polícia Judiciária (interrogatório).

Num outro enfoque, Prof. Marcelo Lessa distingue o significado de pessoa presa e pessoa detida.

“A lei fala em submissão do “preso”, o que, segundo entendemos, não se confunde com o mero investigado/capturado. Desse modo, se um sujeito, à noite, for surpreendido na posse de um veículo por ele roubado dias antes, não estará em flagrante delito. Desse modo, cremos que, ainda assim, o mesmo poderá ser capturado (custódia momentânea em razão da suspeita da prática de uma infração), ouvido e liberado, sob pena do Estado ser manietado e o interesse da Justiça ruir.”[18]

Art. 19.  Impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito de preso à autoridade judiciária competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena o magistrado que, ciente do impedimento ou da demora, deixa de tomar as providências tendentes a saná-lo ou, não sendo competente para decidir sobre a prisão, deixa de enviar o pedido à autoridade judiciária que o seja.

Sem maiores análises, impedir intencionalmente (dolo) ou retardar (dolo omissivo), sem justificativa, o envio de pleito de preso para ser submetido ao crivo do Poder Judiciário dar-se a o crime.

Da mesma forma, será punido o juiz que sabendo destes fatos nada faz a respeito, causando prejuízo à liberdade de locomoção do detido.

Art. 20.  Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem impede o preso, o réu solto ou o investigado de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou defensor, por prazo razoável, antes de audiência judicial, e de sentar-se ao seu lado e com ele comunicar-se durante a audiência, salvo no curso de interrogatório ou no caso de audiência realizada por videoconferência.

O tema não é novo em nosso ordenamento, porém, de agora em diante, o impedimento injustificado de entrevista pessoal e reservado entre o preso e seu defensor constituirá crime.

Nossa Lei de Execução Penal, Estatuto da Advocacia e Estatuto da Criança e do Adolescente, já alertavam sobre este direito, na ordem:

(Lei de Execução Penal) -Art. 41 - Constituem direitos do preso:

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

(Estatuto da O.A.B.) - Art. 7º São direitos do advogado:

III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;

(Estatuto da Criança e do Adolescente) - Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

III - avistar-se reservadamente com seu defensor;

No parágrafo único, garante ao suspeito (preso, réu solto ou investigado) o direito de entrevista reservada, no entanto, trata-se de um excesso ocorrido durante a instrução processual.

Art. 21.  Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem mantém, na mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Provavelmente o artigo mais claro da lei, a pura leitura não demanda maiores comentários no nosso breve resumo.

Art. 22.  Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º  Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:

I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências;

II - (VETADO);

III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas).

§ 2º  Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre.

Tendo o presente cuidado de uma das formas de invasão de domicílio, vamos começar pela excludente prevista no § 2º, o qual vai de encontro à nossa Constituição Federal, da seguinte forma:

“Art. 5º, XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;”

Trata-se de uma boa compreensão o qual não haverá crime de abuso de autoridade, caso a invasão de domicílio por agente público, ocorra em qualquer horário face às situações de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro.

Por regulamentação legal, a possível conduta excessiva ocorrerá quando a invasão for de dia, sem determinação judicial ou com determinação judicial, porém, sem as condições estabelecidas na lei.

Para melhor aprofundamento, faz-se necessário lembrar-se das regras trazidas por nosso C.P.P. nos arts. 245 e 246 respectivamente, com relação ao tema cumprimento de mandado de prisão:

Art. 245.  As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta. (grifo nosso)

§ 1o Se a própria autoridade der a busca, declarará previamente sua qualidade e o objeto da diligência.

§ 2o Em caso de desobediência, será arrombada a porta e forçada a entrada.

§ 3o Recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra coisas existentes no interior da casa, para o descobrimento do que se procura.

§ 4o Observar-se-á o disposto nos §§ 2o e 3o, quando ausentes os moradores, devendo, neste caso, ser intimado a assistir à diligência qualquer vizinho, se houver e estiver presente.

§ 5o Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será intimado a mostrá-la.

§ 6o Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da autoridade ou de seus agentes.

§ 7o Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4o.

