Os acordos relacionados ao direito de preferência na alienação de imóveis dos fundos de investimento imobiliário

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23/01/2020 às 15:33
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O presente artigo se propôs a identificar, sob a ótica do empreendedor, os riscos envolvidos na parceria imobiliária com os FIIs, no que tange à possibilidade de violação do direito de preferência e, assim, analisar os possíveis mecanismos de controle.

Introdução

Os instrumentos tendentes à captação da economia popular, percebe-se, estão cada vez mais sendo utilizados para financiar empreendimentos imobiliários e uma das maneiras em que se pode acessar tal poupança é através dos Fundos de Investimento Imobiliário.

Os denominados FIIs possuem grande capacidade de captação de recursos, uma vez que, além de se lastrearem em ativos imobiliários – o que, no Brasil, é culturalmente considerado como sinônimo de investimento seguro – eles também possuem muitas outras características que são atrativas aos investidores, dentre elas a possibilidade de receber rendimentos isentos de tributos. O mercado imobiliário, atento aos benefícios que os FIIs podem trazer em termos de captação e rentabilidade, cada vez mais os utiliza em estruturas societárias ou parcerias que objetivam a realização e operacionalização de grandes empreendimentos imobiliários, tais como shopping centers, edifícios corporativos, prédios de logística, até mesmo hospitais[1], entre outros.

Ocorre que, quando duas ou mais partes se unem para a realização e operacionalização de um empreendimento imobiliário, é de grande importância que seja disciplinado entre elas o que acontecerá com esste negócio, em especial, com o imóvel investido, caso uma das partes pretenda sair da sociedade ou alienar a sua respectiva parcela do patrimônio. No intuito de resguardar os direitos do sócio ou do parceiro remanescente que pretende dar continuidade no negócio, sem que seja compelido a aceitar o ingresso de terceiros, é necessário que seja instituído o direito de preferência.

No entanto, quando essta parceria imobiliária é realizada com um Fundo de Investimento Imobiliário, o empreendedor que deseja ver garantido o seu direito de preferência em caso de alienação do imóvel, deve se preocupar com a possibilidade de que a referida alienação aconteça sob duas vertentes, quais sejam, a alienação direta do imóvel e a indireta, através da negociação das cotas do FII.

Em sendo assim, o presente artigo objetiva obter respostas a uma pergunta, qual seja, de que maneira se pode assegurar àquele que deseja ver preservado seu direito de preferência na alienação de imóvel participado com FII, notadamente, quando da possibilidade não apenas de alienação direta, mas, também, da alienação indireta da propriedade?

Na busca da resposta a essta complexa indagação, é preciso analisar outras questões primárias e inter-relacionadas, tais como: o que é um fundo de investimento imobiliário? Como são negociadas suas cotas? Quais seriam os riscos que a alienação indistinta de cotas poderia trazer para o empreendedor que se une a um fundo de investimento imobiliário para implementar e operacionalizar um empreendimento imobiliário? Pode um fundo celebrar um acordo que verse sobre direito de preferência na alienação do imóvel investido, mas que compreenda também a venda indireta, ou seja, que limite a circulação das cotas? Esste acordo teria validade ou eficácia perante os cotistas e terceiros?

                                                                                      

Com o objetivo de responder as questões acima elaboradas, sem, contudo, qualquer pretensão de esgotar o tema, será utilizada a metodologia de pesquisa bibliográfica e legislativa sobre os Fundos de Investimento Imobiliário, o direito de preferência, a validade e eficácia dos contratos, a possibilidade de aplicação analógica da legislação empresarial, entre outros temas relacionados.

1 O Mercado de Capitais e o Setor Imobiliário

O financiamento é algo inerente ao desenvolvimento da atividade empresarial e pode, basicamente, dar-se através de três formas: por recursos próprios, por subsídios de instituições financeiras ou pela captação de recursos através do mercado de capitais. No mercado imobiliário não é diferente. Sejam construtoras, incorporadoras, loteadoras, empresas de shopping centers, dentre outras, todas buscam recursos objetivando a consecução de seus empreendimentos. É o que se chama de funding.

Entretanto, em determinada época foi constatado que a captação de recursos através de financiamentos bancários não era mais viável ou, pelo menos, atrativa, em razão dos altos juros praticados. Do mesmo modo a utilização de recursos próprios também era uma medida muitas vezes prejudicada, ora pela própria inexistência de caixa do empreendedor, ora pelo estabelecimento de institutos como o patrimônio de afetação[2]. Diante desses fatos, o acesso à poupança popular, através do mercado de capitais, passou a ser um importante meio para a consecução da atividade imobiliária.

A Comissão de Valores Mobiliários denomina o mercado de capitais como o ambiente onde é viabilizado o fluxo direto de recursos disponíveis de agentes superavitários para os agentes deficitários[3]. Em outras palavras, mercado de capitais é onde se encontra quem possui poupança e busca maior rentabilidade para seus recursos, com aquele que precisa desstes recursos para viabilizar seus projetos.

Embora o mercado de capitais seja conhecido como mercado da desintermediação, haja vista que, como já mencionado, promove o fluxo direto de recursos entre os seus participantes, isso não significa que, de fato, não hajaá a necessidade da presença de intermediadores nessta operação. Vale esclarecer que o termo ‘desintermediação’ se refere ao fato de que a intermediária não realiza, por si, a operação, tal como geralmente acontece no mercado financeiro, onde, por exemplo, os poupadores firmam contrato de poupança com as instituições bancárias e estas, por sua vez, firmam contratos de empréstimos para quem deles necessite.

As citadas instituições intermediárias são as responsáveis por fazer, dentre outros serviços, com que as ordens de compra e de venda dos valores mobiliários aptos à negociação, determinadas pelos seus clientes, se encontrem-se e realizem o negócio pretendido. É dever das intermediárias proporcionar “credibilidade, segurança e liquidez ao mercado como um todo[4]e, para tanto, precisam observar certos deveres e princípios de conduta, bem como possuir amplo e profundo conhecimento sobre o mercado em que atuam e sobre as partes negociantes [5]. Esstas intermediárias podem ser corretoras, distribuidoras, bancos de investimentos ou bancos múltiplos com carteira de investimento e, todas esstas instituições devem ser registradas no Banco Central do Brasil e na Comissão de Valores Mobiliários[6].,

O mercado de capitais atua em dois expedientes, quais sejam, no mercado primário e no mercado secundário. No mercado primário, tal qual a própria palavra indica, os valores mobiliários são negociados pela primeira vez e teêm os respectivos valores captados direcionados à instituição emissora, a exemplo do conhecido procedimento de IPO – Initial Public Offering, que é a primeira oferta pública, seja de ações de empresas que abriram seu capital ou mesmo de cotas de fundos de investimento, a qual será melhor detalhada aà frente, neste artigo. Já o mercado secundário é onde os valores mobiliários adquiridos no mercado primário são renegociados. Tal renegociação se dá entre investidores, e os recursos financeiros obtidos são direcionados aos proprietários dos valores mobiliários revendidos.

Há várias operações no mercado de capitais em que o setor imobiliário participa. Além da abertura de capital de empresas imobiliárias, é possível, por exemplo, emitir debentures e títulos de base imobiliária como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), securitizar recebíveis e utilizar os Fundos de Investimento Imobiliário, os quais são, em determinada particularidade, o objeto deste estudo.

2 Os Fundos de Investimento Imobiliário

Instituídos pela Lei 8.668/93, os Fundos de Investimento Imobiliário são, a teor do art. 2º da Instrução Normativa de n. 472, da Comissão de Valores Mobiliários, “uma comunhão de recursos captados por meio do sistema de distribuição de valores mobiliários e destinados à aplicação em empreendimentos imobiliários”.

Segundo FORTUNA (2011), “o segredo dos fundos de investimento é a ideia do condomínio”[7] ou seja, a aplicação de recursos em conjunto, que perfaz uma grande soma disponível para investimentos. A grande capacidade de atração de público e, portanto, de recursos, desstes veículos de investimento se dá, primeiramente, em razão do seu modelo jurídico que, em geral[8], não faz qualquer distinção entre potenciais investidores, atraindo os de todos os tipos, desde que possam efetuar o pagamento do valor mínimo de investimento. Segundo dados da Bovespa[9], há FIIs constituídos cujo investimento mínimo é R$ 1.000,00 (mil reais).

