Lei Anticrime: as novidades do Código Penal com reflexos na execução penal

Exibindo página 1 de 2
02/02/2020 às 15:44
Leia nesta página:

Algumas reflexões doutrinárias sobre a nova lei, que parece embalar, em sua essência, a visão criminológica defensora de que, tornando a execução penal mais rigorosa, diminuir-se-á a criminalidade. Será?

INTRODUÇÃO

A Lei 13.964/2019, conhecida como Lei Anticrime, entrou em vigor no dia 23/01/2020. E, por este texto, irei pontuar apenas sua aplicação no âmbito da execução penal. A começar com o destaque de que sua criação recebeu influência de  reflexões doutrinárias que se coadunam com parte da vontade popular brasileira. Um querer que é fortemente influenciado pela violência e por uma grande vontade de se fazer justiça.

E quais reflexões doutrinárias podemos constatar pela leitura da lei? São máximas oriundas de uma visão criminológica defensora de que tornando a execução penal mais rigorosa, diminui-se a criminalidade. Pensamento este que, para alguns, traduz-se numa política criminal estruturada no encarceramento, que está preocupado em apenas isolar pessoas, reprimir o crime e o criminoso com a pena em sua dimensão apenas punitivista, desprezando o dever estatal de ressocializar.

Neste sentido, enquanto isso, para alguns, o recrudescimento no cumprimento da pena permanece como a melhor solução para diminuir os índices da criminalidade brasileira, sem olvidar da famosa cifra negra. Não obstante o exposto, existe aquela outra visão jurídica de que o crime se fortalecerá com esta visão de punição ao extremo, sem um forte investimento em educação e principalmente na efetivação da LEP, no quesito qualidade do sistema prisional. Argumenta-se, ainda, que teremos, ao invés de diminuição do crime organizado, o seu fortalecimento. Isso mesmo. Pondera-se que tal recrudescimento subsidiará o crime organizado, como bem explicado na obra que analisou o surgimento e expansão do Primeiro Comando da Capital - PCC.

Porque ao se promover grandes encarceramentos em massa, aumenta-se a população carcerária, e, com isto, as possibilidades para recrutamento de novos membros que, em troca, passam a ter uma garantia de respeito no âmbito prisional sucateado. Bem como de assistência social aos familiares que, em geral, são marginalizados por ter um parente preso, ou seja, que contrariando o princípio da intranscendência da pena sofrem os efeitos dela. Como por exemplo, aquele que não consegue um emprego porque o irmão está preso.

Nestes termos, para os punitivistas, a lei anticrime tem sido vista pela promessa de uma punição por meio da privação da liberdade com maior rigor. Porém, em que pese a mesma política criminal ter demonstrado sinais de fracasso nos países em que foi implementada, aqui no Brasil, além dos punitivistas, a sociedade em geral acredita que a violência diminuirá, cuja crença se radicaliza na expressão: … bandido bom, é bandido morto, mas que pela proibição constitucional da pena de morte, contentam-se com o dizer bandido bom é bandido preso. E contra esta máxima, recomenda-se a leitura da história mexicana do combate ao crime. 

“Os custos humanos e econômicos da criminalidade no México atingiram seu máximo histórico. O ano de 2017 foi o mais violento já registrado no país, com mais de 25 mil homicídios — um salto de 50% desde 2015. Os economistas normalmente fazem a distinção entre os custos diretos e indiretos associados à criminalidade.”

Enquanto isso, as massas, em seu senso comum, esperançosamente, aguardam a mudança de cenário. Mais um exemplo do velho legicentrismo, que é a crença de que para cada problema social basta-se criar uma lei. 

Quais as raízes da criminalidade? Pensemos em cada caso! 

Por este texto não defendo nenhum extremismo, seja o da punição, ou o da impunidade. Do contrário, vislumbro que o caminho a ser seguido é o do equilíbrio, que deve nortear a elaboração de leis, políticas públicas e decisões judiciais. Enquanto isso, voltemos ao cenário.

E assim, para muitos, a Lei Anticrime veio na tentativa de tornar o combate ao crime mais efetivo, eficiente e eficaz sob o prisma do punitivismo, esquecendo-se da viabilidade sob os trilhos da gestão pública e o direito financeiro. Porque ao se analisar uma execução penal na prática, verifica-se unidades prisionais falidas, servidores públicos em péssimas condições de trabalho, esquecidos pelo Estado, num cenário insalubre, sem condições para trabalhar, que dirá de convivência e sobrevivência, e assim de ressocialização. Donde o magistrado, além de Juiz, acaba sendo um gestor do sistema. Embora isso poucos admitam, temos um parâmetro de realidade para se ler as novidades. E assim, cada um analisar se a subsunção e o fiel cumprimento das novidades equilibrarão a gestão da execução penal numa prática onde a escassez é a anfitriã. 

