INTRODUÇÃO
A Lei 13.964/2019, conhecida como Lei Anticrime, entrou em vigor no dia 23/01/2020. E, por este texto, irei pontuar apenas sua aplicação no âmbito da execução penal. A começar com o destaque de que sua criação recebeu influência de reflexões doutrinárias que se coadunam com parte da vontade popular brasileira. Um querer que é fortemente influenciado pela violência e por uma grande vontade de se fazer justiça.
E quais reflexões doutrinárias podemos constatar pela leitura da lei? São máximas oriundas de uma visão criminológica defensora de que tornando a execução penal mais rigorosa, diminui-se a criminalidade. Pensamento este que, para alguns, traduz-se numa política criminal estruturada no encarceramento, que está preocupado em apenas isolar pessoas, reprimir o crime e o criminoso com a pena em sua dimensão apenas punitivista, desprezando o dever estatal de ressocializar.
Neste sentido, enquanto isso, para alguns, o recrudescimento no cumprimento da pena permanece como a melhor solução para diminuir os índices da criminalidade brasileira, sem olvidar da famosa cifra negra. Não obstante o exposto, existe aquela outra visão jurídica de que o crime se fortalecerá com esta visão de punição ao extremo, sem um forte investimento em educação e principalmente na efetivação da LEP, no quesito qualidade do sistema prisional. Argumenta-se, ainda, que teremos, ao invés de diminuição do crime organizado, o seu fortalecimento. Isso mesmo. Pondera-se que tal recrudescimento subsidiará o crime organizado, como bem explicado na obra que analisou o surgimento e expansão do Primeiro Comando da Capital - PCC.
Porque ao se promover grandes encarceramentos em massa, aumenta-se a população carcerária, e, com isto, as possibilidades para recrutamento de novos membros que, em troca, passam a ter uma garantia de respeito no âmbito prisional sucateado. Bem como de assistência social aos familiares que, em geral, são marginalizados por ter um parente preso, ou seja, que contrariando o princípio da intranscendência da pena sofrem os efeitos dela. Como por exemplo, aquele que não consegue um emprego porque o irmão está preso.
Nestes termos, para os punitivistas, a lei anticrime tem sido vista pela promessa de uma punição por meio da privação da liberdade com maior rigor. Porém, em que pese a mesma política criminal ter demonstrado sinais de fracasso nos países em que foi implementada, aqui no Brasil, além dos punitivistas, a sociedade em geral acredita que a violência diminuirá, cuja crença se radicaliza na expressão: … bandido bom, é bandido morto, mas que pela proibição constitucional da pena de morte, contentam-se com o dizer bandido bom é bandido preso. E contra esta máxima, recomenda-se a leitura da história mexicana do combate ao crime.
“Os custos humanos e econômicos da criminalidade no México atingiram seu máximo histórico. O ano de 2017 foi o mais violento já registrado no país, com mais de 25 mil homicídios — um salto de 50% desde 2015. Os economistas normalmente fazem a distinção entre os custos diretos e indiretos associados à criminalidade.”
Enquanto isso, as massas, em seu senso comum, esperançosamente, aguardam a mudança de cenário. Mais um exemplo do velho legicentrismo, que é a crença de que para cada problema social basta-se criar uma lei.
Quais as raízes da criminalidade? Pensemos em cada caso!
Por este texto não defendo nenhum extremismo, seja o da punição, ou o da impunidade. Do contrário, vislumbro que o caminho a ser seguido é o do equilíbrio, que deve nortear a elaboração de leis, políticas públicas e decisões judiciais. Enquanto isso, voltemos ao cenário.
E assim, para muitos, a Lei Anticrime veio na tentativa de tornar o combate ao crime mais efetivo, eficiente e eficaz sob o prisma do punitivismo, esquecendo-se da viabilidade sob os trilhos da gestão pública e o direito financeiro. Porque ao se analisar uma execução penal na prática, verifica-se unidades prisionais falidas, servidores públicos em péssimas condições de trabalho, esquecidos pelo Estado, num cenário insalubre, sem condições para trabalhar, que dirá de convivência e sobrevivência, e assim de ressocialização. Donde o magistrado, além de Juiz, acaba sendo um gestor do sistema. Embora isso poucos admitam, temos um parâmetro de realidade para se ler as novidades. E assim, cada um analisar se a subsunção e o fiel cumprimento das novidades equilibrarão a gestão da execução penal numa prática onde a escassez é a anfitriã.