A forma de distribuição de rendimentos dos Fundos de Investimento Imobiliário também provoca muito interesse e procura por esste segmento de investimento, uma vez que muitos desses fundos, principalmente os que exploram a locação de imóveis, realizam tal distribuição com uma periodicidade pequena e estável, muitas vezes mensal. Ainda, a legislação impõe aos FIIs que os lucros sejam semestralmente apurados e que 95% desstes lucros sejam distribuídos, ou seja, é assegurado aos investidores que se o fundo auferir lucro, haverá, consequentemente, rendimentos a receber.

Os Fundos de Investimento Imobiliário também oferecem certa diluição no risco do investimento, na medida em que podem investir em diferentes ativos[10]. A esse respeito, é importante informar que a atividade de um FII não se limita a apenas à exploração de ativos reais, ou seja, de imóveis para venda, locação ou arrendamento, mas também podem negociar os direitos sobre os imóveis do seu patrimônio ou investir em Letras de Crédi­to Imobiliário (LCI), cotas de outros Fundos de Investimento Imobiliário, certificados de potencial adicional de construção (CEPAC), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), entre outros ativos listados no art. 45 da Instrução 472 da Comissão de Valores Imobiliários.

O investimento em Fundos de Investimento Imobiliário possui certo aspecto “negativo” no que se refere a liquidez, entendido estae como a possiblidade e celeridade de converter o referido investimento em dinheiro ou caixa. Isso porque a lLei 8.668/93, ao caracterizar os FIIs como “condomínios fechados”, estabeleceu não ser permitido o resgate de cotas, de modo que o cotista que desejar se retirar do fundo e recuperar seu investimento deve alienar suas cotas no mercado secundário ou aguardar a liquidação do fundo, que, por sua vez, só pode se dar em razão de ter alcançado seu termo ou, na inexistência de prazo, por decisão assemblear.

De qualquer forma, no que diz respeito a liquidez, em se querendo investir no mercado imobiliário, o investimento em FIIs pode trazer maiores vantagens do que a aquisição de imóveis propriamente ditos. Vale mencionar que o investimento em cotas permite a negociação fracionada, ou seja, o investidor, se quiser ou precisar, pode se desfazer da quantidade de cotas que desejar ou que seja suficiente à sua necessidade, o que não aconteceria tão facilmente se o investimento fosse em imóveis. No mesmo sentido, é importante ressaltar que a transação imobiliária pode ser muito mais delongada do que a negociação de um valor mobiliário, uma vez que requer inúmeras diligências e cautelas.  

Um grande atrativo é o tratamento tributário, o qual pode ser concedido aos cotistas e ao fundo que observar as exigências legais. A esse respeito, os Fundos de Investimento Imobiliário podem obter isenção do Imposto de Renda[11] sobre seus rendimentos e ganhos de capital, desde que apurem seus lucros semestralmente e distribuam 95% do que for auferido. Entretanto, o art. 2º da Lei 9.779/99 alerta que o fundo será tributado tal qual uma pessoa jurídica, se ele investir em “empreendimento imobiliário que tenha como incorporador, construtor ou sócio, quotista que possua, isoladamente ou em conjunto com pessoa a ele ligada, mais de vinte e cinco por cento das quotas”.

O cotista, pessoa física, também receberá os rendimentos distribuídos pelos Fundos de Investimento Imobiliário isentos de Imposto de Renda, desde que observados os requisitos do art. 3º da Lei 11.033/2005, quais sejam: o cotista não deve possuir mais de 10% das cotas do fundo nem outro percentual que represente o direito de receber mais de 10% dos rendimentos auferidos; as quotas do respectivo fundo devem ser negociadas exclusivamente em bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado e, por fim, o fundo deve possuir, no mínimo, 50 quotistas.

O benefício tributário que o fundo pode auferir é extremamente atrativo à captação de investidores e relevante para o exercício de sua atividade imobiliária, pois aumenta muito a competitividade desses veículos no mercado. Para exemplificar a relevância do benefício tributário, enquanto um Fundo de Investimento Imobiliário seria isento de tributação nos rendimentos auferidos através da exploração da atividade de locação de imóveis, uma pessoa física, exercendo a mesma atividade, pode arcar com uma carga tributária no percentual de até 27,5%, e uma pessoa jurídica, cujo objeto social seja investimento em imóveis e esteja sob a sistemática do lucro presumido, suportará uma tributação variável entre 11,33% ae 14,53%, conforme observou Okazuka (2015)[12].

Tal benefício é de fato tão expressivo que, conforme observado por MARTINS[13], apud OKAZUKA, 20 houve uma época em que os Fundos de Investimento Imobiliário “passaram a ser utilizados por diversas empresas do setor imobiliário como um veículo para suas próprias atividades, e não como um veículo de captação do mercado financeiro e de capitais[14][RR1] [CR2] [CR3] . Observou-se que as empresas imobiliárias constituíam um fundo imobiliário e passavam a exercer atividade imobiliária através do fundo criado. Dessa maneira as empresas mantinham as receitas auferidas na estrutura do fundo e arcavam com muito menos impostos do que se exercessem a atividade através da sua própria pessoa jurídica. Conforme ressalvou o referido Autor[15], fora justamente para impedir esse uso simulado dos FIIs pelas empresas imobiliárias que a legislação foi alterada para obrigar a distribuição de lucros e impor limites de concentração de cotas para o investidor e empreendedor.

De todas as características dos FIIs acima mencionadas, conclui-se que a possibilidade de se obter certas isenções tributárias, que, como visto, podem ser concedidas ao Fundo e aos seus cotistas desde que observados os requisitos legais, é um dos fatores que mais influenciam tanto o investidor quanto o empreendedor, quando da tomada de decisão de investimento ou de realizar e operacionalizar um empreendimento imobiliário através de um FII. Por essta razão é que, na grande maioria das vezes, são estruturados fundos pulverizados e negociados em bolsa para a realização e operacionalização de grandes empreendimentos imobiliários.

A estrutura tem demonstrado resultados e possui números positivos: segundo os dados[16] da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), já se encontravam registrados no referido órgão regulador, no ano de 2015,  260 Fundos de Investimento Imobiliários, que possuem, ao todo, 83 bilhões de reais em ativos, algo expressivo para o mercado.

2.1 A Constituição de um Fundo de Investimento Imobiliário

Um Fundo de Investimento Imobiliário pode ser constituído por diversas formas estruturais, a depender do seu objetivo negocial. Há estruturas exclusivas, fechadas, arquitetadas por um investidor ou grupo específico, criados muitas vezes por questões de proteção e gestão patrimonial ou planejamento tributário. Mas, também, há Fundos de Investimento Imobiliários tão pulverizados que são conhecidos até mesmo como fundos de varejo, são os FIIs listados em bolsa.

A primeira e, diga-se, principal, figura que surge quando o assunto é Fundo de Investimento Imobiliário é o seu Administrador. Isso porque os FIIs não possuem personalidade jurídica[17], de modo que, para atuar na esfera negocial, eles necessitam de representação, ou seja, que seu administrador atue por ele. Esse administrador necessariamente será uma das pessoas jurídicas[18] listadas no art. 28 da Instrução Normativa 472/CVM, que não somente presta todos os serviços relacionados ao funcionamento e manutenção do fundo como pode, se preciso for, realizar a contratação – em nome do fundo – de terceiros para o auxiliarem nas funções a ele cabidas. Importa inferir que é o administrador a pessoa autorizada pela CVM para exercer um papel de verdadeira fidúcia para com o Fundo e seus cotistas. É ele, o administrador, quem abre e movimenta contas bancárias do fundo, o representa-o em juízo e exerce os direitos inerentes à propriedade dos bens e direitos do patrimônio do fundo, podendo inclusive adquirir e alienar livremente os respectivos títulos, conforme autorizado pela Lei 8.668/93.

O primeiro ato que o administrador deve realizar, para a constituição de um fundo de investimento imobiliário, é a elaboração e aprovação do seu regulamento, assim como seu respectivo registro no Cartório de Títulos e Documentos. O regulamento é o conjunto de regras e normas que vai reger o fundo e a sua relação com seus cotistas, com o administrador, o gestor, o parceiro empreendedor, enfim, é o documento que regerá a atuação do fundo, o relacionamento entre as partes envolvidas e onde estarão estipulados os respectivos limites, direitos e obrigações.