Gostaria de agradecer pela leitura, e te convidar para pontuarmos as novidades previstas no Código Penal com reflexos na Execução Penal. 


NOVIDADES PREVISTAS NO CÓDIGO PENAL COM REFLEXOS NA EXECUÇÃO PENAL.

NOVIDADE 1 - PENA DE MULTA

Para a execução penal no art. 51 do CP, temos o comando legislativo de que a pena de multa será executada perante o juiz da execução penal.

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

Como se vê, a pena de multa será executada na Vara de Execuções Penais. Diante disso, temos que pensar em quais autos tramitará, será nos autos da Execução da PPL/RDD no atual SEEU - Sistema Eletrônico de Execução Unificado? Ou teremos a exclusividade de novos autos? Creio que diante do gigantismo deste país, na prática, haverá mais de um modelo procedimental. 

O Juiz da Execução Penal poderá utilizar o Bacenjud para executar a pena? Sim. E isso quer dizer que uma vara de execução penal passará a praticar atos dantes ordinariamente manejados apenas nas vara cíveis e trabalhistas. 

Pergunta-se, é possível a desconsideração da personalidade jurídica para o cumprimento da pena de multa? A melhor doutrina e jurisprudência dizem que não. E por isso, na prática, toda atenção é importante. Porque, por mais que não ocorra a desconsideração da personalidade jurídica naqueles casos em que a PJ pode ser condenada por “crimes ambientais”, a tese defensiva é para que se evite cobrar a pena de multa do espólio e herdeiros.

Isso mesmo. Porque a pena de multa tem natureza penal, e quem deve pagá-la é o condenado. E no instante da morte dele, enquanto de cujus transmite a herança aos herdeiros, e pelo princípio do Saisine, o patrimônio passa a ser dos herdeiros, ao menos formalmente, como termo inicial para todos os efeitos jurídicos. E assim, cobrar a pena de multa dos herdeiros é transcender a pena para quem não foi punido. É afetar o patrimônio de quem não tem nada haver com a história penal. Então você pensa! Há… mas no cível é possível. 

Pois bem, é verdade que no cível é possível. Porém, a multa em questão não é civil, ela é uma pena “direito penal”. E este detalhe é importante e digno de observação para que se evite uma execução penal sobre terceiro pela via oblíqua.

Quem fará a inscrição na dívida ativa, a vara que sentenciou ou a de execução penal? Entendo que será a vara de execução penal. Enquanto o juízo de conhecimento intimará o réu na sentença, e posteriormente fará a remessa da guia de execução para a respectiva vara. Para então, no âmbito da execução penal se proceder a intimação no fim de se dar o cumprimento.

Agora uma pergunta.

Considerando que grande parte dos apenados não têm recursos para o pagamento, qual a viabilidade prática da novidade? É bom pensarmos. Porque em épocas de escolhas drásticas, de um país que tenta sair de uma crise política e financeira, é importante vislumbrar a utilidade de se cumprir todo um procedimento dispendioso cujo resultado tende a violar o princípio da eficiência e economicidade. Princípios, quais devem ser respeitados por todos os poderes constitucionalmente constituídos. Em si, um contexto que sob a ótica econômica do direito, sequer seria objeto de positivação como o foi. 

Entendo que deveria haver previsão legal para que o magistrado em cada caso em concreto fizesse o juízo de justa causa para a condenação em pena de multa, bem como em sede de execução também, situação em que previamente o Ministério Público deveria apontar sinais de riqueza, enquanto a defesa demonstrasse a realidade da vida financeira do réu.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Do jeito que está, havendo previsão de pena de multa cominada com a privativa de liberdade ou somente de multa,  o magistrado, teoricamente deve aplicar a lei, ou seja, condenar a pena de multa. E caso não condene, haverão aqueles que digam ser uma omissão com reflexos na receita do erário. 

Por este motivo é interessante que haja melhor regulamentação sobre o tema, de modo a permitir que o magistrado possa avaliar a efetiva aplicação da pena de multa em cada caso.

NOVIDADE 2 - AUMENTO DO LIMITE DE TEMPO DA PRISÃO.

Como sabemos, o limite por muito tempo foi o de 30 anos, e agora, com a novidade legislativa, temos o limite aumentado para 40 anos.

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.

§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.