Gostaria de agradecer pela leitura, e te convidar para pontuarmos as novidades previstas no Código Penal com reflexos na Execução Penal.
NOVIDADES PREVISTAS NO CÓDIGO PENAL COM REFLEXOS NA EXECUÇÃO PENAL.
NOVIDADE 1 - PENA DE MULTA
Para a execução penal no art. 51 do CP, temos o comando legislativo de que a pena de multa será executada perante o juiz da execução penal.
Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
Como se vê, a pena de multa será executada na Vara de Execuções Penais. Diante disso, temos que pensar em quais autos tramitará, será nos autos da Execução da PPL/RDD no atual SEEU - Sistema Eletrônico de Execução Unificado? Ou teremos a exclusividade de novos autos? Creio que diante do gigantismo deste país, na prática, haverá mais de um modelo procedimental.
O Juiz da Execução Penal poderá utilizar o Bacenjud para executar a pena? Sim. E isso quer dizer que uma vara de execução penal passará a praticar atos dantes ordinariamente manejados apenas nas vara cíveis e trabalhistas.
Pergunta-se, é possível a desconsideração da personalidade jurídica para o cumprimento da pena de multa? A melhor doutrina e jurisprudência dizem que não. E por isso, na prática, toda atenção é importante. Porque, por mais que não ocorra a desconsideração da personalidade jurídica naqueles casos em que a PJ pode ser condenada por “crimes ambientais”, a tese defensiva é para que se evite cobrar a pena de multa do espólio e herdeiros.
Isso mesmo. Porque a pena de multa tem natureza penal, e quem deve pagá-la é o condenado. E no instante da morte dele, enquanto de cujus transmite a herança aos herdeiros, e pelo princípio do Saisine, o patrimônio passa a ser dos herdeiros, ao menos formalmente, como termo inicial para todos os efeitos jurídicos. E assim, cobrar a pena de multa dos herdeiros é transcender a pena para quem não foi punido. É afetar o patrimônio de quem não tem nada haver com a história penal. Então você pensa! Há… mas no cível é possível.
Pois bem, é verdade que no cível é possível. Porém, a multa em questão não é civil, ela é uma pena “direito penal”. E este detalhe é importante e digno de observação para que se evite uma execução penal sobre terceiro pela via oblíqua.
Quem fará a inscrição na dívida ativa, a vara que sentenciou ou a de execução penal? Entendo que será a vara de execução penal. Enquanto o juízo de conhecimento intimará o réu na sentença, e posteriormente fará a remessa da guia de execução para a respectiva vara. Para então, no âmbito da execução penal se proceder a intimação no fim de se dar o cumprimento.
Agora uma pergunta.
Considerando que grande parte dos apenados não têm recursos para o pagamento, qual a viabilidade prática da novidade? É bom pensarmos. Porque em épocas de escolhas drásticas, de um país que tenta sair de uma crise política e financeira, é importante vislumbrar a utilidade de se cumprir todo um procedimento dispendioso cujo resultado tende a violar o princípio da eficiência e economicidade. Princípios, quais devem ser respeitados por todos os poderes constitucionalmente constituídos. Em si, um contexto que sob a ótica econômica do direito, sequer seria objeto de positivação como o foi.
Entendo que deveria haver previsão legal para que o magistrado em cada caso em concreto fizesse o juízo de justa causa para a condenação em pena de multa, bem como em sede de execução também, situação em que previamente o Ministério Público deveria apontar sinais de riqueza, enquanto a defesa demonstrasse a realidade da vida financeira do réu.