Oportuno destacar que o regulamento tem natureza contratual e vincula as partes. O próprio administrador deve pautar a sua atuação nos limites definidos no regulamento, bem como fiscalizar e intervir ao constatar algum ato contrário ao estipulado no referido documento constitutivo. Para tanto, é dever do administrador assegurar que todos os cotistas tenham amplo e irrestrito conhecimento de todas as informações contidas no Regulamento, para, então, consignar a adesão dos mesmos cotistas em documento específico. A respeito, FORTUNA (2011) afirma que “todo cotista, ao adquirir cotas de um fundo de investimento aberto ou fechado, deve atestar, mediante termo próprio, que recebeu o seu regulamento e, se for o caso, o seu prospecto de divulgação[19].

Sobre a natureza jurídica do regulamento, GAGGINI (2001), afirma que esste documento possui elementos de muitos contratos típicos, tais como o contrato de mandato;, entretanto é, em certa medida, atípico, uma vez que “possuidor de características peculiares, que são ajustadas às necessidades do administrador em função de sua atividade de gestão do fundo de investimento e em que se verifica a justaposição de elementos de vários contratos tradicionais”.

Nos artigos 10 da Lei 8.668/93 e 15 da Instrução Normativa de n.º 472, constam uma lista de matérias as quais, obrigatoriamente, devem constar no regulamento. Em síntese, pode-se afirmar que devem constar no referido documento todas as matérias que tenham importância para o funcionamento e a consecução dos objetivos do fundo e dos demais que participarão da relação, bem como todas as matérias que tenham capacidade de influenciar o investidor a realizar, ou não, um investimento em um Fundo de Investimento Imobiliário.

Elaborado o regulamento, o Administrador, em observação aà nova redação da Instrução Normativa 472,  deverá solicitar à Comissão de Valores Mobiliários – que é o órgão responsável por fiscalizar e controlar as atividades que envolvem negociação de valores mobiliários – a autorização para constituição e funcionamento do fundo, qual será concedida, automaticamente, no prazo de até 10 (dez) dias úteis.

Por fim, importa inferir que o Fundo de Investimento deve possuir denominação em que inclusive identifique e conste o termo “Fundos de Investimento Imobiliário”, sendo vedado utilizar, conforme observou CARVALHO (2012), “quaisquer termos ou expressões que induzam a interpretação equivocada, no que tange a objetivos, política de investimento ou tratamento tributário específico[20]..

2.2 A Circulação e Negociação de Cotas:

Como já analisado, quando um Fundo de Investimento Imobiliário está sendo estruturado há uma série de questões que o administrador deve, minuciosamente, observar para que possa elaborar um regulamento que, de fato, espelhe o fundo de investimento em questão. Nota-se que um dos mais importantes encargos seja o de definir quais serão os objetivos negociais que esste condomínio de investimento irá perquirir, ou seja, quais serão os recursos financeiros necessários ao intento e como será realizada a respectiva captação.

Realizada a análise acima, o valor total apurado e necessário para a consecução do projeto será dividido em cotas, cujo valor unitário também será atribuído pelo Administrador a partir do grau de pulverização de cotas e do perfil do público investidor alvo que se deseja para esste fundo. Esstas cotas serão negociadas e os valores obtidos serão direcionados ao fundo, que os aplicará conforme seus objetivos, formando seu patrimônio[21]. Independentemente da estrutura ou do objetivo negocial, todos os FIIs realizam esse procedimento que corresponde ou guarda semelhanças com o processo de integralização de capital social em uma sociedade.

O cotista, ao adquirir as referidas cotas, promoverá seu ingresso nesste condomínio de investimento, passando a possuir direitos políticos e de recebimento das receitas advindas da exploração do patrimônio comum. É importante ressaltar que o investimento não confere a esstes cotistas qualquer poder de gestão sobre o fundo, nem direitos reais sobre os imóveis que serão adquiridos pelo fundo.

Pela análise das características do investimento acima mencionadas, tem-se que as cotas dos fundos de investimento imobiliário são valores mobiliários, haja vista que implementados todos os elementos que os define. A respeito, MATTOS FILHO (1985) conceitua valor mobiliário como “o investimento oferecido ao público, sobre o qual o investidor não tem controle direto, cuja aplicação é feita em dinheiro, bens ou serviço, na expectativa de lucro”[22]. Muito embora seja plenamente possível identificar o investimento em fundos de investimento no conceito acima transcrito, que é datado de 1985, somente em 2001, houve alteração do art. 2º da Lei  6.385/76 para incluir as cotas de fundos de investimento no rol de valores mobiliários.

Dessta vista, as cotas dos Fundos de Investimento Imobiliários, na condição de valores mobiliários, podem, portanto, ser negociadas de modo privado ou público, sendo que a forma pública de negociação pode ser resultado de um esforço de colocação junto ao público em geral ou de um esforço restrito.

Através da Lei 6.385/76, pode-se observar que as cotas dos FIIs têm sua distribuição pública caracterizada quando houver “venda, promessa de venda, oferta à venda ou subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda ou subscrição” como resultado de um esforço de colocação, entendido este como a prática de alguma das condutas identificadas no § 3º do art. 19 da retro mencionada lei, dentre elas a utilização de anúncios destinados ao público, captação de adquirentes por corretores ou a negociação feita em estabelecimento aberto ao público.

Se dDenomina-se distribuição pública de cotas com esforço restrito, conforme previsto no art. 53 da Instrução Normativa 472/2008 CVM, quando o fundo é destinado, exclusivamente, a investidores qualificados. Insta aduzir que essa negociação não deixa de ser pública, contudo, é direcionada àqueles que preenchem os requisitos insertos no art. 9º B da Instrução Normativa 554/2014 CVM. Observa-se que a CVM faz algumas concessões a esste tipo de fundo, as quais são justificadas na presunção de que o investidor qualificado possui suficiente conhecimento sobre o mercado financeiro para identificar o risco envolvido e decidir sobre o investimento. Vale mencionar que a CVM, nesste caso, entende ser desnecessário manter a mesma fiscalização e controle que ela, enquanto órgão regulamentador, fiscalizador e sancionador da negociação de valores mobiliários, proporciona aos investidores que não sejam conceituados como qualificados.

As negociações privadas, por sua vez, são “aquelas realizadas diretamente entre os interessados, compradores e vendedores, sem a presença dos intermediários que compõem o sistema de distribuição a que se refere o artigo 15 da Lei nº 6.385/76”[23]. Observa-se que a legislação específica dos Fundos de Investimento Imobiliário não disciplina a negociação privada de cotas, contudo, a Instrução Normativa da CVM 555/2014 – instrução que regulamenta os fundos de investimento em geral – prevê, em seu art. 14, tanto a possibilidade de cessão de cotas quanto, também, dos direitos de subscrição, a exemplo do direito de preferência dos cotistas já existentes no fundo, quando houver novas emissões.

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Em termos gerais e a teor da Instrução Normativa da CVM 472/2008 CVM, as cotas dos Fundos de Investimento Imobiliário devem ser nominativas e escriturais, o que significa que a propriedade das cotas provar-se-á através do livro de “Registro dos Cotistas” ou pela titularidade da conta de depósito. A compra ou integralização das cotas, pelo cotista, pode ser aà vista ou a prazo e deve se dar em moeda nacional. Também é permitido que a integralização das cotas se dê em imóveis ou direitos sobre imóveis, desde que autorizado no respectivo regulamento e acompanhados do respectivo laudo de avaliação. No caso de FIIs destinados a investidores qualificados, a integralização de cotas também poderá se dar em títulos e valores mobiliários e, no caso de imóveis, poderá ser dispensado o mencionado laudo de avaliação.

Por fim, é preciso ratificar que os Fundos de Investimento Imobiliário são constituídos como condomínios fechados, razão pela qual não é possível ao cotista solicitar o resgate do seu investimento, restando-lhe apenas a alternativa de vender as cotas no mercado secundário, ou aguardar a liquidação do fundo.