A partir disso, temos duas situações para aqueles casos em que o apenado já tem uma pena cuja condenação total ultrapassa 30 anos, e assim, nos termos do art. 75 §2 do CP, devemos analisar que sobrevindo nova condenação, desprezará o tempo de pena cumprida e se fará nova soma para fins de atingir o novo teto de 40 anos.

Uma pergunta que gostaria de compartilhar: Este novo limite de 40 anos retroage sobre as penas por crimes praticados anteriormente?

Dito isto vamos aos exemplos.

O limite de 40 anos não pode retroagir

O limite de 40 anos deve retroagir.

Apenado 1 - condenação total de 30 anos, com cumprimento de 15 anos até o dia da prisão por novo crime cuja pena é de 25 anos.

Apenado 2 - condenação total de 30 anos, com cumprimento de 15 anos até o dia da prisão por novo crime cuja pena é de 25 anos.

Relembre o CP art. 75 § 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

Relembre o CP art. 75 § 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

Caso o entendimento seja que o novo limite não pode retroagir para ser aplicado sobre o cumprimento das penas por crimes anteriores.

Neste caso, deve-se desprezar os 15 anos cumpridos, e não aplicar a lei nova sobre os 15 anos remanescentes.

Portanto, soma-se os 15 anos remanescentes + nova condenação de 25 anos respeitando o período limite máximo de 30 anos.

Caso o entendimento seja que o novo limite pode retroagir para ser aplicado sobre o cumprimento das penas por crimes anteriores.

Neste caso, deve-se desprezar os 15 anos cumpridos, e daí aplica-se a lei nova sobre os 15 anos remanescentes.

Portanto soma-se os 15 anos remanescentes + nova condenação de 25 anos respeitando o limite máximo de 40 anos.

Nova pena remanescente: 30 anos

Nova pena remanescente: 40 anos

Então eu volto a perguntar, lei penal maléfica pode retroagir sobre crime anterior? 

Em si, entendo que a lei penal maléfica não pode retroagir sobre crime anterior. E essa vedação deve ser observada em várias nuances, desde para fins de tipificação do que é crime, bem como da quantidade da pena, e principalmente na forma de seu cumprimento. Porque o referido princípio penal, “XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;” surgiu para limitar o poder punitivo do Estado. E a novidade em questão justamente aumenta o poder punitivo dele.

Portanto, frente aos 15 anos remanescentes e a nova condenação teremos que escolher. Escolher respeitar a vedação da retroatividade de lei penal maléfica ou relativiza-la por conveniência de política criminal da atualidade. Qual será o seu entendimento jurídico?

NOVIDADE 3  - O NÃO COMETIMENTO DE FALTA GRAVE NOS ÚLTIMOS 12 (DOZE) MESES PARA FINS DE CONCESSÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL.

Pela novidade em questão o histórico de falta grave do apenado será analisado no interregno de um ano antes, a contar do alcance do dia em que o apenado passou a ter direito ao livramento. 

Art. 83 - O juiz poderá conceder o livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 anos, desde que:

I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso;  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - comprovado:

a) bom comportamento durante a execução da pena;

b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses;

c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e

d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto;

Frente ao dispositivo podemos constatar que houve uma alteração para analisar o critério subjetivo “comportamento carcerário” que passa a avaliar se houve o cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses. Donde em caso positivo, teremos o impedimento para a concessão do livramento condicional.

Sobre o autor
Francis Lucena

Francis Lucena - Possui graduação bacharelado em Direito pela Universidade Luterana do Brasil (2013). Bem como graduação licenciatura em História pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (2014). Pós-graduado especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior pelo Centro Universitário Internacional UNINTER. Pós-graduado especialista em Direito Para Carreira da Magistratura pela Escola da Magistratura de Rondônia - EMERON. E pós-graduando em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito - EPD. Experiência no serviço público nas áreas, administrativa e jurídica. Mestrando em Direito Agroambiental pela Universidad Andina Simón Bolívar. E também com projetos sociais, gestão de pessoas e atendimento ao público. Já lecionou as disciplinas jurídicas de Direito Tributário, Financeiro, Trabalho, Empresarial e Previdenciário na UNIJIPA ( http://unijipa.edu.br/ ). Bem como, foi professor universitário vínculo institucional com o Grupo Educacional São Lucas (www.saolucas.edu.br) nas disciplinas de História do Direito, Direito Penal, Leis Penais Extravagantes, Prática Penal e Direito Administrativo. Atualmente professor no projeto Educacional Lucena Ensino Jurídico. E membro do International Center for Criminal Studies e do Instituto Brasileiro de História do Direito. [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos