O artigo 310 do Código de Processo Penal e a audiência de custódia

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A audiência de custódia, antes somente tratada pela Resolução 213/2015, agora foi positivada através da Lei 13.964/2019, que trouxe a respectiva previsão no artigo 310 do Código de Processo Penal.

O artigo 310 do Código de Processo Penal restou modificado pela Lei 13.964-2019, passando a prever em seu caput e nos quatro parágrafos subsequentes, especificamente a respeito do Instituto da Audiência de Custódia, até então tratada apenas pela Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça.

A previsão insculpida até o presente momento pelo respectivo artigo 310 do CPP, uma vez que a Lei 13.964-2019 entrará em vigor apenas no dia 23-01-2020, traz em seu bojo a seguinte letra:

Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:          

 I - relaxar a prisão ilegal; ou          

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou              

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.             

 Parágrafo único.  Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.  

Por seu turno, a Lei 13.964-2019 trouxe a mencionada inovação, fazendo constar em seu teor o seguinte:

“Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:

§ 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I, II ou III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

§ 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares.

§ 3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão.

§ 4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva.” (NR)

Percebe-se a mudança substancial ocorrida no artigo 310 do CPP, o qual não mais se limita a tratar da análise do Auto de Prisão em Flagrante e das possibilidade legais de relaxamento, concessão de liberdade provisória ou conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva; ocorre que agora a audiência de custódia é tratada de forma direta e, por eu turno, é aplicada como instrumento de verificação da legalidade da prisão e seus consectários. Vejamos:

Antes, no prazo máximo de 24 horas o APF (Auto de Prisão em Flagrante) era obrigatoriamente encaminhado à autoridade judicial para os fins colimados, somado ainda à circunstância, após a vigência da Resolução 213/2015, de que o preso em flagrante teria que ser apresentado à presença da mesma autoridade e no mesmo prazo legal de 24 horas máximas.

Na prática, havia até então duas exigências legais sob o mesmo prisma, ou seja, tanto o APF quanto o próprio preso em flagrante teriam que ser apresentados, restando o segundo acontecimento exclusivamente previsto pela Resolução do CNJ, sem previsão infra constitucional, o que proporcionava a alguns magistrados limitarem a audiência de custódia a verificação de eventual violência cometida por agentes públicos contra o preso e, por sua vez, negando qualquer requerimento e tampouco análise de pleito de liberdade do autuado, muito embora a referida resolução já previsse o contrário.

Com a nova previsão do artigo 310, caput, do CPP, abriu-se legalmente a possibilidade de não mais haver a submissão à vontade de alguns magistrados, uma vez que, agora, a nova lei trouxe à aplicação literal o instituto da Audiência de Custódia para tratar, em uma única oportunidade, das circunstâncias da prisão e seus requisitos legais, além da questão de eventual violência ou abuso cometido pelos agentes públicos, uma vez que os outros objetos previstos pela Resolução 213/2015 não perderam sua aplicabilidade.

Por seu turno, o parágrafo 1º, do artigo 310 do Códex Processual Penal, prevê a possibilidade do magistrado, caso verifique pelo APF (Auto de Prisão em Flagrante) que o sujeito praticou a conduta sob o manto de qualquer das excludentes de ilicitude previstas no artigo 23 do Código Penal, poderá, ou seja, sendo facultado ao juiz tal medida, aplicar ao sujeito a benesse da liberdade provisória, sob a condição de comparecimento do mesmo a todos os atos processuais, sob pena de ter o beneficio revogado.

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O parágrafo 2º mais especificamente trouxe uma inovação legislativa ao fazer constar que, se o juiz verificar que o agente preso em flagrante é reincidente ou ainda, que integra organização criminosa armada ou milícia, bem como, que porta arma de fogo de uso restrito, DEVERÁ denegar a liberdade provisória, com ou sem a aplicação de medidas cautelares.

Neste sentido, verifica-se, em tese, a obrigatoriedade do magistrado, caso verifique com quaisquer das circunstâncias previstas no referido parágrafo, em negar a liberdade provisória, seja ela com ou sem fiança.

Ainda, como inovação legal, a Lei 13.964/2019 positiva punição à autoridade que der causa, sem fundamento idôneo, a não realização da audiência de custódia no referido prazo de 24 horas previsto no caput do artigo 310, podendo ela (autoridade), responder no âmbito administrativo, civil e também criminal por esta omissão.

Tal questão ainda é reforçada pela Nova Lei de Abuso de Autoridade (13.869-2019), que em seu artigo 9º igualmente prevê punição para a autoridade que decretar medida privativa de liberdade em desconformidade com as previsões legais.

Ainda, para fechar essa análise do respectivo artigo 310 do CPP inovado pela Lei 13.964-2019, temos que o seu parágrafo 4º traz à letra no sentido de que haverá ilegalidade da prisão em flagrante caso seja ultrapassado o prazo de 24 horas após o prazo estipulado no caput do artigo sem a realização da audiência de custódia, situação que dará à prisão o vício da ilegalidade, devendo ser relaxada pela autoridade judicial, salvo (sem prejuízo) de imediata decretação de prisão preventiva, caso estejam presentes os seus requisitos legais.

Deve-se acreditar nos pontos favoráveis trazidos pelo novo artigo 310 do Código de Processo Penal que passa a tratar de maneira positivada do Instituto da Audiência de Custódia, como mais uma garantia do preso em flagrante e que se encontra sob a custódia do Estado, devendo ser tratado, portanto, de forma digna e com o respeito aos princípios constitucionais e processuais penais vigentes.

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Sobre o autor
Piero Leandro Gamper Madalozzo

advogado criminalista; pós graduando em Processo Penal pelo Instituto Damásio de Jesus; mestrando em Direito Canônico pelo Instituto Superior de Direito Canônico Santa Catarina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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