Art. 246.  Aplicar-se-á também o disposto no artigo anterior, quando se tiver de proceder a busca em compartimento habitado ou em aposento ocupado de habitação coletiva ou em compartimento não aberto ao público, onde alguém exercer profissão ou atividade. (grifo nosso)

Teremos que seccionar o caput e seus parágrafos para um melhor entendimento.

Não é demais lembrar, deverá estar configurado o dolo direto e pelo menos um dos dolos específicos previstos no art. 1º, §1º da presente Lei, para que haja crime de abuso de autoridade.

Primeiro com relação ao período temporal de cumprimento de mandado de prisão, nossa Constituição Federal e C.P.P. prescrevem o cumprimento durante o “dia”, já a Lei de Abuso de Autoridade traz um critério objetivo no §1º, “III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas).

Ensinam os professores Rogério Greco e Rogério Sanches duas correntes sobre o tema, das quais uma certamente prevalecerá.

“A primeira, por certo, lecionara que o período defeso referido no art. 22, §1º, III, da Lei 13.869/19 não alterou a sistemática atual. O mandado continua tendo que ser cumprido em dias úteis, das 6 (seis) às 18 (dezoito) horas. Se cumprido antes das 6 hs (mas não antes das 5h) ou depois das 18 h (mas não depois das 21 h), a prova eventualmente obtida é ilegal, mas sem caracterizar crime, agora, se cumprido antes das 5 h ou depois da 21 h, além de a prova se produzida de forma ilegal, haverá o crime de abuso de autoridade.

A segunda corrente, por sua vez, diante da “janela temporal” expressamente colocada no tipo (5 h até 21 h), ensinará que a Lei 13.869/19, criou novas balizas, enquanto houver iluminação solar, desde que após 5h e antes das 21 h, admite-se a medida excepcional. O crime ocorre se cumprido o mandado antes das 5h ou depois das 21h, mesmo que perdurar a luz do sol. É a que nos parece correta.”[19]

Seguindo o raciocínio dos autores, realmente a segunda corrente é a mais cabível e correta, dessa forma, para cumprimento do mandado de prisão terá que ser adotado um critério objetivo (início após às 5h e antes das 21 h), acoplada ao exposto em nossa Constituição e Código de Processo Penal, para início deverá ter iluminação (dia).

Nas demais partes do tipo penal com relação ao caput, têm-se os verbos: “invadir, adentrar ou nele permanecer”, sempre de forma ilegal (clandestina, astuciosamente, à revelia da vontade do ocupante, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei).

O legislador elencou várias formas de ilegalidade para a caracterização da infração penal.

No §1º, trouxe outras condutas relacionadas a invasão de domicílio caracterizadora de abuso de autoridade: coagir alguém (com violência ou grave ameaça) a franquear (autorizar) a entrada no imóvel (qualquer parte deste), com essas condutas o crime estará certo.

 

Art. 27.  Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

Numa análise fria dos verbos (ações do tipo penal) “requisitar ou instaurar”, o que se tem é a punição da Autoridade Pública o qual possui poder de decisão para instaurar ou requisitar instauração relacionada à investigação de qualquer infração penal (crime ou contravenção) ou investigação administrativa.

O artigo vai além, essa ordem tem que estar eivada do vício: “à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa.” (grifo nosso).

Assim, “A contrario sensu, diante do mínimo de indício de materialidade e/ ou autoria, é dever da autoridade agir.”[20]

Uma questão importante surge, o presente crime não é semelhante ao crime de denunciação caluniosa?

Denunciação caluniosa

        Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (grifo nosso)

        Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

        § 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.

        § 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

A questão tem melhor guarida na teoria do crime, no caso da denunciação caluniosa desde o início quem (qualquer pessoa/ crime comum) o qual deu causa à instauração de atividade policial ou judicial, sabe que a pessoa determinada “alguém” é inocente.

Já no art. 27 da Lei 13.869/19, além de ser agente público (crime próprio), serão necessários o dolo direto e um dos dolos específicos para “requisitar ou instaurar”, além disso, a base deste início procedimental não deve haver indício algum de infração penal ou administrativa, conforme já explicitado no raciocínio a contrario sensu, o que difere do dolo direto “sabe inocente” previsto na denunciação caluniosa.