2.3 O Poder de Controle no Fundo de Investimento Imobiliário

A expressão Poder de Controle”, comumente utilizada no âmbito das sociedades anônimas, não consta na Lei 8.668/93, nem na Instrução Normativa CVM 472/2008CVM, contudo, entende-se que a situação fática que a define pode ser também observada nos Fundos de Investimento Imobiliários.

A partir do conceito de acionista controlador, inserto no art. 116 da Lei 6.404/76[24], pode-se inferir que, o que se denomina poder de controle na sociedade anônima, é, de fato, o poder de eleger a maioria dos administradores, dirigir as atividades sociais e orientar órgãos da empresa, atribuído a um acionista ou grupo que, isoladamente ou em conjunto, detém a maioria dos votos na assembleia geral.

Os Fundos Imobiliários também possuem a assembleia como órgão deliberativo. Muito embora seja o Administrador, conforme já analisado, quem constitui e administra o fundo, bem como detém, a princípio, a prerrogativa de inserir ou impor suas intenções ao elaborar o regulamento, é possível concluir que é através da assembleia que, de fato, o poder de controle é exercido em um fundo de investimento imobiliário. Tal conclusão se dá através da observação das matérias listadas no art. 18 da Instrução Normativa CVM 472/2008 CVM, as quais demonstram a amplitude da competência deste órgão deliberativo. A exemplo, pode a assembleia alterar o referido regulamento do fundo, votar pela destituição ou substituição destoe administrador desse mesmo fundo e até mesmo impor a dissolução e liquidação do fundo. Nesste sentido, CARVALHO (2012) afirmou que “os cotistas, reunidos em assembleia, são quem efetivamente possuem as prerrogativas que envolvem as principais questões relacionadas ao fundo” [25].

É importante mencionar que a assembleia geral de cotistas pode ser convocada tanto pelo Aadministrador, quanto pelo cotista, que, para tanto, deve deter no mínimo 5% do total das cotas subscritas, a teor do art. 19 da Instrução Normativa CVM 472/2008 CVM. Já a instalação da assembleia se dá, conforme autorizado pelo art. 70 da Instrução Normativa CVM 555/CVM, com a presença de qualquer número de cotistas.

Segundo o art. 20 da Instrução Normativa CVM 472/2008 CVM, cada cota corresponde a um voto. Nesse ponto, importa observar que a legislação não impõe qualquer limitação à concentração de cotas por um mesmo investidor, apenas a desestimula quando prevê consequências tributárias aos cotistas, pessoas físicas, que ultrapassarem 10% das cotas e também ao próprio fundo, caso o incorporador, construtor ou sócio de algum imóvel pertencente ao Fundo se torne quotista e possua, isoladamente ou em conjunto com pessoa a ele ligada, mais de 25% das quotas emitidas[26].

Tal qual nas sociedades anônimas, na assembleia geral de cotistas do FII também vigora o princípio da maioria. Contudo, algumas matérias dependem de determinado percentual para aprovação – 25% a 50% a depender do número de cotistas – conforme consta nos incisos I e II do parágrafo primeiro[RR4] [CR5] [CR6]  do art. 20 da Instrução Normativa CVM 472/2008. Com exceção das referidas matérias que impõem quórum de 25% a 50% das cotas emitidas, é possível inferir que não é necessário, nos Fundos de Investimento Imobiliários de varejo, ou seja, aqueles bastante pulverizados, possuir grande percentual de cotas para alcançar a maioria presente nas assembleias, uma vez que o quórum de presença nesstas assembleias é bastante baixo. A esse respeito, a Superintendência de Relações com Investidores Institucionais (SIN) realizou uma pesquisa analisando as duas últimas assembleias de “17 fundos com mais de 500 cotistas, contemplando 12 administradores diferentes”. O resultado obtido foi de uma média de “10 cotistas por fundo, representando em média 3,4% do patrimônio líquido do fundo”[27].

Dessta vista, uma vez que o índice de presença nas assembleias é bastante baixo e que é possível ao cotista que detenha, no mínimo, 5% das cotas convocar uma assembleia, conclui-se que muitos assuntos possam ser tratados e modificados conforme os interesses de um ou de poucos cotistas. Nesste cenário, torna-se muito importante ao investidor analisar questões sobre o exercício e a manutenção do poder de controle no fundo de investimento ao qual pretende se associar.

3 O Direito de Preferência na Alienação do Bem de Propriedade do FII

Conforme já analisado, o Fundo de Investimento Imobiliário não é apenas um veículo de captação de recursos financeiros, como também pode ser um lucrativo instrumento na operacionalização de atividades imobiliárias, o que justifica sua crescente utilização em parcerias de grandes empreendimentos imobiliários.

Não se pode negar que a parceria que visa construir e operacionalizar um empreendimento imobiliário contém um certo elemento pessoal ou uma dose do que é chamado no direito empresarial de “affectio societatis”. Em sendo assim, é de grande importância que seja disciplinado entre as partes envolvidas o que acontecerá com o negócio, caso uma delas pretenda alienar a sua respectiva parcela detida. É necessário, portanto, que se oportunize àquele parceiro ou sócio remanescente planejar como pretende dar continuidade ao negócio, antes de ser impelido a aceitar a inclusão de qualquer terceiro estranho no empreendimento.

A solução encontrada pelo direito é a instituição do Direito de Preferência que, nas palavras WAINER (2013), é “o direito legal ou contratual de alguém ser preferido na celebração de certo negócio jurídico, nos mesmos termos e condições em que ele foi ajustado com terceira pessoa”[28]. Adequando o referido conceito à hipótese deste estudo, seria o direito do empreendedor, que se associa a um FII na participação de um empreendimento imobiliário, de lhe ser oferecido e tido como preferido quando este fundo pretender alienar a sua fração no imóvel.

Segundo a mencionada autora WAINER (2013)[29], o direito de preferência pode ser dividido em dois tipos ou espécies, quais sejam, legal e convencional. Por direito de preferência legal entende-se aqueles instituídos em lei, dos quais é exemplo o direito de preferência do locatário em adquirir o imóvel locado, previsto na Lei 8.245/91. Já o direito de preferência contratual ou convencional, é aquele estabelecido pela vontade das partes através de um contrato autônomo ou cláusula acessória inserta em um determinado instrumento.

Muito embora exista a possibilidade de que a parceria entre um FII e um empreendedor se dê sob uma forma associativa ou de organização a qual tenha regulação própria sobre o direito de preferência na alienação direta do imóvel – a exemplo do Condomínio Pró Indiviso – tratar-se-á, aqui, do direito de preferência convencional ou contratual, ou seja, daquele que se convencionou estabelecer para “possibilitar um melhor desempenho da função social da propriedade, evitando-se litígios e desavenças e funcionar como meio de defesa face à introdução de estranhos”, conforme definiu a retro mencionada autora WAINER (2015) ao analisar as funções socioeconômicas do direito de preferência.

3.1 O Direito de Preferência como um Negócio Jurídico

O acordo que institui o direito de preferência é conceitualmente um negócio jurídico o qual se dá quando “particulares regulam por si os próprios interesses, havendo uma composição de vontades, cujo conteúdo deve ser lícito. Constitui um ato destinado à produção de efeitos jurídicos desejados pelos envolvidos e tutelados pela norma jurídica” [30]., conforme leciona TARTUCE (2011).

Referido Aautor, TARTUCE (2015)[31], utilizando-se da conhecida teoria da Escada Ponteana, elaborada pelo jurista Pontes de Miranda, afirma que o negócio jurídico é dividido em três planos, quais sejam, plano da existência, plano da validade e plano da eficácia. Para analisar a existência do negócio jurídico, segundo a referida teoria, são considerados seus requisitos mínimos, tais como a identificação das partes e do objeto, observação da forma e da vontade das partes, principio fundamental dos contratos. Como afirmam Stolze e Pamplona (2015):, “presentes estes quatros elementos, podemos afirmar, sem a menor sombra de dúvida, que o contrato, como negócio jurídico, existe no campo da realidade fática”. [32]

Para a análise da validade do negócio deve ser observada a coexistência de determinadas qualidades nos requisitos mínimos de existência acima mencionados, ou seja, as partes devem ser capazes e legitimadas para o ato, o objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável e a forma deve ser a prescrita ou não defesa em lei, atributos esstes insertos no art. 104 do Código Civil[33]. De igual forma, a vontade manifestada deve ser livre.