Do jeito que está, havendo previsão de pena de multa cominada com a privativa de liberdade ou somente de multa, o magistrado, teoricamente deve aplicar a lei, ou seja, condenar a pena de multa. E caso não condene, haverão aqueles que digam ser uma omissão com reflexos na receita do erário.
Por este motivo é interessante que haja melhor regulamentação sobre o tema, de modo a permitir que o magistrado possa avaliar a efetiva aplicação da pena de multa em cada caso.
NOVIDADE 2 - AUMENTO DO LIMITE DE TEMPO DA PRISÃO.
Como sabemos, o limite por muito tempo foi o de 30 anos, e agora, com a novidade legislativa, temos o limite aumentado para 40 anos.
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.
§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
A partir disso, temos duas situações para aqueles casos em que o apenado já tem uma pena cuja condenação total ultrapassa 30 anos, e assim, nos termos do art. 75 §2 do CP, devemos analisar que sobrevindo nova condenação, desprezará o tempo de pena cumprida e se fará nova soma para fins de atingir o novo teto de 40 anos.
Uma pergunta que gostaria de compartilhar: Este novo limite de 40 anos retroage sobre as penas por crimes praticados anteriormente?
Dito isto vamos aos exemplos.
O limite de 40 anos não pode retroagir |
O limite de 40 anos deve retroagir. |
Apenado 1 - condenação total de 30 anos, com cumprimento de 15 anos até o dia da prisão por novo crime cuja pena é de 25 anos. |
Apenado 2 - condenação total de 30 anos, com cumprimento de 15 anos até o dia da prisão por novo crime cuja pena é de 25 anos. |
Relembre o CP art. 75 § 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido. |
Relembre o CP art. 75 § 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido. |
Caso o entendimento seja que o novo limite não pode retroagir para ser aplicado sobre o cumprimento das penas por crimes anteriores. Neste caso, deve-se desprezar os 15 anos cumpridos, e não aplicar a lei nova sobre os 15 anos remanescentes. Portanto, soma-se os 15 anos remanescentes + nova condenação de 25 anos respeitando o período limite máximo de 30 anos. |
Caso o entendimento seja que o novo limite pode retroagir para ser aplicado sobre o cumprimento das penas por crimes anteriores. Neste caso, deve-se desprezar os 15 anos cumpridos, e daí aplica-se a lei nova sobre os 15 anos remanescentes. Portanto soma-se os 15 anos remanescentes + nova condenação de 25 anos respeitando o limite máximo de 40 anos. |
Nova pena remanescente: 30 anos |
Nova pena remanescente: 40 anos |
Então eu volto a perguntar, lei penal maléfica pode retroagir sobre crime anterior?
Em si, entendo que a lei penal maléfica não pode retroagir sobre crime anterior. E essa vedação deve ser observada em várias nuances, desde para fins de tipificação do que é crime, bem como da quantidade da pena, e principalmente na forma de seu cumprimento. Porque o referido princípio penal, “XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;” surgiu para limitar o poder punitivo do Estado. E a novidade em questão justamente aumenta o poder punitivo dele.
Portanto, frente aos 15 anos remanescentes e a nova condenação teremos que escolher. Escolher respeitar a vedação da retroatividade de lei penal maléfica ou relativiza-la por conveniência de política criminal da atualidade. Qual será o seu entendimento jurídico?
NOVIDADE 3 - O NÃO COMETIMENTO DE FALTA GRAVE NOS ÚLTIMOS 12 (DOZE) MESES PARA FINS DE CONCESSÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL.
Pela novidade em questão o histórico de falta grave do apenado será analisado no interregno de um ano antes, a contar do alcance do dia em que o apenado passou a ter direito ao livramento.
Art. 83 - O juiz poderá conceder o livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 anos, desde que:
I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - comprovado:
a) bom comportamento durante a execução da pena;
b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses;
c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e
d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto;
Frente ao dispositivo podemos constatar que houve uma alteração para analisar o critério subjetivo “comportamento carcerário” que passa a avaliar se houve o cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses. Donde em caso positivo, teremos o impedimento para a concessão do livramento condicional.