Art. 28.  Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

A infração penal criada pelo legislador relaciona-se diretamente com a Lei de Interceptação Telefônica – Lei 9.296/96, portanto, para que haja divulgação do conteúdo gravado, necessariamente terá que haver como pré-requisito uma interceptação telefônica legal em curso, ou decorrente dela.

Outrossim, a nova Lei de Abuso de Autoridade alterou a atual lei de interceptação telefônica.[21]

Art. 29.  Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Não havendo muito a comentar, claras são as palavras dos autores “O art. 29 pune modalidade especial de falsidade ideológica, na qual o agente, no bojo de procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo, presta informação falsa no cumprimento do seu dever.”[22] (grifo nosso)

Art. 30.  Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente:       

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Similar ao crime de estampado no art. 339 do CP – denunciação caluniosa[23], no entanto, na denunciação caluniosa tem que ser imputado pelo autor a prática de crime ou contravenção penal em face da pessoa que se sabe inocente.

no art. 30 a conduta do autor em face da pessoa que sabe inocente não precisa ser crime ou contravenção penal somente, pode ocorrer, por exemplo, início de procedimento administrativo, civil e etc, além disso, a outra conduta é imputar ao inocente um fato sem justa causa fundamentada, termo certamente aberto que vai em desencontro com o princípio da taxatividade no Direito Penal.

Na prática policial como fica o “dar início” a uma investigação criminal com base em denúncia anônima, seria considerada “justa causa”, enfim, esse foi um dos argumentos do veto presidencial, porém, derrubado pelo Congresso Nacional.

Art. 31.  Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado.

Todo procedimento administrativo, dentre eles, a investigação criminal promovido por agentes públicos, deve estar pautado no princípio da razoabilidade e proporcionalidade[24], se assim não for, na maioria das vezes, o agente público poderá ser punido em virtude do excesso cometido, assim como previu o art. 31.

Art. 32.  Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:       

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

É bom lembrar que nosso S.T.F. já havia discutido a matéria resultando na Súmula Vinculante nº 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

Devido aos termos claros no tipo penal incriminador a observação que fica é, poderá haver recusa se as diligências que estiverem em curso, por exemplo, as oitivas de testemunhas ou laudos periciais não foram juntadas no inquérito policial.

Outra observação é impedir o acesso em peças essenciais do procedimento investigatório, as quais indiquem a realização de diligências futuras cujo sigilo seja imprescindível.

Art. 33.  Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido.

Importante anotar que não é expresso o elemento do tipo penal “violência ou grave ameaça”, nessa hipótese, caso ocorra, poderá configurar outro tipo penal mais grave, como, por exemplo, o previsto na Lei de Tortura – lei 9.455/97

Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

Já no §único do art. 33, a conduta a ser punida, para tristeza de muitos, é a famosa “carteirada”, antes prevista apenas como infrações funcionais, hoje o legislador resolveu tratar como crime de abuso de autoridade, ou seja, basta ter a intenção de tratamento diferenciado em virtude do nexo funcional, e o “perigoso” agente público será responsabilizado por crime de abuso de autoridade, o que nada impede ser punido na esfera administrativa.

Art. 38.  Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação:        (Promulgação partes vetadas)

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Pune-se aqui o prejulgamento ocorrido na fase preprocessual, tende a incriminar o agente público com atribuição de conduzir ou perquirir atos investigatórios, dando entrevistas e acusando suspeitos de práticas criminosas antes de formalizada, nos termos da lei, a acusação.

Nem tudo está perdido com relação à divulgação de atos criminosos ou o próprio suspeito, sem atribuir culpa, como bem esclarecem:

“Fica claro que o tipo não impede a publicidade da condição de suspeito da pessoa objeto da investigação. Aliás, essa divulgação, não raras vezes, aparece como necessária para a apuração de determinadas infrações, podendo contar com a colaboração dos membros da comunidade em que ocorreu a infração.”[25]

 

CRIMES RELACIONADOS AOS EXCESSOS PRATICADOS DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL

 

Como já havia informado, alguns crimes trazem tipos penais com várias condutas abusivas, dentre elas, a maioria gritante relacionadas aos excessos praticados durante a fase investigativa, alguns atrelados aos abusos praticados durante a instrução processual.