Por fim, a eficácia é observada através da constatação de que o ato de fato produz, ou é capaz de produzir, os efeitos esperados entre as partes e a terceiros, muito embora haja contratos que podem ter sua eficácia limitada em razão de constar, no instrumento, elementos acidentais ou suspensivos no que concerne a termos, condições, modo ou encargos[34].

Observando e identificando os mencionados pressupostos de existência e validade dos negócios jurídicos, serão analisados e propostos, neste estudo, instrumentos que, acredita-se, possa assegurar, no trato negocial com os Fundos de Investimento Imobiliário, o suscitado direito de preferência no âmbito da alienação direta e indireta do imóvel, e, por fim, buscar-se-á verificar se são eficazes.

3.2 O Direito de Preferência e a Alienação Direta do Imóvel

O direito de preferência, no que se refere à hipótese de alienação direta do imóvel participado, pode ser formalizado, como já mencionado, em um instrumento autônomo ou sob a forma de cláusula acessória inclusa em algum outro instrumento firmado pelos interessados, no caso, o Fundo de Investimento Imobiliário e o empreendedor preferente.

Nesste instrumento contratual deve constar a identificação do imóvel e a forma como será exercida essa preferência, definindo prazo e o modo de comunicação da intenção de alienar sua fração do imóvel.

No que tange à capacidade e legitimidade das partes, esste acordo deverá ser firmado entre o Empreendedor e o Administrador do fundo, que é quem, conforme já analisado, representa o fundo e, por autorização expressa da Lei 8.668/93, exerce os direitos inerentes à propriedade dos bens e direitos do patrimônio do fundo, podendo inclusive adquirir e alienar livremente os respectivos títulos. Ainda, a retro mencionada Lei, em seu art. 9º, prevê expressamente que “a alienação dos imóveis pertencentes ao patrimônio do fundo será efetivada diretamente pela instituição administradora”.

Quanto aos demais requisitos para a validade do ato, é imperioso afirmar que não há nada na legislação atinente aos Fundos de Investimento Imobiliário que vede a consolidação desste tipo de acordo. Ademais, ressalte-se que apenas o ato de preferir alguém na realização de um negócio que poderia ser realizado, nas mesmas condições, com um terceiro, não trazás qualquer prejuízo ao próprio fundo ou aos seus cotistas, o que, caso contrário, poderia implicar na caracterização de algum conflito de interesse. Em suma, identificado que as referidas partes são capazes e legítimas e que o objeto, por sua vez, é lícito, possível e determinado, é possível firmar tal acordo que, como visto, não é vedado em lei. Contudo, no que se refere à eficácia deste acordo, ou seja, se serão atingidos os efeitos esperados pelo empreendedor preferente, é importante que seja dada especial atenção a algumas questões.

Uma dessas questões se refere ao fato de que os FIIs, como já analisado, podem explorar e exercer atividade imobiliária. Ocorre que muitas desstas atividades possuem regramento legal próprio que instituem o direito de preferência em favor de alguma das partes relacionadas, a exemplo do direito de preferência do locatário na locação.

Em sendo assim, caso o objeto negocial da relação entre o FII e Empreendedor seja relacionado ao exercício de alguma atividade que possua disciplina acerca do direito de preferência, é importante avaliar a possibilidade e viabilidade de se consignar a anuência dos terceiros envolvidos (locatários ou arrendatários, por exemplo) no instrumento que formalizará o direito de preferência convencional do empreendedor. Mesmo efeito se atingiria ao consignar, nos instrumentos contratuais respectivos, a atividade imobiliária exercida pelo FII, a renúncia ao direito de preferência dos contratantes (locatários, arrendatários e outros). Ambas as medidas são possíveis haja vista se tratar de direito de ordem patrimonial disponível e são aptas a evitar futuros questionamentos entre os direitos de preferência legal e convencional envolvidos.

A inclusão de menção ao direito de preferência do empreendedor no regulamento do Fundo também pode ser medida assecuratória importante, no que se refere à eficácia perante terceiros. Isso porque, muito embora os cotistas não tenham ingerência direta nas atividades do fundo, nem possuam qualquer direito real sobre os imóveis investidos, eles têm, além de direitos políticos, o direito de crédito, ou melhor, o direito de obter o retorno do seu investimento quando da liquidação do fundo.

Considerando, portanto, o referido direito de crédito, é importante que se estabeleça, no regulamento, que o pagamento aos cotistas, quando da liquidação do fundo, não se dará através da dação em pagamento e sim através do produto da venda do imóvel, oportunidade em que será observado o direito de preferência estabelecido com o empreendedor. Tal inserção no regulamento vincula as partes e inibe medidas que obriguem tanto o pagamento através da dação, quanto o fracionamento, do imóvel patrimônio do fundo. Lado outro, trata-se de medida que não causa qualquer prejuízo aos cotistas, uma vez que não viola o mencionado direito de crédito, nem impede que o imóvel seja negociado com terceiro que apresente melhor oferta.

É importante avaliar, também, a inclusão, ou não, de cláusula no regulamento que obriga a convocação de assembleia para decidir sobre a venda do ativo investido. Muito embora essa disposição impeça que o administrador negocie direta e rapidamente o imóvel, ela pode representar uma segurança ao direito de preferência do empreendedor sob dois aspectos: 1) caso o empreendedor seja cotista do fundo, a necessidade de deliberação da assembleia para a venda do ativo lhe servirá como comunicação da intenção de venda do ativo, ou seja, trará empecilho à realização de negócios com terceiros sem a ciência do empreendedor preferente; 2) caso o empreendedor seja cotista e possua o poder de controle na assembleia, conforme estudado no item 2.3, poderá ele avaliar e decidir sobre a venda do imóvel, considerando, subjetivamente, o momento do negócio e a sua capacidade de realizá-lo.

Ainda, com o objetivo de atribuir maior solidez às medidas acima propostas, é possível estabelecer que o regulamento seja apenas alterado se atingido um determinado quórum – que esteja implicitamente relacionado ao poder de controle e/ou ao percentual de cotas detido pelo empreendedor preferente – favorável a tanto. Sendo assim, a depender desste quórum exigido, será sempre necessário o voto e consentimento do empreendedor preferente e/ou daquele que mantem o poder de controle para alteração do regulamento, o que trazás maior segurança no que se refere a permanência e vigência de todas as medidas nele incutidas que viseam resguardar o seu direito de preferencia. O estabelecimento de quóruns altos para alteração do regulamento é medida que não viola o art. 20 da Instrução Normativa CVM 472, uma vez que a referida norma determina que, para tal intento, deve-se observar um percentual mínimo, nada se referindo a percentuais máximos.

Outra questão que é necessário suscitar, ainda com foco na eficácia do acordo, trata do fato de que o direito de preferência, oriundo apenas da vontade contratual, não tem caráter de direito real, nem goza, consequentemente, de eficácia real, recebendo amparo somente na seara obrigacional. Issto significa que, caso o empreendedor preferente obtenha conhecimento de que o FII pretende alienar a parcela no imóvel para um terceiro, poderá ele impedir a realização do negócio com o ajuizamento de uma medida judicial cautelar, requerendo, na ação principal, que lhe seja dada a preferência, com o depósito do respectivo preço. Todavia, caso o empreendedor preferente só obtenha conhecimento do negócio depois de concretizado, seu acordo não terá eficácia perante o terceiro comprador, restando ao empreendedor apenas a ação indenizatória.

Apenas a título de informação, diante do referido caráter puramente obrigacional do mero contrato de preferência, a reflexão acerca da forma associativa ou de organização condominial que regerá a relação fundo/empreendedor ganha relevância e podem trazer o elemento de eficácia real ausente no contrato. Issto porque, conforme já citado, em certas formas organizacionais, a exemplo do Condomínio Pró Indiviso, a observação do direito de preferência é obrigação legal e, portanto, dotada de eficácia real, que tem inclusive prioridade sobre a preferência legal do locatário[35]. Nesste caso, se ocorrer a alienação do imóvel pelo fundo, sem ser oportunizada a preferência do empreendedor, na qualidade de condômino de imóvel indiviso, é possível, segundo WAINER (2013)[36], recorrer à declaração judicial sobre a nulidade do ato e promover a execução específica do acordo, observado o prazo decadencial.

Em síntese, o direito de preferência na alienação direta de imóvel de propriedade do FII pode ser implementado através da elaboração de um contrato autônomo ou por cláusula acessória inclusa em algum outro instrumento contratual, observando-se que a legitimidade do administrador para representar o Fundo de Investimento na ocasião. Para que surtam os efeitos esperados pelo empreendedor preferente poderá ser útil ou necessária àa consignação da anuência de terceiros e/ou a inserção de disposições a respeito no regulamento do FII.

3.3 O Direito de Preferência e a Alienação Indireta do Imóvel

Sob a ótica do empreendedor que se associa aos Fundos de Investimento Imobiliário para, em conjunto, concretizar e operacionalizar um empreendimento imobiliário, a simples possibilidade da livre negociação e circulação das cotas do fundo pode representar um elemento de risco ao direito de preferência que se visa resguardar nessta operação: trata-se da possibilidade de alienação indireta do imóvel participado.

A respeito, é possível inferir que, se nenhuma medida restritiva à circulação das cotas do Fundo de Investimento Imobiliário for implementada, qualquer pessoa, seja física ou jurídica, até mesmo um concorrente do empreendedor parceiro ou da administradora do fundo, poderá ingressar nesste condomínio. Risco maior se encontra na possibilidade de que ocorra o que se denomina no meio societário de tomada hostil de controle, que ocorre quando um investidor adquire no mercado significativa quantidade de cotas que lhe atribua o poder de controle do fundo podendo, como já analisado, impor seus interesses ou até mesmo aprovar matérias que podem ser determinantes à continuidade do fundo e/ou da sua atividade, como, por exemplo, aprovar alterações no regulamento ou a venda do ativo explorado.

Entende-se que tal situação representa a alienação indireta do imóvel, uma vez que o cotista que se tornar controlador, além de se tornar o maior beneficiário da exploração do bem, também poderá dará-lohe, através da assembleia, o destino que bem entender. Ao analisarem a questão, COMPARATO e SALOMÃO FILHO (2014) afirmaram que “o controle sobre a atividade empresarial implica, necessariamente, o controle de bens empresariais e vice-versa” e concluem, citando o autor Claude Champaud, que “controlar uma empresa significa poder dispor dos bens que lhe são destinados, de tal sorte que o controlador se torna senhor da sua atividade econômica[37]. Imperioso observar que os retro citados autores estão se referindo às consequências da tomada do controle na sociedade anônima, entretanto, a mesma situação pode ocorrer na assembleia de um fundo de investimento imobiliário, podendo o titular do poder de controle determinar o uso e destino dos bens pertencentes ao fundo conforme seus interesses.

Diante do analisado, conclui-se que, o empreendedor que deseja preservar, ao longo do tempo, e, em caso de alienação, o direito de preferência no imóvel adquirido em parceria com um FII, deve fazer com que tal direito também abarque a alienação de cotas. Conforme analisado no Capítulo 2, item 2.2, as cotas são valores mobiliários que, por sua vez, são passíveis de avaliação e negociação, tanto sob a forma pública quanto privada. Desta vista, em sendo possível a cessão da cota através de termo particular, pode-se concluir que também há a possibilidade de se instituir um acordo de preferência nesste negócio.

Importa afirmar que a Instrução Normativa CVM 472/2008 autoriza, em seu art. 15, parágrafo primeiro, o estabelecimento do direito de preferência quando houver novas emissões de cotas. A hipótese que a citada IN referencia trata-se de uma obrigação – se instituída em regulamento – do fundo para com o cotista, a qual impõe que o fundo, quando for emitir novas cotas, deva oferecer primeiro aos cotistas já registrados no fundo, antes de disponibilizá-las no mercado. Essa disposição visa oferecer ao cotista a possibilidade de manter o seu percentual de cotas, evitando sua diluição no condomínio. Entretanto, não há, nas normas legais atinentes aos Fundos de Investimento Imobiliários, qualquer disposição acerca do direito de preferência no âmbito do mercado secundário.

Constatada a lacuna na lei, o direito autoriza o uso das suas demais fontes, dentre elas a analogia[38]. Para tanto, VENOSA (2014) afirma ser necessária a procura e observação de “institutos que têm semelhança com a situação sob enfoque”, devendo-se identificar, portanto, “uma razão de identidade entre a norma encontrada, ou o conjunto de normas, e o caso contemplado” [39].

Em sendo assim, não obstante ter a lei definido que os Fundos de Investimento Imobiliário têm natureza jurídica de condomínio[40], entende-se que as disposições legais acerca do mencionado instituto, constantes no Código Civil, não correspondem às especificidades do tema negociação e circulação de cotas. Nessta seara, uma vez que a questão envolve a alienação de valores mobiliários no mercado de capitais, tem-se que é totalmente cabível e/ou adequado, por aplicação analógica, a utilização de institutos previstos na legislação das Sociedades por Ações. 

Ademais, como observado por CARVALHO (2012)[41], há muitas semelhanças entre uma sociedade e um fundo de investimento, uma vez que estariam preenchidos três requisitos essenciais a teor do art. 981 do Código Civil[42], quais sejam: “a) contribuição em bens e serviços, b) desempenho de atividade econômica e c) divisão, entre os sócios, dos resultados auferidos”. FREITAS (2006), também analisando a proximidade e semelhança dos fundos de investimento às sociedades empresárias, concluiu que “se estivermos diante de uma organização relativa a um patrimônio, estaremos diante de uma organização associativa, isto é, saímos do campo puramente de direito real e adentramos o do societário” [43].

A Lei das Sociedades por Ações, nºLei 6.404/76, em seu art. 118[44], prevê a possibilidade dos acionistas regularem, entre si, matérias que envolvam, dentre outros assuntos, o direito de preferência e a negociação das ações. Para tanto, os acionistas elaboram um instrumento denominado Acordo de Acionistas, que, segundo BARBI FILHO (1993) trata-se de um “negócio jurídico de direito privado, um contrato típico e nominado” e “parassocial, na medida em que existe em função da sociedade, mas é celebrado sem a interveniência da mesma” [45]. O referido art. 118 da Lei 6.404/76 elenca determinados assuntos que podem ser objeto do acordo de acionistas, contudo, o autor COELHO (2014) entende que o rol é exemplificativo, pois “os acionistas podem livremente entabular as tratativas que reputarem oportunas à adequada composição de seus interesses” [46].

Assim como os acionistas nas sociedades anônimas, os cotistas, ao adquirirem cotas nos Fundos de Investimento Imobiliário, tornam-se titulares de direitos patrimoniais e políticos e deles podem não somente dispor, como estabelecer a forma de exercê-los através do entabulamento de um negócio jurídico. Sobre a possibilidade de existência e utilização, pelos cotistas de um fundo de investimento, de um instrumento semelhante ao acordo de acionistas, CARVALHO (2012)[47], ainda observa que a ausência na lei especial torna o acordo de cotistas apenas um contrato atípico, contudo não proibido, assim como ocorre nas sociedades limitadas, onde o acordo de cotistas já possui o uso consolidado, mesmo não havendo previsão na lei civil.

Entende-se, portanto, que através do estabelecimento de um Acordo de Cotistas entre os investidores do Fundo de Investimento Imobiliário é que poderá o empreendedor preferente – que também seja cotista neste fundo – regular seu direito de preferência na alienação de cotas no mercado secundário. Referido acordo deverá observar os requisitos do negócio jurídico, ou seja, os pressupostos de existência, validade e eficácia já mencionados quando da análise da elaboração do contrato de preferência para alienação direta do imóvel no item 3.1 deste capítulo. Nesse sentido, no que se refere a capacidade e legitimidade, observa-se que apenas os investidores devidamente registrados no livro de Registro de Cotistas poderão firmar o referido acordo. Acerca dos demais requisitos do negócio jurídico, entende-se que o estabelecimento de um Acordo de Cotistas nos fundos de investimento imobiliário é ato totalmente lícito, possível e determinável, uma vez que, conforme já analisado, não há disposição legal que vede tal composição de interesses que, diga-se, envolve apenas direitos disponíveis.