Especificamente na ordem não comentada, tem-se o artigo:

Art. 36.  Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la: (grifo nosso)

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O próprio tipo penal menciona em qual momento o crime pode ocorrer “processo judicial”, logicamente o agente público para decretar estas medidas só pode ser o juiz.

Trata-se de uma medida excessiva ocorrida com processo em curso  relacionado aos valores justificados no processo, portanto, trata-se de  crime próprio cujo sujeito ativo só pode ser Autoridade Judiciária, mas que nada impede o concurso de pessoas excepcionalmente.

Art. 37.  Demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado, com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Nesse tipo penal o processo está em curso, portanto, afastada a hipótese de excesso na investigação, será punido aquele que junto a órgãos colegiados e com dolos de abuso pratiquem uma das condutas incriminadoras.

 

CRIMES RELACIONADOS ÀS ALTERAÇÕES NA COLHEITA DE PROVAS

 

Art. 23.  Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem pratica a conduta com o intuito de:

I - eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de diligência;

II - omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo. (grifo nosso)

Similar ao art. 347[26] do CP, o qual cuida da fraude processual, em conflito aparente de normas, caso a fraude ocorra nos termos do excesso ocorrido durante a colheita de provas este será o tipo penal aplicado.

Inovação significa criar algo novo. A palavra é derivada do termo latino innovatio, e se refere a uma ideia, método ou objeto que é criado e que pouco se parece com padrões anteriores.[27]

A criação de algo novo, intencionalmente, para eximir de eventuais responsabilidades (inovar artificiosamente), pode ocorrer em três momentos distintos:

1) inovar no curso da diligência;

2) inovar no curso da investigação ou;

3) inovar no curso do processo

Fixado o momento da execução do dolo, terá necessariamente de estar relacionado com mudança concreta e incapaz de ludibriar alguém, deverá haver uma inovação real capaz de ludibriar o agente público competente, caso a inovação seja esdrúxula não haverá o crime, conforme entendimento uníssono em nossa doutrina penal.

“O tipo objetivo do crime previsto no artigo 347 do Código Penal é a inovação artificiosa, na pendência do processo civil, administrativo ou penal. O agente modifica, muda, deforma os objetos materiais (o estado de lugar, da coisa ou de pessoa), alterando a situação preexistente. Assim, tratando-se de pessoa, pode haver uma inovação no aspecto físico, ou externo, ou anatômico interno, mas não psíquico, civil ou social (RT 502/297). Como disse Paulo José da Costa(Comentários ao Código Penal, São Paulo Saraiva, volume III, 1989, pág. 568), se a alteração for grosseira, constatável a primeira vista, não se perfaz o delito. Mas a inovação há de vir acompanhada de um artifício. Lugar é qualquer ambiente que deve ser objeto de exame pelo magistrado ou perito. Coisa é a entidade móvel ou imóvel, podendo ser

nela compreendida o cadáver, tendo-se como tal: lavar manchas de sangue, alterar escritura de livro mercantil, eliminar sinais de abalroamento de veículo. Entre as pessoas que poderão ser artificiosamente inovadas podem ser enumeradas não só o réu e a vítima como ainda todas as pessoas que devam ser objeto da investigação probatória.”[28] (grifo nosso)

Com as mesmas ideias da fraude processual prevista no art. 347 do CP, esse crime pode assim ser entendido sem maiores dificuldades, com a ressalva da finalidade específica de:

  1. Eximir-se de responsabilidade;
  2. Responsabilizar criminalmente alguém;
  3. Agravar a responsabilidade de terceira pessoa

No §único do art. 23 pune-se com a mesma pena quem pratica a conduta com intuito de:

  1. Inovar artificiosamente para eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de diligência.

Percebe-se que houve uma diligência inicialmente legal, não há crime, porém, em algum momento ocorreu o excesso, e para acobertá-lo, surge o dolo de fraudar inovando para que este excesso não seja descoberto.

  1. omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo.

A intenção do legislador é clara sem maiores comentários.