Através do art. 118 da Lei das Sociedades por Ações se pode-se concluir que a eficácia e/ou oponibilidade a terceiros do Acordo de Acionistas é dependente do arquivamento do instrumento na sede da sociedade. Acontece que, uma vez que o Fundo de Investimento Imobiliário não possui sede, a maneira possível de atingir e vincular terceiros, acredita-se, seria disponibilizar o Acordo de Cotistas através da administradora do fundo e, também, incluir menção à sua existência no regulamento, por ser este o documento cujo teor todos que se tornem cotistas deste fundo devem declarar possuir conhecimento e plena adesão, conforme analisado no item 2.1 do capítulo 2.

Importa ressaltar que, para que seja possível o exercício do direito de preferência formalizado em um acordo de cotistas de um fundo de investimento imobiliário, o respectivo regulamento deste fundo não poderá ter disposição que proíba a negociação privada de cotas. Contudo, essa é uma medida que deve ser analisada com cautela, haja vista que impor que as cotas só poderão ser negociadas de modo privado – haja vista o acordo de preferência – afetaria mais a liquidez do investimento do que agregaria segurança ao cotista preferente. Dessta vista, uma vez que há maneiras de se impedir a concretização da negociação pública realizada em contrariedade ao regulamento, interessante seria o regulamento autorizar que as cotas sejam negociadas de ambas as formas, pública e privada. Tal medida possibilita aos cotistas a utilização dos meios do mercado de bolsa para negociarem suas cotas, caso o cotista preferente não exerça sua preferência e as adquira privadamente.

Importa aduzir que a eficácia dessta operação se encontra-se amparada em três pilares, quais sejam: i) no estabelecimento de um negócio jurídico válido; ii) na qualidade vinculativa do regulamento e iii) na observação dos deveres do administrador. A respeito, caso haja alienação de cotas sem observação da preferência – que foi instituída em acordo de cotistas mencionado e/ou previsto em regulamento – deve o administrador observar a violação do regulamento e não registrar a transferência das cotas no livro de cotistas, deveres esstes insculpidos no art. 32, III a, e XI da Instrução Normativa CVM 472/2008 CVM[48].

Para tanto, a autora ROCHA (2003)[49] afirma ser dever do administrador realizar ou implantar uma espécie de sistema de controle interno ou compliance no fundo que, dentre muitas outras funções, o possibilite “identificar e avaliar fatores internos e externos que possam afetar adversamente a realização dos objetivos da instituição”. Segundo a autora, deve, o administrador, sobretudo acompanhar as atividades desenvolvidas pelo FII, verificando se estão, ou não, sendo observados e cumpridos o regulamento e as demais leis aplicáveis, sendo também da sua competência assegurar que qualquer desvio a esse respeito seja corrigido.

Entende-se que a operação acima detalhada pode ser um meio possível de assegurar o direito de preferência do empreendedor e evitar a alienação indireta do imóvel, contudo, acredita-se que não seja uma medida viável em se tratando de um Fundo de Investimento Imobiliário que vise se beneficiar com as isenções tributárias concedidas pelas lLeis 9.779/99 e 8.668/93 aos cotistas e ao próprio fundo. Isso porque, como já mencionado, a lei impõe, para a concessão de isenção tributária ao fundo e aos cotistas, que a negociação das cotas seja realizada exclusivamente em bolsa e que haja observância dos limites de concentração de cotas para o cotista e o empreendedor do imóvel investido. Em síntese, ao fundo que deseja obter e manter o benefício tributário que a lei oferece é vedado realizar negociações privadas, ou seja, não poderá haver ou ao menos fazer-se cumprir o acordo de preferência na alienação de cotas tal como acima proposto.

Cumpre destacar que o benefício tributário é, conforme analisado no item 2.1 do capítulo 2, questão de bastante relevo, que pode impactar tanto a captação de investidores como a própria atividade imobiliária exercida através do fundo. Desse modo, poder-se-ia concluir que, em tese, a medida proposta acima poderia ser viável apenas quando a rentabilidade projetada para o empreendimento for maior que a carga tributária a ser suportada ou que este fundo seja direcionado a instituições que já possuam isenção tributária.

3.3.1 Inclusão de Poison Pills no Regulamento

Não sendo possível fazer prevalecer o acordo de preferência na alienação de cotas em um fundo que deseja ser beneficiado tributariamente, torna-se de grande relevância o estudo sobre outras formas que possam impedir ou, ao menos, inibir, que o ingresso no condomínio seja feito de forma indistinta ou prejudicial aos interesses do empreendedor. Mais importante, deve-se pensar no estabelecimento de medidas que impeçam que terceiros, que por ventura se tornem cotistas, possam agir em conflito de interesses tanto diante dos direitos do empreendedor preferente, quanto aos objetivos negociais do fundo ou do próprio empreendimento investido.

Verifica-se que a CVM já reconhecia a possibilidade de ocorrer o conflito de interesses entre as pessoas relacionadas em um fundo de investimento imobiliário, quando, na iInstrução nNormativa 472, replicou o art. 12, VII da Lei 8.668/93 que trata da vedação do administrador em realizar atos que caracterizem conflitos de interesses entre administrador e fundo ou empreendedor e fundo. Contudo, atenta ao fato de que também eram possíveis – e igualmente nefastas – as situações de conflito entre o fundo e o gestor – um de seus principais prestadores de serviço – e, também, entre o fundo e cotistas relevantes, a CVM recentemente alterou o art. 35 da Instrução Normativa 472 para incluir o gestor e os cotistas na citada vedação. Ainda, as recentes alterações na IN 472 demonstram que foi adotado o princípio da limitação do voto abusivo, quando em seu art. 24 se lê que o “cotista deve exercer o direito de voto no interesse do fundo”.

Entretanto, importa ressaltar que, no que tange a atuação do cotista, a citada alteração da IN 472 se deu no sentido de só restar caracterizada a situação de conflito de interesses se envolver o cotista relevante, entendido este como aquele que detenha mais de 10% (dez por cento) das cotas. Verifica-se que, nesse ponto, a alteração da norma não trouxe maior segurança ao empreendedor, pois, conforme já apurado no item 2.3 do capítulo 2, o quórum de comparecimento nas assembleias tem uma média de 3,4% do patrimônio líquido, o que significa dizer que um cotista que possua bem menos de 10% das cotas pode representar risco e conseguir aprovar matérias conforme seu interesse sem, a teor da norma, caracterizar o conflito de interesse. Mais efetivo seria se a instrução normativa tivesse sido alterada para também descrever as condutas que caracterizam o conflito de interesses para o gestor e o cotista em geral, tal como fez para o administrador.

Dessta vista, tem-se que, mesmo após alteração da instrução normativa persiste o risco do empreendedor dem ter que se submeter aos interesses pessoais dos demais cotistas. Diante de constatado “risco” e fragilidade da norma, torna-se imperiosao a implementação de determinadas medidas que visem a inibir que ocorra tanto a aquisição hostil das cotas do fundo, como o voto realizado em conflito de interesses.

Investidores de Sociedades Anônimas com ações muito pulverizadas enfrentaram o mesmo problema e, com vistas a “impedir ou limitar os efeitos do aumento de participação de eventuais acionistas além do nível que o acionista controlador (ou acionistas controladores) considera(m) como seguro para sua permanência no poder”[50], passaram a incutir nos seus estatutos algumas cláusulas restritivas, conhecidas como “poison pills” ou pílulas de veneno.

Tem-se que o mesmo expediente pode ser adotado nos Fundos de Investimentos. Conforme já amplamente analisado neste estudo, entende-se que qualquer obrigação que não caracterize violação dos limites da lei, uma vez incutida no regulamento de um fundo de investimento imobiliário, obriga e vincula os investidores. Em sendo assim, infere-se que a inserção de determinadas cláusulas restritivas no regulamento, sobretudo se amparadas na proteção do interesse geral, ou seja, dos cotistas e/ou do próprio fundo, pode ser medida efetiva em prol da manutenção da atividade exercida e do empreendimento conforme se projetou.

Um exemplo de cláusula nesse sentido é a “cláusula de identificação do cotista conflitado”, encontrada nos regulamentos dos fundos BB PROGRESSIVO II FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO – FII[51], administrado pela Votorantim Asset Management Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda. e Cibrasec Créditos Securitizados Fundo de Investimento Imobiliário – FII[52], administrado pela Oliveira Trust Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A. Trata-se de cláusula que identifica, no regulamento, uma determinada pessoa como cotista conflitado e estipula determinadas consequências, como por exemplo restrição ao voto, caso ela integre o quadro de cotistas.

Outra cláusula que se apresenta importante em face aà problemática levantada neste artigo é a “cláusula de limitação de concentração de cotas”. A imposição de limites ao investidor no ato da aquisição de cotas se justifica, primeiramente, no interesse geral, pois se relaciona aà manutenção da isenção tributária recebida, mas também abarca os interesses do empreendedor, uma vez que oferece meios de resguardar o poder de controle neste fundo. Exemplo dessa cláusula se encontra no regulamento do FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO – FII EDIDÍCIO ALMIRANTE BARROSO[53], proprietário de imóveis locados para agências bancárias da Caixa Econômica Federal e administrado pela Brazilian Mortgages Companhia Hipotecária. Referido regulamento limita a concentração de cotas a 1% para cada cotista, abrindo exceção apenas para a sua locatária Caixa Econômica, que pode adquirir até 25% das cotas.

Conclui-se que as cláusulas citadas acima podem atender aos anseios do empreendedor que visa a impedir ou, ao menos, a inibir, que terceiros possam impor ao Fundo de Investimento Imobiliário interesses contrários ao objetivo negocial do próprio fundo e/ou de seus parceiros ou sócios. Vale mencionar, ainda, que a Comissão de Valores Mobiliários não faz objeção a inclusão de cláusulas restritivas – no regulamento, haja vista que, primeiramente, todas as cláusulas exemplificativas acima citadas foram encontradas em regulamentos que já passaram pelo crivo do referido órgão e ainda estão vigentes. Segundo, conforme se depreende do trecho do Voto CMN nº 426/1978[54] abaixo transcrito, não é objetivo ou competência da CVM exercer julgamento de valor sobre as ofertas registradas e sim fiscalizar e exigir que as condições do investimento sejam amplamente divulgadas e que a oferta seja bastante clara na identificação dos seus riscos:

"A diretiva seguida pela CVM é a de não exercer julgamento de valor, zelando apenas pelo fornecimento adequado de informações por parte das companhias ao público investidor. Este, com base em elementos colocados à sua disposição, tomará a decisão de adquirir ou não os valores mobiliários por elas emitidos. (...) A diretriz básica que orienta esta opção é a de exigir o encaminhamento de certas informações para registro junto ao Órgão regulador; que, por sua vez, estabelece sistemas diretos e indiretos para fazer com que tais informações estejam disponíveis publicamente. (...) O propósito da regulação específica sobre o registro é o de prover uma certa proteção ao investidor, inclusive através da verificação da legitimidade da emissão de valores mobiliários e da legalidade dos atos societários que deram origem, sem, porém, impedir o mercado de funcionar adequadamente, contrabalançando os direitos do investidor e as obrigações dos emissores e demais agentes do mercado.

4 Considerações Finais

Através do presente estudo se pode-se concluir que os Fundos de Investimento Imobiliários podem, de fato, representar um eficiente e vantajoso meio de captação de recursos para o mercado imobiliário, haja vista que cada vez mais investidores estão alocando sua poupança nesstes veículos, atraídos pela possibilidade de a) descentralizar seus investimentos em vários ativos de base imobiliária e ainda assim manter certa liquidez; b) receber rendimentos isentos de tributos; c) contar com uma administração especializada no segmento e d) ainda, poder exercer o poder político e/ou de controle nesste condomínio. A estrutura, seriedade, fiscalização e regulamentação oferecida pelo mercado de capitais vêm complementar o rol de razões pelas quais se pode considerar a aplicação em FIIs um seguro investimento.

Verificou-se que os Fundos de Investimentos Imobiliários também podem ser um rentável meio de operacionalizar atividades imobiliárias, haja vista que lhe é possibilitado auferir os respectivos rendimentos sem a carga tributária que uma pessoa física ou jurídica suportaria ao exercer a mesma atividade. Diante de tal fato, cada vez mais se vê os denominados FIIs integrando parcerias ou estruturas societárias em grandes empreendimentos de renda recorrente, tais como, os que exploram a locação, a exemplo dos shoppings.

Todavia, foram identificadas algumas questões que podem representar risco ao empreendedor que pretende firmar as mencionadas parcerias e/ou sociedades com esstes condomínios de investimento, especialmente, se este empreendedor deseja preservar, ao longo do tempo e, em caso de alienação do empreendimento participado, o direito de preferência. Nesse sentido, através da análise do conceito de poder de controle e da abrangência das matérias de competência da assembleia, verificou-se que a alienação indistinta de cotas pode realmente significar uma porta aberta neste empreendimento para qualquer um que adquira significativa quantidade de cotas.

Em sendo assim, buscou-se, através do presente artigo, identificar meios de inibir a violação do direito de preferência destse empreendedor, tanto quando da intenção do fundo de alienar a propriedade diretamente, quanto pela via indireta, através da negociação de cotas.

Verificou-se que, portanto, que o direito de preferência a ser observado quando da alienação direta do imóvel poderá ser estabelecido em um instrumento contratual autônomo ou como cláusula acessória inclusa em outros contratos firmados entre as partes relacionadas. Entretanto, uma vez que referido contrato não possuirá eficácia real, foram suscitadas determinadas medidas complementares que deve o empreendedor implementar, quais sejam: 1) se tornar-se cotista do fundo; 2) fazer constar no regulamento do fundo menção sobre a existência de acordo de direito de preferência na alienação do imóvel; 3) prever, no regulamento, a impossibilidade que do imóvel serja dado em pagamento aos cotistas no caso de liquidação do fundo, sem, anteriormente, ter-se observado a preferência do empreendedor; 4) estabelecer quóruns altos para alteração do regulamento. Em complemento, sem, contudo, explorar o tema, aventou-se a hipótese de se atentar para a figura associativa ou organizacional que se daoriginará da parceria formada pelo fundo e o empreendedor, uma vez que, a depender dessa, a observação do direito de preferência na venda direta do imóvel pode se tornar uma obrigação legal, dotada, portanto, de eficácia real.

No que se refere ao risco de alienação indireta do imóvel, verificou-se ser possível o estabelecimento de um Acordo de Cotistas que regulamente o direito de preferência na alienação de cotas. Contudo, restou observado que o exercício de tal direito, pelo empreendedor, configurará alienação privada de cotas e isso impedirá que os cotistas e o próprio fundo tenham seus rendimentos isentos de impostos, podendo impactar profundamente a captação de investidores e a própria atividade desenvolvida pelo fundo, senão até mesmo inviabilizá-la. Concluiu-se, portanto, que a alienação privada de cotas não é medida viável, a menos que esteo fundo seja direcionado a instituições que já possuam isenção tributária, ou que a rentabilidade projetada para o empreendimento em questão seja tão elevada que compense suportar a carga tributária.

Se, por outro lado, observado que a concessão do benefício tributário ao fundo é o que interessa ao empreendedor, as cotas só poderão ser negociadas publicamente, o que trará dificuldades para fazer prevalecer seu direito de preferência. As consequências observadas nessa situação de negociação exclusivamente pública das cotas envolvem a possibilidade de inclusão e influência de qualquer pessoa nese condomínio de investimento, ou seja, no empreendimento.

No intuito de neutralizar as investidas dese terceiro não desejado pelo empreendedor, aventou-se ser possível a inclusão, no regulamento, de cláusulas que permitam identificar potenciais cotistas que possam ser considerados conflitados com o fundo e/ou com o empreendedor e/ou em razão da atividade exercida pelo fundo, impondo a tais cotistas determinadas consequências, como, por exemplo, restrição de voto. De igual forma, observou-se que a inserção de cláusula que limite a concentração de cotas atende tanto ao interesse geral do fundo, quanto do empreendedor que visa manter seu poder de controle. Concluiu-se, por fim, que a possibilidade de inclusão de tais cláusulas, ainda que restritivas de direitos, se ampara-se na defesa dos interesses comuns e, principalmente, na qualidade vinculativa do regulamento.

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