Art. 24.  Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração: (grifo nosso)

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Claramente uma das condutas relacionadas a colheita de provas, se o corpo da pessoa envolvida (óbito) for retirada, prejudicado estará toda cadeia de custódia, com relação direta aos exames periciais pertinentes no local de crime e eventuais apurações criminais excessivas.

Elemento essencial do tipo penal é o emprego de violência e grave ameaça, se não houver poderemos entrar no campo da infração administrativa, mas nunca será abuso de autoridade.

De outra forma, “deve ser observado, ainda, que o tipo não pressupõe qualquer procedimento investigatório em curso. Aliás, geralmente não existe sequer início de apuração, sendo a conduta do agente voltada para prejudicar a investigação ab initio.”[29]

Assim sendo, nem é preciso que a notitia criminis[30] tenha chego ao conhecimento da Autoridade Policial com atribuição para condução[31] da investigação criminal, portanto, para configuração do crime, é prescindível (desnecessário) que o fato esteja registrado em boletim de ocorrência.

Como alerta, nem sempre o crime estará configurado “Somente haverá a infração penal em exame se o agente souber, de antemão, que aquele que é levado à instituição hospitalar já se encontrava morto. Caso ainda o considerasse vivo e, consequentemente, necessitando de socorro, o fato será considerado como erro de tipo, afastando-se o dolo.”[32]

Art. 25.  Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.

Trouxe o legislador a teoria da prova ilícita, já expressa no CPP[33], para a lei de abuso de autoridade, porém, neste caso deverá haver claramente um excesso na colheita da prova.

Sendo a prova ilícita aquelas “obtidas de forma ilegal, contrariando e desrespeitando os preceitos processuais e os princípios constitucionais, ou seja, a obtenção das provas se configuram com a violação de natureza material ou processual infringindo o ordenamento jurídico.”[34]

Colhida a prova ilícita e não desentranhada do procedimento o qual foi juntada, poderá haver o seu uso doloso, ou seja, sabendo que sua colheita foi eivada de vício, o autor do abuso a utiliza em prejuízo de alguém (investigado ou fiscalizado), ainda assim, por ser uma conduta subsequente o legislador a descreveu como crime.

Obviamente, caso o contato com a prova ilícita e seu uso foi desprovido de dolo, não haverá crime.

 

                 Procedimento Processual da Lei de Abuso de Autoridade

 

Prevê o Art. 39.  “Aplicam-se ao processo e ao julgamento dos delitos previstos nesta Lei, no que couber, as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.”

Como já dito, existem apenas dois tipos de preceitos secundários em face dos crimes prescritos.

Na primeira hipótese são condutas, em tese, graves para os olhos do legislador influenciando diretamente na quantidade da pena, nesse caso, abstratamente foi prevista DETENÇÃO de 1 (UM) A 4 (QUATRO) ANOS, E MULTA.

Já se o crime é de menos gravidade, foi colacionada a pena de DETENÇÃO DE 6 (SEIS) MESES A 2 (DOIS) ANOS, E MULTA.

O importante é frisar o seguinte:

Não existe crime com pena de reclusão prevista na lei de abuso de autoridade, todos são de detenção.

Nos crimes considerados graves (penas em abstrato de 1 a 4 anos), em tese, é possível a prisão em flagrante, bem como, eventual fiança criminal em sede Polícia Judiciária pelo Delegado de Polícia[35].

nos crimes de menor potencial ofensivo (penas em abstrato de 6 meses a 2 anos), estaremos diante da Lei 9099/95 – Juizados Especiais Criminais - o qual trata e regulamenta o assunto.

Lei 9099/95 – “Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. 

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.”

             Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima.    (grifo nosso)

    Por fim, não importa o crime previsto na nova Lei de Abuso de Autoridade, sempre será possível, atendendo os requisitos legais, o instituto da suspensão condicional do processo[36], conhecido também como sursis processual, tendo em vista todos os crimes possuírem penas mínimas igual ou inferior a 1(um) ano.

 

Sobre o autor
Ricardo Grativol

Delegado de Polícia, Professor de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos, lecionando Direito Processual Penal, Legislação Penal Especial e Prática de Polícia Judiciária, Palestrante, Escritor de temas jurídicos

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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